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A (ir)recorribilidade das decisões interlocutórias nos juizados especiais

17/10/2015 às 15:40
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Nos juizados especiais federais e nos juizados da fazenda nacional, as respectivas leis instituidoras e regulamentadoras, por mais que não façam expressa menção ao recurso de agravo de instrumento, preveem seu cabimento nas entrelinhas.

INTRODUÇÃO

O vertente artigo científico tem como escopo uma análise mais detida acerca da possibilidade de revisão das decisões interlocutórias em sede de Juizados Especiais. Diante da necessidade de um procedimento mais célere e econômico, interessante se faz analisar até que ponto é viável a utilização de medidas com o fito de rever decisões que não atacam o mérito em si do processo. Diante da breve explanação, nota-se a importância e relevância do trabalho cientifico.

Inicialmente faz-se necessário uma breve explanação acerca da figura dos Juizados Especiais.

Em 1995, foi editada a Lei nº 9.099, a qual instituiu os Juizados Especiais Cíveis e Criminais. O objetivo do legislador pátrio, indubitavelmente, foi criar uma “ferramenta” que iria propiciar, em tese, um processo judicial mais célere e econômico, com o desiderato de facilitar a concretização do princípio constitucional do acesso à justiça, vez que muitas pessoas não levavam litígios à apreciação do Judiciário por não terem condições financeiras para custear um processo, bem como não viam com bons olhos o fato de terem que esperar até mesmo por anos para ver resultado (provimento jurisdicional). Ocorre, todavia, que a supracitada lei instituiu os juizados especiais tão só em âmbito estadual (MARTINS, 2010).

Posteriormente, em 2001, foi editado a Lei 10.259, que instituiu os juizados especiais no âmbito da justiça federal. Alguns anos depois, em 2009, instituiu-se, mediante a Lei 12.153, os juizados especiais da Fazenda Pública.

(Ir)Recorribilidade das decisões interlocutórias nos Juizados Especiais Estaduais (Lei 9.099/95)

O legislador pátrio, ao editar a Lei 9.099/95, não fez menção à figura do Agravo (Retido ou de Instrumento) – recurso cabível para reexaminar questões que não dizem respeito ao mérito da ação, as chamadas decisões interlocutórias. Porém, tal ausência não se deu por mero esquecimento ou desleixo por parte do legislador. Longe disso. A não previsão da figura do Agravo, no âmbito dos juizados especiais estaduais, se deu propositadamente. Explica-se.

Como preceituado na introdução do vertente trabalho científico, os princípios basilares dos juizados são dois, quais sejam: celeridade e economia processual. Como o objetivo principal, quando da criação dos juizados, era o nascimento de um processo mais célere e menos oneroso, o legislador entendeu por bem não prever hipótese de cabimento de Agravo, vez que este tornaria mais morosa a efetiva prestação jurisdicional.

O tema em discussão, porém, não é pacífico na doutrina pátria. Existem doutrinadores que entendem que, de fato, o legislador foi claro ao não prever hipóteses de cabimento do recurso em exame, deixando transparecer a visão da impossibilidade de interposição de Agravo. Outrossim, a Lei 9.099/95:

“impõe a realização da instrução e julgamento em uma única audiência, não devendo haver interrupção da audiência nem mesmo se as partes apresentarem documentos, e todos os incidentes que possam interferir no andamento do feito serão resolvidos de plano [...] ao proferir o juiz alguma decisão incidental na audiência, se houvesse a possibilidade de a parte recorrer de tal decisão, ter-se-ia que interromper os trabalhos para que a parte ingressasse com o agravo.” (FRIGINI, 1995)

Por outro lado, poderia se dizer que a vedação à interposição do vertente recurso seria obstar o direito das partes de questionar decisões interlocutórias, “podendo inclusive afetar o julgamento da causa, a hipótese de não ser essa decisão interlocutória revista” (CAVALCANTE, 2007).

Por fim, há corrente doutrinária que adota posição intermediária, no sentido de que é cabível a interposição de agravo, com o fito de “evitar irreparável dano à parte e apenas por exceção” (CAVALCANTE, 2007).

Ocorre, todavia, que a não previsão do agravo não ceifa a possibilidade da parte discutir eventual decisão interlocutória que venha a ser proferida. Isso porque as partes, quando da interposição do recurso inominado – utilizado para rever as sentenças nos juizados especiais -, poderão discutir a(s) matéria(s) decidida(s) em sede de interlocutória.

Entretanto, atualmente vem-se admitindo a impetração de Mandado de Segurança quando a parte se encontre diante de decisão que poderá causar danos irreparáveis a sua pessoa (CAVALCANTE, 2007).

Como se sabe, o Mandado de Segurança “é um remédio constitucional utilizado contra autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público, sempre que houver violação de direito líquido e certo” (CAVALCANTE, 2007).

Alguns doutrinadores – corrente minoritária, diga-se de passagem – não são favoráveis a utilização do remédio constitucional em face de atos judiciais, porém a grande maioria, bem como os tribunais pátrios, já vem admitindo, em especial em face de decisões interlocutórias proferidas em sede de juizados especiais, como um sucedâneo recursal.

Ou seja, atualmente o mandado de segurança vem fazendo as vezes – em sede de juizados especiais – de agravo, uma vez que, repita-se, a Lei 9.099/95 não prevê hipóteses de cabimento de agravo e nem sequer faz menção ao referido recurso.

Ocorre, todavia, que uma questão pontual vem gerando grandes discussões doutrinárias, qual seja: a competência para apreciar o mandado de segurança impetrado em face de decisão prolatada por juiz do juizado especial. Seria – tal competência – das Turmas Recursais ou do Tribunal de Justiça ao qual o magistrado está vinculado?

Dois são os entendimentos doutrinários. Explica-se.

A primeira corrente doutrinária aduz que, a competência para apreciar MS impetrado em face de decisão proferida por magistrado do juizado especial é do Tribunal de Justiça ao qual o juiz está vinculado, excluindo-se, tal matéria, da apreciação das Turmas Recursais. A vertente corrente se pauta na ausência de “hierarquia” entre o juiz do juizado especial e o magistrado das turmas recursais, vez que, de fato, ambos são juízes de primeiro grau. Também como embasamento da corrente doutrinária em questão, tem-se a previsão constante no art. 21, VI, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN), bem como – em termos locais – o art. 108, VII, “b”, da Constituição do Estado do Ceará, in verbis, respectivamente:

Art. 21 - Compete aos Tribunais, privativamente:

VI - julgar, originariamente, os mandados de segurança contra seus atos, os dos respectivos Presidentes e os de suas Câmaras, Turmas ou Seções.

Art. 108. Compete ao Tribunal de Justiça:

VII – processar e julgar, originariamente:

b) os mandados de segurança e os habeas data contra atos do Governador do Estado, da Mesa e Presidência da Assembleia Legislativa, do próprio Tribunal ou de algum de seus órgãos, dos Secretários de Estado, do Tribunal de Contas do Estado ou de algum de seus órgãos, do Tribunal de Contas dos Municípios ou de algum de seus órgãos, do Procurador-Geral de Justiça, no exercício de suas atribuições administrativas, ou na qualidade de presidente dos órgãos colegiados do Ministério Público, do Procurador-Geral do Estado, do Chefe da Casa Militar, do Chefe do Gabinete do Governador, do Controlador e do Ouvidor Geral do Estado, do Defensor Público-Geral do Estado, do Comandante Geral da Polícia Militar e do Comandante Geral do Corpo de Bombeiros Militar;

Ou seja, diante da análise dos dispositivos legais supracitados, tem-se que, de fato, a competência deveria recair sobre o Tribunal de Justiça, excluindo-se, sim, as Turmas Recursais.

A segunda corrente, por sua vez, defende o oposto: a competência para apreciar MS em face de decisão de juiz do juizado especial é das Turmas Recursais. O principal fundamento utilizado pelos adeptos a tal posicionamento está contido na Constituição Federal, em seu art. 98, I, que pela importância se faz necessário sua transcrição:

Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:

I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumariíssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau;

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Discorrem, os defensores da corrente em exame, que a disposição constitucional supra teve o desiderato de excluir, da competência da justiça comum, as matérias de menor complexidade, tanto em primeiro grau, bem como em análise recursal. Ou seja, tal previsão teve o “nítido propósito de afastar dos tribunais estaduais o exame de matéria afeta aos Juizados Especiais” (CAVALCANTE, 2007).

