RESUMO: Este artigo apresenta posicionamento jurídico contrário a medida adotada pela Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, a qual autoriza o uso de verba pública para aquisição de passagens aéreas aos cônjuges dos parlamentares. Trata-se de uma afronta ao princípio da moralidade, base da Administração Pública.
PALAVRAS-CHAVE: Moralidade. Administração Pública. Câmara dos Deputados. Direito Administrativo. Direito Constitucional. Ciência Política. Princípios.
1. Introdução
A Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, adotando uma postura aética, imoral e esdrúxula, liberou o uso de dinheiro público para transportar os cônjuges dos nobres parlamentares entre suas cidades de origem e Brasília. É mais uma farra com o dinheiro público. Importante destacar que, desde 2009, a cota de passagens aéreas do Poder Legislativo Federal encontrava-se restrita aos deputados e assessores em viagens decorrentes do exercício da atividade parlamentar.
A decisão do Presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB), ataca grosseiramente o princípio da moralidade, fundamento da Administração Pública. Há, de certo modo, a confusão entre aspectos públicos e privados, já que o uso de dinheiro público deve custear apenas as atividades dos parlamentares, essas realizadas em prol da coletividade, e não para regalias aos familiares, independente do grau de parentesco. É uma imoralidade!
2. Princípio da Moralidade na Administração Pública
A Constituição Federal de 1988 é formada por princípios, expressos ou implícitos, que obrigatoriamente devem ser respeitados pelos Administradores Públicos, durante a plena atuação da atividade administrativa. Não se admite em pleno Estado de Direito praticas imorais e atentatórias aos princípios presentes na Carta Maior, entre eles, à moralidade, evitando com isso, o prejuízo aos cofres públicos e o enriquecimento ilícito amplamente vedado pelo ordenamento jurídico.
Respeitar o princípio da moralidade importa em atuar em total observância aos valores éticos, da lealdade, da probidade, e dos postulados normativos que asseguram a boa administração e norteiam internamente as atividades da Administração Pública. Sem sombra de dúvida, moralidade concorre ao aspecto do bom administrador.
Neste sentindo, posicionou-se o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio, apontando:
“Poder-se-á dizer que apenas agora a Constituição Federal consagrou a moralidade como principio de administração pública (art 37 da CF). isso não é verdade. Os princípios podem estar ou não explicitados em normas. Normalmente, sequer constam de texto regrado. Defluem no todo do ordenamento jurídico. Encontram-se ínsitos, implícitos no sistema, permeando as diversas normas regedoras de determinada matéria. O só fato de um princípio não figurar no texto constitucional, não significa que nunca teve relevância de principio. A circunstância de, no texto constitucional anterior, não figurar o principio da moralidade não significa que o administrador poderia agir de forma imoral ou mesmo amoral. Como ensina Jesus Gonzales Perez “el hecho de su consagracion em uma norma legal no supone que com anterioridad no existiera, ni que por tal consagración legislativa haya perdido tal carácter” (El principio de buena fé em el derecho administrativo. Madri, 1983. p. 15). Os princípios gerais de direito existem por força própria, independentemente de figurarem em texto legislativo. E o fato de passarem a figurar em texto constitucional ou legal não lhes retira o caráter de principio. O agente público não só tem que ser honesto e probo, mas tem que mostrar que possui tal qualidade. Como a mulher de César”.
Em nosso entendimento, a medida adotada pela Mesa Diretora da Câmara dos Deputados representa um atentado ao Estado de Direito, um retrocesso. Acreditamos que seja em decorrência da própria natureza humana, e neste ponto merece destaque o pensamento do Barão de Montesquieu, o qual afirma: “(...) é uma experiência eterna a de que todo homem que tem poder tende a abusar dele; ele vai até onde encontra limites. Quem o diria! A própria virtude tem necessidade de limites para que não se possa abusar do poder é preciso que, pelas disposições das coisas, o poder detenha o poder.”. Assim, o próprio texto constitucional apresenta vários mecanismos jurídicos que podem ser utilizados visando coibir quaisquer prática de imoralidade, entre eles os remédios constitucionais, com destaque para a Ação Popular, prevista no no art. 5º, LXXIII da CF.
3. Regalias dos Deputados Federais
É sabido da necessidade de recursos financeiros para o pleno exercício da atividade parlamentar. O Brasil é um País de dimensões continentais, e a figura do Parlamentar é imprescindível para a manutenção do Estado de Direito. Não se questiona aqui a legitimidade dos gastos do erário com a atividade parlamentar, mas sim, dos gastos descabidos de justificação jurídica.
Além do pomposo salário de R$ 33,7 mil, cada um dos 513 deputados federais tem uma série de regalias para o exercício da atividade parlamentar. direito a Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar (CEAP) no valor de R$ 33.010, 31. Esta cota varia de Estado para Estado. A CEAP pode ser usada para despesas com passagens aéreas, conta de telefone e serviços com os Correios. Parte do recurso pode ainda ser destinada ao pagamento de aluguéis de imóveis nas bases eleitorais. É permitido o uso da cota para gastos com hospedagem e até fretamento de aviões, barcos e veículos. O dinheiro pode ser usado ainda para combustíveis até o limite de R$ 4,5 mil por mês.
Os parlamentares também recebem mensalmente uma ajuda de custo no valor de R$ 1.113,46; auxílio-moradia de R$ 239,85; verba de gabinete no valor de R$ 78 mil para contratar até 25 funcionários; e Plano de Saúde, sendo ainda ressarcidos caso os serviços médicos não puderem ser prestados no Departamento Médico da Câmara, em Brasília.
Ainda com todo esse respaldo financeiro, o Parlamento Brasileiro está muito distante do aspecto da produtividade.
4. Conclusão
O Parlamento Brasileiro é visto com descrédito pela população. A decisão da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados só faz distanciá-los ainda mais. A sociedade está cada vez mais desmotivada e descrente em decorrência dos constantes casos de corrupção que inundam a imprensa. Além de retrocesso, é uma aberração. A verba de gabinete deve ser utilizada para cobrir exclusivamente os gastos dos parlamentares dentro das atividades que buscam o benefício da população, e não regalias aos seus familiares.
O Presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e os nobres edis que votaram a favor dessa imoralidade, deveriam respeitar a população brasileira e pensar que vivemos um momento de grandes dificuldades financeiras, com uma dívida pública altíssima. Quem sofre com tudo isso é a população, que passa a pagar mais tributos para arcar com os gastos da máquina pública. Se querem levar os seus cônjuges até Brasília, que utilizem os seus pomposos salários, ao invés de colocar nas costas do cidadão.
Sabe-se que os poderes são independentes e harmônicos, mas o Poder Judiciário, por meio do Supremo Tribunal Federal, precisa dar um basta nesta imoralidade. É o que se espera.
REFERÊNCIAS
BRASIL Superior Tribunal Federal – 2ª T. Recurso Extraordinário nº 160.381 – SP, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1998.
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22. ed. São Paulo: Saraiva, p.320, 2002.
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FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira. 3. Ed. São Paulo: Saraiva, 1986.
FIGUEIREDO, Marcelo. O Controle da Moralidade na Constituição. São Paulo: Malheiros Editores, 2003.
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NIESS, Pedro Henrique Távora. Direitos Políticos. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.