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Execução de contribuições previdenciárias na Justiça do Trabalho:

aspectos polêmicos do do art. 114, § 3º, da CF/88 e da Lei nº 10.035/00

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01/01/2003 às 00:00
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5. A VISÃO DO PODER JUDICIÁRIO SOBRE A EXECUÇÃO E COBRANÇA DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS PELA JUSTIÇA DO TRABALHO, EM DECORRÊNCIA DO ART. 114, PARÁGRAFO 3º, DA CF/88 E DA LEI 10.035/00: ANÁLISES E NOTAS CRÍTICAS.

Pelos estudos e levantamentos realizados em material doutrinário sobre o tema desta monografia, percebe-se que os mais ferrenhos críticos da inovação do art. 114, parágrafo 3º, da CF/88 e da Lei 10.035/00 são os Juízes do Trabalho.

Os Magistrados, em sua maioria, nos seus trabalhos doutrinários, externam, data vênia, profundo desprezo à previsão e regulamentação da cobrança de contribuições previdenciárias pela Justiça do Trabalho em decorrência de suas sentenças e acórdãos homologados.

Destacam várias testes de inconstitucionalidade do parágrafo 3º, do art. 114, da CF/88 já deveras ressaltadas na presente monografia. Asseveram mesmo que a execução ex officio pelo Magistrado afrontaria o devido processo legal, e para ser exercida dentro da legalidade, deveria se ater em limites rígidos, conduzindo sempre à necessidade de provocar o INSS a fim de que a Autarquia promovesse sim a execução. Estas são as palavras do Juiz Salvador Franco de Lima Laurino: " (...) compete à própria autarquia delimitar a pretensão, extrair o título extrajudicial e postular a execução fiscal, que será distribuída de acordo com as regras de competência fixadas pela conjugação de dispositivos da Lei n. 6830/80 e do Código de Processo Civil. Em comparação com a disposição do art. 262 do CPC – ‘o processo civil começa por iniciativa de parte, mas se desenvolve por impulso oficial’-, incumbe ao juiz do trabalho impulsionar ex officio a execução fiscal, obedecidos, sempre, os limites fixados pelo direito fundamental do due process of law." [77]

Adotando-se esta postura citada, praticamente perde o sentido a expressão "execução de ofício", já que quem irá provocá-la e apresentar cálculos será a própria Autarquia previdenciária.

Além disto, antes da edição da Lei 10.035/00, alguns Juízes, como o Dr. José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva, manifestaram-se pela tese já exposta de que o parágrafo 3º, do art. 114, não seria auto-aplicável em face da inexistência de normas processuais a disciplinar o procedimento para execução das contribuições previdenciárias. Veja-se a opinião do Magistrado: " Entrementes, a legislação infraconstitucional acerca do processo de execução das mencionadas contribuições sociais, ao que nos parece, não confere ao Juiz do Trabalho condições para o exercício, in concreto, do poder jurisdicional que lhe foi cometido." [78]

Esta tese, entretanto, perdeu o sentido na atualidade, em face da edição da Lei 10.035/00, não havendo mais razão para continuar nesta polêmica. [79]

