O tráfico moderno de pessoas para exploração sexual

24/02/2015 às 20:36
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O Tráfico para a exploração sexual, semelhante ao tráfico negreiro africano, é um negócio altamente rentável, chegando à casa dos bilhões de dólares, podendo ser classificado como uma versão moderna do antigo tráfico negreiro, porém, com amplitude global.

INTRODUÇÃO

A exploração sexual pode ser definida como uma subordinação do corpo de criança, adolescente e adulto em favor de exploradores sexuais, organizados muitas vezes em redes de comercialização local e global.

O tráfico internacional de pessoas para fins de exploração sexual assumiu, ultimamente, grandes proporções. Segundo a OIT, em seu relatório “Uma Aliança Global Contra o Trabalho Forçado”, estimou que cerca de dois milhões e meio de pessoas foram traficadas para a escravidão, e desse número, a mesma estima que quarenta e três por cento sejam subjugadas para a exploração sexual (OIT, 2006).

Em se tratando do tráfico de pessoas para fins de exploração sexual é necessário, antes de qualquer coisa, destacar que o tráfico de pessoas em lato sensu está relacionado intimamente à escravidão, sendo a exploração sexual nada mais do que uma espécie de escravidão. Portanto, para que se chegue a alguma conclusão sobre o tráfico de pessoas para fins de exploração sexual é necessário que se debruce sobre o estudo da escravidão – e a respectiva coisificação da vida humana, para que deste estudo chegue-se a conclusões mais concretas a respeito disso.

Analisando a história verificar-se-á que antes de ser um problema jurídico-positivo trata-se de um problema de ordem cultural, e envolve diversos fatores (questões econômicas, políticas, religiosas e etc.). A atual visão positivista do mundo jurídico cega esta realidade, pois, antes de estudar-se o aspecto legal de determinado problema deve-se estudar a realidade fática do problema, ou seja, estudá-lo no mundo real e analisá-la como pressuposto de um problema jurídico. Ao fazer esse exercício estará se praticando a autêntica filosofia do direito - tal como lecionava o mestre Miguel Reale.

Levando em conta o dito anteriormente cabe, agora, conceituar a escravidão e partindo desse ponto básico edificar-se-á todo este artigo, passando pela realidade histórica e depois entrando no mérito das questões jurídicas. A enciclopédia Barsa dedicou um verbete para a escravidão, o qual conceituou a escravidão como:

Situação social do indivíduo, ou grupo, obrigado sob coação a servir a outro indivíduo, ou grupo, que tem sobre ele direito de propriedade, inclusive o de lhe atribuir valor de mercadoria (ENCICLOPÉDIA BARSA, 1987: 66).

Esse verbete diz que o escravizador possui um direito de propriedade sobre o escravizado, porém, não se deve interpretar esse direito somente como uma permissão de um sistema legal estatal, pois vai além disto. Tendo como exemplo o atual sistema legal brasileiro, que não permite a escravidão, no entanto, sabemos que ela existe e é praticada.

HISTÓRIA

É necessária uma breve exposição histórica para que se possa entender o presente estado de coisas relacionado a esta prática.

A escravidão foi praticada por muitos povos, desde a antiguidade clássica - seja pelos romanos, gregos ou egípcios, porém no ocidente, com o advento do cristianismo e a sua expansão, esta prática foi sendo abandonada – só voltando a aparecer após o iluminismo com a queda da Igreja, enquanto que no mundo árabe esta prática continuava a crescer com o islã, isto, pois a sharia regula a prática da escravização. Antes disso, ainda, a escravidão era praticada pelos próprios africanos com os seus, muito antes da chegada dos árabes e dos europeus.

As linhas a seguir não se tratam de uma visão apaixonada da história, mas sim da história tal como é, afirmada como tal por grandes e renomados historiadores.

O ISLÃ

O Islã começou por escravizar o branco europeu, pois o corão – como regra – só permite a escravização dos infiéis, visto que a Europa era um continente cristão e com eles se envolveram em várias Jihad (guerra religiosa), o corão permite a escravização dos prisioneiros de guerra, e assim foi feito.

Porém, o ocidente começou a se defender dos ataques e com isso dificultou a conquista de escravos para o mundo árabe. Em vista desse problema os árabes partiram para a África - embora boa parte dos negros fossem muçulmanos, esta contradição foi rapidamente contornada.

No mundo árabe o racismo era muito maior e mais antigo que no ocidente, pois lá a inferioridade do homem negro já tinha sido imobilizada no tempo e de forma quase irreversível. Isso pode ser provado através das palavras de alguns de seus mais destacados intelectuais.

Ibn Khaldun, historiador tunisino (1332 – 1406), disse que o homem negro não pode ser tratado como ser humano:

 Nas regiões mais ao sul só encontramos homens mais próximos dos animais que de um ser inteligente. Eles vivem em lugares selvagens e grutas, comem ervas e grãos crus e, às vezes, comem-se uns aos outros. Não podemos considera-los seres humanos (CARVALHO, 2009).

Al-Abshihi (1388 - 1446) disse o seguinte:

Que pode haver de mais vil, de mais ruim do que os escravos negros? Quanto aos mulatos, seja bom com eles todos os dias de sua vida e de todas as maneiras possíveis, e eles não lhe terão a menos gratidão: será como se você nada tivesse feito por eles. Quanto melhor você os tratar, mais eles se mostrarão insolentes; mas, se você os maltratar, eles te mostrarão humildade e submissão (CARVALHO, 2009).

As crianças eram a “mercadoria” mais procurada entre os negros, visto sua facilidade de reintegração em um novo ambiente. Depois de capturadas, uma parte destas crianças passava por um processo de castração, sendo que nesse processo morriam cerca de setenta a oitenta por cento das crianças. Essa prática da castração de crianças é um diferencial árabe, não existia esta pratica no ocidente, por exemplo.

A escravidão no mundo muçulmano, como um todo, durou até o século XX, sendo que esta foi abolida em parte por influência ocidental e em outra pelo fato de que não se envolvem mais em Jihad.

O OCIDENTE

Como exposto acima, na entrada da idade média e a queda do império romano do ocidente a escravidão ocidental foi gradualmente sendo abolida, isso se deve ao fato do advento do cristianismo e sua expansão, que foi limpando a Europa dos resíduos da escravidão advindos do direito romano.

Antes de focar-se na questão histórica é interessante notar a cosmovisão medieval, que, diferente da cosmovisão do mundo islâmico visto anteriormente, veio a dignificar toda a vida humana.

A igreja estendeu os sacramentos aos escravos e em seguida trabalhou arduamente para impor a proibição da escravidão. No século VI, por exemplo, havia uma lei, por influência da igreja, que afirmava que nenhum escravo poderia ser preso caso estivesse em um altar católico, caso o fizesse o seu dono deveria pagar uma multa altíssima. A igreja insistia em pregar àquelas sociedades europeias o quão ultrajante era aos seres humanos a prática da escravidão, visto que pela fé em Jesus Cristo somos todos filhos de Deus.

Entre os cristãos católicos costuma-se dizer que a idade média foi a primavera da fé, e esta descrição explicita bem a forma pela qual a escravidão foi gradualmente sendo abolida da civilização ocidental, pois a Europa nesse período vivia largamente a fé cristã, sendo assim, toda a pregação da igreja contra a escravidão surtia grandes efeitos.

A abolição da escravatura no ocidente cristão se deu de forma gradual e orgânica. Com a queda do império romano do ocidente e as invasões barbaras, nos séculos IV e V, os proprietários de terras, que possuíam algum recurso, começaram a construir fortificações para se proteger dos bárbaros, visto esse fator, muitos homens que não tinham condições para se defender destas hordas pediam licença para se refugiar nas fortificações daqueles proprietários, e com isso, os proprietários faziam um contrato com esses homens para que nos tempos de paz cultivassem a terra e nos tempos de guerra o ajudassem na luta contra as ameaças.

Todo esse esquema funcionava de forma natural, visto que era fruto das circunstâncias.

Os servos da gleba eram a gradual extirpação da escravidão na Europa, embora o servo ainda não fosse completamente livre ele já possuía direitos e não mais era tratado como mercadoria, como outrora eram os escravos. Esse regime era um estado intermediário entre a escravidão e a liberdade, como dito acima, fruto das circunstâncias.

            Com relação ao tráfico negreiro, os Europeus só chegaram à África por volta da metade do século XV, ou seja, séculos depois dos árabes. Sobre isto escreveu o renomado historiador Fernand Braudel (1902 – 1985):

O tráfico negreiro não foi uma invenção diabólica da Europa. Foi o islã, desde muito cedo em contato com a África Negra através dos países situados entre Níger e Darfur e de seus centros mercantis da África Oriental, o primeiro a praticar em grande escala o tráfico negreiro (...). O comércio de homens foi um fato geral e conhecido de todas as humanidades primitivas. O Islã, civilização escravista por excelência, não inventou, tampouco, nem a escravidão nem o comércio de escravos (BRAUDEL, 1989: 138).

É importante ressaltar que o movimento abolicionista surgiu no ocidente e a partir dele se difundiu para o mundo. E o racismo, tal como é denunciado em toda parte, só surgiu na Europa a partir do século XVIII, tal como descreve Olavo de Carvalho em um de seus artigos:

Em contrapartida, teorias que afirmavam a inferioridade racial dos negros não se disseminaram na Europa culta senão a partir do século XVIII [...]. Ou seja: Os Europeus de classe letrada tornaram-se racistas quase ao mesmo tempo em que o tráfico declinava e em que eclodiam os movimentos abolicionistas, dos quais não há equivalente no mundo árabe, de vez que a escravidão é permitida pela religião islâmica e ninguém ousaria bater de frente num mandamento corânico (CARVALHO, 2009).

A ÁFRICA

Muito antes da chegada dos árabes às terras africanas já era comum a prática da escravidão nestas terras pelos impérios africanos, e com a chegada da escravidão externa as elites africanas faziam uma espécie de ponte para facilitar o tráfico, pois viram nisto um negócio vantajoso, pois não era viável a um estrangeiro sair caçando escravos no continente africano.

Sobre isto Olavo de Carvalho destacou o seguinte:

A escravidão era norma geral na África muito antes da chegada deles (os árabes), e hoje sabe-se que a maior parte dos escravos capturados eram vendidos no mercado interno, só uma parcela menor sendo levada ao exterior. Quando os apologistas da civilização africana enaltecem os grandes reinos negros de outrora, geralmente se omitem de mencionar que esses Estados (especialmente Benin, Dahomey, Ashanti e Oyo) deveram sua prosperidade ao tráfico de escravos, do qual sua economia dependia por completo. Especialmente o reino de Oyo (CARVALHO, 2009).

CONCLUSÃO DA PARTE HISTÓRICA

É interessante notar na história do tráfico de pessoas que os motivos que levaram ao fim da escravidão no ocidente medieval foram, antes de tudo, culturais e não legais, visto que nem mesmo existia uma ordem política no caos todo que foi a alta idade média. Ao passo que, nesse mesmo espaço de tempo, os árabes praticavam a escravidão com a maior normalidade do mundo e, antes disto, os próprios africanos praticavam a escravidão.

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Portanto fica claro que o abolicionismo é um fruto da civilização ocidental, proveniente dos valores que a fundaram, e que a abolição da escravatura do globo, de forma geral, foi por uma espécie de influência ocidental sob outras culturas.

O TRÁFICO DE PESSOAS CONTEMPORÂNEO

O tráfico de pessoas tem se tornado um negócio bilionário no cenário mundial contemporâneo, segundo dados expostos pela OIT o lucro total anual obtido por meio do tráfico chega a 31,6 bilhões de dólares. Segundo estimativas da OIT o quadro fica da seguinte maneira:

Os países industrializados respondem por metade dessa soma (15,5 bilhões de dólares), ficando o resto com Ásia (9,7 bilhões de dólares), países do Leste Europeu (3,4 bilhões de dólares), Oriente Médio (1,5 bilhão de dólares), América Latina (1,3 bilhão de dólares) e África subsaariana (159 milhões de dólares). Estima-se que o lucro das redes criminosas com o trabalho de cada ser humano transportado ilegalmente de um país para outro chegue a 13 mil dólares por ano, podendo chegar a 30 mil dólares no tráfico internacional (OIT, 2006).

As pessoas traficadas entram em outros países normalmente, no caso do tráfico internacional, com vistos de turistas e a partir daí as atividades ilícitas são facilmente camufladas por outras legais, como babás, dançarinas, agenciamento de modelos e até por meio de casamentos, enfim, os métodos de burlar a fiscalização são vários e de fácil operação, o que dificulta toda a questão.

A ONG Red Española contra la trata de personas relatou que a maioria das prostitutas em circulação  entres os prostíbulos europeus são brasileiras. Esta mesma ONG também apontou que o comércio sexual aumentou 50% nos últimos cinco anos, e o preço de uma mulher nesse meio varia de R$ 2 mil a R$ 7 mil, variando de acordo com a idade (DEROSA, 2013).

É também interessante mencionar a exploração sexual praticada em nossos dias por grupos islâmicos como o Estado Islâmico e Boko Haram, que em seus jihads tem feito escravas sexuais as mulheres infiéis capturadas (cristãs, yazidis e outras minorias religiosas que cruzam com esses grupos), embora isto não seja noticiado como deveria. É o caso de uma jovem yazidi que foi capturada pelo Estado Islâmico e conseguiu escapar, ela conta que era espancada e viu muitas outras prisioneiras presentes serem abusadas por jihadistas ou vendidas em mercados de escravas juntos com várias outras mulheres, como conta o jornalista Paul Wood (2014) em matéria publicada pela BBC.

Está prática é comum nesses grupos, e existem até mesmo preços tabelados nesses mercados, segundo matéria do Jarbas Aragão (2014) publicada pelo site de notícias Gospelprime.

CAUSAS DO TRÁFICO

É fato que a causa principal de todo esse problema é de ordem cultural, mas existem outras circunstâncias que se somam a fator e que são importantes destacar.

POBREZA

Existe uma tendência comum em atribuir esse tipo de problema a questões econômicas, sujeitando toda a problemática à questão da pobreza, mas não é exatamente desta forma que ocorre, esta é apenas um fator que favorece o tráfico.

A pobreza gera uma falta de perspectiva futura, facilitando o trabalho dos traficantes que as convence com maior facilidade, seja prometendo vida melhor em outro país, ou em outro lugar dentro do mesmo país.

GLOBALIZAÇÃO

            A globalização, além de facilitar a saída e entrada de pessoas em outros países, também tem um efeito corrosivo nos direitos civis, políticos, econômicos sociais e culturais, através de agendas que organismos internacionais financiam com interesses como a legalização da prostituição e da pedofilia e congêneres.

EMIGRAÇÃO ILEGAL

            A emigração ilegal em países que ofereçam melhores condições de vida a seus habitantes é outro grande problema, visto que a pessoa está altamente vulnerável enquanto busca uma fonte de sustento, e nesse intento a pessoa pode acabar de sujeitando a trabalhos ultrajantes, como a prostituição e semelhantes, com maior facilidade.

TURISMO SEXUAL

            O turismo sexual facilita muito o tráfico de pessoas, visto que existe uma grande ligação entre os agenciadores desse tipo de turismo e os traficantes de pessoas. Pode, também, ocorrer de o turista, ao retornar das férias, levar a mulher junto de si, chegando ao país de destino ele pode esconder o tráfico por meio de um falso casamento.

CORRUPÇÃO POLÍTICA

            Um esquema gigantesco como o do tráfico de pessoas não passaria despercebido com tanta facilidade, portanto é notável que haja envolvimento de políticos e até mesmo de funcionários públicos que facilitam tal esquema, seja por meio de recebimento de propina ou por envolvimento direto.

