1 INTRODUÇÃO
Os acidentes de trabalho e a proteção à saúde dos trabalhadores são objeto de legislação específica, de natureza trabalhista e previdenciária. A Constituição Federal – CF/88, também estabelece como um direito fundamentação tal proteção, visando reduzir os riscos inerentes ao labor.
Frisa-se que, o conceito de acidente de trabalho e toda a extensão, como os acidentes típicos, e as doenças ocupacionais estão na Lei nº 8.213/91, que é a Lei de Benefícios da Previdência Social. A proteção aos obreiros que sofrem acidente do trabalho é tamanha ao ponto da referida lei garantir estabilidade pelo prazo mínimo de 12 (doze) meses, a manutenção do contrato de trabalho na empresa após a cessão do auxílio-doença acidentário.
O Tribunal Superior do Trabalho – TST também já se posicionou favorável à manutenção e garantia do emprego nos casos de acidente do trabalho ao redigir a súmula de n° 378, ou seja, tema este já pacificado nos tribunais. Inclusive, além do TST asseverar a constitucionalidade dessa proteção no inciso I da referida súmula, recentemente modificou a mesma acrescentando o inciso III, o qual determina que até mesmo os empregados submetidos a contrato por prazo determinado gozam de estabilidade provisória, garantia de emprego decorrente de acidentes do trabalho, previsto no artigo 118 da Lei 8.213/91.
No entanto, a CF/88 em seu artigo 7°, inciso XXVIII, preconiza que se tratando de acidente do trabalho é dever do empregado comprovar a culpa ou dolo do empregador para que este responda pelo dano causado, ou seja, responsabilidade adotada pelo ordenamento pátrio é a subjetiva. Comprovado esse nexo de casualidade, torna-se presumida a culpa do empregador e sobre ele recai o ônus de provar alguma causa excludente de sua responsabilidade ou redução do valor da indenização.
Destaca-se que ao interpretar esse dispositivo grande parte da jurisprudência entende por aplicar a responsabilidade subjetiva, face ao final da redação do texto legal que trata de culpa, nos casos de acidente do trabalho.
Não obstante, é bom lembrar que em uma relação de trabalho, onde há um contrato de trabalho, existe também uma obrigação entre as partes. Onde o risco do negócio jurídico é do empregador, vide o artigo 2° da Consolidação das Leis do Trabalho que define empregador como a empresa individual ou coletiva, que assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.
Ainda, baseado no principio da proteção ao operário, o Direito Laborativo Brasileiro estipula que devem ser adotas formas de prevenção dos riscos a saúde e a integridade física do empregado, e de igual sorte pagos adicionais ao trabalhador que está submetido a condições de riscos. Logo, é latente a ideia da obrigatoriedade de responsabilizar civilmente as atividades empresariais, na pessoa do seu representante jurídico, sendo este pessoa física ou jurídica em face da teoria do rico.
Ademais, impede destacar que o Direito Civil é fonte subsidiária ao Direito do Trabalho, e percebemos uma contradição à norma ao observar o dispositivo do artigo 927, parágrafo único, do Código Civil de 2002 – CC, uma vez que este determina a obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Assim, diante dessa contradição nos deparamos com uma dúvida recorrente nos tribunais brasileiros. Qual será o tipo de responsabilidade a ser aplicada se tratando de acidentes do trabalho. Logo, indagamos se a reparação do dano sofrido pelo obreiro deve está respalda na teoria do risco da atividade, ou seja, se àquele que proporciona uma atividade financeira deve responder objetivamente pelo risco causado proveniente desta (art.927 do CC), ou se para haver uma reparação de um eventual infortúnio acidentário, o empregado é quem deve obrigatoriamente provar a culpa ou dolo do seu patrono (art. 7°, XXVIII).
Sabendo-se que o entendimento por uma parte dos tribunais brasileiros é de que o patrono (empregador) tem obrigação de preservar a integridade física do seu empregado, e em caso de culpa ou dolo responde civilmente pelo dano causado, de forma subjetiva. O objetivo desta pesquisa é desenvolver uma breve analise dos efeitos negativos causados pela aplicação da responsabilidade subjetiva ao invés da objetiva quando ocorre o acidente do trabalho em uma relação trabalhista.
Insta frisar também que situações novas, diversas das controvérsias decorrentes da relação de emprego, surgem a cada dia, acirrando os debates sobre o tema, perante as Varas e Tribunais Regionais do Trabalho. E, por conta de tal vicissitude, vários Juízes e doutrinadores vêm se posicionando, defendendo o entendimento que a responsabilidade à ser aplicada quando se verifica o acidente do trabalho é a responsabilidade objetiva.
É salutar destacar que estudo se justificou por sua pertinência e relevância no meio jurídico, vez que buscou apresentar as mudanças dialéticas e contradições que circundam o problema, além de examinar as novas tendências jurisprudenciais e doutrinárias sobre o tema.