Chegavam, também, alguns juízes a asseverar que a ampliação da competência da Justiça do Trabalho para executar as contribuições previdenciárias iria assoberbar [80] o Judiciário Trabalhista, constituindo numa verdadeira afronta ao Estado Democrático de Direito, privilegiando o Poder Público (Previdência Social) de forma odiosa e desigual. Vejam as palavras do Dr. José Antônio Ribeiro: "Se procedermos a uma interpretação gramatical do texto do citado parágrafo 3º, introduzido no art. 114, da CF, pela EC n. 20/98, certamente chegaremos à conclusão de que a repartição da competência ex ratione materiae da Justiça Federal Comum, foi apenas para incumbir ao já assoberbado Judiciário Trabalhista a função de executar as contribuições previdenciárias devidas sobre as verba, objeto das condenações que proferir. (...) No entanto, o que se tem verificado é um aumento voraz da arrecadação tributária, sem qualquer respeito à capacidade contributiva da população (ou pelo menos de quem realmente contribui, assalariados e poucos mais), por meio de edições e reedições não controladas de medidas provisórias (até mesmo pelo judiciário, quem deveria fazê-lo), provocando uma autêntica instabilidade das instituições do Estado Democrático de Direito, afetando a independência e a harmonia dos Poderes da União, princípios fundamentais da República Federativa do Brasil. E tudo sem o resultado econômico que se propaga. (...) Convém uma advertência: a desordem econômica, pelo menos em nosso País, não tem provocado convulsão social, talvez porque a sociedade sabe que tem um Judiciário destemido, que com o apoio da cultura jurídica construída, pode amparar sua angústia e preservar seus direitos. Agora, uma desordem do ordenamento jurídico, principalmente a que retira dos juízes o amparo legal sistêmico, ou mesmo o poder de dizer o direito em determinadas situações, com a criação de privilégios legais aos entes públicos, ferindo o princípio do juiz natural, pode desencadear um desequilíbrio social cujas conseqüências são imprevisíveis." [81]

Não se cuida a execução de ofício destas exações, data vênia, de privilégios para Fazenda Pública. A cobrança das contribuições previdenciárias é também algo positivo para o empregado que terá garantido seus direitos previdenciários. E além disto, o Juiz do Trabalho não é um corpo estranho à estrutural estatal, havendo uma interpenetração necessária entre os poderes estatais para garantia, execução e concretização dos direitos fundamentais, como são os direitos previdenciários. [82]

Ainda, as críticas dos magistrados, de forma ferrenha, não vêem como é possível realizar a execução de contribuições previdenciárias na Justiça do Trabalho sem ter a participação do INSS na lide na fase de conhecimento, defendendo a inviabilidade de formação de um titulo exeqüível seja judicial ou extrajudicial: " É inconstitucional a Emenda n. 20 da Constituição Federal, no que pertine a execução de ofício pela Justiça do Trabalho de supostas obrigações sociais, porque viola as cláusulas pétreas da mesma Constituição relativas à separação dos Poderes, ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa." [83]

Esta crítica é, permissa vênia, desarrazoada também porque não há agressão ao devido processo legal na execução das contribuições previdenciárias nos termos do parágrafo 3, do art. 114, acrescido pela Emenda Constitucional n. 20 c/c a Lei 10.035/00, uma vez que, se for seguido o procedimento estabelecido em lei, não haverá nenhum tipo de cerceamento do contraditório e da ampla defesa. [84]

Também, existe a preocupação dos magistrados com a ocorrência de delongas e morosidade que o processo do trabalho poderá sofrer com a execução das contribuições previdenciárias na órbita da Justiça do Trabalho, devido, à participação do INSS com todos os seus privilégios/prerrogativas processuais e possibilidades de provocar incidentes na execução, interpondo até recursos. Comentando o Projeto-de-Lei nº 3.169/00, que culminou na edição da Lei 10.035/00, bem ressaltou Reginal Melhado e Georgius Credidio: " O Projeto de Lei em questão, que estabelece procedimentos, no âmbito da Justiça do Trabalho, de execução de contribuições sociais, divorcia-se completamente desses critérios, porque introduz preceitos que, sem dúvida, tornarão o processo de execução individual mais burocrátrico e moroso. (...) Em outras palavras, em toda execução trabalhista em que forem cobradas também as contribuições sociais, qualquer que seja o fundamento dos embargos (erro do cálculo de liquidação, nulidade da penhora etc.), a autarquia será legitimada e obrigatoriamente deverá integrar a relação processual instaurada com a ação incidente de embargos, pois haverá litisconsórcio passivo necessário e unitário (art. 47, do CPC, c./c. o art. 884, da CLT). (...) Portanto, caso instituída a execução concomitante do crédito trabalhista e da dívida ativa, haverá muito mais demora na solução dos processos, uma vez que a autarquia dispõe de prerrogativas de intimação pessoal e de prazo alongado. (...) Não bastasse isto, nos casos de procedência parcial do pedido veiculado nos embargos à execução, por exemplo, porque houve erro de cálculo dos créditos trabalhistas, e, por conseguinte, das contribuições, caberá o reexame necessário da sentença (‘recurso de ofício’), por constituir a contribuição social dívida ativa (art.149, da CF; art. 201, do CTN; art. 475, inc. III, do CPC)." [85]

Pessimistas os Magistrados quanto à aplicação da novel lei, quando ainda era só um projeto, não atentando para a importância e a necessidade social da execução dos créditos previdenciários para garantir o próprio direito do trabalhador hipossuficiente em auferir benefícios da Previdência e ter garantidos seus direitos sociais fundamentais, como já referido em outras passagens do presente texto. [86]

Ainda, apontam alguns Juízes a necessidade de adequar a Justiça do Trabalho e seus servidores à nova dinâmica de cálculo das contribuições previdenciárias que tem toda sua especificidade e complexidade inerentes, diante das diferenciações dos tipos legais, das alíquotas, tempo/prazo de incidênica. Bem lembra a respeito a Dra. Ialba-Luza: " Ademais, será necessário que o setor de cálculo observer as regras concernentes a contribuições previdenciárias, relativas ao fato gerador, tabela de faixas de valores e respectivas alíquotas de incidência, mês de competência, tabela de multas, etc. (...) A propósito, haverá necessidade de adequação dos programas informatizados de cálculo trabalhista a essa nova realidade desenhada pela alteração constitucional." [87]

Bom texto que trata das dificuldades de aferição do salário-de- contribuição para os fins de recolhimento das contribuições previdenciárias, foi elaborado por Wladimir Novaes Martinez que assevera ao final: " Tudo isso evidencia a dificuldade de conceituação do salário-de-contribuição, por parte da doutrina, fiscais do INSS e magistrados federais. Se assim for, imenso trabalho terão os Juízes do Trabalho para dar cumprimento ao novo art. 114 da Lei Maior, convindo que o legislador altere a norma e convencione o fato gerador decorrente de sentenças ou acordos trabalhistas, após pesquisa de campo procedida pelo MPAS, determinando de lege ferenda que, em todos os casos, por exemplo, 70% dos valores serão remuneratórios e os demais fiquem à margem da contribuição (nada importando, a esse respeito, a presença ou não do exame de mérito)." [88]

Realmente, este é um problema grave para efetiva implementação da Lei 10.035/00. Aqui, acredita-se haver a necessidade de uma atuação conjunta das Corregedorias dos Tribunais com o INSS, a fim de que haja o treinamento de pessoal capacitado para elaboração e cotização pela Justiça do Trabalho das contribuições previdenciárias efetivamente devidas, por parte de seus servidores dos Setores de Cálculos das Varas do Trabalho.

Neste ponto, também relevante a observação do Juiz Geraldo Magela e Silva Menezes que destaca a necessidade de atenção de todos os interessados para o aumento de serviços nas Varas do Trabalho, com a imperiosa urgência de providências de maior aparelhamento técnico-pessoal e material para o bom desempenho das novas atribuições atinentes à execução das contribuições previdenciárias: " Alterada a moldura competencial da Justiça do Trabalho, este ramo do Judiciário deixa de prestar simples auxílio administrativo ao INSS. Passará, doravante, a desempenhar poder-dever jurisdicional de reconhecimento e execução de dívida previdenciária. Virtualmente previsível, surgirá em pouco tempo sobrecarga de tarefas aos juízes trabalhistas (que já enfrentam verdadeira maré-montante de processos) para resolver uma série de incidentes (embargos à penhora, à arrematação, à adjudicação, agravos, etc.) na execução dos débitos previdenciários reconhecidos em títulos sentenciais exeqüendos. Com uma significativa elevação do volume de serviços, emerge imperiosa a necessidade de adequações, a exigir melhor aptidão técnica dos magistrados e de seus auxiliares." [89]

