Artigo Destaque dos editores

Execução de contribuições previdenciárias na Justiça do Trabalho:

aspectos polêmicos do do art. 114, § 3º, da CF/88 e da Lei nº 10.035/00

Exibindo página 3 de 6
01/01/2003 às 00:00
Leia nesta página:

4. ASPECTOS POLÊMICOS DA LEI 10.035/00.

Agora, observar-se-ão aspectos e questões intrincadas da Lei 10.035/00 de forma objetiva e pontual, nos termos da doutrina e jurisprudência atuais.

As questões fundamentais a serem analisadas são em especial: 1-) Qual seria a legislação processual aplicável para regular as execuções de contribuições previdenciárias na órbita da Justiça do Trabalho ??; 2-) Qual a posição do INSS dentro do processo, e a forma de atuação da Autarquia perante as execuções de contribuições previdenciárias na Justiça do Trabalho ??; 3-) A sentença trabalhista seria um título executivo judicial para fins da cobrança de contribuições sociais ??; 4-) Qual seria a conexão entre a Lei 10.035/00 e os princípios do direito processual do trabalho ?? A seguir, adentra-se à análise deste tópicos.

4.1. Qual a legislação processual a ser aplicada nas execuções das contribuições previdenciárias perante a Justiça do Trabalho: a Lei 6.830/80, a CLT, o CPC ??

Como atestado em item anterior desta monografia (item 3.2), existia com a vigência da Emenda Constitucional n. 20/98 (art. 114, parágrafo 3º) um celeuma de qual a legislação processual aplicável para a cobrança executiva das contribuições previdenciárias no âmbito da Justiça do Trabalho.

Havia 2 (duas) correntes em face da suposta lacuna legal, uma que entendia aplicável a CLT e subsidiariamente o CPC, e a outra corrente que defendia o manejo da Lei 6.830/80 (Lei de Execuções Fiscais).

Este questionamento é de fundamental importância prática, já que a aplicação de uma exclui a imposição da outra lei, principalmente quando se sabe haver no mínimo 12 (doze) diferenças substanciais entre o procedimento adotado na CLT e na Lei 6.830/80, o que pode em caso de dúvida causar grave perturbação à segurança e à ordem jurídica. [42]

Primeiro, os doutrinadores que apoiavam a aplicação da Lei 6.830/80 às cobranças das contribuições sociais no âmbito da Justiça do Trabalho, afirmam que tal lei trata da execução de tributos, não havendo qualquer remissão possível à CLT. Defendem que a competência e a lei aplicável são determinadas pela matéria e pelo objeto da execução que, in casu, são contribuições previdenciárias/sociais, tributos regidos por uma legislação própria. Esta a tese de Carlos Alberto e João Lazzari: "Sendo a LEF (lei de execuções fiscais) norma que se aplica à cobrança da Dívida Ativa dos entes públicos (art. 1º), e que a própria lei estabelece o conceito de Dívida Ativa como sendo ‘qualquer valor, cuja cobrança seja atribuída por lei às entidades de que trata o art. 1º’(art. 2º, parágrafo 1º), de natureza tributária ou não, com os acréscimos legais (parágrafo 2º), impõe-se a sua aplicação à cobrança das contribuições prevista no novel parágrafo 3º do art. 114 da Constituição. " [43]

No mesmo sentido, Alexandre Nery de Oliveira defendia a aplicação da Lei 6.830/80 na cobrança das contribuições sociais a serem executadas perante a Justiça do Trabalho, asseverando que a exigência das contribuições só se faria depois de finda a execução trabalhista propriamente dita. Veja-se a lição do abalizado mestre: "Neste sentido, o processo do executivo fiscal se instaura quando já encerrada a execução trabalhista, não se confundindo as partes envolvidas numa e noutra relação processual, nem ainda os ritos possíveis para cada execução, dadas as especificidades envolvidas, ainda que o Processo do Trabalho admita em muito a subsidiariedade das normas da Lei 6.830/80 na fase executória trabalhista. (...) Mais: com a aplicação inequívoca da Lei 6.830/80 ao rito de execução da contribuição previdenciária, após a consubstanciação do fato gerador previdenciário (pagamento de remuneração ou verba correspondente), evitam-se problemas concernentes às possibilidades de impugnação dos valores dos cálculos trabalhistas envolvendo também parcelas contributivas que podem ser posteriormente questionadas pela autarquia previdenciária, razão porque deve o Juízo trabalhista abster-se de declarar o valor devido, enquanto não integrado o INSS à relação processual própria, no momento em que gerado o fato possibilitador da cobrança previdenciária, e de modo, também, a permitir que o recolhimento, em se fazendo voluntariamente, não acarrete inoportuna e antecipada execução previdenciária, eis que esta, na seara processual, deve apenas evidenciar-se ao modo forçado, quando caracterizada resistência da parte ao recolhimento regular, seja por fazê-lo a menor, seja por não efetivá-lo, ou seja, quando configurada a lide concernente à execução da contribuição previdenciária decorrente de não recolhimento ou recolhimento a menor do valor incidente sobre créditos reconhecidos em sentença proferida pela Justiça do Trabalho." [44]

Por fim, Sérgio Pinto Martins também concluía pela necessidade de aplicação da Lei 6.830/80 para as execuções de contribuições previdenciárias perante a Justiça do Trabalho, por se tratar de dívida ativa da União: " Para a cobrança será observada a Lei n. 6830/80 que é a lei de execução fiscal, por se tratar de dívida ativa da União, que é o INSS (art. 1º)." [45]

Quanto aos defensores da aplicação da CLT, argumentam estes doutrinadores basicamente que a execução promovida no presente caso não tem apoio em Certidões da Dívida Ativa – CDAs, mas em sentenças – títulos judiciais, não havendo assim execução de dívida ativa de autarquia federal, o que impede a aplicação da LEF – Lei de Execuções Fiscais (Lei 6.830/80). Bem sintética a lição de Ialba-Luza: "Inicialmente, há que se levar em conta que a execução de ofício da contribuição previdenciária resultante da sentença ou acordo celebrado tem por base um título executivo judicial, enquanto que a execução fiscal parte de um título exetutivo extrajudicial: a certidão da dívida ativa." [46]

Emerson Sandim também defende a aplicação da CLT na execução de contribuições previdenciárias. Argumenta que causaria muito tumulto processual a aplicação de regras distintas para a execução trabalhista e previdenciária perante a Justiça do Trabalho, o que traria prejuízos evidentes para os jurisdicionados. Veja-se a lição: " Sem contar que, após apurado os cálculos do crédito da Previdência Social, serão eles homologados na linha do preconizado pela CLT, já que a Lei das Execuções Fiscais nada dispõe a respeito. (54) E, assim sendo, não seria crível que, por um lado, aceitasse a regra de regência da Justiça do Trabalho e, por outro, entendesse viável a Lei dos Executivos Fiscais. E, por fim, se esta última fosse a aplicável, aí sim, poder-se-ia pensar até em substituição do bem penhorado a pedido do INSS (art. 15, inciso II), cancelamento da certidão de dívida ativa (!?) pela Previdência (art. 26), imposição de verba honorária quando do solvimento do crédito securitário (art. 2º, § 2º, parte final), o que, a toda evidência, deformaria toda a configuração da executividade trabalhista. Seria um hibridismo indesejável sem qualquer base jurídico-constitucional. (...) Para dar sentido ao texto superior, nada mais há de ser feito do que a aplicação da Consolidação das Leis do Trabalho tangentemente à execução das contribuições previdenciárias. (...) Visto sob este prisma, repita-se, nada há de controvertido no campo da aplicação das normas do ‘processo trabalhista’ no trato da questão ora enfocada. (...) E, para por uma pá de cal sobre o assunto, ao meu sentir, no instante em que a Lei nº 10.035, de 25/10/2000, veio à lume com o intento de alterar ‘a Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, para estabelecer os procedimentos, no âmbito da Justiça do Trabalho, de execução das contribuições devidas à Previdência Social’, teve-se uma indiscutível preferência pela CLT como norma de regência na temática aqui enfocada." [47]

A discussão, no presente caso, perdeu o fundamento, salvo melhor juízo, diante da edição da Lei 10.035/00 que tratou de alterar a CLT para adaptá-la à execução das contribuições previdenciárias na órbita da Justiça do Trabalho. Preferiu-se, assim, a aplicação da CLT ao procedimento da Lei 6830/80. [48]

Realmente, agiu bem o legislador em manter a uniformidade os procedimentos no processo de execução para cobrança coativa tanto créditos trabalhistas, quanto previdenciários.

4.2. A posição do INSS no processo: parte, terceiro interessado ??? A atuação da autarquia previdenciária em juízo.

Interessante observar qual a posição processual do INSS na execução das contribuições previdenciárias decorrentes das sentenças, acordos e decisões trabalhistas. Seria o INSS parte, terceiro interessado ou que tipo de figura/ente na esfera processual ??

Primeiro, realmente não é o INSS parte porque somente é parte (autor/réu) quem participa da lide na fase cognitiva, e a Autarquia Prevideciária somente ingressa na contenda na fase de execução do acordo/julgado.

Poder-se-ia argumentar que a Autarquia deveria ser citada como litisconsorte necessária para acompanhar a lide na fase de conhecimento. Tal fato, entretanto, constitui-se em uma interpretação esdrúxula porque afetaria e delongaria por demais o processo já que o INSS tem vários privilégios processuais na fase cognitiva; além disto, o que aconteceria no caso do empregado ter julgado improcedente o seu pleito na reclamatória trabalhista, o INSS seria condenado em custas e honorários ?? Enfim, esta interpretação de citar o INSS como litisconsorte é desarrazoada.

Segundo, argumenta-se também que o INSS seria um terceiro interessado na lide. Ora, a figura do terceiro interessado no processo só existe na fase de cognição, não se aplicando nas execuções. Além do que, o INSS não é mero interessado, seria a Autarquia credora de valores a serem recebidos na esfera judicial.

Por esta razão, não seria o INSS um terceiro estranho à lide, mas credor na fase executiva mesmo sem ter participado do processo de conhecimento. Esta é a posição elencada por Guilherme Feluiciano: "; o INSS é, "in casu", credor, na forma do art.566, I (embora não conste como tal na sentença, por não ter participado da relação processual cognitiva); é, portanto, parte - e não terceiro, vez que os conceitos se contrapõem - no processo de execução. E credor não é terceiro exatamente porque é aquele titular de relação jurídica, enquanto que este detém, segundo a lei, mero interesse de intervir (art.499, §1o, do CPC)." [49]

Outros autores, como Eduardo Gabriel Saad, ainda defendem que a sentença trabalhista é para o INSS um título executivo a ser executado em ação/processo distinto perante a Justiça do Trabalho. Desta forma, exclui o INSS da condição de parte na lide ou de terceiro interessado, constituindo de modo originário uma outra relação jurídico-processual autônoma. Veja-se a tese do referido autor: " Eduardo Gabriel Saad, de sua parte, enfrenta o tema sugerindo que a sentença trabalhista, prolatada no bojo da ação reclamatória consignando o crédito previdenciário, ‘será o título executivo em ação distinta’. É dizer: não caberia ao juiz, no início da execução, chamar o INSS a fixar o valor certo do débito previdenciário da empresa, associando-o àquele outro havido com o empregado-reclamante; ao INSS incumbiria, ‘a posteriori’, valer-se do título para, em ação autônoma (de execução de título judicial?) perante a Justiça do Trabalho, executar o crédito. A sugestão não convence, seja pelo que tem de inusitado - afinal, é regra assente no direito processual que os títulos executivos judiciais sejam executados imediatamente à prolação da sentença, mormente nos mesmos autos, sem solução de continuidade -, seja porque corresponde a uma interpretação ‘contra legem’: ‘o comando vazado no preceito constitucional é taxativo em impor ao juízo trabalhista que proceda à execução de ofício das contribuições decorrentes de sentenças trabalhistas, e não que ele constitua título judicial para, em ação distinta, executar-se a contribuição’." [50]

A perplexidade nesta posição é clara, já que o título serviria para constituir uma ação executiva autônoma, o que literalmente afrontaria o art. 114, parágrafo 3º, da CF/88, negando aplicação à Lei 10.035/00, que expressamente determina a execução de créditos trabalhistas e previdenciários de forma conjunta e nos mesmos autos. Encontra-se, pois, afastada também esta interpretação.

Como se atesta pela análise dos argumentos e teses acima colacionados, ocorre um imenso vácuo doutrinário para definir a posição processual do INSS na lide, a fim de dirimir dúvidas sobre sua capacidade postulatória de recorrer, atuar e cobrar os créditos previdenciários devidos no âmbito da Justiça do Trabalho.

A própria doutrina se espanta, demonstrando a insuficiência dos ensinamentos e conceitos clássicos para atingir a realidade envolvendo os fatos. Veja-se a síntese deste pensamento: " Ainda na esteira das perplexidades causadas pela norma inserta na Emenda, tem-se que o INSS, sem ter composto a lide na condição de parte, surge na execução como terceiro interessado, na condição de credor-exeqüente, sem sequer peticionar nos autos para tanto. Tal excrescência demonstra a ausência de preocupação do legislador com as questões processuais, ferindo os princípios básicos de composição das lides, isentando o Instituto de demonstrar interesse processual para a obtenção dos seus créditos. Dessa forma, o INSS aparece na lide dotado de privilégios ímpares, sem que as partes o tenham convocado. Não se pode dizer que o INSS é parte na ação, pois dela não participou na condição de terceiro interessado, eis que da decisão judicial lhe resultam créditos exeqüíveis, poderia a Autarquia recorrer de decisão em fase de conhecimento ??." [51]

Rodrigues Pinto, também, denota seu assombro em face da posição do INSS neste tipo de lide trabalhista para cobrança de créditos previdenciários. Ateste-se: "Não pode haver dúvida, pois, de que o INSS é parte ativa na execução de sentença destinada ao cumprimento forçado pelo empregador da prestação que lhe é devida. Só admitiríamos vê-lo como terceiro interessado para evitar a perplexidade de aceitar que alguém que não foi parte na ação de conhecimento possa surgir, praticamente do nada, como credor da obrigação sentencial na execução." [52]

Realmente, para perceber a posição do INSS na lide deve-se atentar para natureza da relação jurídico-processual e de cunho material em que a Autarquia se encontra envolvida no caso de execuções de contribuições decorrentes de sentenças trabalhistas. A interpretação a ser dada para adequar a norma à realidade subjacente é necessária, a fim de fugir às teses de inconstitucionalidade ou ilegalidade.

Primeiro, a decisão/sentença que condenasse ao pagamento das contribuições não decorreria de uma decisão judicial, mas sim não jurisdicional de cunho administrativo. Tal fato não causa surpresa, já que há procedimentos de jurisdição voluntária perante a Justiça do Trabalho, tal como o pedido de homologação de demissão de empregado estável – art. 492 da CLT.

Assim, a condenação ao pagamento de contribuições previdenciárias seria uma mera decorrência lógica da condenação ao adimplemento de valores ou à anotação/retificação da CTPS no caso de procedência do pedido da reclamatória, agindo o Juiz neste caso como quase um agente fiscal ao fazer incidir as contribuições sociais sobre o quantum devido ao empregado.

Como se vê, não se trata a fase executiva das contribuições previdenciárias num prolongamento puro e simples da contenda e da relação jurídico-processual-trabalhista, mas sim numa forma administrativa-judicial de exigir contribuições sociais devido à ocorrência do fato gerador do tributo/contribuição com a prolatação e trânsito em julgado da sentença/acordo trabalhista. Segundo Emerson Sandim esta foi a intenção do legislador: "Não se me afigura qualquer dúvida. Posto que, se a execução é de ofício, assim o tencionou a lei exatamente para não se fazer presente qualquer imprescindibilidade do cometimento de atos processuais pelo lado do credor. Do contrário, a norma não teria projetado o instituto da execução de ofício, mas sim, como de regra, tê-lo-ia deixado à mercê da parte, como se infere do princípio dispositivo. (....) Agora, compete aos juízos trabalhistas a prática de todos os atos tendentes a satisfazer créditos daquela entidade autárquica federal (...) Não se trata apenas do ato incoativo (iniciativa da execução), mas de todas as práticas que conduzam ao integral pagamento de dívidas previdenciárias." [53]

Bem sintetiza esta visão também Edilton Meireles que vê nas execuções de contribuições previdenciárias uma atuação anômala de cunho administrativo do Juiz do Trabalho ao exigir um tributo fruto de um fato gerador ocorrido, qual seja: a prolatação de uma sentença trabalhista condenatória ou a formalização de um acordo trabalhista homologado. Veja-se a lição do doutrinador: "Em princípio, poder-se-ia alegar que o título é judicial, pois decorrente de uma decisão proferida por órgão judicante, pelo magistrado. Porém, é preciso lembrar que, para o título judicial ser formado, é indispensável a presença do credor e do devedor da obrigação na relação jurídica processual. (...) Porém, não foi a intenção do legislador incluir o INSS como parte necessária em toda relação processual trabalhista em que haja cobrança de vantagem decorrente da relação trabalhista e sobre a qual incida a contribuição previdenciária. (...) A decisão do magistrado que institui o título respaldador da execução previdenciária prevista no §3o do art.144 da CF/88 é, pois, de natureza administrativa. (...) Ela se equipara à decisão do juiz que, numa ação trabalhista, condena o vencido a pagar custas processuais. (...) Ao fixar o valor sobre o qual incidirão as custas, o juiz não está sentenciando, isto é, exercendo sua função jurisdicional, mas, sim, apenas cumprindo uma de suas muitas funções anômalas, de cunho administrativo. Está, em outras palavras, cumprindo uma das etapas necessárias ao lançamento tributário, isto é, ´o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo o caso, propor a aplicação da penalidade cabível´ (art. 142 do CTN). O juiz, em verdade, age como se fosse um agente fiscal que, diante do fato gerador, lança o tributo, para ser cobrado a quem de direito. (...) Situação idêntica, agora, tem-se com a contribuição previdenciária (...) O juiz trabalhista, verificado o fato gerador da obrigação tributária previdenciária, deverá proceder ao lançamento do crédito previdencial. Deverá expedir um título executivo administrativo equiparado à certidão da dívida ativa." [54]

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Pode-se aceitar realmente que a doutrina e os conceitos clássicos do direito processual não se aplicam para o entendimento da posição do INSS nas execuções de contribuições previdenciárias, isto porque o que se envolve nesta seara é a ocorrência de um fato gerador para exigência de um tributo, no qual o INSS diligenciará para efetuar a sua cobrança com o apoio na atuação de ofício do Magistrado Trabalhista, uma atividade de cunho realmente mais administrativo. Até por causa disto, defendemos que a Autarquia Previdenciária só teria legitimidade para recorrer de decisões na fase de execução que versassem sobre critérios legais para estabelecer o quantum de contribuições previdenciárias devidas.

Emerson Odilon Sandim defende mesmo que o INSS deve participar de forma mínima e subsidiária da lide mesmo na fase de execução, devendo o Magistrado de ofício escutir e cobrar as contribuições devidas diante do caráter eminentemente administrativo da exigência destes tributos. Argumenta que a atuação do INSS na contenda na fase executiva e em todos os seus momentos conduziria a um grave tumulto processual e afrontaria a própria vontade da lei (mens legis). Veja-se: "Tal processo executivo, que nascera pela via do ofício, se se compelir o INSS, a nível de seu setor jurídico, para a conferência dos cálculos de liquidação, tornar-se-á tão moroso que, solarmente, a imediação que se pretendeu, com a norma maior, esboroar-se-á. (...) Exemplos dessa delonga? Teríamos muitos e, por amor à brevidade, ei-los alguns deles: (...) a) a notificação do Procurador da Previdência Social haverá de ser pessoal, se se pretender que o órgão previdenciário revele-se através de seu corpo jurídico e, sabidamente, existem Varas do Trabalho que distam mais de quinhentos (500) quilômetros da sede de uma Procuradoria, tendo em vista a dimensão geográfica do Brasil e, por outro lado, mais uma agravantes se afigura, qual seja, o número infinitesimalmente diminuto de Procuradorias Regionais; (...) b) os prazos, em casos que tais, em havendo alguma irresignação recursal manejada pela Procuradoria da Previdência, serão duplicados para a Previdência Social, inobstante tratar-se de uma autarquia federal; (...) c) se houver um julgamento desfavorável ao INSS, no que se afina com a questão numérica, deve-se lhe aplicar o duplo grau de jurisdição (Lei nº 9.469/97, art.10). (...) Será que é essa dilargação temporal toda, que a regra ínsita no art. 114, § 3º, da Lei Mater, ansiou, ao valer-se da executividade de ofício das contribuições sociais? É claro que não. Tal situação, incontestavelmente, prestaria um desserviço à higidez tributária e perderia a própria razão de ser do rasgo constitucional às regras mais ortodoxas do processualismo vigente, como a do conhecido princípio da demanda (art. 2º, do Código de Processo Civil)." [55]

Mesmo respeitando tal posição, a própria Lei 10.035/00 determinou a participação do INSS na lide, podendo até recorrer das decisões, apresentar cálculos e cobrar supostas diferenças que entenda devidas: "Art. 832 (...) § 3º As decisões cognitivas ou homologatórias deverão sempre indicar a natureza jurídica das parcelas constantes da condenação ou do acordo homologado, inclusive o limite de responsabilidade de cada parte pelo recolhimento da contribuição previdenciária, se for o caso. Art. 878-A. Faculta-se ao devedor o pagamento imediato da parte que entender devida à Previdência Social, sem prejuízo da cobrança de eventuais diferenças encontradas na execução ex officio. Art. 879 (...) § 3º Elaborada a conta pela parte ou pelos órgãos auxiliares da Justiça do Trabalho, o juiz procederá à intimação por via postal do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, por intermédio do órgão competente, para manifestação, no prazo de dez dias, sob pena de preclusão."

A Autarquia, independentemente do rótulo processual que venha a obter na participação na lide nos termos da legislação vigente acima referida, terá uma atuação importante na execução das contribuições previdenciárias no âmbito da Justiça do Trabalho.

Deve-se asseverar, enfim, que o interesse do INSS na lide diz respeito à cobrança das contribuições sociais devidas, sendo o estabelecimento de sua posição processual, data vênia, filigrana de cunho formal que apresenta, de certo modo, parco interesse prático. O importante é tentar operacionalizar a referida execução, a fim de se efetivar e garantir os direitos previdenciários do trabalhador hipossuficiente e manter equilibrada contábil e atuarialmente a Previdência Social.

A seguir, analisa-se topicamente o conteúdo do título judicial objeto da execução das contribuições previdenciárias, diante de sua feição/natureza tributária.

4.3. A sentença e/ou acordos trabalhistas são titulos executivos judiciais ou extra-judiciais ou não são títulos formais para cobrança de contribuições sociais ??

Outro tema muito polêmico discutido é a natureza jurídica da sentença/acordo trabalhista como título para execução de contribuições sociais (tributos) dentro de uma lide/contenda, compatibilizando o procedimento às normas de cunho eminentemente tributário.

As dúvidas se dirigem às seguintes indagações: Seria a sentença/acordo, para fins de execução das contribuições previdenciárias, um título judicial ou extra-judicial, tendo em vista a não participação do INSS na lide durante a fase de conhecimento (cognitiva) ?? A sentença/acordo conteria uma determinação de cunho administrativo ao tratar das contribuições sociais, tornando o Juiz um ente lançador de tributos (contribuições sociais) ?? Seria afrontada a legislação tributária na cobrança de contribuições sociais perante a Justiça do Trabalho sem prévio procedimento administrativo, diante das normas do Código Tributário Nacional ?? A seguir, analisar-se-á as diversas opiniões a respeito.

A primeira interpretação leva à conclusão de que a sentença/acordo constitui um título judicial para fins de execução de contribuições previdenciáras na órbita da Justiça do Trabalho. Fundamenta-se esta tese nas referências que a Lei 10.035/00 firma quanto à necessidade do Juiz do Trabalho nas sentenças e acordos indicar as parcelas a serem pagas, estabelecendo os limites de responsabilidade de cada parte no recolhimento da contribuição previdenciária devida. [56]

Também, a própria lei faculta ao INSS (Autarquia) interpor recurso para discutir a natureza das parcelas a serem pagas judicialmente, a fim de fazer incidir corretamente a exação tributária de cunho previdenciário. [57]

Estas delimitações legais, previstas na Lei 10.035/00, impondo ao julgador a especificação da incidência da contribuição previdenciária na sentença/acordo, dá a estes títulos, segundo defendem, condições bastantes para execução na órbita da Justiça do Trabalho.

Uma outra interpretação é de que o Juiz do Trabalho, ao condenar a parte ao pagamento de contribuições previdenciárias, estaria a desenvolver um ato de ofício, realizando um lançamento de tributo ex lege em decorrência de um fato gerador ocorrido (sentença ou acordo), tendo assim de delimitar a base de cálculo, alíquotas, sujeitos passivo e ativo, servindo então esta porção condenatória da sentença como um título jurídico extra-judicial correspondente a uma Certidão da Dívida Ativa a merecer execução com base em normas específicas e de forma apartada. Assim, refere-se Alexandre Nery de Oliveira: "Como a lei previdenciária indica as alíquotas e as bases de cálculo, e denota ser de responsabilidade do contribuinte previdenciário o regular e oportuno recolhimento, devem as partes providenciar apurar o valor devido e respectivo depósito, sem ingerências antecipadas da autoridade judiciaria, senão aquela decorrente da devida ciência para que se efetivem os recolhimentos cabíveis. (...) O Juiz do Trabalho apenas deverá declarar o valor devido quando, provocado pelo INSS mediante execução fiscal, decida-a no sentido pretendido pela autarquia ou do contribuinte previdenciário, mediante a regular sentença que julgue a demanda executiva, pondo assim fim a eventuais discussões a respeito das bases de cálculo ou das alíquotas incidentes num ou noutro caso. (...) Por fim, saliento que o processamento da execução requerida pelo INSS, embora nada impeça ocorra nos próprios autos, poderia, por permissão das dignas Corregedorias de Justiça do Trabalho, ser melhor efetivado em autos apartados, de modo a permitir o ideal controle das execuções fiscais em tramitação perante a Justiça do Trabalho quanto a créditos previdenciários, sem afetar o controle das execuções trabalhistas, tanto mais porque, ao modo que ocorre com os embargos de terceiro, a vinculação com o processo principal resta inequívoca e nada impediria que tal petição inicial se fizesse autuada e distribuída por prevenção ao Juízo da Execução do Trabalho." [58]

Seguindo interpretação semelhante, de que o Juiz realizaria efetivamente na sentença um lançamento tributário para cobrança de contribuições sociais decorrentes de suas sentenças por determinação constitucional (art. 114, parágrafo 3º) e legal (Lei 10.035/00), Emerson Sandim entende que a sentença, quanto às contribuições previdenciárias, seria um título judicial que definiria o quantum devido ao INSS sendo executada conjuntamente com os valores dos créditos trabalhistas. Bem ressalta o autor o conteúdo necessário da condenação e da atuação do Magistrado Trabalhista na cobrança das contribuições previdenciárias: "É esse lançamento, decorrente do Juiz do Trabalho, um ato vinculado, ou seja, decorrente da própria outorga constitucional. Talvez, até para evitar porvindouras confusões, batizá-lo de lançamento ex lege. (...) Sobremais disso, estando o ato sentencial da Justiça do Trabalho, em casos que tais, fazendo as vezes do lançamento, deverá ser afirmado, também, que a homologação da sentença terá o condão de vera inscrição em dívida ativa, ou seja, passará a ser o título executivo do crédito previdenciário e, por isso mesmo, a alíquota da multa, a incidir-se na espécie, estriba-se no art. 35, inciso III, alínea c, da Lei nº 8.212/91 (com a redação dada pela Lei nº 9.528/97), isto é, a que cinge a 40% (quarenta por cento), haja vista que a executividade de ofício, que será levada a cabo pela justiça especializada, substitui a execução fiscal, nesse raio competencial sinalizado pela Lei das Leis. (...) Então, deverá o julgador do trabalho, na sua sentença, apontar a figura do crédito, além de definir quem está na obrigação de solvê-lo (cujos sujeitos serão aqueles definidos no art. 195, I, a, e II, da Carta da República - desinteressando-se em saber se participaram da lide trabalhista como integrante em quaisquer de seus pólos), como, igualmente, fixar o fato gerador da referida exação e respectiva base de cálculo." [59]

Outra doutrina delimita que a execução de contribuições previdenciárias se basearia em uma sentença, com cunho de título "extra-judicial", para fins de execução das contribuições previdenciárias. Isto porque não haveria participação do INSS na fase cognitiva, não se podendo assim ter um título judicial sem a suposta observância ao devido processo legal. Excepcionalmente, então, a sentença para o INSS seria um mero título extra-judicial com fins de execução das contribuições previdenciárias devidas. Esta é a tese de Salvador Franco de Lima Laurino: " Em relação à Administração a situação é diferente. O título executivo, finalidade precípua da condenação, pode ser obtido de maneira unilateral, muito mais expedita e econômica pela própria Administração. Diante da presunção de legitimidade dos seus atos, a ela é atribuída a prerrogativa de formação unilateral do título executivo. Cuida-se de privilégio significativo, tanto que é a única hipótese do elenco do art. 585 do CPC a excepcionar a regra geral da formação negocial dos títulos extrajudiciais. Autorizada por lei a postular a execução de tributos sem prévia condenação, a autarquia previdenciária nem mesmo tem interesse de agir para a sentença de condenação em contribuições sociais. Isso significa que a execução a que se refere o parágrafo 3º do art. 114 da Constituição da República não se respalda em título executivo judicial, mas em título executivo extrajudicial. De tal sorte que a locução ‘executar de ofício’, introduzida no Texto Constitucional, tem significação diversa daquela veiculada pelo caput do velho art. 878 da Consolidação das Leis do Trabalho." [60]

Outros doutrinadores, como José Antônio Ribeiro, ainda defendem que seria completamente inviável a execução de contribuições sociais decorrentes de sentenças e acordos trabalhista, por não se constituirem estes nenhum tipo de título seja judicial ou extra-judicial, e também por não haver lide (judicial), nem procedimento administrativo (extra-judicial), que viabilize a existência de um documento hábil para execução das referidas contribuições. Ateste-se: " Se o juiz não se pronuncia precisamente sobre o tema, como pode o comando sentencial ser certo e, por via de conseqüência, como pode o título executivo ser certo, neste particular ?! (...) Por certo, então, que não pode um mero comando administrativo, contido no decisum da sentença, sem qualquer fundamentação prévia, revestir-se da força de título executivo de contribuições previdenciárias." [61]

Nesta mesma tese da inexistência de título judicial ou extra-judicial é a lição de Carlos Escafella e Renato Toloy. Afirmam estes doutrinadores que não há amparo legal, seja no art. 584 ou 585 do CPC, para formação de um título exeqüível quando há apenas a mera menção no comando sentencial da exigência das contribuições previdenciárias: " E quanto aos títulos, estão eles previstos nos artigos 584 (títulos executivos judiciais) e 585 (títulos executivos extrajudiciais), do Código de Processo Civil, não ocorrendo ai qualquer previsão para que seja considerada como título executivo a simples menção em sentença da ausência de comprovação nos autos do recolhimento de contribuição social." [62]

Concluem os referidos autores que somente o INSS é que tem a função de executar e constituir títulos executivos para cobrança de contribuições previdenciárias, não sendo atribuição do Judiciário tal tarefa: " Se compete ao INSS e ao DRF (hoje, Secretaria da Receita Federal), dentre outras funções as de lançar e ‘promover cobrança das contribuições’, significa, em outras palavras, que compete somente a estes órgãos instituir título executivo extrajudicial ou então promover a cobrança judicial para aí sim, após formalizado título executivo se dar início à execução perante o Poder Judiciário." [63]

Também, bem embasado nas lições pátrias, Ary Fausto Maia defende, em recente ensaio, ser inviável a atuação do Magistrado Trabalhista como órgão executor de ofício de contribuições previdenciárias que tem cunho eminentemente tributário.

Argumenta Ary Fausto Maria que como as contribuições sociais/ previdenciárias, são tributos, devem ser constituídas e exigidas por meio de procedimentos administrativos e judiciais específicos. Não pode, por exemplo, o Magistrado lançar de ofício o tributo e exigi-lo compulsoriamente sob pena de subverter as normas tributárias contidas no CTN (lei complementar). Defende ainda que não podem ser imediatamente exigíveis as contribuições socais decorrentes de sentenças trabalhistas já que precisariam ser liquidadas primeiro na esfera administrativa-tributária. São lições do doutrinador: " Não há dúvida, pois, que, por ter natureza tributária, as contribuições previdenciárias, mesmo se tornando obrigações tributárias no momento da ocorrência do fato imponível descrito na lei, não são imediatamente exigíveis, por serem ilíquidas, devendo ser liquidadas através do lançamento administrativo a ser realizado de forma obrigatória e vinculada, sob pena de responsabilidade funcional, pela autoridade administrativa competente, que não é o Juiz, nem qualquer serventuário da Justiça do Trabalho." [64]

Conclui o doutrinador que a sentença trabalhista e a atuação de ofício do juiz não são suficientes para constituir o crédito tributário, apenas gerariam a obrigação tributária de pagar um valor supostamente devido, mas que muitas vezes não se encontra delimitado em seu quantum. Estabelece, por fim, a necessidade do procedimento administrativo prévio do lançamento, assegurando a ampla defesa, o contraditório e tornando legítima e legal a cobrança posterior da exação. São as palavras do autor, Ary Fausto Maia: " Também é indispensável a instauração do procedimento administrativo tributário, com a notificação do contribuinte para pagar ou impugnar o suposto crédito, lhe sendo assegurada a ampla defesa e o exercício do contraditório. (...) Por outro lado, a execução judicial de tributos exige título próprio, de natureza extrajudicial, decorrente da regular inscrição do crédito tributário definitivamente constituído por lançamento irrecorrível na esfera administrativa, devendo ser realizada segundo os preceitos especiais da Lei de Execução Fiscal, incompatíveis com as regras da execução trabalhista." [65]

Todas as posições analisadas têm seu fundamento e procuram embasar a existência de um título jurídico judicial, ou extra-judicial, decorrente da sentença/acordo trabalhista ou mesmo a inexistência de título para efetuar de plano a execução das referidas contribuições sociais.

Quanto à posição de inexistência de título, seja pelo fato de não haver supostamente participação do INSS em sua formação ou pelo argumento de falta de precisão do título nos termos dos arts. 584 e 585 do CPC, ou pelas alegadas agressões às normas de cunho tributário, não acatamos estes entendimentos que serviriam para negar vigência ao parágrafo 3º, do art. 114, da CF/88 e negar aplicação ao disposto na Lei 10.035/00.

Ressalte-se que o título para ser executado não precisa necessariamente ter embasamento nos arts. 584 e 585 do CPC, vindo até sua própria fundamentação e força executiva da própria Carta Magna – norma de hierarquia máxima na nossa ordem normativa. Além disto, a ausência de atuação do INSS na lide é despicienda, tendo em vista que o tributo já surge a partir da ocorrência do fato gerador, qual seja in casu: sentença condenatória ou acordo formulado na Justiça do Trabalho.

Já, no que atina à agressões aos procedimentos e normas tributárias na exigência de contribuições sem lançamento, tal argumento é falacioso, já que, com a mesma fundamentação constitucional (art. 114, parágrafo 3º), o Juiz efetuará o lançamento ex vi legis, atuando como agente arrecadador do fisco com fundamentação desta novel atribuição na Carta Fundamental de 1988. Assim, não ocorre afronta às normas tributárias do CTN, primeiro em face da especialidade da hipótese de cobrança tributária (lex especialis non derrocat lex generalis) e também por haver amparo em sede constitucional para a constituição e cobrança destes tributos (contribuições sociais) de forma diferenciada.

Agora, superada as teses negativistas que defendem a inexistência de título a ser executado, questiona-se, como acima referido, se seria a sentença/acordo um título judicial ou extra-judicial – para fins de execução de contribuições sociais/previdenciárias.

Nesta seara, e com o objetivo de dar a maior efetividade possível à cobrança da exação previdenciária, entendemos, como Guilherme Feliciano, que se trata de um título jurídico de natureza administrativa-judicial que serve para cobranças das contribuições previdenciárias. Cuidar-se-ia, pois, a sentença/acordo de um título de execução de contribuições sociais sui generis, já que foi formado sem a participação do INSS, sem litigiosidade judicial e sem constituição meramente administrativa. Veja-se a lição de Guilherme Guimarães Feliciano: "avulta em relevo uma interpretação alternativa, que não vislumbra no teor do dispositivo sob comento um título executivo judicial, mas um título executivo fiscal, de natureza administrativa. (...)Também não se nos assemelha escorreita a distinção paradigmática entre execução previdenciária de títulos judiciais e extrajudiciais, porque - como antes dito - temos sérias dúvidas sobre a natureza judicial do ‘título’ que será executado perante a Justiça Obreira; mais consentânea com o sistema jurídico vigente é a interpretação de que se cuida de um título administrativo, ‘judicial’ porque constituído por órgão do Poder Judiciário, mas não jurisdicional, porque não envolve o exercício da jurisdição." [66]

Entendemos, mesmo assim, que de fato não é de tão fundamental importância saber qual o rótulo dogmático a ser imposto ao suposto título fundamentador da execução das contribuições previdenciárias na Justiça do Trabalho. Principalmente, quando se sabe dos preconceitos e formalismos tantas vezes anacrônicos de uma doutrina e dogmática arcaica e engessada no tempo.

O que se deve na realidade ter em vista é a hipótese excepcional de execução de um título especial – formado com uma dupla natureza administrativa e judicial, que irá servir efetivamente para garantir direitos previdenciários aos trabalhadores. Assim, deve-se acatar esta interpretação que melhor se coaduna com a tese de dar maior efetividade possível às normas constitucionais e legais, que versem sobre a execução das contribuições previdenciárias perante a Justiça do Trabalho, já que preservam o trabalhador hipossuficiente na garantia dos seus direitos previdenciários basilares.

Neste âmbito, a seguir, analisa-se a compatibilização da aplicação da Lei 10.035/00 aos princípios informadores do processo do trabalho.

4.4. A necessidade de aplicação da Lei 10.035/00 em harmonia com os princípios da celeridade, informalidade e dinamicidade processual para o respeito aos ditames dos processo trabalhista e para a proteção ao trabalhador hipossuficiente.

O objetivo precípuo da Lei 10.035/00 e do art. 114, parágrafo 3º, da CF/88 foi promover e arrecadar mais recursos para Previdência Social a título de contribuições sociais, garantindo os direitos previdenciários dos trabalhadores.

É importante que a lei seja interpretada e conduzida na sua aplicação respeitando os princípios do processo do trabalho, em especial o princípio da celeridade, não podendo as execuções das contribuições previdenciárias prejudicar o recebimento pelos trabalhadores dos seus créditos.

A respeito da aplicação dos princípios da celeridade, informalidade e simplicidade, como regra do processo do trabalho em benefício do trabalhador, esclarecedora é a lição de Reginaldo Melhado e Georgius Credidio: "Por seu turno, o processo individual do trabalho, como é por demais sabido, tem como finalidade, em regra, tutelar situações subjetivas de pessoas hipossuficientes, em sentido econômico, as quais são credoras de prestações de natureza alimentar (imprópria), isto é, de verbas que se destinam a assegurar a sobrevivência (salário ou remuneração). (...) Bem por isso, na regulamentação do processo individual trabalhista devem imperar os princípios da celeridade ou brevidade, informalidade, economia processual e simplicidade dos atos processuais, mediante a discussão e decisão estrita de fatos e questões pertinentes à tutela de tais créditos." [67]

Assim, a aplicação e interpretação da norma de execução das contribuições previdenciárias perante a Justiça do Trabalho deve se apoiar nestes princípios da celeridade e informalidade. Para tanto, alguns doutrinadores chegaram até a defender que a execução das contribuições previdenciárias deveria ser feita em autos apartados, a fim de não tumultuar o feito, evitando a burocratização maior do procedimento. [68]

Tal posição, entretanto, restou afastada diante da edição da Lei 10.035/00 que estabeleceu, em seu art. 879, parágrafo 1º-A, a liquidação conjunta dos créditos trabalhistas e previdenciários. [69]

Outros autores teciam, antes da vigência da Lei 10.035/00, considerações gerais sobre o procedimento, determinando que seria o INSS responsável pela apresentação de cálculos quando intimado pelo Juiz do Trabalho para efetuar a suposta execução das contribuições previdenciárias devidas.

Defendiam que o Juiz intimaria depois a parte contrária para também apresentar sua conta e promoveria a seguir a liquidação por cálculos ou arbitramento, homologando ao final os valores devidos e citando as partes para interposição de embargos à execução. Baseavam-se estes autores na aplicação da Lei de Execuções Fiscais (LEF) para preservação do devido processo legal. Esta era a lição de Carlos Pereira de Castro e João Batista Lazzari: " Apurados os cálculos dos créditos do autor da lide (o empregado) e os do INSS, a homologação dos cálculos segue o rito da CLT, eis que a LEF trata somente do processo de execução, sem se preocupar com a liquidação, que em execução fiscal ocorre nos órgãos de arrecadação. A seguir, a citação do réu para pagar ou oferecer bens à penhora (observe-se que o prazo da LEF é de cinco dias para pagamento, art. 8º), que prescinde de provocação pelos credores, o que foi ressaltado pela redação do parágrafo 3º do art. 114 da Constituição (execução de ofício)." [70]

Tal interpretação, à vista da edição da Lei 10.035/00, também restou afastada, já que, na sentença, o juiz determinará a responsabilidade pelo recolhimento da contribuição previdenciária, confirmando que a execução será feita ex officio, podendo mesmo o devedor efetuar de imediato o pagamento das parcelas devidas à Previdência Social. [71]

Logo, diante da dicção legal, a execução será de ofício feita pelo Juiz do Trabalho que estabelecerá os valores devidos com base em cálculos do contador do juízo e informações das partes reclamantes e reclamadas, só sendo posteriormente ouvido o INSS. Analise-se: "Art. 879 (...) § 3º Elaborada a conta pela parte ou pelos órgãos auxiliares da Justiça do Trabalho, o juiz procederá à intimação por via postal do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, por intermédio do órgão competente, para manifestação, no prazo de dez dias, sob pena de preclusão."

A interpretação e aplicação mais coerentes que deve ser dada à Lei 10.035/00 é no sentido de evitar a burocratização dos procedimentos para preservar a celeridade e simplicidade processual – princípios do processo trabalhista.

Para tanto, defende Emerson Sandim dever existir uma atuação mínima da Procuradoria do INSS na fase executiva, buscando o Juiz ao máximo realizar de ofício os procedimentos de cobrança das contribuições previdenciárias.

Defende o citado autor que se fosse compelido o INSS a participar da elaboração dos cálculos de liquidação de sentença de forma permanente, acompanhando e sendo notificado/intimado para a execução, tal procedimento geraria mais burocratização e delongas, prejudicando por demais o trabalhador hipossuficiente: "Tal processo executivo, que nascera pela via de ofício, se se compelir o INSS, a nível de seu setor jurídico, para a conferência dos cálculos de liquidação, tornar-se-á tão moroso que, solarmente, a imediação que se pretendeu, com a norma maior, esboroar-se-á." [72]

Argumenta o referido autor Emerson Sandim que quem deve se manifestar sobre as contas e cálculos de liquidação é o órgão competente da Previdência Social, conforme previsto no parágrafo 3º, do art. 879, da CLT, qual seja: o órgão fiscal e não a Procuradoria: "Ressuma deste normativo, como se apreende, dois pontos relevantes: a) intimação via postal e b) órgão competente. De modo a deixar claro que, como é curial, não se está a pretender a oitiva, desde logo, do órgão jurídico do INSS, porque, se assim o fosse, a comunicação dele haveria de radicar-se na intimação pessoal, por força do contido no art. 25, da Lei nº 6.830/80, aqui aplicável indesmentivelmente). E, demais disso, se a lei em comento quisesse que a Procuradoria do INSS falasse, de logo, nos ditos cálculos, teria lavrado, ao invés da locução ‘órgão competente’, a frase: ‘órgão jurídico ou termo outro que lhe equivalesse’." [73]

Defende que a Procuradoria só atuaria de início quando não houvesse bens penhoráveis do devedor, restasse frustrada a alienação judicial, ou houvesse parcelamento do débito. Ressalta isto o autor: " Contudo, a par do elencado pela Lei nº 10.035/2000, existem, todavia, três supostos fáticos que compelem o Judiciário do Trabalho, ante à norma constitucional em testilha, proceder, agora, com a notificação ao INSS na sua esfera jurídica (aqui, sim, no imo das Procuradorias), quais sejam: (...) 1ª) Quando não houver bens penhoráveis, que, sabidamente, levará a que o órgão previdenciário envide buscas exaustivas na senda de se encontrar objetos constritáveis, não devendo, em primeira mão, contentar-se, apenas, com a certidão do meirinho, mesmo porque, com o agitamento de pesquisa fora da Comarca, se for o caso, poder-se-á chegar à existência de coisas passíveis de viabilizar a segurança do juízo;(...) 2ª) Quando restar frustrada a alienação judicial do que fora constritado, já que, em caso tal, nada obstará a que a própria Previdência Social tenha eventual interesse em manejar o instituto da adjudicação; (...) 3ª) Quando, antes de iniciar uma execução de ofício, houver notícia de parcelamento do débito que a daria gênese, e, findo o prazo estipulado na citada avença, não existir qualquer comunicação do INSS na senda da sorte futura da composição, ou seja, se fora cumprida ou desonrada, haverá de ser instada a Previdência Social para manifestar-se sobre tal ponto. E, de igual sorte, se instaurado executivo laboral das contribuições, também houver parcelamento, suspendendo-se o feito neste particular, e, posteriormente, não se tiver notícias de cumprimento ou não da amortização." [74]

O restante do procedimento seria feito ex officio e o INSS não se manifestaria para evitar tumultos processuais. Arremata o referido autor: "De tudo isso, resta inquestionável que, não sendo o INSS parte no litígio cognitivo, e, mais ainda, por imperativo da própria Constituição, cabe a execução das contribuições sociais de ofício pelo próprio julgador, qualquer exigência de participação da Previdência, pelo seu corpo jurídico, na faina laboral, fora dos casos que a tanto recomendam (informação de parcelamento administrativo descumprido e lavrado após a sentença laboral, inexistência de bens penhoráveis ou frente à alienação judicial frustrada), além de processualmente equivocada, ofenderá a própria característica marcante da processualística obreira, qual seja, a dinamicidade, a inescondível veleidade." [75]

É radical, todavia, este entendimento do autor Emerson Sandim. Realmente, deve-se minorar a atuação da Autarquia Previdenciária, tornando mais célere o procedimento, mas obstacularizar e não dar direito à manifestação nos autos, afeta o devido processo legal e o contraditório, o que é inadmissível.

A Procuradoria do INSS deve se manifestar e apoiar o Poder Judiciário na cobrança das contribuições, interpondo recursos e tomando as providências materiais e processuais cabíveis para exigibilidade correta das exações.

Além disto, a própria Lei 10.035/00, em seus diversos dispositivos, garante e determina a participação da Autarquia através de seu corpo de procuradores e técnicos previdenciários para que se possa bem executar as corretas quantias das contribuições previdenciárias. [76]

Atente-se que a aplicação da lei deve respeitar aos princípios processuais da celeridade, simplicidade, informalidade, mas não pode também afrontar o amplo direito de defesa e contraditório tanto para as partes litigantes quanto para o INSS, diante da execução de ofício pelo Juiz do Trabalho.

Para evitar, assim, o desvirtuamento da lei e delongas na execução, defende-se que o Poder Judiciário e o Poder Executivo (INSS) devem trabalhar conjuntamente, operacionalizando com racionalidade os procedimentos de informática e atividades comuns para se arrecadar dentro da lei e com correção os valores das contribuições previdenciárias efetivamente devidas.

A atuação conjunta não fere a autonomia dos poderes e se baseia na própria determinação constitucional da "execução de ofício", servindo para evitar maiores incidentes processuais, evitando prolongamentos desnecessários de discussões sobre cálculos com agressão à celeridade e simplicidade que devem informar todo o processo do trabalho.

Em suma, a Lei 10.035/00 resta vigente e aplicável, devendo os Juízes do Trabalho e o INSS operacionalizá-la da forma mais racional e menos burocrática possível, em benefício da Previdência Pública e da garantia dos direitos previdenciários dos trabalhadores hipossuficientes.

A seguir, observar-se-á a visão panorâmica do Poder Judiciário, na pessoa de alguns juízes-doutrinadores, sobre a aplicação da Lei 10.035/00 e depois a visão do INSS sobre esta temática.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Marcos André Couto Santos

procurador federal junto ao INSS em Recife (PE), mestre em Direito Público pela UFPE, professor universitário

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Marcos André Couto. Execução de contribuições previdenciárias na Justiça do Trabalho:: aspectos polêmicos do do art. 114, § 3º, da CF/88 e da Lei nº 10.035/00. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 61, 1 jan. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3657. Acesso em: 19 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos