8) Procedimento
Um dos argumentos que pode ser invocado contra a homologação de acordos extrajudiciais é o de que seria subtraída parcela de proteção que o ajuizamento da reclamatória traz ao trabalhador, uma vez que submete eventuais acordos ao crivo judicial.
Este óbice, contudo, é fictício. A uma porque, a presença do magistrado não inibe as conhecidas lides simuladas. Ela não é segurança que evite pressões ou fraudes de forma absoluta. A duas, se a presença fiscalizadora do juiz é necessária, o problema é facilmente contornável.
Ora, se o crivo judicial é necessário no sentido de evitar fraudes e pressões, pois que se faça a homologação em audiência.
Para tanto um sexto parágrafo do artigo 764 da CLT estipularia que:
“No caso do parágrafo anterior, as partes apresentarão em secretaria o acordo assinado por si e por seus advogados, solicitando audiência de homologação, onde será realizada mediante ratificação pelas partes na presença de seus procuradores e juiz”.
Resolvido o problema. Veja-se que a solução celeriza o procedimento mantendo as mesmas garantias que hoje se obtém com ajuizamento de uma demanda reclamatória, real ou simulada.
De fato, se ajuizada demanda, a composição poderia ocorrer em qualquer das audiências, com cada parte abrindo mão de parcela dos seus alegados direitos e o acordo teria plena validade.
Por que então não pode ter a mesma validade um acordo onde as partes igualmente transigem e o ratificam perante o Juiz? Não é a mesma coisa em termos práticos do que se tivesse em curso demanda reclamatória?
A vantagem é que não haveria toda a tramitação da demanda ordinária, tudo de forma mais simplificada. A audiência seria apenas para ratificação e homologação.
9) Conclusões
Em todas as Justiças e instâncias, os processos se avolumam. Em cada qual deles um conflito a ser dirimido, seja ele real ou não.
Esta tendência de judicialização cada vez maior de situações somente tende a aumentar. Aumenta a gama de direitos subjetivos e o grau de informação a respeito de sua existência, o que, naturalmente, irá fazer aumentar o número de lides e de processos.
A consequência imediata disso é uma postergação cada vez maior na solução das demandas, comprometendo a celeridade que foi alçada a direito constitucional.
Neste contexto, o Judiciário, em todas as suas vertentes, deve recordar que a prioridade é a solução de conflitos e não a simples eliminação de processos.[8]
Sob esta perspectiva, soluções que valorizam formalismos, ou sofismas interpretativos para o fim de afastar a atuação jurisdicional de forma a mais célere possível, não se mostram consentâneas e conformes à realidade e a busca de uma atuação efetiva e eficaz de um serviço estatal.
A formalidade, a restrição, a rigidez procedimental, somente são legítimas quando verdadeiramente vocacionadas à proteção de direitos e garantias. Quando desvinculadas desta finalidade, ao revés, tornam-se entraves, obstáculos a que se atinja a finalidade para a qual em princípio foram concebidas.
Embalados por esta premissa e dando um golpe de vista na questão da resistência de certos e majoritários setores da Justiça Trabalhista à possibilidade de homologação de acordos extrajudiciais, especialmente no tocante às demandas que não envolvem direitos trabalhistas em senso estrito, vemos que esta posição não encontra fundamento sólido, e embasa-se em formalismo que não alcança sustentação finalística plausível, e nada preserva ou resguarda.
Se há um potencial conflito, por que não resolver com a segurança que a chancela jurisdicional confere enquanto esta ainda como tal, ou seja, in potentia? Não é muito melhor do que apanhar uma lide já em curso com todos os desgastes que isso causa de parte a parte e tentar um acordo?
O fato é que hoje muitos casos deixam de ser resolvidos extrajudicialmente, da forma que é a melhor para ambas as partes porque uma ou as duas ficam com receio de estar fazendo acordo inócuo, que poderá ser amplamente desconsiderado em demanda trabalhista, o que é válido especialmente a quem em que pagar a indenização.