Dentre os métodos de abordagem que se prestam às investigações no campo das ciências humanas, foi utilizado o método dialético, tendo em vista o estabelecimento das contradições e mudanças dialéticas que circundam o problema em questão. Recorreu-se à pesquisa bibliográfica, por se tratar de um dos principais métodos de procedimento nas ciências sociais, procedendo-se ao exame das vertentes doutrinárias mais críticas sobre o tema, exposição do pensamento de vários autores, bem como, a normatização legal brasileira, e ainda jurisprudência dominante nas decisões dos tribunais e legislação aplicável.
2.1 Teoria do Risco Simplificada
O risco alinha-se à ideia de periculosidade. A periculosidade integra a zona de expectativa legítima, com o preenchimento de dois requisitos: um objetivo e outro subjetivo.
Conceitualmente, risco é perigo, é a probabilidade de ocorrência do dano. A doutrina do risco pode ser assim resumida: todo prejuízo deve ser atribuído ao seu autor e reparado por quem o causou, independentemente de ter ou não agido com culpa. Resolve-se o problema na relação de causalidade, dispensável qualquer juízo de valor sobre a culpa do responsável, que é aquele que materialmente causou o dano ou beneficiou-se da atividade causadora da lesão. (WALD; GIANCOLE, 2012. p.117)
Os princípios norteadores para o desenvolvimento do conceito de risco foram os seguintes: Princípio do interesse ativo; Princípio da equidade ou do interesse preponderante; Princípio do caráter perigoso do ato; Princípio da prevenção; Princípio da repartição social do dano.
A atribuição da responsabilidade pelos danos a quem aproveita a atividade geradora dos riscos é a formulação mais corrente da teoria. Chama-se teoria do risco-proveito. Assim, se o fundamento da responsabilidade objetiva repousa na exposição aos riscos da atividade, em risco-criado; rico proveito; e em risco-profissional.
Na Teoria do Risco criado é fundamentada na ideia de que àquele em razão de sua atividade, cria um perigo está sujeito à reparação do dano que causar, salvo prova de haver adotado todas as medidas idôneas a evitá-lo.
É teoria que se fundamenta na atividade do agente, independentemente do resultado bom ou mau que dela possa advir. A teoria do risco criado importa em ampliação do conceito de risco-proveito. Aumenta os encargos do agente; é, porém, mais equitativa para a vítima, que não tem que provar que o dano resultou de uma atividade que assegurou uma vantagem ou um benefício ao causador do dano. (WALD; GIANCOLE, 2012. p.120)
Já na Teoria do Risco-proveito o dano deve ser reparado pelo agente imputável por uma atividade que dela retira algum proveito ou vantagem.
De acordo com a teoria, toda atividade humana gera proveitos para quem a explora e riscos para outrem. (...) Pois bem, pela teoria do risco, imputa-se responsabilidade objetiva ao explorador da atividade fundado numa relação axiológica entre proveito e risco: quem tem o proveito deve suportar também os riscos (ubi emolumentum, ibi onus). Se, para a estrada de ferro, é impossível exercer sua atividade sem criar riscos para terceiros, vindo estes a sofrer danos em virtude do transporte ferroviário, deve ela ser obrigada a indenizá-los. Em outros termos, porque a estrada de ferro objetiva lucrar. (COELHO, 2012, p.297)
Nesse mesmo sentido, Carlos Roberto Gonçalves nos ensina que:
Para esta teoria, toda pessoa que exerce alguma atividade cria um risco de dano para terceiros. E deve ser obrigada a repará-lo, ainda que sua conduta seja isenta de culpa. A responsabilidade civil desloca-se da noção de culpa para a ideia de risco, ora encarada como “risco-proveito”, que se funda no princípio segundo o qual é reparável o dano causado a outrem em consequência de uma atividade realizada em benefício do responsável (ubi emolumentum, ibi onus); ora mais genericamente como “risco criado”, a que se subordina todo aquele que, sem indagação de culpa, expuser alguém a suportá-lo. (GONÇALVES, 2014, p.42).
Por fim, temos a Teoria do Risco profissional sustenta que o dever de indenizar se justifica sempre que o fato prejudicial é uma decorrência da atividade ou profissão do agente do dano.
Sua origem remonta às hipóteses de reparação dos acidentes de trabalho ocorridos com os empregados no exercício ou por ocasião de sua atividade, independentemente de culpa do empregador. A ideia foi a de responsabilizar quem de alguma maneira se valesse de ato de outrem em seu próprio proveito, além disso, incumbindo-lhe certa direção dessa conduta alheia. Ressalta-se que a noção central é de imputação da responsabilidade a quem cria risco com sua atividade (risco-criado). (WALD; GIANCOLE, 2012. p.120)
Verifica-se que, nessa teoria deve ser imputada responsabilidade objetiva ao explorador de toda atividade humana que gera proveitos para si e riscos para outrem, uma vez que esta atitude o torna o sujeito responsável por riscos ou perigos decorrentes de sua atividade, sem embargo colar toda diligência e cuidado para que o dano não ocorra.
Portanto, se tratando de acidente do trabalho podemos aplicar à teoria do risco profissional concomitante a teoria do risco-o proveito. Destaca-se a doutrina e jurisprudência devem sempre estar atentas à necessidade de preservação da condição de indenidade da vítima. A responsabilidade deve ser aplicada de forma objetiva como será demonstrado a posteriori, uma vez que há uma dificuldade de provar a culpa de alguém especificamente responsável pelo dano que lhe foi infringido.
2.2 Responsabilidade Civil Focalizada em Suas Espécies: Subjetiva e Objetiva
O principio do ressarcimento da vítima é uma preocupação desde os primórdios dos direitos sociais, e a responsabilidade civil é o instituto com funciona como remédio jurídico. É a ferramenta de equidade e justiça social, já que todo o prejuízo causado a outrem traz em seu bojo um dever indenizatório e um desequilíbrio que precisa ser restaurado. Tal instituto está presente em toda a seara do direito, resultando tanto da violação de normas morais, quanto jurídicas.
O responsável é o homem que, em virtude de norma legal ou por ter violado determinado padrão comportamental, vê-se exposto às consequências, podendo ser compelido a restabelecer a situação anterior, ou seja, restaurar o statu quo ante. Daí por que a expressão latina respondere encerra a ideia de garantia da restituição ou compensação da lesão sofrida. Tem, assim, o significado de recomposição, de obrigação de restituir ou ressarcir o dano. (WALD; GIANCOLE, 2012. p.26)
Frisa-se que, toda atividade que traz um dano a outrem acarreta em responsabilidade. Logo, havendo uma lesão, há necessidade de reparação do dano.
Pode-se afirmar, portanto, que responsabilidade exprime ideia de restauração de equilíbrio, de contraprestação, de reparação de dano. Sendo múltiplas as atividades humanas, inúmeras são também as espécies de responsabilidade, que abrangem todos os ramos do direito extravasam os limites da vida jurídica, para se ligar a todos os domínios da vida social. Coloca-se, assim, o responsável na situação de que por ter violado determinada norma, vê-se exposto às consequências não desejadas decorrentes de sua conduta danosa, podendo ser compelido a restaurar o status quo ante, (GONÇALVES, 2014, p.17).
Ainda, a Responsabilidade civil pode ser conceituada como o dever jurídico de responder pelas consequências decorrentes de uma ação ou omissão que viola o direito e causa dano a outrem decorrentes do ato ilícito praticado.
Em síntese, a responsabilidade civil é definida como a situação de quem sofre as consequências da violação de uma norma, ou como a obrigação que incumbe a alguém de reparar o prejuízo causado a outrem, pela sua atuação ou em virtude de danos provocados por pessoas ou coisas dele dependentes. Trata-se, pois, de um mecanismo jurídico para sancionar violações prejudiciais de interesses alheios. (WALD; GIANCOLE, 2012, p.29)
Está regulada pelos arts. 186 e 927 do Código Civil de 2002, in verbis:
Art. 186: Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 927: Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Nesse sentido temos que,
Responsabilidade civil é, assim, um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário. Destarte, toda conduta humana que, violando dever jurídico originário, causa prejuízo a outrem é fonte geradora de responsabilidade civil. (GONÇALVES, 2014, p.20).
Impede fazer uma distinção entre responsabilidade e obrigação. Nos ensinamentos de Carlos Roberto Gonçalves, temos que:
Obrigação é o vínculo jurídico que confere ao credor (sujeito ativo) o direito de exigir do devedor (sujeito passivo) o cumprimento de determinada prestação. Corresponde a uma relação de natureza pessoal, de crédito e débito, de caráter transitório (extingue-se pelo cumprimento), cujo objeto consiste numa prestação economicamente aferível. Já a obrigação nasce de diversas fontes e deve ser cumprida livre e espontaneamente. Quando tal não ocorre e sobrevém o inadimplemento, surge a responsabilidade. Não se confundem, pois, obrigação e responsabilidade. Esta só surge se o devedor não cumpre espontaneamente a primeira. A responsabilidade é, pois, a consequência jurídica patrimonial do descumprimento da relação obrigacional. (GONÇALVES, 2014, p.18).
A responsabilidade está ligada ao surgimento de uma obrigação derivada, ou seja, um dever jurídico sucessivo, em função da ocorrência de um fato jurídico lato sensu. A obrigação é sempre um dever jurídico originário, já a responsabilidade é sempre um dever jurídico sucessivo, consequente à violação do primeiro. Em toda obrigação há um dever jurídico originário, enquanto na responsabilidade há um dever jurídico sucessivo. Sendo a responsabilidade uma espécie de sombra da obrigação, sempre que quisermos saber quem é o responsável teremos de observar a quem a lei imputou a obrigação ou dever originário.
Verifica-se que, a responsabilidade civil é decorrente de uma agressão ou lesão a um interesse ou bem jurídico que pode ser oriundo de descumprimento de uma norma jurídica existente, contratual ou extracontratual, desde que percebido o dano, nexo de causalidade, dentre outros elementos constitutivos.
Nessa ótica, Pablo Stolze e Pamplona Filho prelecionam que: “a responsabilidade civil deriva da agressão a um interesse eminentemente particular, sujeitando, assim, o infrator, ao pagamento de uma compensação pecuniária à vítima, caso não possa repor in natura o estado anterior de coisas”. (STOLZE e PAMPLONA, 2014, p. 51).
A noção da responsabilidade pode ser haurida da própria origem da palavra, que vem do latim respondere, responder a alguma coisa, ou seja, a necessidade que existe de responsabilizar alguém pelos seus atos danosos. Essa imposição estabelecida pelo meio social regrado, através dos integrantes da sociedade humana, de impor a todos o dever de responder por seus atos, traduz a própria noção de justiça existente no grupo social estratificado. Revela-se, pois, como algo inarredável da natureza humana, (STOCO, 2007, p.114).
Em regra, a doutrina majoritária classifica a responsabilidade civil levando em consideração a culpa, que pode ser objetiva ou subjetiva, e a natureza jurídica da norma violada que pode ser contratual ou extracontratual. Subjetivamente, a responsabilidade pode ser decorrente da culpa – quando o agente dá azo ao resultado seja por imprudência, negligência ou imperícia – ou dolo – quando o indivíduo quer o resultado ou assume o risco de produzi-lo.
São duas as espécies de responsabilidade civil: subjetiva e objetiva. Na primeira, o sujeito passivo da obrigação pratica ato ilícito e esta é a razão de sua responsabilização; na segunda, ele só pratica ato ou atos lícitos, mas se verifica em relação a ele o fato jurídico descrito na lei como ensejador da responsabilidade. Quem responde subjetivamente fez algo que não deveria ter feito; quem responde objetivamente fez só o que deveria fazer. A ilicitude ou licitude da conduta do sujeito a quem se imputa a responsabilidade civil é que define, respectivamente, a espécie subjetiva ou objetiva. (COELHO, 2012, p. 222).
No entender de Sergio Cavalieri Filho “a ideia de culpa esta visceralmente ligada à responsabilidade, por isso que, de regra, ninguém pode merecer censura ou juízo de reprovação sem que tenha faltado com o dever de cautela em seu agir. Daí ser a culpa, o principal pressuposto da responsabilidade subjetiva”. (FILHO, 2008, p. 16)
Em face da teoria clássica, a culpa era fundamento da responsabilidade. Esta teoria, também chamada de teoria da culpa, ou “subjetiva”, pressupõe a culpa como fundamento da responsabilidade civil. Em não havendo culpa, não há responsabilidade. Diz-se, pois, ser “subjetiva” a responsabilidade quando se esteia na ideia de culpa. A prova da culpa do agente passa a ser pressuposto necessário do dano indenizável. Nessa concepção, a responsabilidade do causador do dano somente se configura se agiu com dolo ou culpa. (GONÇALVES, 2014, p.42).
Nessa ideia de culpa, acentua-se que o ato ilícito decorre em razão do agente ter agido de maneira indiferente, onde se esperava uma reação convencial deste, a qual em sentido amplo deve ser considerada correta. No entanto, este age de uma forma contrária, que não deveria ser adotada. Explico. O agente em outras palavras foi imprudente, negligente ou imperito.
Quem é responsabilizado por ato ilícito é-o porque agiu como não deveria ter agido. Foi negligente naquilo em que deveria ter sido cuidadoso, imperito quando tudo dependia de sua habilidade, imprudente se era exigida cautela, ou comportou-se conscientemente de modo contrário ao devido. Em suma, uma conduta diversa era exigida do causador dos danos. Não há responsabilidade civil subjetiva se ausente esse pressuposto da exigibilidade de conduta diversa. (COELHO, 2012, p. 224).
Ao falarmos de ato ilícito nas relações civis, e sua responsabilização tomamos como base as lições de Fábio Coelho:
A responsabilização por ato ilícito pressupõe a exigibilidade da conduta diversa. Se o sujeito de direito fez o que não deveria, ele é responsável exatamente porque estava ao seu alcance não fazer ou, por outra: se não fez o que deveria, é responsável porque fazer era-lhe possível. Ao comportar-se de certa maneira, quando poderia comportar-se de outra, o sujeito de direito manifesta, num certo sentido, sua vontade. (COELHO, 2012, p. 224-225).