LEGISLAÇÃO DEFICIENTE

            A falta de leis que reprimam esse tipo de atitude com maior severidade e a falta de aplicabilidade destas também é um problema. A grande burocracia para a aplicabilidade das normas, a falta de coesão entres os textos legais e falta de investigação são problemas que são encontrados em muitos sistemas legais.

O TRÁFICO NO BRASIL

O Tráfico no Brasil, tanto o externo quanto o interno, é muito favorecido pelo baixo custo e a facilidade de locomoção “pela existência de boas redes de comunicação, de bancos e casas de câmbio e de portos e aeroportos, pelas facilidades de ingresso em vários países sem a formalidade de visto consular” (OIT, 2006).

Como dito anteriormente, entre os prostíbulos europeus as prostitutas são, em maioria, brasileiras. Grande parte proveniente do estado de Goiás, pois, segundo profissionais que atuam contra o tráfico, o biótipo da mulher goiana é atraente aos olhos dos clientes europeus.

Segundo dados retirados de uma pesquisa encomendada pelo Ministério da Justiça (MJ) e pelo Escritório das Nações Unidas Contra Drogas e Crimes (UNODC), os traficantes são, geralmente, envolvidos com casas de show, comércio, casas de encontros, bares, agências de turismo, salões de beleza, casa de jogos, agências de moda, produtoras de vídeos pornográficos e agências de casamento. Sendo que também, grande parte, está ligado a outras atividades ilícitas, como o tráfico de drogas e de armas, lavagem de dinheiro e contrabando (OIT, 2006).

E esta mesma pesquisa afirma que entre os traficantes existe também uma forte presença feminina no recrutamento das vítimas (43,7% dos agentes), contrariando a ideia de ser uma atividade exercida singularmente pelos homens.

PERFIL DAS VÍTIMAS

Segundo pesquisa da Pestraf, as maiores vítimas do tráfico para a exploração sexual no Brasil são as mulheres e adolescentes, com idade entre 15 a 25 anos (OIT, 2006). Entre as mulheres a maioria vem de classes populares e possuem pouca escolaridade, sendo que destas várias já passaram pela prostituição.

As vítimas geralmente exerciam alguma atividade laboral relativa ao ramo da prestação de serviços domésticos e do comércio, funções exercidas com baixa remuneração, sem carteira assinada, com alta carga horária rotineiramente, funções desprestigiadas. Isto somado a outras circunstâncias mencionadas anteriormente acabam por desmotivar as vítimas, que se tornam alvos fáceis na mira dos traficantes.

O número de homens vítimas do tráfico de pessoas para a exploração sexual vem crescendo. Fernando Capez, que se fez presente no 12° Período de Sessões da comissão das Nações unidas de Prevenção ao Crime e Justiça Penal realizado em 2003, destacou um dado que foi divulgado pela ONU nesse encontro, que 4% das vítimas desse crime eram do sexo masculino, número que, embora pequeno, em contraste com a ausência de relatos desse tipo se torna revelador de uma nova tendência contemporânea.

QUESTÃO LEGAL

No Brasil além dos tipos penais próprios o sujeito ativo desse crime comente ainda outros crimes, dentre eles é possível citar o estelionato, sequestro, sequestro com cárcere privado, falsificação, furto ou roubo de documentos, lavagem de dinheiro, tortura, estupro e etc. Muitas vezes os advogados de defesa dos traficantes tendem por desqualificar o crime de tráfico de pessoas, interno ou externo, para configurar outro crime, e assim deixar obscuro o que realmente está acontecendo.

No atual sistema legal brasileiro o crime de tráfico de pessoas para a exploração sexual se divide em dois tipos, o internacional e o interno, porém, no passado não era assim, o texto original do código penal, de 1940, sob o título de tráfico de mulheres, trazia a seguinte redação:

Art. 231. Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de mulher que nele venha exercer a prostituição, ou a saída de mulher que vá exercê-la no estrangeiro:

Pena - reclusão, de três a oito anos.

§ 1º Se ocorre qualquer das hipóteses do parágrafo 1º do art. 227:

Pena - reclusão, de quatro a dez anos.

§ 2º Se ha emprego de violência, grave ameaça ou fraude, a pena é de reclusão, de cinco a doze anos, além da pena correspondente à violência.

§ 3º Se o crime é cometido com o fim de lucro, aplica-se também multa de cinco contos a dez contos de réis.

Note-se que o artigo 231 em seu texto original tinha como sujeito passivo exclusivamente o sexo feminino.

Em 2004 o Brasil ratificou a Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transacional, o Protocolo Adicional para a Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças e o Protocolo Adicional ao Tráfico de Migrantes por via Terrestre, Marítima e Aérea, por meio dos decretos 5.015 e 5.017, e em vista desta ratificação em 2005 houve uma alteração no texto do artigo 231 por meio da lei 11.106 de 2005. Com o advento desta lei o artigo 231 agora é divido em dois, um para o tráfico internacional (artigo 231) e outro para o tráfico interno (artigo 231-A). Sendo que o texto do artigo 231 ficou da seguinte forma:

Art. 231. Promover, intermediar ou facilitar a entrada, no território nacional, de pessoa que venha exercer a prostituição ou a saída de pessoa para exercê-la no estrangeiro: 

Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa.

§ 1º Se ocorre qualquer das hipóteses do § 1° do art. 227:

Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, e multa. 

§ 2° Se há emprego de violência, grave ameaça ou fraude, a pena é de reclusão, de 5 (cinco) a 12 (doze) anos, e multa, além da pena correspondente à violência. 

E o artigo 231-A:

Promover, intermediar ou facilitar, no território nacional, o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento da pessoa que venha exercer a prostituição:

Pena — reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa.

Parágrafo único. Aplica-se ao crime de que trata este artigo o disposto nos §§ 1º e 2º do art. 231 deste Decreto-Lei.

É interessante notar que a lei 11.106 de 2005 além de dividir o crime em dois tipos também realizou algumas alterações no texto, sendo que nesta nova redação o crime não é mais exclusivo às pessoas do sexo feminino, mas abrange também, desde então, o homem, vista a abstração realizada pelo termo “Pessoa”.

Esta modificação era de extrema importância, visto que o artigo 231 encontrava-se muito limitado. É fato que na época da promulgação do código penal, em 1940, era completamente impensável a possibilidade do tráfico de homens, porém, nas ultimas décadas esta prática surgiu e vem crescendo gradativamente, e em vista disto se fazia necessária a positivação desta conduta.

Em 2009 houve ainda novas modificações nesses dois artigos com o advento da lei n° 12.015 de 2009. Com esta lei o título do crime e o texto do caput tiveram acrescentado o termo “exploração sexual”, esta alteração veio a ampliar ainda mais a abrangência do referido diploma. Com esta modificação a prostituição passa a ser somente uma das possibilidades de exploração sexual.

A redação do artigo 231 ficou da seguinte maneira:

Art. 231.  Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de alguém que nele venha a exercer a prostituição ou outra forma de exploração sexual, ou a saída de alguém que vá exercê-la no estrangeiro.

Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos.

§ 1°  Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la. 

§ 2°  A pena é aumentada da metade se:

I - a vítima é menor de 18 (dezoito) anos; 

II - a vítima, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato; 

III - se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; ou 

IV - há emprego de violência, grave ameaça ou fraude.

§ 3°  Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa. 

E o 231-A:

Art. 231-A.  Promover ou facilitar o deslocamento de alguém dentro do território nacional para o exercício da prostituição ou outra forma de exploração sexual.

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos. 

§ 1°  Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar, vender ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la. 

§ 2°  A pena é aumentada da metade se: 

I - a vítima é menor de 18 (dezoito) anos; 

II - a vítima, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato; 

III - se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; ou 

IV - há emprego de violência, grave ameaça ou fraude.

§ 3°  Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.

Nota-se também que as novas redações omitiram a ação intermediar, pergunta-se se houve abolitio criminis nesse caso, a resposta é não. Não houve, pois o termo intermedir foi substituído pelo termo agenciar que se encontra, em ambos os artigos, no parágrafo primeiro, e tem o mesmo significado.

Houve, portanto, várias mudanças nos tipos penais relativos ao tráfico de pessoas para fim de exploração sexual, uns para bem e outros nem tanto, como é o caso da redução da penalidade da conduta descrita no caput do artigo 231-A, com a redação de 2005 e penalidade era de três a oito anos e multa, e com a atual redação a pena foi reduzida para dois a seis anos e não há menção de multa, ou seja, houve um afrouxamento na penalidade referente a esse crime. Alguns dizem que a severidade da pena não é fator predominante para a inibição da conduta, porém, sendo predominante ou não ela tem importância ímpar, a redução da pena nesta conduta soa como um desleixo com o assunto e as vítimas desses crimes.

CONCLUSÃO

A história tem muito a ensinar e ajudar na luta contra o tráfico de pessoas. Falta um olhar sério para esse aspecto, muitas vezes cegado pela soberba de um tempo que esqueceu suas raízes, que julga ser superior a todo o passado como se fosse esse tempo a culminação de todos os tempos, esquecendo que são somente mais uma parte da história, e que no exercício desta superioridade esquecem coisas valiosíssimas, como é o caso dos valores que fundaram a civilização ocidental.

As mudanças no regime jurídico para melhor poder-se combater a questão do tráfico são de suma importância, mas, mais importante que isto, é necessário um verdadeiro resgate cultural dos valores humanos, dos quais a nossa civilização é referência. Como visto, no caos que foi toda a alta idade média, sem a existência de uma organização politica, a escravidão foi combatida no meio cultural e, só depois disto, culminou em reinos livres da escravidão e de todo o tipo de ultraje à dignidade humana. Foi um trabalho orgânico e natural que forjaram civilizações por meio de valores, e esses valores é que serviram de pressuposto para as leis e os movimentos abolicionistas no futuro.

Portanto, que a nossa geração aprenda com a história, e que todos esses valores possam ressurgir no ocidente contemporâneo e assim, consequentemente, haver uma mudança em nossos sistemas legais, e, acima de tudo, haver um resgate cultural.

REFERÊNCIAS

ENCICLOPÉDIA BARSA, Encyclopaedia Britannica Editores Ltda – Volume 7. Rio de Janeiro, 1987.

BRAUDEL, Fernand. Gramática das civilizações.  São Paulo: Martins Fontes, 1989.

CARVALHO, Olavo. A África às avessas. Set.2009. Disponível em: http://www.olavodecarvalho.org/semana/090914dc.html. Acesso em: 12 de fev. de 2015.

DEROSA, Cristian. Tráfico humano e prostituição: tudo haver! Fev.2013. Disponível em: http://www.midiasemmascara.org/mediawatch/outros/13858-trafico-humano-e-prostituicao-tudo-a-ver.html. Acesso em: 12 de fev. de 2015.

OIT. Tráfico de pessoas para fins de exploração sexual. Brasília: OIT, 2006. Disponível em: http://www.oitbrasil.org.br/sites/default/files/topic/tip/pub/trafico_de_pessoas_384.pdf. Pag. 13. Acesso em: 12 de fev. de 2015.

WOOD, Paul. Fui vendida por R$35 como escrava sexual pelo Estado Islâmico. Dez.2014. Disponível em: http:/www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/12/141222_yazidis_estado_islamico_rm. Acesso em: 20 de fev. de 2015.

ARAGÃO, Jarbas. Estado Islâmico leiloa meninas cristãs como “escravas sexuais”. Nov.2014. Disponível em: http://noticias.gospelprime.com.br/estado-islamico-cristas-escravas-sexuais/. Acesso em: 20 de fev. de 2015.

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Sobre o autor
André de Oliveira da Cruz

Graduado pela Faculdade Educação, Administração e Tecnologia de Ibaiti. Pós-Graduando em direito empresarial pela Uniminas. Estudante de filosofia, alquimia e ciências tradicionais.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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