A chancela jurisdicional confere uma segurança que é muito cara à cultura latina, ou seja, aos sistemas de descendência romano-canônica.[9]
Como alhures visto, seja por uma interpretação conforme a Constituição, valorizando a celeridade e a eficiência como notas fundamentais; seja através de alteração legislativa, a possibilidade de submissão de acordos extrajudiciais nas situações que se enquadram no figurino do artigo 114, inciso VI, da CF/88, é medida que iria trazer celerização, a formação de composições mais adequadas aos interesses das partes (porque obtidas diretamente por elas), e tudo sem prejuízo de nenhuma garantia aos direitos fundamentais, notadamente do empregado ou seus familiares, se adotada a audiência homologatória como supra sugerido.
Esta a sugestão de alteração legislativa e mesmo de solução hermenêutica que deixo para reflexão.
Notas
[1] Com a devida vênia, mas esta premissa se mostra a cada dia menos real. Hoje há ampla atuação dos sindicatos e o acesso à informação é amplo. Ademais, o nível educacional ampliou-se significativamente desde o advento da CLT. Se de fato em algumas regiões do país a situação de hipossuficiência do trabalhador ainda é real, isso de modo algum pode ser tomado como regra geral, pelo contrário, é, hoje, a exceção. Está mais do que na hora desta premissa ser revista.
[2] A presença de ritos formais tem por principal consequência justamente afastar a reflexão sobre o seu porquê. A ritualística é a antítese da reflexão. Em nenhum dos outros poderes a ritualística se faz ainda tão presente como no Judiciário, e isso muito tem contribuído para atravancar sua adaptação as realidades e finalidades para as quais ele se destina.
[3] Sob outras condicionantes históricas e culturais, algumas praxes e formalismos poderiam até cumprir finalidades úteis, especialmente de afirmação da autoridade do Estado. Hoje, a aceitação do Estado, sua institucionalização pela sociedade é uma realidade muito mais palpável e concreta. A jurisdição é vista como instância natural de resolução de conflitos. Em qualquer ponderação razoável que se faça, a manutenção de certos ritos e simbologias não mais se justifica, e, ao contrário, acaba por funcionar como um mecanismo de entrave, dificultando o acesso ao Judiciário. As pessoas não podem ter medo de ir ao Fórum.
[4] Inclusive rescindível a teor do artigo 485, inciso II, do CPC.
[5] Qualquer pessoa que tenha alguma experiência nas lides forenses sabe que não raro, se não que comumente, a sentença acaba descontentando a ambas as partes. Quanto maior a criação de expectativas maiores as frustrações.
[6] Ainda que hoje se reconheçam outras funções que promove a tutela jurisdicional, o certo é que a concessão da segurança jurídica em vista de um conflito é de longe a mais saliente e importante finalidade que se lhe pode atribuir. A parte que busca o judiciário procura por antes de tudo fim à incerteza. É visível para quem labuta algum tempo com prática judiciária que o que a parte quer é uma posição definitiva sobre seu conflito, bem como os efeitos de mitigação do conflito que decorrem de uma decisão chancelada pelo Estado, ainda que desfavorável. Uma sentença contrária é tida como menor danosa do que a incerteza.
[7] Segundo célebre lição do processualista italiano a lide é um conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida.
[8] Muitos parecem ter olvidado que a função jurisdicional somente atinge seu escopo magno quando conflito é solucionado, quando é pacificada a lide, quando a certeza e a estabilidade são concedidas as partes como bem especialmente almejado. Sente-se em certas parcelas do Judiciário a tendência a priorizar a extinção dos processos como uma angustia permanente, olvidando que, se o conflito continua, novas demandas dele poderão surgir e a Jurisdição foi ineficaz e apenas desperdiçou recursos. Nesta sanha de extinguir a qualquer custo o processo para “baixar o mapa”, as soluções de formalismo destacam-se como alavanca.
[9] Ao contrário do que ocorre com o sistema do common law, profligado na América do Norte e paises da Comunidade Britânica, onde a autocomposição e a arbitragem são valorizadas, os sistemas do civil law, de origem romano-germânica ou peninsulares tendem a exigir a chancela estatal com ampla participação do agente estatal em todo o processo. É por isso que a arbitragem não vingou no Brasil.