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Execução de contribuições previdenciárias na Justiça do Trabalho:

aspectos polêmicos do do art. 114, § 3º, da CF/88 e da Lei nº 10.035/00

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01/01/2003 às 00:00
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3. ASPECTOS POLÊMICOS DO PARÁGRAFO 3º, DO ART. 114, DA CF/88.

Quando da entrada em vigor do parágrafo 3, do art. 114, da CF/88, acrescido pela Emenda Constitucional n. 20/98, vários questionamentos foram levantados, envolvendo temas relevantes, quais sejam: 1-) É constitucional a atuação de ofício do magistrado trabalhista na execução de contribuições previdenciárias decorrentes de seus julgados ??; 2-) É auto-aplicável a cobrança das contribuições sociais pela Justiça do Trabalho, conforme determinado pelo parágrafo 3, do art. 114, da CF/88; 3-) Como se deve interpretar e aplicar o art. 114, parágrafo 3, da CF/88 ??

A seguir, enfocar-se-á estes temas de forma objetiva, colacionando seus mais importantes delineamentos e tecendo considerações a respeito.

3.1. Atuação de ofício do Juiz do Trabalho nas execuções das contribuições previdenciárias: inconstitucionalidade ??

Inicialmente, é questionado se a atuação de ofício do Juiz do Trabalho, para cobrança de contribuição previdenciária em decorrência de suas decisões/sentenças/acordos, não feriria os princípios da imparcialidade, do devido processo legal e da inexistência do contraditório.

Segundo os defensores da inconstitucionalidade da execução de ofício, haveria a quebra da imparcialidade se o Magistrado iniciar a execução de ofício para cobrar as contribuições sociais, atuando assim, em tese, como parte. Veja-se a lição de Idelson Ferreira: " Ao presidir o processo de execução, mesmo quando este tem por objetivo a apuração e o recolhimento do crédito previdenciário, o juiz participa da relação processual como órgão do Estado, encarregado da prestação jurisdicional, e não no interesse do Poder Executivo. Para tanto, a sua participação deve se limitar à composição dos interesses em conflito; e como é sabido, os interesses do Poder Executivo, no caso da execução das contribuições sociais, nem sempre estão representados por título líquido e certo, pois ainda dependem de um procedimento de liquidação, sujeito a m ato decisório que integra o exercício da jurisdição (...)." [16]

Ainda, doutrinadores criticam que é inadmissível o Juiz substituir-se às partes e promover uma execução de ofício, sob pena de estar desvirtuando seu papel de julgador. Destacam ainda que o INSS pode ter parcelado débitos, pode não ter interesse em executar valores por inexistentes nos termos da legislação. Acabar-se-ia, assim, criando situações esdrúxulas em que o magistrado determinaria a execução, mas não haveria o interesse da Autarquia Previdenciária na execução. Veja-se a crítica de Alexandre Nery: "Tais limites, no entanto, caminham no sentido de não evidenciar amplitude maior do que o pretendido pelo constituinte derivado, eis que inadmissível que o Juiz pudesse substituir-se à manifestação de interesse executório da autarquia federal e prosseguisse a execução à revelia daquele ou ainda em face de manifestação contrária, que não pode ser descartada, tanto mais porque pode o contribuinte compensar créditos previdenciários e mesmo obter, na via administrativa, benefícios que afastariam a inserção da dívida como ativa e apta à execução. (...) A locução "de ofício" contido no parágrafo 3º do artigo 114 da Constituição não pode ter outra interpretação, sob pena de desvirtuar-se o devido processo legal protegido pelo artigo 5º, inciso LV, da Carta vigente, eis que não se lhe pode emprestar a mesma interpretação à execução de ofício quando o trabalhador postula em nome próprio, no exercício do questionável jus postulandi, eis que, neste caso, não apenas há uma razão de política social para tal permissivo processual, como, ainda, porque o sujeito credor é já parte na relação jurídico-processual instaurada, cuja fase executória apenas se faz instaurada e prossegue, em tais casos, por impulso oficial do Juiz. No entanto, em se tratando de execução de contribuição previdenciária, o INSS não será ainda parte, pelo que o impulso oficial do Juiz limita-se, em tal caso, a provocar a autarquia previdenciária à possível execução, eis que, até então, apenas se configurava a relação jurídico processual trabalhista envolvendo em regra trabalhadores e patrões e desconhecida do INSS, que caberá, então, promover, havendo interesse de agir, a devida execução fiscal para cobrar a contribuição previdenciária devida das partes em decorrência da sentença trabalhista proferida, e em face do fato gerador consubstanciado para tanto." [17]

Além disto, ainda asseveram os opositores da execução de ofício para o fato de não haver contraditório, nem devido processo legal respeitado, na execução de contribuições previdenciárias que não foram objeto de discussão ao longo do litígio trabalhista. Não poderia, assim, o magistrado impor uma condenação sem que o reclamante ou o reclamado tenham controvertido e debatido a matéria em sede do processo de conhecimento, nem tampouco o INSS – interessado – tenha participado da contenda.

Argumentam afirmando que não havendo conflito neste ponto, não há lide, nem tampouco possibilidade de condenação, inexistindo título judicial a ser executado. A lição de Carlos Augusto Escafella e Renato Taloy é neste sentido: " Não há que se falar em execução de dívida para com o sistema previdenciário se na ação trabalhista intentada por trabalhador contra empregador não existira, na petição inicial, qualquer pedido de condenação do réu para pagamento de verbas devidas à previdência social, e conseqüentemente, não houvera defesa do réu (mesmo porque para tanto não fora citado). (...) Não é possível a condenação do réu em pagamento de verbas previdenciárias se sequer se instaura conflito de interesses entre o órgão gestor da seguridade social (INSS) e o réu, e tampouco se permitira o contraditório e a ampla defesa. (...) A não existência de lide e do devido processo legal faz com que não se estabeleça a relação processual triangular tão decantada pelos processualistas (autor, réu e estado-juiz) e impede que se efetue qualquer execução de ofício, pelo órgão judicante." [18]

Em conclusão, ainda destacam os opositores que a execução das contribuições previdenciárias é bem diversa das execuções de ofício previstas no art. 878 da CLT. Isto porque nesta houve o contraditório, ampla defesa, devido processo legal, enquanto que no presente caso não há nada disto, não sendo possível execução ex officio sem um título regular. Conclui Salvador Laurino a sua perplexidade: " Se não houve pedido de condenação de parcelas devidas à previdência social, se não houve citação do réu, se não existiu o devido processo legal e se não existiu a possibilidade do réu apresentar defesa, como executar de ofício alguém por aquilo a que jamais poderia ser condenado ? Se não ocorreu qualquer pedido, como pode o Poder Judiciário condenar alguém a pagar contribuição fiscal ou parafiscal ao Estado ? Mas mesmo que não fosse inconstitucional o dispositivo em foco, e se ainda não se houvesse eliminado a etapa do devido processo legal, com a necessária fase cognitiva, há de se indagar: em que título judicial ou extra judicial se embasa a execução que deveria ser iniciada de ofício pelo Judiciário ?" [19]

Por seu turno, os que defendem ser constitucional e possível a execução de ofício das contribuições previdenciárias estabelecem que se a CLT permite a execução ex officio na Justiça do Trabalho, conforme preceituado no art. 878 da Consolidação, e o próprio Código de Processo Civil também traz hipótese de execução de ofício no seu art. 585, nestes termos ainda mais a Constituição Federal de 1988 poderia determinar, como o fez, o manejo da execução de ofício para cobrança de contribuições previdenciárias perante a Justiça Laboral com base no princípio da hierarquia das leis.

Além disto, defendem que o Magistrado manteria a sua imparcialidade mesmo porque estaria apenas desempenhando uma função administrativa ao iniciar a execução ex officio, ordenando então a integração do INSS à lide. [20]

Argumentam ainda que esta função administrativa do juiz de iniciar a execução corresponderia a um lançamento tributário, não se confundindo com sua atividade de julgador em sentido estrito. Tal fato transparece bem nítido na lição de Emerson Odilon: "Nada há, entrementes, que vede ou prive o magistrado do trabalho de proceder a parametrização do devido, assim como, resolver a questão de quem é o devedor. De efeito, ele poderá, com todas as letras, lavrar ao que se denomina de lançamento tributário no que atina às contribuições previdenciárias que haverá de executar de ofício. (...) É esse lançamento, decorrente do Juiz do Trabalho, um ato vinculado, ou seja, decorrente da própria outorga constitucional. Talvez, até para evitar porvindouras confusões, batizá-lo de lançamento ex lege." [21]

Mesmo que não se considere isto, argumentam que existem precedimentos de cunho dispositivo e inquistórios no âmbito judicial. Seria a execução de contribuições sociais inquisitória, realizando o Magistrado Trabalhista uma importante função social nesta seara.

Neste ponto, concluem que o magistrado deve atuar em benefício do bem público ao executar de ofício as contribuições previdenciárias, escapando da pecha individualista e formal que encampa muitas vezes as atuações judiciais. Veja-se a lição de Emerson Odilon neste sentido: "O momento atual, como se vislumbra, é de total unicidade de esforços entre os Poderes da República, que, embora independentes, devem, entre si, ter o máximo de harmonia possível, como, aliás, decorre do próprio texto constitucional (art. 2º). Tão-somente com esse ideário de co-participação é que, com certeza, carrear-se-ão volumosas contribuições previdenciárias que se perdiam no escaninho da vala da sonegação. (...) Fortaleçamos os Poderes, parametrizando sempre as condutas de seus agentes no esteio seguro do Estado Democrático de Direito, com práticas não apenas jurídicas, mas sim, voltadas à conferência de eficácia social às normas, máxime às de envergadura constitucional, e teremos, por curial, um seguro logro quanto aos programáticos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, insertos no art. 3º da Carta Política da plaga brasileira." [22]

Percebe-se que os argumentos de ambos os lados são relevantes. Os que defendem a inconstitucionalidade e inviabilidade da execução ex officio estão mais atrelados a uma visão hermenêutica positivista atrelada a pré-conceitos herdados do liberalismo. Já os que defendem de forma exacerbada a atuação inquisitorial e de ofício dos magistrados, nesta seara e sem condicionantes, exageram e confundem as funções essenciais do Estado e ampliam por demais os poderes dos julgadores.

O certo é interpretar a norma com base em um hermenêutica tópico-estruturante, visando a dar a maior efetividade possível ao dispositivo em análise, percebendo que os poderes estatais se interpenetram na busca da realização e efetivação dos direitos sociais do cidadão trabalhador.

Enfim, o que se deve alcançar é uma interpretação da norma coadunada com o sistema jurídico vigente (em especial com a Constituição), adequando-a à realidade sócio-política subjacente, como se analisará no último item deste capítulo. [23]

Adentra-se, agora, na problemática da auto-aplicabilidade do novel art. 114, parágrafo 3,da CF/88.

3.2. A questão da auto-aplicabilidade do art. 114, parágrafo 3º, da CF/88, acrescentado pela Emenda Constitucional n. 20/98: problema superado.

Logo após a entrada em vigor do novel parágrafo 3º, do art. 114, da CF/88, começaram os questionamentos se se tratava de norma constitucional auto-aplicável. Ou seja, se a norma constitucional acrescida teria todos os elementos em sua estrutura sintática e poderia produzir de plano seus efeitos.

Realmente, a doutrina encontrava-se dividida sobre o assunto. Entretanto, não resta dúvida de que por ser norma que estabelece competência deveria ser considerada de aplicação imediata, só que restava a insegurança de saber qual o diploma legal regeria as execuções das contribuições previdenciárias: a Lei 6830/80; o CPC; a CLT ???

Mesmo assim, vários autores defenderam a auto-aplicabilidade da norma mas sem tecer maiores explanações, apenas destacando que o dispositivo constitucional acrescentado continha todos os elementos para sua plena concretização no âmbito fático. Veja-se a opinião de Geraldo Magela: " Contém o parágrafo 3º acrescido ao artigo 114 da Constituição da República todos os elementos para dotar a norma de eficácia plena. Prescindível a complementação legislativa para que se adote a norma constitucional recém-promulgada. Deveras, já se definem legalmente os parâmetros para fixação das cotas previdenciárias, pela Lei n. 8.212/91. Também existe, no ordenamento positivo, diploma legal que rege a execução fiscal (ou seja, em favor da Fazenda Pública) – Lei 6.830/80. Conclui-se que o novo dispositivo (parágrafo 3º do art. 114/CF) opera com incidência imediata, não carecendo de regras infraconstitucionais para conferir-lhe plena aplicabilidade direta e integral." [24]

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Outros autores, como Ialba-Luza, defenderam a não auto-aplicabilidade do dispositivo constitucional por entender ser necessário norma regulamentadora infra-constitucional. Veja-se: " De início, vem a lume a indagação acerca da auto-aplicabilidade do parágrafo 3º, art. 114. A respeito do fato de seu texto não trazer remissão à regulamentação legal, não se nos afigura auto-aplicável o mandamento constitucional, carecendo de legislação ordinária para regulamentar a forma de sua aplicação." [25]

Contundente também na defesa da não auto-aplicablidade do parágrafo 3º, do art. 114 da CF/88 é José Antônio Ribeiro. Este defende que a norma constitucional não estabeleceu os elementos que permitissem com segurança saber qual o procedimento a ser manejado para as execuções das contribuições previdenciárias perante a Justiça do Trabalho: " Entrementes, a legislação infraconstitucional acerca do processo de execução das mencionadas contribuições sociais, ao que nos parece não confere ao Juiz do Trabalho condições para o exercício, in concreto, do poder jurisdicional que lhe foi cometido." [26]

Além disto, argumenta o referido autor que não há título executivo judicial a ser executado, já que o INSS não participou da lide, não havendo obediência às normas processuais em vigor. Destaca, enfim, a necessidade de se definir os limites da execução e das condições materiais para cumprir esta atribuição constitucional determinada para Justiça do Trabalho. Observem-se as palavras do autor: " para que seja possível a aplicação concreta da norma do mencionado parágrafo 3º, mister que se tome as seguintes providências legislativas: 1-) aprovação de nova Emenda Constitucional que atribua à Justiça do Trabalho também a competência material para o processo de conhecimento, no qual se constitui o crédito tributário do INSS; 2-) que tal Emenda Constitucional delimite claramente a repartição da competência entre a Justiça do Trabalho e a Justiça Federal Comum, para se evitar conflitos no exercício do poder jurisdicional, que certamente ocorrerão quando o devedor constatar que está sendo acossado por duas execuções em razão do mesmo fato gerador, uma em cada daquelas justiças; 3-) promulgação de lei que regulamente o processo de execução das contribuições sociais no âmbito da Justiça Especializada, ou pelo menos defina qual a legislação processual aplicável, e se execução fiscal deve ser processada em autos apartados, o que nos parece mais correto; 4-) edição de lei que dê condições materiais e pessoais para que a Justiça do Trabalho possa executar, de ofício, as contribuições sociais." [27]

A matéria chegou a se tornar até confusa, havendo autores, como Carlos Alberto de Castro e João Lazzari, afirmando que a norma do parágrafo 3º, do art. 114 seria auto-aplicável, mas dependeria de instrumentos processuais para estabelecer como seriam as liquidações de sentença e a execução das contribuições previdenciárias na órbita da Justiça do Trabalho nos processos em curso, nos findos e nos que ainda serão propostos. Veja-se: " Já no início deste estudo nos posicionamos no sentido de que a atribuição da competência de execução de contribuições à Justiça do Trabalho é auto-aplicável. Contudo, tal afirmação é vazia de conteúdo se não se recordar que em direito processual existem lides que ainda serão deflagradas, enquanto outras estão na fase de cognição, em liquidação com execução em pleno curso." [28]

Realmente, os autores acima referidos acabam incidindo em erro de nomenclatura e de delimitação de conceitos [29]. A norma do art. 114, parágrafo 3º, tem aplicabilidade imediata em face de ser norma que define competências, devendo se utilizar do sistema processual vigente até a edição de norma regulamentadora que estabeleça o procedimento que servirá para sua plena eficácia. Esta é a abalizada lição de Guilherme Feliciano que destaca todavia o perigo da ausência de uma norma específica de procedimentos: "Nada obstante, impende que o polêmico naco de competência ora transferido à Justiça do Trabalho seja objeto de minudente regramento, seja mediante lei ordinária, seja por meio de provimentos dos tribunais. Não por outra razão, diversos juízos trabalhistas têm feito tabula rasa do dispositivo em comento, sob o argumento de que não é auto-aplicável. Decerto que há auto-aplicabilidade, em se tratando de norma constitucional definidora de competência (caso típico de norma constitucional de eficácia plena); todavia, conquanto se saiba ´quem fará´, na dicção de Rodrigues Pinto, há grande hesitação sobre como fazer. E essa perplexidade procedimental, se não for sanada, poderá engendrar o fenômeno da ‘desuetudo’. " [30]

Da mesma opinião é José Augusto Rodrigues que destaca a aplicabilidade da norma competencial de imediato, mas destaca a necessidade de instrumentos processuais regulamentadores dos procedimentos de cobrança das contribuições previdenciárias para tanto: " Decerto, ninguém duvidará da auto-aplicabilidade do novo dispositivo constitucional, em vista de ser a determinação da competência simples medida de exercício do poder jurisdicional. Ë claro que autorização da lei para que o juiz exerça o seu poder, em qualquer dos aspectos do exercício (material, pessoal, funcional ou territorial), preenche, por si mesma, a condição de autoridade para atuar, apresentando-se como norma de eficácia plena, conforme a dicção comum dos constitucionalistas. (...) Parece-nos, todavia, muito claro também que para o exercício do poder em concreto, ou seja, na solução da questão de como fazer, são imprescindíveis ao juízo os instrumentos que a lei processual deve pôr-lhe à disposição. E, no particular, ainda que já exista legislação processual aplicável, as dificuldades de manipulá-la, de modo compatível com os fins da nova determinação da competência, têm um grau de intensidade bastante para despejá-la num debate de tal modo renhido e espinhoso que terminará por subtrair-lhe o que não hesitamos em chamar de eficácia prática, isto é, condições para solucionar os problemas que se propõe." [31]

Aparentemente, toda esta discussão perdeu sentido com a edição da Lei 10.035/00 que regulamentou o parágrafo 3º, art. 114, da CF/88. Entretanto, ainda, remanescem algumas dúvidas e questões a serem analisadas no capítulo seguinte como o tipo de procedimento específico a ser manejado, isto porque a novel lei apresenta vários pontos lacunosos.

A seguir, busca-se a correta interpretação para o parágrafo 3º, do art. 114, da CF/88, com base nas modernas teorias de interpretação, em especial na seara constitucional.

3.3. Por uma interpretação razoável da aplicação e efeitos do art. 114, parágrafo 3º, da CF/88.

As normas constitucionais devem ser interpretadas de uma forma diferenciada das normas jurídicas em geral. Isto porque a hermenêutica constitucional objetiva regulamentar toda a contextura jurídico-política básica da sociedade e do Estado, concretizando e garantindo direitos fundamentais. [32]

Neste sentido, deve-se dar às normas constitucionais uma interpretação concretizante, que retire das mesmas o máximo de efetividade jurídica e social, coadunando-as com os interesses da população em geral e com os valores insculpidos no seio jurídico-político-econômico-social. [33]

Não se pode, assim, restringir os efeitos de uma norma constitucional, apenas podendo-se no máximo adequar seu conteúdo/sentido e alcance para realizá-la em consonância com os demais princípios, valores, regras e normas constitucionais.

Em sede constitucional, em especial na interpretação e aplicação de princípios, não existe a tese do tudo ou nada. [34] Ou seja, vale ou não vale, nula ou não nula. O que prevalece na esteia constitucional é um sopesamento de princípios e valores, adequando-os à contextura e à própria evolução social, sempre buscando preservar os direitos fundamentais/humanos e os valores básicos reinantes para proteção contínua da dignidade da pessoa humana.

Várias são as teorias da interpretação/hermenêutica constitucional: teoria metódica-concretizante de Fredrich Müller [35]; a teoria decisionista de Schmitt [36]; a constituição aberta de Häberle [37]; os fatores reais de poder de Lassalle [38]; a concretização dos direitos fundamentais de Canotilho [39] e Jorge Miranda [40]. Mas esta temática refoge ao objetivo precípuo do presente estudo, qual seja: a discussão sobre a execução das contribuições sociais no âmbito da Justiça do Trabalho.

Deve-se, assim, ressaltar que a interpretação constitucional não deve ficar apegada a uma forma dogmática e positivista exacerbada, ligada a modelos estritamente formais que não possuem mais rastro na própria Teoria Geral do Direito. [41]

Tal posição visa principalmente a quebrar a idéia arraigada de que o processo e os procedimentos são intocáveis e suas fórmulas e teorias intangíveis. Ora, este entendimento é algo extremamente conservador e ultrapassado.

Hoje, deve-se entender que a forma só é exigida para dar segurança ao conteúdo. O direito material (substantivo) é que deve ser realizado, sendo o direito processual (adjetivo) um meio de proteção e garantia dos valores, regras e preceitos lá estampados.

Aplicando o acima delineado para interpretação das normas constitucionais em especial, deve-se observar o teor do parágrafo 3º, do art. 114, da CF/88, acrescido pela Emenda Constitucional n. 20/98.

Esta norma constitucional estabelece a execução de ofício de contribuições previdenciárias no âmbito da Justiça do Trabalho em decorrência de acordos ou sentenças.

Qual o valor que esta norma constitucional busca garantir e preservar ?? Já foi respondida esta questão ao longo do presente trabalho. O valor preservado é o atinente ao direito social fundamental do trabalho e da previdência social. Ou seja, a garantia dos direitos previdenciários ao trabalhador e reflexamente à toda coletividade.

A importância desta garantia de direitos previdenciários (amparo à velhice, à doença, à idade) é de tal fundamentalidade que resolveu o constituinte derivado determinar que a execução das contribuições sociais decorrentes de sentenças proferidas pelos magistrados do trabalho serão realizadas de ofício, ou seja, mesmo se não houver provocação.

Houve aqui um temperamento de valores no conflito de supostas normas e princípios, quais sejam: respeito ao devido processo legal clássico versus garantia de direitos trabalhistas/previdenciários ao cidadão trabalhador.

Ora, não há sacrifícios ao devido processo legal decorrentes da exigência de contribuições previdenciárias de ofício na Justiça do Trabalho. O procedimento será seguindo, só que um procedimento novo no âmbito processual para se adaptar à realidade e necessidade de se auferir recursos para a Previdência Pública que de outra forma provavelmente não conseguiria se manter, preservando e garantindo os direitos fundamentais do trabalhador.

Falar, ainda, de perda da imparcialidade do Juiz do Trabalho na execução de ofício de contribuições previdenciárias é errôneo. Não age o Magistrado a favor do ente público estatal (Previdência – INSS), mas em benefício do trabalhador em lide e da comunidade em geral. Isto porque estará a arrecadar valores devidos legalmente à Previdência Social, garantindo recursos a esta entidade que beneficia a uma grande parcela da sociedade, em especial aos inválidos, velhos, aposentados, também protegendo o trabalhador hipossuficiente que terá garantido com a medida seus direitos previdenciários - direitos sociais fundamentais.

Não se deve, também, falar em ausências de procedimentos processuais para tirar a auto-aplicabilidade e eficácia da norma contida no art. 114, parágrafo 3º, da CF/88. Como se trata de execução na seara trabalhista, deve-se aplicar a CLT até que a norma regulamentadora venha a ser editada, como sói aconteceu com a Lei 10.035/00. Não pode a mera alegativa de ausência de normas de procedimento obstacularizar a concretização de direitos fundamentais que amparem o trabalhador, principalmente quando se tem outras normas processuais que podem ser aplicadas analogicamente ou por interpretação extensiva.

O que importa, enfim, é adequar a norma do art. 114, parágrafo 3º, da CF/88, aos demais princípios e valores constitucionais, buscando dar-lhe a maior efetividade jurídico-social possível, beneficiando os trabalhadores de todo o país na preservação em especial dos direitos previdenciários e adequando os conceitos e institutos positivos da dogmática, principalmente a processual, à realidade fático-social subjacente.

Vista, assim, a interpretação que se deve dar à norma do parágrafo 3º, do art. 114, da CF/88, adentra-se à análise da aplicação da Lei 10.035/00 em seus aspectos mais polêmicos.

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Sobre o autor
Marcos André Couto Santos

procurador federal junto ao INSS em Recife (PE), mestre em Direito Público pela UFPE, professor universitário

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Marcos André Couto. Execução de contribuições previdenciárias na Justiça do Trabalho:: aspectos polêmicos do do art. 114, § 3º, da CF/88 e da Lei nº 10.035/00. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 61, 1 jan. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3657. Acesso em: 18 abr. 2024.

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