Reflexos do divórcio nos contratos de financiamento habitacional

19/02/2015 às 13:13
Leia nesta página:

O presente artigo pretende analisar e apontar as possíveis consequências de um divórcio ocorrido dentro do período de vigência de um contrato de financiamento habitacional. Para isso utilizar-se-á ampla gama de conceituação de termos chaves para o tema.

 

Sumário: Introdução; 1. Do casamento, do divórcio e do contrato de financiamento habitacional; 2. Dos efeitos do divórcio nos contratos de financiamento habitacionais; Conclusão; Referências Bibliográficas.

 

Resumo: O presente artigo pretende analisar e apontar as possíveis consequências de um divórcio ocorrido dentro do período de vigência de um contrato de financiamento habitacional. Para isso utilizar-se-á ampla gama de conceituação de termos chaves para o tema. Será feita análise de preceitos e institutos fundamentais como o casamento, o divórcio, os contratos de financiamento habitacional, intentando explanar todos os elementos que surtem reflexo no ordenamento jurídico interno.

 

Palavras-chave: Casamento; Divórcio; Contratos de Financiamento Habitacional.

Introdução

As constantes transformações pelas quais passam as relações humanas e os seus reflexos jurídicos são notórios e diuturnamente sentidos por todos os membros de uma sociedade.

Consistindo em um dos mais antigos desejos do ser humano, bem como uma de suas mais latentes necessidades, ser proprietário de uma morada própria é tema recorrente em todas as sociedades ao redor do globo.

Incomensurável o peso e importância da moradia para a manutenção da paz e ordem social que, a mesma encontra respaldo dentro de nossa Carta Magna, especificamente inserida dentro dos direitos sociais, senão vejamos:

“Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação,           o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social,         a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”

Um dos meios encontrados pelo Estado para dar aplicabilidade ao teor do artigo supra transcrito consiste no financiamento de imóveis e, hodiernamente, é um dos modos mais utilizados para garantir a eficácia do direito de moradia.

O contrato de financiamento tem o objetivo específico da aquisição de bem imóvel com fins de moradia, tendo como partes o cliente, o bem financiado, e uma instituição bancária, a financiadora.

Por possuir como objeto um bem imóvel, tais contratos são norteados pelos direitos reais, conforme disposto no Código Civil vigente, em seu artigo 80:

“Art. 80. Consideram-se imóveis para os efeitos legais:

I - os direitos reais sobre imóveis e as ações que os asseguram”;

Por se tratar de direito real se, o contrato de financiamento habitacional for celebrado por pessoas casadas, o mesmo passa a ser regulado com o adicional imposto pela Lei Adjetiva Civil, em seu artigo 1.647:

“Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta:

I - alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis;

II - pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos;

III - prestar fiança ou aval”;

Conforme já dito, por estar em constante mudança, a sociedade também muda a forma como encara alguns direitos, deveres e institutos, como por exemplo a instituição do casamento, já não a vendo mais como eterna, mas sim como passível de término quando qualquer das partes assim o julgar mais acertado, visão esta apoiada pelo instituto do divórcio.

Uma vez concretizado o divórcio de um casal, ocorre uma mudança no status de direito e, surgem consequências jurídicas, e portanto reflexos em várias áreas.

No presente artigo vislumbraremos as consequências do divórcio no contrato de financiamento habitacional.

1. Do casamento, do divórcio e do contrato de financiamento habitacional

Sendo um dos institutos mais antigos no direito, o casamento é de suma importância na estruturação da sociedade, sendo constitucionalmente reconhecido desta maneira, em seu artigo 226:

“Art.226 - A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”.

Sobre o que consiste o instituto do casamento versa Fiuza[2]:

“Segundo nosso direito em vigor, casamento é a união estável e formal entre homem e mulher, com o objetivo de satisfazer-se e amparar-se mutuamente, constituído família. É união estável, diferenciando-se do simples namoro ou noivado, situações que não vinculam o casal. É união formal, com rito de celebração prescrito em lei, diferenciando-se da união estável, que é união livre, embora também receba tratamento legal”.

Não obstante o reconhecimento do casamento civil e, da família, como base da sociedade, a nossa Constituição Federal de 1988 já previra a possibilidade da dissolução do mesmo em seu parágrafo 6º, tendo este sido, inclusive, recentemente, alterado através da Emenda Constitucional nº 66 de 2010:

“Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 66, de 2010)”.