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No mesmo raciocínio, o Juiz Guilherme Feliciano assevera a necessidade de preparo e reestruturação da Justiça do Trabalho no aspecto material e humano para enfrentar os novos desafios decorrentes da ampliação competencial para execução de contribuições previdenciárias pela Justiça do Trabalho. Destaca o Magistrado, enfim, a urgência nestas providências para efetivação da norma do art. 114, parágrafo 3º, da CF/88. Veja-se: "A eficácia real da norma de competência com que foi aquinhoada a Justiça do Trabalho depende, fundamentalmente, da disposição e do preparo dos respectivos operadores (incluídos aí advogados trabalhistas, juízes do trabalho e serventuários). Sem a disposição de fazê-la valer, por parte sobretudo dos juízes titulares de primeira instância, terá a modificação vindo à luz natimorta. Sem o preparo - e, aqui, a responsabilidade maior pesará sobre os ombros dos tribunais regionais e da O.A.B. - as conseqüências serão ainda piores: tumulto processual, dúvidas intermináveis, confusão procedimental, erros de cálculo, arbitrariedades, discrepância, demora excessiva. Entre uma e outra opção, o ideal seria, talvez, sequer buscar o implemento do ‘ius novum’. Essa terceira via, porém, não é permitida; ao juiz não é dado pronunciar o ‘non liquet’ (artigo 126 do CPC). Melhor, então, que cada qual faça sua parte - sem olvidar o papel inarredável da doutrina em deslindar, ao sabor de tantas perplexidades, as inúmeras facetas nebulosas que ainda remanescem (função e especificidade do Ministério Público, execução contra Fazenda Pública, interferência possível e conveniente das autoridades administrativas, etc.)." [90]

Tem razão o Dr. Guilherme Feliciano e o Dr. Geraldo Magela. Para a efetiva aplicação e implementação da Lei 10.035/00, haverá a necessidade de um esforço da Justiça do Trabalho em se reestruturar, a fim de comportar a execução de contribuições previdenciárias em praticamente todos os processos trabalhistas que contenham acordos ou sentenças condenatórias. Implica tal fato em aumento de rotinas na Secretaria das Varas, ampliação da expedição de mandados e maior atuação dos Oficiais de Justiça, bem como uma nova dinâmica de elaboração e conferência de cálculos por parte dos servidores de cada Vara afetos ao Setor de Cálculos, o que também demandará treinamento específico.

Entendo, entretanto, que é possível e necessário o apoio do INSS ministrando cursos e disponibilizando o sistema informatizado para cálculo das contribuições previdenciárias, bem como colocando, até se for o caso, recursos e pessoal à disposição da Justiça do Trabalho para diligenciar e executar atos materiais, visando à viabilização da execução das contribuições previdenciárias devidas.

Tal colaboração e atuação conjunta é fundamental para a efetivação da Lei 10.035/00, garantindo os recursos legais a que a Previdência tem direito decorrentes das sentenças e acordos trabalhistas.

Em suma, foram vistas as visões do Poder Judiciário através da opinião de alguns dos seus Juízes, sendo que tal reflexão não foi tão positiva seja quanto aos efeitos, à procedimentalização e à alteração competencial promovidas pelo parágrafo 3º, do art. 114, da CF/88 e pela Lei 10.035/00.

A seguir, ver-se-á a visão do INSS, na pessoa dos seus procuradores e ex-procuradores, sobre a aplicação e efeitos da novel exigência de contribuições previdenciárias pela Justiça do Trabalho.

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Sobre o autor
Marcos André Couto Santos

procurador federal junto ao INSS em Recife (PE), mestre em Direito Público pela UFPE, professor universitário

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Marcos André Couto. Execução de contribuições previdenciárias na Justiça do Trabalho:: aspectos polêmicos do do art. 114, § 3º, da CF/88 e da Lei nº 10.035/00. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 61, 1 jan. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3657. Acesso em: 8 mai. 2024.

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