Logo, para que um sujeito seja responsabilizado subjetivamente é necessária a convergência de três pressupostos: a) conduta culposa (culpa simples ou dolo) do devedor da indenização; b) dano patrimonial ou extrapatrimonial infligido ao credor; c) relação de causalidade entre a conduta culposa do devedor e o dano do credor. Fábio Ulhoa Coelho distingue bem os três:
O primeiro pressuposto pode ser denominado “pressuposto subjetivo”, por ser referido à negligência, imprudência ou imperícia (culpa simples) ou mesmo à intenção (dolo) do sujeito causador do dano. Se ele tivesse se comportado como determina a lei, se não tivesse praticado o ilícito, o evento danoso não ocorreria; foi a sua culpa ou dolo que provocou o dano. No âmbito da responsabilidade civil subjetiva, o pressuposto subjetivo, isto é, a culpa do devedor, é elemento indispensável à constituição da obrigação. A responsabilidade do devedor, nela, tem por fundamento último a manifestação de vontade do sujeito obrigado. (COELHO, 2012, p. 222).
Portanto, tem como funções a compensação, o ressarcimento, a punição, e a socioprevenção:
A compensação, uma vez que o ordenamento reconhece uma função da responsabilidade civil que garante ao lesado receber uma compensação pecuniária do causador do dano ou responsável por ele. A função ressarcitória tem o objetivo garantir o direito do lesado à segurança dos bens que compõem seu patrimônio pessoal, por meio de uma reconstituição do valor do prejuízo. Ainda, função punitiva, a qual tem uma dupla finalidade. A primeira garante uma conscientização do comportamento danoso do ofensor através da aplicação de uma sanção, que diminui o seu patrimônio. A segunda gera um efeito de dissuasão, ou seja, que a conduta do ofensor sirva de exemplo para outros. Por fim, função sociopreventiva, como o próprio nome sugere, é pautada pelo princípio da prevenção ou da precaução, o qual estabelece um sistema jurídico baseado na prudência, criando, assim, um dever geral de segurança, o qual deve servir de leme para a responsabilidade civil moderna. (WALD; GIANCOLE, 2012.p.47-56)
Não obstante, Cavalieri Filho, assevera que “todo prejuízo deve ser atribuído ao seu autor e reparado independente de ter ou não agido com culpa. Resolve-se o problema na relação de nexo de causalidade”, sendo dispensável, assim, qualquer juízo de valor sobre a culpa. (FILHO, 2008, p. 137).
Em função da atividade de risco desenvolvida pelo autor do dano, teremos mais um tipo de responsabilidade civil, objetiva. Deslocando a ideia de culpabilidade para noção de risco, onde a culpa ou o dolo e considerado de menor relevância, desde que o agente exerça alguma atividade cria um risco de dano para outrem, e, portanto, torna-se obrigado, independente de culpa, a repará-lo, conforme preceitua o parágrafo único do art. 927 do CC.
A lei impõe, entretanto, a certas pessoas, em determinadas situações, a reparação de um dano independentemente de culpa. Quando isto acontece, diz-se que a responsabilidade é legal ou “objetiva”, porque prescinde da culpa e se satisfaz apenas com o dano e o nexo de causalidade. Esta teoria, dita objetiva, ou do risco, tem como postulado que todo dano é indenizável, e deve ser reparado por quem a ele se liga por um nexo de causalidade, independentemente de culpa. (GONÇALVES, 2014, p.42).
Nesse desenvolver, Helder Freire de Andrade assevera que:
Surge a ideia da Responsabilidade Civil Objetiva ou teoria do risco, não vinculada à noção de culpa, isto é, fundamentada no risco, onde o ofendido deve apenas comprovar o dano causado para si e a relação de causalidade, neste diapasão, cumpre ao causador do dano evidenciar que o mesmo não foi responsável pelo dano gerado a vitima. (ANDRADE, 2012, p.16)
Desta maneira, para a caracterização deste tipo de responsabilidade é necessária a presença de três pressupostos: ato ilícito, o dano, e nexo causal.
A caracterização da responsabilidade objetiva, bastam dois pressupostos: a) dano patrimonial ou extrapatrimonial suportado pelo credor; b) relação de causalidade entre a conduta do devedor descrita em lei e o dano do credor. Aqui, o pressuposto subjetivo é irrelevante. Se o sujeito a quem se imputa a obrigação foi negligente, imprudente, imperito ou teve a intenção de causar danos é por tudo irrelevante. Simplesmente, isso não se discute. Sua responsabilidade existirá e terá a mesma extensão em qualquer hipótese. Mesmo que ele tenha sido absolutamente correto e se comportado sempre de acordo com a lei, responderá pela indenização dos danos. Não era exigível do devedor que se comportasse de maneira diversa; ao contrário, exigia-se dele que fizesse nada mais nada menos do que fez. Sua responsabilidade tem por fundamento, como se verá adiante, a socialização dos custos. (COELHO, 2012, p. 222-223).