Conceitua da seguinte forma o divórcio Cahali[3]:

 

“Assim como na separação judicial, o divórcio é causa terminativa da sociedade conjugal: porém este possui efeito mais amplo, pois dissolvendo o vínculo matrimonial, abre aos divorciados ensejo a novas núpcias [...].”. 

Ainda com relação ao conceito de divórcio leciona Diniz{C}[4]{C}:

“O divórcio é a dissolução de um casamento válido, ou seja, a extinção do vínculo matrimonial, que se opera mediante sentença judicial, habilitando as pessoas a convolar novas núpcias”.

Acerca da referida Emenda Constitucional nº 66 de 2010 discorre Ferrari Neto[5]:

“A Emenda Constitucional nº 66/2010 tem a finalidade de por fim ao prazo exigido para desconstituição do vínculo matrimonial (de 2 anos para o divórcio direto ou de 1 ano para a conversão da separação judicial em divórcio). São esses os termos dispostos na ementa da própria norma: Dá nova redação ao § 6º do art. 226 da Constituição Federal, que dispõe sobre a dissolubilidade do casamento civil pelo divórcio, suprimindo o requisito de prévia separação judicial por mais de 1 (um) ano ou de comprovada separação de fato por mais de 2 (dois) anos.  Essa Emenda originou-se da Proposta do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). Recebeu, na Câmara dos Deputados o número PEC 413/2005.  Até então havia, como regra, um primeiro momento em que ocorreria a dissolução da vida conjugal, do convívio entre marido e mulher (ou, nos termos do Código Civil, da "sociedade conjugal"); posteriormente, um segundo momento em que se realizaria a dissolução do matrimônio. A exceção era a realização do até então chamado "divórcio direto", mas que dependia da separação de fato do casal por mais de dois anos. O objetivo dessa Emenda foi acabar com o regime da separação judicial”.                         

Por sua vez, o Sistema Financeiro de Habitação, regulamentado pela Lei 8.004 de 1990, dispõe em seu artigo 1º, parágrafo único:         

“Art. 1º O mutuário do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) pode transferir a terceiros os direitos e obrigações decorrentes do respectivo contrato, observado o disposto nesta lei.

Parágrafo único. A formalização de venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão relativas a imóvel financiado através do SFH dar-se-á em ato concomitante à transferência do financiamento respectivo, com a interveniência obrigatória da instituição financiadora. (Redação dada pela Lei nº 10.150, de 2000)”.

Apesar do exposto até o presente momento, ocorre que, inexiste previsão legal em qualquer um dos dispositivos legais citados de como se resolve o contrato de financiamento habitacional frente ao divórcio do casal parte adquirente do imóvel com fim de moradia.

 

2. Dos efeitos do divórcio nos contratos de financiamento habitacionais

Conforme já exposto até o presente momento inexiste disposição legal tratando de maneira específica o que acontece com os contratos de financiamento habitacional celebrado por casal que se divorcia posteriormente.

É aconselhável que, independentemente de disposição contratual, os contratantes informem à instituição financiadora do divórcio, para que a mesma possa tomar as medidas que julgar válida.

O posicionamento doutrinário que impera atualmente é que, o divórcio gera a possibilidade-necessidade de uma revisão contratual, por se tratar de fato superveniente ao contrato de financiamento, enquadrando-se no disposto no artigo 6º, inciso V:

“Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;

II - a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações;

III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; (Redação dada pela Lei nº 12.741, de 2012)

IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;

V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas” [...].

 

O que permite a revisão é notório desequilíbrio contratual para o ex-cônjuge que assumirá a dívida restante, detento a posse do imóvel, que poderá definir novos valores mensais a serem pagos ou dilação do prazo total para adimplemento da obrigação.

Caso o imóvel adquirido por contrato de financiamento habitacional já tenha sido integralmente quitado ele será partilhado como um bem comum, inexistindo qualquer discussão mais aprofundada sobre o tema.

Fato de relevância inquestionável foi o acórdão proferido pela 3ª Turma do Supremo Tribunal de Justiça[6] que, em sede de ação de financiamento imobiliário afirmou que, na ausência de acordo celebrando entre os ex-cônjuges e o órgão financiador, o divórcio não afeta o contrato de financiamento habitacional, discorrendo que existe litisconsórcio ativo necessário:

“EMENTA. RECURSO ESPECIAL. SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA Nº 211/STJ. REVISÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. LITISCONSÓRCIO ATIVO NECESSÁRIO COM EX-CÔNJUGE. OCORRÊNCIA. REGULARIZAÇÃO DO POLO ATIVO. INTIMAÇÃO DOS DEMAIS LITISCONSORTES.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

1. Cuida-se de recurso especial que tem origem na ação revisional de contrato de mútuo habitacional ajuizada somente por um dos contratantes do financiamento imobiliário.

2. Cinge-se a controvérsia a examinar a existência de litisconsórcio necessário em demandas revisionais atinentes ao SFH e as consequências do ajuizamento de ação por somente um daqueles que figurem no contrato de mútuo na qualidade de contratante.

3. A natureza do negócio jurídico realizado pelos mutuários e a possibilidade de modificação da relação jurídica de direito material subjacente determinam, no caso dos autos, a formação do litisconsórcio ativo necessário.

4. O litisconsórcio ativo necessário entre os mutuários em questão é fenômeno que busca preservar a harmonização dos julgados e o princípio da segurança jurídica. Além disso, promove a economia processual, que é um dos fins a que se presta o próprio instituto em evidência, na linha do moderno processo civil que prima por resultados.

5. Reconhecido o litisconsórcio ativo necessário, o juiz deve determinar a intimação daqueles que, como autores, são titulares da mesma relação jurídica deduzida em juízo.

6. Recurso especial não provido.

ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Terceira Turma, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro, João Otávio de Noronha e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 23 de setembro de 2014(Data do Julgamento).

Ministro Ricardo Villas BôasCueva.Relator”.

                                                                                 

Conclusão

Neste artigo, vimos que, da constante mudança do panorama das relações humanas nascem dúvidas jurídicas diariamente.

Através da comunicação entre os institutos do casamento, divórcio e celebração de contrato de financiamento habitacional teve origem a dúvida dos reflexos que os primeiros geram no último.

Inexistindo até o presente momento disposição legal que verse sobre a solução para tal conflito, socorre-nos a doutrina que, aponta para o caminho da revisão contratual, por força do disposto no artigo 6º, inciso V, do Código de Defesa do Consumidor.

Embora ainda inexista consenso uníssono tem-se avançado para uma resposta satisfatória para a melhor resolução da questão levantada no presente artigo acadêmico.

 

Referências bibliográficas

BRASIL. 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. Pesquisa de Jurisprudência do STJ. Jurisprudências relacionadas aos efeitos do divórcio nos contratos de financiamento habitacional. Disponível em:

<https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=37517835&num_registro=201002167950&data=20140930&tipo=5&formato=PDF>. Acesso em: 31out. 2014.

FIUZA, César. Direito Civil: curso completo. 14. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.

CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação.10. ed., rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro.v. 5, 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

FERRARI NETO, Luiz Antonio. Apontamentos sobre a EC 66/2010 que autoriza o divórcio independentemente de separação judicial anterior. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2571, 16 jul. 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/16998>. Acesso em: 31 out. 2014.


[2]{C}FIUZA, César. Direito Civil: curso completo. 14. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. 965.

[3]{C}CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação.10. ed., rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

[4]{C}DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro.v. 5, 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p.280

[5]{C}FERRARI NETO, Luiz Antonio. Apontamentos sobre a EC 66/2010 que autoriza o divórcio independentemente de separação judicial anterior.Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2571, 16 jul. 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/16998>. Acesso em: 31 out. 2014.

{C}[6]{C}BRASIL. 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. Pesquisa de Jurisprudência do STJ. Jurisprudências relacionadas aos efeitos do divórcio nos contratos de financiamento habitacional. Disponível em:

<https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=37517835&num_registro=201002167950&data=20140930&tipo=5&formato=PDF>.

Assuntos relacionados
Sobre a autora
Eline Luque Teixeira Paim

Advogada, graduada em Direito pela Faculdade Municipal de Direito de Franca e pós-graduanda em Direito Contratual pelo Inage - USP Ribeirão Preto

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos