Os novos arranjos de família no Direito Brasileiro

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25/03/2015 às 15:55
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3. O reconhecimento dos novos arranjos familiares.

De acordo com pesquisas realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2.010 (dois mil e dez), somente nos municípios de Recife, São Paulo e Rio de Janeiro já existiam 60.000 (sessenta mil) famílias compostas por casais homossexuais, e 53,8% (cinquenta e três vírgula oito por cento) dos desses casais são formados por mulheres.

Já no estado do Ceará após pesquisa publicada pelo Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (IPECE), 2.600 (duas mil e seiscentas) famílias declararam viver em união homoafetiva.

De acordo com o censo realizado no ano de 2.010 (dois mil e dez), constatou-se que a proporção de solteiros, viúvos e divorciados aumentou em relação ao censo realizado no ano 2.000 (dois mil). Havendo também uma diminuição no número de casados e separados judicialmente, dessa forma em 2.010 (dois mil e dez), o Brasil possuía 89,6 (oitenta e nove virgula seis) milhões de solteiros, 56 (cinquenta e seis) milhões de casados, 8 (oito) milhões de viúvos, 5 (cinco) milhões de divorciados e 2,8 (dois vírgula oito) milhões de desquitados ou separados judicialmente.

3.1. Família em números

Considerando o crescente número de famílias fora do padrão, constatou-se por meio de uma pesquisa realizada para fins de opinião acerca dos novos modelos familiares um considerável crescimento no que diz respeito da aceitação das famílias plurais.

Para isso, foram questionadas pessoas de diferentes orientações sexuais, idades, religiões e graus de instrução nas cidades de Brasília/DF, Manaus/AM e Boa Vista/RR e suas opiniões acerca dos novos arranjos familiares, por meio do questionário para pesquisa.

A pesquisa ouviu 24 (vinte e quatro) pessoas, as quais 17 (dezessete) delas são homens e 7 (sete) são mulheres. Do total ouvido, 2 (dois) homens e 2 (duas) mulheres declararam ser homossexuais.

100% (cem por cento) dos homossexuais ouvidos, são a favor da família homoafetiva, da monoparentalidade, da multiparentalidade e dos demais tipos de famílias plurais.

Das mulheres heterossexuais ouvidas, todas são a favor do casamento homoafetivo, da monoparentalidade, apenas duas se manifestaram contra a multiparentalidade e uma se mostrou contra as famílias plurais.

Já em relação aos homens, heterossexuais, o preconceito é mais marcante. Apenas 8 (oito) são a favor do casamento entre homossexuais. 12. (doze) são a favor da monoparentalidade e contra a multiparentalidade e 12 (doze) são favor da família plural.

3.2. O entendimento dos Tribunais Superiores acerca do reconhecimento de famílias homoafetivas.

Diante de tantas alterações nos arranjos familiares, o judiciário não poderia se omitir ao reconhecimento dessas famílias. Por esse motivo teve o dever de se posicionar acerca dessas novas formações.

Dessa forma, os Tribunais Superiores se posicionam a favor dos novos arranjos familiares, conforme se vê na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) abaixo transcrita, que iguala e reconhece a relação entre pessoas do mesmo sexo:

“1. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF). PERDA PARCIAL DE OBJETO. RECEBIMENTO, NA PARTE REMANESCENTE, COMO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. UNIÃO HOMOAFETIVA E SEU RECONHECIMENTO COMO INSTITUTO JURÍDICO. CONVERGÊNCIA DE OBJETOS ENTRE AÇÕES DE NATUREZA ABSTRATA. JULGAMENTO CONJUNTO. Encampação dos fundamentos da ADPF nº 132-RJ pela ADI nº 4.277-DF, com a finalidade de conferir “interpretação conforme à Constituição” ao art. 1.723. do Código Civil. Atendimento das condições da ação. 2. PROIBIÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO DAS PESSOAS EM RAZÃO DO SEXO, SEJA NO PLANO DA DICOTOMIA HOMEM/MULHER (GÊNERO), SEJA NO PLANO DA ORIENTAÇÃO SEXUAL DE CADA QUAL DELES. A PROIBIÇÃO DO PRECONCEITO COMO CAPÍTULO DO CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL. HOMENAGEM AO PLURALISMO COMO VALOR SÓCIO-POLÍTICO-CULTURAL. LIBERDADE PARA DISPOR DA PRÓPRIA SEXUALIDADE, INSERIDA NA CATEGORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO INDIVÍDUO, EXPRESSÃO QUE É DA AUTONOMIA DE VONTADE. DIREITO À INTIMIDADE E À VIDA PRIVADA. CLÁUSULA PÉTREA. O sexo das pessoas, salvo disposição constitucional expressa ou implícita em sentido contrário, não se presta como fator de desigualação jurídica. Proibição de preconceito, à luz do inciso IV do art. 3º da Constituição Federal, por colidir frontalmente com o objetivo constitucional de “promover o bem de todos”. Silêncio normativo da Carta Magna a respeito do concreto uso do sexo dos indivíduos como saque da kelseniana “norma geral negativa”, segundo a qual “o que não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido”. Reconhecimento do direito à preferência sexual como direta emanação do princípio da “dignidade da pessoa humana”: direito a auto-estima no mais elevado ponto da consciência do indivíduo. Direito à busca da felicidade. Salto normativo da proibição do preconceito para a proclamação do direito à liberdade sexual. O concreto uso da sexualidade faz parte da autonomia da vontade das pessoas naturais. Empírico uso da sexualidade nos planos da intimidade e da privacidade constitucionalmente tuteladas. Autonomia da vontade. Cláusula pétrea. 3. TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DA INSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA. RECONHECIMENTO DE QUE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO EMPRESTA AO SUBSTANTIVO “FAMÍLIA” NENHUM SIGNIFICADO ORTODOXO OU DA PRÓPRIA TÉCNICA JURÍDICA. A FAMÍLIA COMO CATEGORIA SÓCIO-CULTURAL E PRINCÍPIO ESPIRITUAL. DIREITO SUBJETIVO DE CONSTITUIR FAMÍLIA. INTERPRETAÇÃO NÃO-REDUCIONISTA. O caput do art. 226. confere à família, base da sociedade, especial proteção do Estado. Ênfase constitucional à instituição da família. Família em seu coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico, pouco importando se formal ou informalmente constituída, ou se integrada por casais heteroafetivos ou por pares homoafetivos. A Constituição de 1988, ao utilizar-se da expressão “família”, não limita sua formação a casais heteroafetivos nem a formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa. Família como instituição privada que, voluntariamente constituída entre pessoas adultas, mantém com o Estado e a sociedade civil uma necessária relação tricotômica. Núcleo familiar que é o principal lócus institucional de concreção dos direitos fundamentais que a própria Constituição designa por “intimidade e vida privada” (inciso X do art. 5º). Isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos que somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família. Família como figura central ou continente, de que tudo o mais é conteúdo. Imperiosidade da interpretação não-reducionista do conceito de família como instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil. Avanço da Constituição Federal de 1988 no plano dos costumes. Caminhada na direção do pluralismo como categoria sócio-político-cultural. Competência do Supremo Tribunal Federal para manter, interpretativamente, o Texto Magno na posse do seu fundamental atributo da coerência, o que passa pela eliminação de preconceito quanto à orientação sexual das pessoas. 4. UNIÃO ESTÁVEL. NORMAÇÃO CONSTITUCIONAL REFERIDA A HOMEM E MULHER, MAS APENAS PARA ESPECIAL PROTEÇÃO DESTA ÚLTIMA. FOCADO PROPÓSITO CONSTITUCIONAL DE ESTABELECER RELAÇÕES JURÍDICAS HORIZONTAIS OU SEM HIERARQUIA ENTRE AS DUAS TIPOLOGIAS DO GÊNERO HUMANO. IDENTIDADE CONSTITUCIONAL DOS CONCEITOS DE “ENTIDADE FAMILIAR” E “FAMÍLIA”. A referência constitucional à dualidade básica homem/mulher, no §3º do seu art. 226, deve-se ao centrado intuito de não se perder a menor oportunidade para favorecer relações jurídicas horizontais ou sem hierarquia no âmbito das sociedades domésticas. Reforço normativo a um mais eficiente combate à renitência patriarcal dos costumes brasileiros. Impossibilidade de uso da letra da Constituição para ressuscitar o art. 175. da Carta de 1967/1969. Não há como fazer rolar a cabeça do art. 226. no patíbulo do seu parágrafo terceiro. Dispositivo que, ao utilizar da terminologia “entidade familiar”, não pretendeu diferenciá-la da “família”. Inexistência de hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico. Emprego do fraseado “entidade familiar” como sinônimo perfeito de família. A Constituição não interdita a formação de família por pessoas do mesmo sexo. Consagração do juízo de que não se proíbe nada a ninguém senão em face de um direito ou de proteção de um legítimo interesse de outrem, ou de toda a sociedade, o que não se dá na hipótese sub judice. Inexistência do direito dos indivíduos heteroafetivos à sua não-equiparação jurídica com os indivíduos homoafetivos. Aplicabilidade do §2º do art. 5º da Constituição Federal, a evidenciar que outros direitos e garantias, não expressamente listados na Constituição, emergem “do regime e dos princípios por ela adotados”, verbis: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. 5. DIVERGÊNCIAS LATERAIS QUANTO À FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO. Anotação de que os Ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cezar Peluso convergiram no particular entendimento da impossibilidade de ortodoxo enquadramento da união homoafetiva nas espécies de família constitucionalmente estabelecidas. Sem embargo, reconheceram a união entre parceiros do mesmo sexo como uma nova forma de entidade familiar. Matéria aberta à conformação legislativa, sem prejuízo do reconhecimento da imediata auto-aplicabilidade da Constituição. 6. INTERPRETAÇÃO DO ART. 1.723. DO CÓDIGO CIVIL EM CONFORMIDADE COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL (TÉCNICA DA “INTERPRETAÇÃO CONFORME”). RECONHECIMENTO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO FAMÍLIA. PROCEDÊNCIA DAS AÇÕES. Ante a possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723. do Código Civil, não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização da técnica de “interpretação conforme à Constituição”. Isso para excluir do dispositivo em causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva”.