É bom ressaltar destacar que a responsabilidade objetiva não substitui a subjetiva, mas fica circunscrita aos seus justos limites. Caio Mário da Silva Pereira apud acta Gonçalves adverte:
A regra geral, que deve presidir à responsabilidade civil, é a sua fundamentação na ideia de culpa; mas, sendo insuficiente esta para atender às imposições do progresso, cumpre ao legislador fixar especialmente os casos em que deverá ocorrer a obrigação de reparar, independentemente daquela noção. Não será sempre que a reparação do dano se abstrairá do conceito de culpa, porém quando o autorizar a ordem jurídica positiva. (GONÇALVES, 2014, p.44).
Sublinha-se que, enquanto o Código Civil brasileiro de 1916 valorava mais a responsabilidade subjetiva, o presente código de 2002 inovou ao preceituar responsabilidade objetiva, mesmo não abandonando por completo o subjetivismo.
Destaca-se que preceitua o art. 402, Código Civil de 2002 “Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que e efetivamente perdeu o que razoavelmente deixou de lucrar”. Assim, o dever de indenizar decorre do dano, que é a lesão a um interesse jurídico tutelado, que pode ser patrimonial ou extrapatrimonial.
Além dos danos que atingem o patrimônio da vítima, se tem os extrapatrimoniais, tais como ofensas aos direitos da personalidade, à sua dignidade, sua integridade, e etc. Vale salientar, que tanto a responsabilidade contratual, quanto a extracontratual acarretam na obrigação de reparar o dano. Isto posto, aquele qualquer que por conduta voluntária, negativa ou omissiva, culposa ou dolosa, transgredir um dever jurídico ou lesionar um bem jurídico tutelado, existindo ou não negócio jurídico, mas que comprove o dano, tem o dever de repará-lo
Ademais, a responsabilidade civil também está diretamente ligada as atividades profissionais e empresarias, uma vez que há o risco da profissão e por consequência surge o dever de indenizar os infortúnios decorrentes das atividades desenvolvidas por aquele que se beneficia economicamente destas. Este fundamento é o que explica a responsabilidade objetiva no acidente do trabalho.
Pontua-se que, os novos rumos da responsabilidade civil caminham no sentido de considerar objetiva a responsabilidade das empresas pelos danos causados aos empregados, com base na teoria do risco criado, cabendo a estes somente a prova do dano e do nexo casual.
O fundamento da responsabilidade objetiva, isto é, da imputação da obrigação de indenizar danos a quem agiu exatamente como deveria ter agido, é a socialização de custos. Todo sujeito de direito que se encontra numa posição econômica que lhe permita socializar os custos de sua atividade entre os que são atendidos por ela podem e devem ser objetivamente responsabilizados. (COELHO, 2012, p. 229).
Carlos Roberto Gonçalves nos explica que “aquele que lucra com uma situação deve responder pelo risco ou vantagens dela resultantes. Quem aufere os cômodos, deve suportar os incômodos”. (GONÇALVES, 2010, p.28).
Fábio Ulhoa Coelho assevera que “os empresários passaram a ter responsabilidade objetiva por todos os danos relacionados à sua atividade, por se submeterem sempre à parte final do paragrafo único do art. 927 do CC (responsabilidade objetiva material).” (COELHO, 2009, p.350).
Todavia, parte da jurisprudência em face da socialização dos direitos previdenciários, entende que serão responsabilizados subjetivamente os empresários quando ocorrer acidentes do trabalho. Desse modo, a vítima do acidente de trabalho causado por culpa ou dolo do empregador tem, em princípio, o ônus de provar o elemento subjetivo, o dano e a relação de causalidade.
Destaca-se que, no Brasil, é o Instituo Nacional de Seguro Social - INSS é o responsável pelo pagamento do benefício previsto na legislação previdenciária (Lei n. 8.213/91, arts. 19 a 21). Ele é devido em qualquer acidente de trabalho, independentemente da causa.
Ao INSS, responsabilidade, neste caso, é objetiva pura em ralação ao beneficiário da legislação previdenciária, segurado-trabalhador. Entretanto, o direito civil brasileiro, não faz nenhuma abordagem sobre essa matéria.
A dicção final do inciso XXVIII do art. 7° da Constituição Federal é o outro grande fundamento para entender-se que a responsabilidade é subjetiva, uma vez que a culpa lato sensu insinua-se como regra geral exclusiva.
Frisa-se que no caso de acidente de trabalho ocasionado pela culpa do empregador, tem o acidentado direito à indenização plena de seus prejuízos (patrimoniais e extrapatrimoniais). Trata-se de responsabilidade aquiliana, fundada na culpa. Ou seja, também conhecida como extracontratual onde o causador do dano transgrede um dever legal.
Ainda, Pablo Stolze e Pamplona Filho asseveram que três tipos de responsabilização podem decorrer da ocorrência de um acidente do trabalho:
A primeira é uma responsabilização contratual, com a eventual suspensão do contrato de trabalho e o reconhecimento da estabilidade acidentária prevista no art. 118 da Lei n. 8.213/91. A segunda é o benefício previdenciário do seguro de acidente de trabalho, financiado pelo empregador, mas adimplido pelo Estado. A terceira, porém, é a que gera polêmica, tendo uma natureza puramente civil, de reparação de danos, prevista no já mencionado art. 7.º, XXVIII. (STOLZE; FILHO, 2014, p.322)
Por fim, insta acentuar que deferimento de beneficio previdenciário, no caso em tela, deferimento do beneficio do auxilio acidente do trabalho, não se confunde com indenização moral, material e até mesmo estética por conta de um possível acidente. Logo, evidencia-se um argumento esdrúxulo por parte da jurisprudência em desconsiderar a responsabilidade objetiva até nos casos acidentários.
2.3 Aplicação do Dano Moral, Material e Estético na Justiça do Trabalho
De início, conceituando o dano temos que:
Do ponto de vista jurídico ele se verifica em razão da inobservância de uma norma, a qual, para conceder um efeito favorável ao prejudicado(...), estariam incluídos todos os prejuízos que o indivíduo na condição de sujeito de direito sofre, ou seja, aqueles que recaem sobre o patrimônio ou a sua própria pessoa. O dano também pode ser conceituado sob uma dimensão abstrata como também concreta. Abstratamente, o dano resulta da violação de um valor juridicamente protegido por uma norma. O valor é um adjetivo, uma qualidade de determinado bem em razão de suas finalidades, o qual se materializa numa regra de conduta social. Assim, o valor funciona como produtor das normas que regem a conduta humana e, portanto, determina o que deve ou não deve ser. Sua violação (dano em um sentido abstrato) é, assim, a negação das bases apriorísticas do próprio ordenamento jurídico. Concretamente, o dano é a perda ou deterioração de um bem pertencente à pessoa ofendida, resulta de uma diferença, de uma diminuição de um status pessoal numa relação espaço-tempo. Resumidamente, poderíamos conceituar o dano ou prejuízo como sendo a lesão a um interesse jurídico tutelado (com efeito patrimonial ou não) causado por uma conduta de um agente imputável. (WALD; GIANCOLE, 2012.p.79)
Frisa-se que o Supremo Tribunal Federal, com a promulgação da Emenda Constitucional 45°2004 consolidou a matéria por meio da Súmula Vinculante n° 22: “A Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar as ações de indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente de trabalho propostas por empregado contra empregador, inclusive aquelas que ainda não possuíam sentença de mérito em primeiro grau quando da promulgação da Emenda Constitucional n. 45/04”.
A competência da Justiça do trabalho para julgar danos matérias, morais e estéticos também estão descritos em outro dispositivo da Carta Magna, o art. 114, inciso VI, determinando em seu texto que: “compete à Justiça do Trabalho processar e julgar as ações de indenização por dano moral ou patrimonial decorrente da relação de trabalho.”.
Ainda, destaca-se que a natureza cível das reparações não é obstáculo à atuação da Justiça do Trabalho, uma vez que o direito civil é fonte subsidiária do direito do trabalho. A Justiça do Trabalho decide relações de trabalho aplicando o Código Civil. Ressalta-se que, o art. 769 da CLT, também positiva que o direito processual comum é fonte subsidiária do processo do trabalho, in verbis: “nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título”.
Também, sublinha-se que é da competência da Justiça do Trabalho o julgamento de ação de indenização por acidente de trabalho movida pelos herdeiros, sucessores ou dependentes do trabalhador falecido. Este é o entendimento firmado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, que revogou a Súmula 366 a qual estabelecia a competência da Justiça Comum Estadual para o julgamento de ação indenizatória proposta por viúva e filhos de empregado falecido em decorrência de acidente de trabalho.
Frisa-se que quando ocorre o acidente do trabalho, em todas as suas acepções, dele podem derivar uma série de consequências dependentes das extensões do dano causado ao trabalhador. Tais como: dano moral, estético, lucro cessante, dano material.
O direito à indenização por dano moral nas relações de emprego tem como base o art. 5º da Constituição Federal em seus incisos, incisos V e X.
O direito à indenização por dano moral nas relações de emprego é fundado na Constituição Federal de 1988, art. 5º, V, que declara que “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”, e (inc. X) que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Esses dispositivos sempre foram aplicados às relações de emprego, apesar de algumas divergências que levavam os interessados a propor as ações em maior parte na Justiça do Trabalho. (NASCIMENTO, 201, p.119).
O artigo 186 do Código Civil dispõe que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” O artigo 927 do CCB completa a norma com a obrigação, dispondo que “aquele que, por ato ilícito causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”.
O dano estético pode ser enquadrando na previsão específica do artigo 949 do CC de 2002, parte final, o qual é aplicável a todos os tipos de danos imateriais e, também, na cláusula geral dos artigos 186 e 927 deste código, que são aplicáveis a qualquer tipo de dano. Perceba-se que se o dano estético for, por exemplo, apenas uma pequena cicatriz, não há perda funcional e portanto não há dano material.
