A EXISTÊNCIA DE CONCURSO FORMAL IMPROPRIO ENTRE CRIMES PRATICADOS MEDIANTE DOLO DIRETO E DOLO EVENTUAL.

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04/03/2015 às 22:44
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4. CONCURSO FORMAL IMPERFEITO E DOLO EVENTUAL

Perante da existência e aceitação do dolo eventual é importante anotar se, diante de uma situação decorrência de dolo eventual, vindo o agente a praticar uma única conduta, mas com diversos resultados, deve ser aplicada a o concurso formal constante da primeira parte do art. 70 do Código Penal, ou concurso formal impróprio (ou imperfeito), previsto na segunda parte do mesmo dispositivo legal. Pois, adotando-se a segundo hipótese (concurso formal impróprio) a pena combinada ao fato será muito superior a aquela decorrente do concurso formal.

Exemplificando, num fato “X”, no qual haja “Y” vítimas, aplicando-se o concurso formal a pena máxima será a combinada em abstrato, ao patamar máximo, ao crime “X”, aumentada de 1/6 (um sexto) até 1/2 (um meio). Diferentemente, sendo aplicado o concurso formal improprio, a pena máxima será a combinada em abstrato, ao patamar máximo, ao crime “X”, aplicada isoladamente a cada vítima, somando-as. Assim, tratando-se de um homicídio simples (CP, art. 121, caput) com três vítimas, em concurso formal a pena máxima em abstrato será de 20 anos acrescida até a metade, totalizando 30 anos. Enquanto, aplicando-se a regra do concurso formal imperfeito ao mesmo fato, a pena máxima em abstrato poderá atingir 60 anos.

A polêmica, no entanto, se instaura na conceituação do requisito "desígnios autônomos", exigido para a aplicação do concurso formal imperfeito. Essa posição, no que se refere ao dolo do agente, não é unânime na doutrina e na jurisprudência. Havendo duas grandes correntes:

Para alguns doutrinadores, é necessário que haja dolo direto em relação a todos os crimes praticados com uma única ação ou omissão, pois, a expressão 'desígnio' exclui o dolo eventual. Entretanto, para outra linha doutrinária, a expressão "desígnios autônomos" refere-se a qualquer forma de dolo, seja ele direto ou eventual. Vale dizer, o dolo eventual também representa o endereçamento da vontade do agente, pois ele, embora vislumbrando a possibilidade de ocorrência de um segundo resultado, não o desejando diretamente, mas admitindo-o, aceita-o. Essa segunda posição prega a possibilidade do concurso formal improprio, uma vez que o termo desígnio nos remete, logicamente, à ideia de dolo, e o dolo engloba tanto o direto quanto o eventual.

Nesse sentido, já decidiu o Supremo Tribunal Federal:

O paciente, ao acionar, por diversas vezes, a sua arma, com o propósito indisfarçável de tirar a vida de dois desafetos seus, assumiu o risco de ferir as demais pessoas do grupo que se achavam no local, como de fato, feriu duas delas, as quais, segundo o acórdão, só não perderam a vida em razão do pronto atendimento médico.
Assim, conquanto se tenha configurado, no caso, um erro de execução (aberratio ictus), em face do dolo eventual com que agiu o paciente em relação às duas últimas vítimas, haveria ele de responder, como respondeu, por quatro crimes dolosos de homicídio: um consumado, com dolo direto; um tentado, com dolo direto; e dois tentados, com dolo eventual. Desse modo, as respectivas penas foram-lhe acertadamente aplicadas de forma cumulativa, conforme previsto na parte final do art. 70, a que se reporta o art. 73, que está assim redigido. [...] (HC n. 73.548⁄SP, Ministro Ilmar Galvão, Primeira Turma, DJ 17⁄5⁄1996).

Assim, constata-se que os delitos concorrentes, oriundos de uma só conduta, resultaram de desígnios autônomos. Em consequência dessa caracterização, vale dizer, do reconhecimento da independência das intenções do paciente, as penas devem ser aplicadas cumulativamente, conforme a regra do concurso material.

Ao analisar o HC 191.490-RJa Sexta Turma do STJ, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 27/9/2012, se debruçou sobre o tema, ao verificar que o réu foi condenado por ter dado causa a duas mortes com uma só conduta: facadas na nuca de uma mulher grávida (resultando a morte da mulher e do feto). Pugnava a defesa pelo reconhecimento do concurso formal próprio.

No writ, concluiu o Min. Relator Sebastião Reis Júnior que os delitos (morte da mãe e da criança) resultaram de desígnios autônomos, considerando-se que ele sabia da gestação e aceitou o resultado morte da criança (dolo eventual), logo, reconhece-se a independência das intenções do réu. Dessa forma, os desígnios autônomos que caracterizam o concurso formal impróprio referem-se a qualquer forma de dolo, direto ou eventual.

Em situação semelhante assim também foi decidido em sede do STJ:

O entendimento do Tribunal a quo, no sentido de que o magistrado de primeiro grau teria aplicado a regra do concurso material ao caso está equivocado, pois, a segunda parte do art. 70 do CP não trata de concurso material e sim, de concurso formal imperfeito, que se caracteriza pela ocorrência de mais de um resultado, através de uma só ação, cometida com propósitos autônomos, exatamente a hipótese dos autos. Ocorre que o réu, através de uma só ação, procedeu sim, com desígnios diversos, pois, em relação à vítima que realmente queria atingir, a conduta foi cometida com dolo direto; já em relação aos demais, evidenciou-se que a conduta lesiva orientou-se pelo dolo eventual - em que o réu assumiu risco de produzir o resultado. Assim, como as diversas lesões - orientadas por espécies diferentes de dolo - foram cometidas através de uma só ação - disparo repetido de arma de fogo -, vale a regra referente ao concurso formal, disposta na segunda parte do art. 70 do Código Penal, como bem aplicado pelo magistrado sentenciante (REsp n. 138.557⁄DF, Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, DJ 10⁄6⁄2002).

 Desta forma, é visível a possibilidade da aplicação do instituto do concurso formal improprio em uma conduta decorrente de dolo eventual.


CONCLUSÃO

Como se observa, quando, através de uma só ação, o agente procede com desígnios diversos, buscando mais de um resultado, ou aceitando os riscos de produzi-los, haverá concurso formal improprio ou imperfeito.  Sendo indiferente se os resultados derivam de dolo direto ou eventual (indireto).
Ademais, como o Código Penal equiparou o dolo direto e o dolo eventual, não há razões para considerar que a “desígnios autônomos”, empregada no art. 70 do Código Penal, não encampa o dolo eventual.

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Portanto, em suma, diante do entendimento jurisprudencial e doutrinário exposto, é perceptível ser correta a aplicação do instituto do concurso formal improprio de crime em virtude de vários praticados sob dolo eventual.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral. v.1.5 ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

DOTTI, Rene Ariel. Curso de Direito penal: Parte Geral. 2.ed.Rio de Janeiro: Forense, 2005.

GRECO, Rogerio. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 14ª Ed. Niteroi: Impetus, 2012.

JESUS, Damásio E. de. Direito penal: parte geral 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.

MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado: Parte Geral (arts. 1º ao 120). São Paulo/SP: Método, 2014.

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Sobre o autor
Eduardo Borges

Delegado de Polícia Civil do Estado de Santa Catarina. Professor da UnC - Universidade do Contestado Bacharel em Direito e bacharelando em Administração de Empresas. Especialista em Segurança Publica e em Direito Processual Civil. Mestrando em Administração.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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