(ADPF 132, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 05/05/2011, DJe-198 DIVULG 13-10-2011 PUBLIC 14-10-2011 EMENT VOL-02607-01 PP-00001).

No mesmo sentido o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ratifica o reconhecimento das famílias homoafetivas, igualando-as as famílias tradicionais:

“CIVIL. RELAÇÃO HOMOSSEXUAL. UNIÃO ESTÁVEL. RECONHECIMENTO. EMPREGO DA ANALOGIA.

1. "A regra do art. 226, § 3º da Constituição, que se refere ao reconhecimento da união estável entre homem e mulher, representou a superação da distinção que se fazia anteriormente entre o casamento e as relações de companheirismo. Trata-se de norma inclusiva, de inspiração anti-discriminatória, que não deve ser interpretada como norma excludente e discriminatória, voltada a impedir a aplicação do regime da união estável às relações homoafetivas".

2. É juridicamente possível pedido de reconhecimento de união estável de casal homossexual, uma vez que não há, no ordenamento jurídico brasileiro, vedação explícita ao ajuizamento de demanda com tal propósito. Competência do juízo da vara de família para julgar o pedido.

3. Os arts. 4º e 5º da Lei de Introdução do Código Civil autorizam o julgador a reconhecer a união estável entre pessoas de mesmo sexo.

4. A extensão, aos relacionamentos homoafetivos, dos efeitos jurídicos do regime de união estável aplicável aos casais heterossexuais traduz a corporificação dos princípios constitucionais da igualdade e da dignidade da pessoa humana.

5. A Lei Maria da Penha atribuiu às uniões homoafetivas o caráter de entidade familiar, ao prever, no seu artigo 5º, parágrafo único, que as relações pessoais mencionadas naquele dispositivo independem de orientação sexual.

6. Recurso especial desprovido.”

(REsp 827.962/RS, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 21/06/2011, DJe 08/08/2011).

Do mesmo modo, o STJ evoluiu seu entendimento, reconhecendo outros arranjos familiares, porém enfatizando a igualdade entre os sexos e a liberdade de casamento entre homossexuais:

“DIREITO DE FAMÍLIA. CASAMENTO CIVIL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO (HOMOAFETIVO). INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 1.514, 1.521, 1.523, 1.535 e 1.565 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. INEXISTÊNCIA DE VEDAÇÃO EXPRESSA A QUE SE HABILITEM PARA O CASAMENTO PESSOAS DO MESMO SEXO. VEDAÇÃO IMPLÍCITA CONSTITUCIONALMENTE INACEITÁVEL. ORIENTAÇÃO PRINCIPIOLÓGICA CONFERIDA PELO STF NO JULGAMENTO DA ADPF N. 132/RJ E DA ADI N. 4.277/DF.

1. Embora criado pela Constituição Federal como guardião do direito infraconstitucional, no estado atual em que se encontra a evolução do direito privado, vigorante a fase histórica da constitucionalização do direito civil, não é possível ao STJ analisar as celeumas que lhe aportam "de costas" para a Constituição Federal, sob pena de ser entregue ao jurisdicionado um direito desatualizado e sem lastro na Lei Maior. Vale dizer, o Superior Tribunal de Justiça, cumprindo sua missão de uniformizar o direito infraconstitucional, não pode conferir à lei uma interpretação que não seja constitucionalmente aceita.

2. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento conjunto da ADPF n.132/RJ e da ADI n. 4.277/DF, conferiu ao art. 1.723. do Código Civil de 2002 interpretação conforme à Constituição para dele excluir todo significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, entendida esta como sinônimo perfeito de família.

3. Inaugura-se com a Constituição Federal de 1988 uma nova fase do direito de família e, consequentemente, do casamento, baseada na adoção de um explícito poliformismo familiar em que arranjos multifacetados são igualmente aptos a constituir esse núcleo doméstico chamado "família", recebendo todos eles a "especial proteção do Estado". Assim, é bem de ver que, em 1988, não houve uma recepção constitucional do conceito histórico de casamento, sempre considerado como via única para a constituição de família e, por vezes, um ambiente de subversão dos ora consagrados princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Agora, a concepção constitucional do casamento - diferentemente do que ocorria com os diplomas superados - deve ser necessariamente plural, porque plurais também são as famílias e, ademais, não é ele, o casamento, o destinatário final da proteção do Estado, mas apenas o intermediário de um propósito maior, que é a proteção da pessoa humana em sua inalienável dignidade.

4. O pluralismo familiar engendrado pela Constituição - explicitamente reconhecido em precedentes tanto desta Corte quanto do STF - impede se pretenda afirmar que as famílias formadas por pares homoafetivos sejam menos dignas de proteção do Estado, se comparadas com aquelas apoiadas na tradição e formadas por casais heteroafetivos.

5. O que importa agora, sob a égide da Carta de 1988, é que essas famílias multiformes recebam efetivamente a "especial proteção do Estado", e é tão somente em razão desse desígnio de especial proteção que a lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento, ciente o constituinte que, pelo casamento, o Estado melhor protege esse núcleo doméstico chamado família.

6. Com efeito, se é verdade que o casamento civil é a forma pela qual o Estado melhor protege a família, e sendo múltiplos os "arranjos" familiares reconhecidos pela Carta Magna, não há de ser negada essa via a nenhuma família que por ela optar, independentemente de orientação sexual dos partícipes, uma vez que as famílias constituídas por pares homoafetivos possuem os mesmos núcleos axiológicos daquelas constituídas por casais heteroafetivos, quais sejam, a dignidade das pessoas de seus membros e o afeto.

7. A igualdade e o tratamento isonômico supõem o direito a ser diferente, o direito à auto-afirmação e a um projeto de vida independente de tradições e ortodoxias. Em uma palavra: o direito à igualdade somente se realiza com plenitude se é garantido o direito à diferença. Conclusão diversa também não se mostra consentânea com um ordenamento constitucional que prevê o princípio do livre planejamento familiar (§ 7º do art. 226). E é importante ressaltar, nesse ponto, que o planejamento familiar se faz presente tão logo haja a decisão de duas pessoas em se unir, com escopo de constituir família, e desde esse momento a Constituição lhes franqueia ampla liberdade de escolha pela forma em que se dará a união.

8. Os arts. 1.514, 1.521, 1.523, 1.535 e 1.565, todos do Código Civil de 2002, não vedam expressamente o casamento entre pessoas do mesmo sexo, e não há como se enxergar uma vedação implícita ao casamento homoafetivo sem afronta a caros princípios constitucionais, como o da igualdade, o da não discriminação, o da dignidade da pessoa humana e os do pluralismo e livre planejamento familiar.

9. Não obstante a omissão legislativa sobre o tema, a maioria, mediante seus representantes eleitos, não poderia mesmo "democraticamente" decretar a perda de direitos civis da minoria pela qual eventualmente nutre alguma aversão. Nesse cenário, em regra é o Poder Judiciário - e não o Legislativo - que exerce um papel contramajoritário e protetivo de especialíssima importância, exatamente por não ser compromissado com as maiorias votantes, mas apenas com a lei e com a Constituição, sempre em vista a proteção dos direitos humanos fundamentais, sejam eles das minorias, sejam das maiorias. Dessa forma, ao contrário do que pensam os críticos, a democracia se fortalece, porquanto esta se reafirma como forma de governo, não das maiorias ocasionais, mas de todos.

10. Enquanto o Congresso Nacional, no caso brasileiro, não assume, explicitamente, sua coparticipação nesse processo constitucional de defesa e proteção dos socialmente vulneráveis, não pode o Poder Judiciário demitir-se desse mister, sob pena de aceitação tácita de um Estado que somente é "democrático" formalmente, sem que tal predicativo resista a uma mínima investigação acerca da universalização dos direitos civis.

11. Recurso especial provido.”

(REsp 1183378/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 25/10/2011, DJe 01/02/2012).

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Baseando-se nas jurisprudências dos Tribunais Superiores, as câmaras cíveis dos Tribunais de Justiça pelo Brasil também optaram pela analogia de igualar as uniões homoafetivas às heterossexuais:

“AÇÃO ORDINÁRIA - UNIÃO HOMOAFETIVA - ANALOGIA COM A UNIÃO ESTÁVEL PROTEGIDA PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - PRINCÍPIO DA IGUALDADE (NÃO-DISCRIMINAÇÃO) E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - RECONHECIMENTO DA RELAÇÃO DE DEPENDÊNCIA DE UM PARCEIRO EM RELAÇÃO AO OUTRO, PARA TODOS OS FINS DE DIREITO - REQUISITOS PREENCHIDOS - PEDIDO PROCEDENTE. - À união homoafetiva, que preenche os requisitos da união estável entre casais heterossexuais, deve ser conferido o caráter de entidade familiar, impondo-se reconhecer os direitos decorrentes desse vínculo, sob pena de ofensa aos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana. - O art. 226, da Constituição Federal não pode ser analisado isoladamente, restritivamente, devendo observar-se os princípios constitucionais da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Referido dispositivo, ao declarar a proteção do Estado à união estável entre o homem e a mulher, não pretendeu excluir dessa proteção a união homoafetiva, até porque, à época em que entrou em vigor a atual Carta Política, há quase 20 anos, não teve o legislador essa preocupação, o que cede espaço para a aplicação analógica da norma a situações atuais, antes não pensadas. - A lacuna existente na legislação não pode servir como obstáculo para o reconhecimento de um direito”.

APELAÇÃO CÍVEL / REEXAME NECESSÁRIO N° 1.0024.06.930324-6/001 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - REMETENTE: JD 1 V FAZ COMARCA BELO HORIZONTE - APELANTE(S): ESTADO MINAS GERAIS - APELADO(A)(S): M C S A E OUTRO(A)(S) - RELATORA: EXMª. SRª. DESª. HELOISA COMBAT.

3.3. O casamento civil entre homossexuais

Diante o alto número de demandas perante os Tribunais de Justiça e os Tribunais Superiores, a situação foi parcialmente solucionada.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), um órgão que visa aprimorar o serviço do Poder Judiciário no Brasil, promover programas e campanhas para que esse aprimoramento seja alcançado, sempre em buscou do bem da coletividade.

Por esse motivo, foi votado o Ato Normativo de número 0002626-65.2013.2.00.0000, na 169ª Sessão Ordinária, realizada em 14 de maio de 2.013, que dispõe sobre a habilitação, celebração de casamento civil, ou de conversão de união estável em casamento, entre pessoas de mesmo sexo. Por meio dessa resolução decidiu-se que seria vedado aos cartórios brasileiros à recusa do casamento civil entre homossexuais.

Apesar de a Resolução ter entrado em vigor um dia após sua votação, gerou-se muita polêmica acerca do tema. Partidos políticos cristãos impetraram mandado de segurança, alegando inconstitucionalidade decisão. Além disso, defendem tal tema como uma afronta ao modelo de família brasileira.

Porém, por mais que haja autorização do CNJ, ainda há muito preconceito e homofobia contra a referida classe, por esse motivo, após observação direta e pesquisa bibliográfica, constata-se que aos homoafetivos não basta uma autorização para o casamento civil, eles querem os mesmo direitos com os mesmos nomes, pois até a CRFB tem papel discriminatório quando em seu artigo 226, § 3º refere-se que somente é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, deixando de fora gays, lésbicas, travestis e transexuais. Por esse motivo está em fase de coleta de assinatura desde o dia 19 de junho de 2013 uma proposta de emenda constitucional (PEC) para alteração do texto constitucional.

A prova do ainda constante preconceito foi conhecida em forma de pesquisa realizada no primeiro trimestre de 2013 pelo Instituto Data Popular, que ouviu 1.264 (mil duzentos e sessenta e quatro) pessoas em todo Brasil e constatou que 37% (trinta e sete por cento) dos brasileiros não aceitariam um filho homossexual e 38% se mostrou contra o casamento civil igualitário, discordando que casais homoafetivos possam ter os mesmo direitos de casais tradicionais.

Logo, é inegável que exista uma grande luta em busca do tratamento igualitário em pleno o século XXI por parte dos homossexuais e que a discriminação em um país liberal como o Brasil ainda é o motivo para tanta desigualdade. Porém é necessário que a população entenda e conheça a realidade das famílias homoafetivas e definitivamente que casamento civil é diferente de casamento religioso.

Por esse motivo, é necessário que se entenda que a família homoafetiva, assim como outras espécies de família plural necessitam apenas da socioafetividade para que sejam consideradas famílias. Conforme se lê nas palavras Poli (2013: 183):

“A união homoafetiva, por exemplo, é união familiar que, embora não tenha origem na lei, tem sua força jurídica no fato social. Não se prepõe uma interpretação extensiva da lei, mas que seja reconhecido que as famílias não tipificadas tenham normatividade, enquanto originárias de fato social já consolidado”.

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Sobre o autor
Pâmella Duarte Lopes

Bacharela em Direito pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas (2012.2). Advogada, aprovada no IX Exame de Ordem Unificado (2012.3), com inscrição na OAB/AM sob o número 8.680. Especialista em Direito Civil e Processual Civil pelo Instituto dos Magistrados do Distrito Federal. Especialista em Direito Administrativo pelo Centro de Estudos José Aras (CEJAS/Universidade Cândido Mendes - RJ).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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