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A prisão e suas alternativas

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13/06/2017 às 13:20
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A prisão como última ratio continua a ser assunto polêmico.

Hoje é comum dizer que a prisão é um inferno. Nada mais real e patético. Mas dela não se abre mão nos casos de criminosos dotados de alta periculosidade, que, sob o regime da prisão processual, passam pela prisão preventiva, nos moldes dos artigos 312 e 313 do Código de Processo Penal.

Mas, a prisão não pode ser vista como uma vingança social.

Pode ser a prisão: perpétua[1], expressamente proibida no Brasil, ou ainda temporária.

Ora, a prisão, tão defendida pelos defensores do chamado direito penal máximo, convive com a certeza de sua patologia, onde cenas dantescas são vistas, em que a chamada ¨lei do mais forte¨é a Constitução, como se vê de um caso em que  um detento decapitou um colega de cela, comeu literalmente o fígado e depois espalhou suas vísceras pelas paredes.

O caos instalado no sistema penitenciário brasileiro não é novo no cenário nacional. O Brasil, com mais de quinhentos e quarenta e oito mil presos, ostenta a quarta maior população prisional do mundo.

As trezentas e dez mil vagas existentes no sistema carcerário nacional são poucas para um vasto exército de excluídos, para quem tem, de forma cotidiana, negado o acesso à cidadania. Desses presos, 40% são detidos provisoriamente, pois sujeitos a prisão em flagrante, prisão temporária e a prisão preventiva, que surgem antes da decisão condenatória transitada em julgado e são precipuamente instrumentais.

A Exposição de Motivos a Parte Geral do Código Penal, Lei 7.209/84, produto das ideias de luminares do Direito Penal, uma obra que engrandece a cultura jurídica pátria, via, de forma visionária, os inconvenientes das chamadas penas privativas de liberdade, arrolando argumentos importantes: a) o tipo de tratamento penal frequentemente adotado e quase sempre pernicioso; b)  a inutilidade dos métodos até agora adotados no tratamento de deliquentes reincidentes; c) as consequências maléficas para os infratores primários, ocasionais, ou responsáveis por delitos de pequena significação, que terão uma vida perniciosa, voltada para a perda paulatina da aptidão para o trabalho, serão submetidos pelos próprios ¨colegas de infortúnio¨, a sevícias, à corrupção.

O chamado Movimento da Lei e Ordem, que tanto planeja e cultiva a criação de novos tipos incriminadores, é o grande defensor da recomendação para agravação das penas já cominadas, preconizando a supressão de direitos penais públicos subjetivos da liberdade dos delinqüentes, como se lê dos comentários  de João Marcello de Araújo.[2]

 Por sua vez, há um modelo alternativo (direito penal mínimo) que recomenda a adoção de um direito penal de intervenção mínima, com fundamento na teoria da prevenção geral e especial.

Louve-se o sistema da reforma de 1984, com a edição da Lei 7.209, onde o legislador introduziu no artigo 59 do Código Penal a finalidade preventiva da pena:  O juiz, em sua fixação, deve atender ao que for suficiente para a reprovação e prevenção do crime, adotando-se um sistema misto: retributivo, na reprovação; preventivo, na prevenção genérica e específica.

Um sistema prisional que se preze deve impor ao preso o trabalho obrigatório, remunerado e com as garantias e os benefícios da Previdência Social(artigo 39). Isso porque se está diante de um dever social e condição da dignidade humana, que se impõem ao Estado.

Para isso, aplausos ao instituto da remição da pena[3], que foi uma feliz proposta inserida no bojo da Lei 7.210/84, e que tem por finalidade expressiva abreviar, pelo trabalho e pelo estudo, parte do tempo de condenação. Nessa linha, mais elogios à Lei 12.433/2011, que entrou em vigor em 29 de junho de 2011, alterando, de forma sensível, o panorama da remição de penas no Brasil, instituto sensivelmente ligado ao princípio constitucional da individualização da pena.

A remição, além de propiciar pelo trabalho e estudo a reintegração social do apenado, é medida salutar de política criminal que milita em favor da adequada administração da questão penitenciária. Isso mesmo diante da trágica e patética constatação no Brasil, que tem um Fundo Penitenciário[4], engordado por dotações orçamentárias da União,  fianças, multas, três por cento do montante arrecadado dos concursos de prognósticos, sorteios e loterias no âmbito do governo federal e, de outro lado,  a superpopulação dos presídios, com presos de mais e vagas de menos.

Com a remição permite-se descontar a pena pelo trabalho e pelo estudo e ainda permitir a rotatividade do sistema prisional e a liberação gradual das vagas existentes, num incentivo ao bom comportamento do sentenciado. O tempo remido será computado como pena cumprida, para todos os efeitos(artigo 128).

Com a redação dada ao artigo 126 da Lei 7.210/84(Lei de Execuções Penais) a remição passou a ser um direito subjetivo do preso cautelar, dos condenados em regime aberto, semiaberto ou fechado, ou ainda dos que estão sujeitos ao benefício do livramento condicional, de descontarem parte da pena por cumprir pelo trabalho ou estudo efetivamente realizado ou não(nos casos de acidente). Assim a contagem do tempo de trabalho é de um dia de pena a cada três dias de trabalho(artigo 126, § 1º, da Lei 7.210/84). O estudo permitirá descontar um dia de pena a cada doze horas de frequência escolar, divididas, no mínimo, em três dias. Tal divisão permitirá impedir que o preso alegue ter estudado doze horas em um único dia, pretendendo fazer o desconto à razão de um dia de estudo por um dia de pena, preservando a lógica de que a remição atende a razão de três por um, seja para o trabalho e seja para o estudo. No parágrafo primeiro do artigo 129 consta o dever do apenado autorizado a estudar fora do estabelecimento penal(condenado em regime fechado ou semiaberto), já que a lei fala em autorização para  estudar fora do estabelecimento, de comprovar mensalmente, por meio de declaração da respectiva unidade de ensino, a frequência e o aproveitamento escolar.

Esquecem-se os defensores do direito penal máximo, que, no Estado Democrático de Direito, não há mais lugar para a função eminentemente retributiva da pena, como disse Jorge de Figueiredo Dias.[5]

Está superado o chamado sistema retributivo, onde a pena é imposta como castigo ao autor do fato criminoso, não apresentando sentido utilitário(teorias absolutas). É um mal a quem praticou outro mal. Nada mais enganoso, nesse modelo do Código de 1940, erigido sob o Estado Novo.

Apresenta o sistema retributivo as seguintes características:

a) aplica um castigo;

b) a posição da vítima é secundária;

c)  representa o poder do Estado.

Fora do chamado sistema retributivo, já objetivo de anacronismos, veio o chamado sistema reabilitador  ou ressocializador. Esse modelo vem com a prisão(meio de reinserção do delinquente), mas a ela se somam, em campo próprio, as chamadas medidas e penas alternativas, quais sejam: prestação de serviços à comunidade, limitação de fins de semana, dentre outras medidas, objetivando a ressocialização do apenado.

São suas características:

a) a reinserção social do autor da infração penal;

b) a posição da vítima é secundária;

c)  admissão da progressão da pena consoante o comportamento do condenado.

Nesse modelo reabilitador aplicam-se medidas[6], de modo a ver a prisão como a última ratio, limitando em parte o poder de locomoção do condenado embora não sejam estes recolhidos à prisão.

Como bem disse Jesus Maria Silva Sánchez[7] o sistema reabilitador, em suas feições originais, teve apenas vinte anos de glória, durante os quais pretendeu atribuir legitimidade ao direito penal. Após, começou, na pratica, a se perceber a inexistência de efeitos positivos de prevenção especial reabilitadora.

Mas, para o  Estado Democrático de Direito, parece ser o sistema a ele mais compatível o da Justiça Reparadora, que poderá ser aplicada em alguns casos de crimes patrimoniais, como é o caso do furto simples e em algumas causas de aumento de pena(artigo 155, parágrafo segundo), apropriação indébita, estelionato, delitos onde não há grave ameaça ou violência à vítima, no futuro Código Penal[8]. São características desse sistema, que alcança a multa(que deve ser aplicada principalmente se o delito trouxe prejuízo à vítima), e medidas restritivas de direito:  a reparação do dano como ponto central de sua atuação; o fato de se dar à vítima posição preponderante[9]; a satisfação das partes, seja a vítima seja o autor do crime[10], delinquente. Daí os sensatos elogios feitos a ele por René Ariel Dotti.[11]

Essa tendência voltada a escolha pela Justiça Reparadora é observada na redação do Anteprojeto do Código Penal  onde se coloca a perda de bens com pena autônoma(artigos 45, IV,  e 66). Mas, tal opção veio com inconvenientes como será mostrado. 

Os autores da reforma penal de 1984, ao estudar fórmulas para substituição da prisão, imaginaram as penas restritivas de direito, sanções autônomas, que substituem as chamadas penas privativas de liberdade(reclusão, detenção, prisão simples)[12], com certas restrições ou obrigações, quando preenchidas as condições legais para a sua substituição. Por sua vez,  a Lei 9.714, de 25 de novembro de 1998, ampliou essas espécies. São elas previstas no artigo 43 do Código Penal: prestação pecuniária; perda de bens e valores; prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas;  interdição temporária de direitos; limitação de fim de semana.

Num passo seguinte, temos as chamadas penas alternativas que podem ser classificadas dentro de metodologia proposta por Damásio E. de Jesus[13]

a) restritivas de liberdade, como a limitação de fim de semana;

b) restritivas de direitos, como as interdições provisórias de direito;

c)  pecuniárias, como a multa e a prestação pecuniária.

Há, por certo, vantagens e desvantagens nessas penas alternativas. São consignadas como vantagens:

a) diminuem o custo do sistema repressivo;[14]

b) permitem ao juiz adequar à reprimenda penal à gravidade objetiva do fato e às condições pessoais do condenado;

c)  evitam o encarceramento do condenado nas infrações penais de menor potencial ofensivo;

d) afastam o condenado do convívio com outros deliquentes;

e) reduzem a reincidência;

f)  o condenado não precisa deixar a sua família ou comunidade, abandonar as suas responsabilidades e perder o emprego;

Mas, há os inconvenientes, citados por doutrinadores e estudiosos;

a) não reduzem o número de encarcerados;

b) não apresentam um conteúdo intimidativo, mais parecendo meios de controle pessoal ou medidas disciplinadores do condenado; [15]

c)  Em face do rol de penas alternativas nos Códigos Penais, o legislador é induzido a criar novas normas incriminadoras, aumentando o número de pessoas sob controle penal e ampliando a rede punitiva;

Com as penas alternativas, fugimos do velho sistema da prisão, que fracassou, com seus vários e anacrônicos sistemas penitenciários.[16]

Nas hipóteses do artigo 76 da Lei 9.099/95, onde se tem a previsão da transação penal, o Ministério Público poderá(há, aqui, um direito subjetivo público do autor do fato) poderá propor aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multa, que deverá obedecer aos critérios do artigo 49 do Código Penal. Aqui a pena máxima não poderá ser superior a dois anos, não poderá ser o autor do fato reincidente e nem receber nos últimos cinco anos os benefícios da transação penal por outro delito.

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Próximo a esse tratamento, tem-se o regime aberto, que, pelo artigo 46, parágrafo único, c, deverá ser objeto de cumprimento fora do estabelecimento penal, para condenados por crime sem violência ou grave ameaça, não reincidentes, cuja pena seja superior a dois anos e igual ou inferior a quatro anos.

O artigo 32 do Código Penal proclama, na redação que foi dada pela Lei 7.209/84, que as penas são: [17]

a) privativas de liberdade;

b) restritivas de direito;

c)  multa.

No direito comparado, há vários exemplos, diante do reconhecimento internacional da crise das penas institucionais, de reconhecimento de penas que não afastam o apenado da sociedade. Tal se vê nos seguintes casos: substituição por multa das penas até seis meses e admoestação e repressão judiciais(Alemanha); trabalho em favor de uma causa de interesse comum(Inglaterra); prisão de uma semana(Bélgica); interdições do exercício do cargo público ou de profissão ou de licença para dirigir veículos ou exílio local(Hungria); limitação de liberdade com trabalho corretivo(Polônia); substituição por multa, prisão por dias livres, admoestação, prestação de trabalho a favor da comunidade(Portugal); prisão de fim de semana, substituição por multa e penas privativas de direito(Espanha). 

Dessas experiências colheu o Brasil algumas ideias com relação a adoção das chamadas penas alternativas.

As penas restritivas de direito são autônomas e substituem as privativas de liberdade(artigo 44 CP), quando: aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos[18] e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa  ou, qualquer que seja a pena, se o crime for culposo. Aplicam-se ainda se o réu não for reincidente em crime doloso, diante da culpabilidade e antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente.

Por óbvio, estão fora de aplicação de penas restritivas de direito, artigo 44 do CP, os crimes de roubo[19], extorsão(artigo 158 do CP), a extorsão  indireta[20], estupro,  sequestro  e cárcere privado, extorsão mediante sequestro, por exemplo,  ainda que tentados.

Anoto que os doutrinadores inscreviam  nessa relação o crime de rapto. Ocorre que a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal proferiu decisão denegatória de habeas corpus impetrado em favor de condenado pela prática de crime de rapto(artigo 219 do CP), o qual sob o argumento de abolitio criminis, em razão da superveniência da Lei 11.106/2005, que revogou os artigos 219 a 222 do Código Penal, pleiteava a extinção da punibilidade. Ocorre que, no entendimento da mencionada Turma, muito embora o referido dispositivo tenha sido revogado com o advento da mencionada norma jurídica, a restrição da liberdade com finalidade libidinosa teria passado a figurar, com a entrada em vigor da nova lei, entre as possibilidades de qualificação dos crimes de sequestro ou cárcere privado(artigo 148, § 1º, V), de modo que a mera alteração da norma não configuraria uma abolitio criminis(HC 101.035/RJ, Relator Ministro Gilmar Mendes, 26 de outubro de 2010).

Na matéria, há interessante ilação de Mirabete[21] para quem é de se considerar que a expressão crime, que não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, não exclui os delitos em que essas modalidades são, não meios, mas constitutivas do próprio ilícito, como os de lesão corporal (artigo 129) ou ameaça(artigo 147) para os quais deveria ser permitida a substituição, como já ocorria no dispositivo substituído pela Lei nº 9.714/98.

Em tese, porém, não é possível a substituição quando for hipótese de crime hediondo(Lei 8.072/90, em seu artigo 2º, parágrafo terceiro).[22]

Caso o condenado seja reincidente, mas não em crime doloso, e desde que os  crimes antecedente e posterior não sejam idênticos, previstos no mesmo tipo penal, a substituição da pena privativa de liberdade só deve ser concedida se a medida for socialmente recomendável(artigo 44, parágrafo terceiro, CP). Essa aferição do juiz com relação a suficiência da substituição deve ser fundamentada nas circunstâncias, não só do crime a ser apenado como do precedente.

Na condenação igual ou inferior a um ano, a substituição da pena pode ser feita por multa ou por uma pena restritiva de direito; se superior a um ano, a pena privativa de liberdade pode ser substituída por uma pena restritiva de direito e multa ou por duas penas restritivas de direito(artigo 44, § 2, CP).

Porém, a pena restritiva de direitos converte-se em pena privativa de liberdade quando ocorrer o descumprimento injustificado da restrição imposta(artigo 44, § 4º, CP).

Sobrevindo a condenação a pena privativa de liberdade, por outro crime, o juiz da execução penal decidirá sobre a conversão, podendo deixar de aplicá-la se for possível ao condenado cumprir a pena substitutiva anterior(artigo 44, parágrafo quinto, CP).

Deu ênfase o legislador, Lei 7.209/84, ao chamado sistema de penas alternativas, abrindo ao julgador uma gama de várias possibilidades para a aplicação da penas de naturezas diversas(reclusão e multa, por exemplo). Sabe-se que há outros modelos de penas como os de penas  únicas(quando há uma só pena sem outra possibilidade para o julgador), de penas conjuntas(nas quais se aplicam duas ou mais penas, prisão e multa ou uma pressupõe a outra) ou ainda das penas paralelas(quando se pode escolher entre duas ou mais formas de aplicação da mesma espécie de pena, como, por exemplo, reclusão ou detenção). 

Tudo isso é belo no campo teórico. A prisão como última ratio continua a ser o ponto a ser levado em conta.

Todos nós  sabemos da experiência  que o sistema prisional não tem servido para tratar de criminosos perigosos, reincidentes, que, por diversas razões, estudadas, desde a antropologia até a psiquiatria forense, cumprem pena e voltam a cometer crimes.  

A medida de segurança não deixa de ser uma sanção penal, que visa preservar a sociedade da ação de delinqüentes portadores de graves doenças. Em verdade, o juiz ao proferir  a sentença de  absolvição imprópria, em decorrência da imputabilidade, aplica a medida de segurança(artigo 97).

De acordo com a redação que era antes dada ao Código Penal, na parte geral, as medidas de segurança podiam ser aplicadas, isoladamente, aos inimputáveis e, cumuladas com penas, aos semi-imputáveis e aos imputáveis, considerados perigosos. Com a Lei 7.209/84, substituiu-se a aplicação para os semi-imputáveis e imputáveis do chamado sistema do duplo binário, que conduz a aplicação de pena ou de medida de segurança, para o sistema vicariante em que se pode aplicar somente pena ou medida de segurança para os primeiros e unicamente a pena para os demais. A medida de segurança, que tem um caráter preventivo assistencial, ficará reservada aos inimputáveis, que são aqueles que, por anomalia psíquica, não podem responder judicialmente nos termos da lei.

A medida de segurança ou consistirá em internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou em tratamento ambulatorial, onde cumpre ao sentenciado comparecer ao hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, nos dias que lhe forem determinados pelos médicos, submetendo –se à modalidade terapêutica prevista(artigo 101 da Lei 7.210/84), sempre que for cominada medida e que o fato objeto de sanção estiver sujeito à pena de detenção (artigo 97 do CP), o que não é a hipótese do fato narrado, pois o homicídio está sujeito a pena de reclusão.

O artigo 96 do Código Penal determina a aplicação de medidas de segurança, sendo a primeira a internação em hospital de custodia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado. A segunda medida de segurança é o tratamento ambulatorial.

Por sua vez, dispõe o artigo 97 do Código Penal:

Se o agente for inimputável, o juiz determinará sua internação (art. 26). Se, todavia, o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Prazo

§ 1º - A internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade. O prazo mínimo deverá ser de 1 (um) a 3 (três) anos. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Perícia médica

§ 2º - A perícia médica realizar-se-á ao termo do prazo mínimo fixado e deverá ser repetida de ano em ano, ou a qualquer tempo, se o determinar o juiz da execução. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Desinternação ou liberação condicional

§ 3º - A desinternação, ou a liberação, será sempre condicional devendo ser restabelecida a situação anterior se o agente, antes do decurso de 1 (um) ano, pratica fato indicativo de persistência de sua periculosidade. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

§ 4º - Em qualquer fase do tratamento ambulatorial, poderá o juiz determinar a internação do agente, se essa providência for necessária para fins curativos. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Prevalece no Brasil o sistema vicariante e não o sistema binário, em que o juiz podia aplicar pena mais medida de segurança. Quando o réu praticava delito grave e violento, sendo considerado perigoso, recebia pena e medida de segurança. Assim terminada a pena privativa de liberdade, continuava detido até que houvesse o exame da cessação de periculosidade, ficando detido, indefinidamente, na prática. Pelo sistema vicariante, hoje utilizado, o juiz somente pode aplicar pena ou medida de segurança. Caso o réu seja considerado inimputável, caberá aplicação de medida de segurança. Com o devido respeito, no sistema do duplo binário, o papel destinado aos psiquiatras é importante, pois extinta a pena privativa de liberdade, fica o apenado sob observação desses profissionais para análise de sua periculosidade. Muitos desses criminosos, dentro de uma análise técnica, evidenciam nítida propensão a cometer novos crimes, após o cumprimento da pena.

Vem a pergunta: O que é periculosidade?

Observou Rocco [22, 23] que a referência a temibilidade para expressar periculosidade não era feliz. Aliás, a temibilidade expressa uma impressão subjetiva sendo uma consequência da periculosidade. Seria a periculosidade um modo de ser, um atributo, uma condição psíquica da pessoa, uma anormalidade.

O artigo 203 do Código Penal italiano expressa uma probabilidade de que novos crimes vejam a ser praticados. Seria um juízo de comportamento futuro do indivíduo, algo que Bettiol[24] rejeitou. Seria algo profético.

Em verdade, afora critérios científicos, é conceito vago e indeterminado.

A periculosidade pode ser real ou presumida, quando, então, a ficção é indiscutível, como se via no antigo artigo 78 da parte geral do Código Penal. A periculosidade real estava descrita no antigo artigo 77 do Código Penal, parte geral.  

Observa-se que, pelo antigo sistema dito unitário, via-se a medida de segurança como fundada e medida pela periculosidade do agente.

Devem ser citadas na matéria as conclusões da Conferência de Roma, realizada em maio de 1928. Ali se diz(artigo 6º) que as medidas de segurança são ordenadas depois da averiguação da periculosidade que apresenta quem praticou o fato, salvo em casos em que a periculosidade é presumida em lei. Ali se destacavam as seguintes medidas de segurança: internamento em hospital de alienados criminosos; internamento em hospital para anormais psíquicos e físicos delinquentes, detenção dos reincidentes e dos deliquentes habituais em estabelecimento especial, colocação de menores delinquentes em estabelecimentos de educação ou de correção. Ainda falavam-se em medidas restritivas da liberdade, particularmente: liberdade vigiada, proibição de residência, proibição de frequentar os estabelecimentos de bebidas alcoólicas, proibição de exercer um ofício ou profissão, expulsão de estrangeiros, medidas tutelares para menores delinquntes e, por fim, outras medidas: confiscação especial, caução de bom procedimento, fechamento de estabelecimento.

Entendeu-se que  as medidas de segurança não estariam submetidas ao principio da reserva legal da anterioridade do fato. As medidas de segurança regem-se pela lei vigente ao tempo da sentença prevalecendo, no entanto, se diversa, a lei vigente no momento da execução. Mas, nesse entendimento,  as medidas de segurança não têm caráter retributivo, pois visariam ao tratamento ou emenda. Melhor será a interpretação que foi dada pelo código Penal austríaco, de 1974, que, em seu parágrafo primeiro, equipara as medidas de segurança à pena para os efeitos da reserva legal.

Mas a pena e as medidas de segurança têm um substrato comum, de forma a permitir problemas que envolvam a conduta de semi-imputáveis  no sistema do duplo binário.

A matéria é, portanto, de complexidade, a exigir do poder público, das autoridades federais e estaduais competentes,  reflexão.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. A prisão e suas alternativas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5095, 13 jun. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/37309. Acesso em: 16 abr. 2024.

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