Ou seja, seria da competência das Turmas Recursais, sim, o processamento e julgamento de mandado de segurança impetrado contra ao de magistrados dos juizados especiais “diante da disposição constitucional que inclusive prestigia, nesse caso, o critério de competência em razão da matéria” (CAVALCANTE, 2007).

(Ir)Recorribilidade das decisões interlocutórias nos Juizados Especiais Federais e nos Juizados Especiais da Fazenda Pública (Leis 10.259/01 e 12.153/09.)

No âmbito dos Juizados Especiais Federais e Juizados Especiais da Fazenda Pública o quadro sofre uma alteração. Enquanto o legislador inviabilizou a utilização do agravo na esfera dos Juizados Especiais Estaduais, assim ele não o fez nos outros dois juizados, deixando uma margem para interposição do agravo.

As Leis 10.259/01 e 12.153/09, em seus arts. 4º e 5º, e 3º e 4º, respectivamente, assim dispõem:

Art. 4o O Juiz poderá, de ofício ou a requerimento das partes, deferir medidas cautelares no curso do processo, para evitar dano de difícil reparação.

Art. 5o Exceto nos casos do art. 4o, somente será admitido recurso de sentença definitiva.

Art. 3o O juiz poderá, de ofício ou a requerimento das partes, deferir quaisquer providências cautelares e antecipatórias no curso do processo, para evitar dano de difícil ou de incerta reparação.

Art. 4o Exceto nos casos do art. 3o, somente será admitido recurso contra a sentença.

Utilizando-se da hermenêutica jurídica, bem como das técnicas de preenchimento de lacunas – vez que as leis supracitadas não mencionaram qual seria o recurso cabível na espécie – faz-se necessária a aplicação, de forma subsidiária, do Código de Processo Civil, consequentemente o recurso a ser utilizado seria o agravo (de instrumento) (CUNHA, 2013).

Percebe-se, claramente, que, diferentemente do exposto na Lei 9.099/95, as leis que tratam dos juizados especiais federais e dos juizados especiais da fazenda nacional foram mais “flexíveis”, possibilitando a interposição do agravo em face das decisões interlocutórias que causem “dano de difícil reparação”.

Por fim, faz-se necessário ressaltar que as interlocutórias que, aparentemente, não preencham os requisitos dos supracitados dispositivos legais, podem, sim, serem alvos de impetração de mandado de segurança – assim como ocorre nos juizados especiais estaduais, quando o MS faz as vezes de agravo de instrumento.

Conclusão

Pelo exposto no vertente artigo científico, percebe-se que, de fato, ainda há uma resistência no ordenamento jurídico pátrio à figura do agravo no âmbito os juizados especiais (estaduais, federais e da fazenda nacional), prevalecendo os princípios basilares dos juizados, quais sejam: celeridade e economia processual. Todavia, nota-se a mitigação dos mencionados princípios, vez que um remédio constitucional, mandado de segurança, vem sendo utilizado com a mesma finalidade do agravo. Outrossim, nos juizados especiais federais e nos juizados da fazenda nacional, as respectivas leis instituidoras e regulamentadoras, por mais que não façam expressa menção ao recurso de agravo de instrumento, preveem o cabimento nas entrelinhas.


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 11. ed. São Paulo: Dialética, 2013.

DIDIER JUNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil - Vol. 3. 12. ed. Salvador: Jus Podivm, 2014.

CAVALCANTE, Mantovanni Colares. Recursos nos Juizados Especiais. 2. ed. São Paulo: Dialética, 2007.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil - Volume Único. 5. ed. São Paulo: Método, 2013.

FRIGINI, Ronaldo. Comentários à Lei de Pequenas Causas. São Paulo: Livraria de Direito, 1995.

MARTINS, Reno Sampaio Mesquita. O Surgimento dos Juizados Especiais e os Seus Princípios Informativos. 2010. Disponível em: <http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=4107>. Acesso em: 01 jun. 2010.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Matheus Teodoro Ramsey. A (ir)recorribilidade das decisões interlocutórias nos juizados especiais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4490, 17 out. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/36512. Acesso em: 21 nov. 2024.

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