Destaca-se que quando ocorre perda de um membro o dispositivo a utilizado para a reparação do dano material é o art. 950 do CC, in verbis:
Art. 950. Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu.
Se do acidente do trabalho deriva uma incapacidade temporária ao obreiro, ao patrono caberá a indenização das despesas com tratamento médico e lucros cessantes, conforme disposto no artigo 949 do Código Civil:
Art. 949. No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido.
Insta salientar que no que diz respeito ao prazo prescricional para propor a ação de reparação, deve-se aplicar a prescrição trabalhista, prevista no inciso XXIX do art. 7º da CF/88, e não a prescrição de 3 (três) anos revista no inciso V, do § 3º, do art. 206 do Código Civil. Na prática, alguns juízes de primeiro grau têm aplicado a norma do Código Civil em vez da prescrição prevista na Constituição Federal.
Portanto, compete à Justiça do Trabalho julgar as ações de indenização por dano moral, material, estético, e ainda os lucros cessantes, inclusive a decorrente de acidente de trabalho que levou o trabalhador a óbito, promovida pela viúva e seus herdeiros.
2.4 Aspectos Pertinentes da Relação de Emprego
É necessário traças alguns pontos relevantes no que tange as características da relação de emprego antes de adentrar no tema de acidente do trabalho, uma vez que essa relação não se resume apenas em venda da força de trabalho por percepção de um salário correspondente.
Jorge Luiz Solto Maior apud acta Geraldo Henrique de Souza Armond nos ensina que:
O trabalhador não tem escolha senão “vender” sua força de trabalho e se agrega o valor do produto (o que produz riqueza numa sociedade) é o trabalho, parte do qual é retido pelo capitalista, verifica-se que a “troca” de força de trabalho por salário levada a efeito é aparente. Portanto o contrato de trabalho não é sinalagmático nem comutativo. (ARMOND, 2013, p.72)
Insta salientar que a Justiça Laborativa é regida por princípios próprios, como por exemplo, princípio da boa fé, e o principio da proteção, o qual se divide em três vertentes: aplicação da condição mais benéfica, da norma mais favorável; e do indúbio pro operário. Também possui princípios constitucionais do trabalho, os quais figuram como verdadeiros alicerces que estão presentes no texto constitucionais, tais como: principio da dignidade da pessoa humana; principio da igualdade; da não discriminação; da irredutibilidade salarial; e etc.
A Consolidação das Leis do Trabalho – CLT visa alcançar uma tutela jurisdicional para proteger a parte mais vulnerável da relação de emprego, o obreiro. Ressalta-se aqui o principio da dignidade da pessoa humana, uma vez que este é norteador da sociedade brasileira.
Nas lições de Luiz Roberto Barroso temos que:
São conteúdos mínimos da dignidade o valor intrínseco da pessoa humana, a autonomia da vontade e o valor comunitário. O valor intrínseco é o elemento ontológico da dignidade, traço distintivo da condição humana, do qual decorre que todas as pessoas são um fim em si mesmas, e não meios para a realização de metas coletivas ou propósitos de terceiros. A inteligência, a sensibilidade e a capacidade de comunicação são decorrem direitos fundamentais como o direito à vida, à igualdade e à integridade física e psíquica. (BARROSO, 2010, p.37).
Nesse diapasão, a professora Vólia Bonfim Cassar assevera que “A garantia de direitos mínimos ao trabalhador faz parte de um conjunto de valores humanos civilizatórios (mínimo existencial), que encontra respaldo no princípio da dignidade da pessoa humana previsto constitucionalmente como maior patrimônio da humanidade” (CASSAR, 2014, p.62).
Ainda, a respeito disso Luiz Edson Fachin apud acta Vólia Bonfim, defende que:
(...) a existência de uma garantia patrimonial mínima inerente a toda pessoa humana, integrante da respectiva esfera jurídica individual ao lado dos atributos pertinentes à própria condição humana. Trata-se de um patrimônio mínimo indispensável a uma vida digna do qual, em hipótese alguma, pode ser desapossada, cuja proteção está acima dos interesses dos credores. (CASSAR, 2014, p.62).
Nessa mesma ótica do mínimo existencial, Luiz Roberto Barroso assevera que,
Dignidade está subjacente aos direitos sociais materialmente fundamentais, em cujo âmbito merece destaque o conceito de mínimo existencial. Para ser livre, igual e capaz de exercer sua cidadania, todo indivíduo precisa ter satisfeitas as necessidades indispensáveis à sua existência física e psíquica. Vale dizer: tem direito a determinadas prestações e utilidades elementares. (BARROSO, 2010, p.25).
No entanto, a CLT em seu art. 3° “caput”, ignora a atual existência de outros trabalhadores subordinados carentes de proteção jurídica, uma vez que conceitua empregado, como “toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.”. Consequentemente proporciona um desamparo legal contratual.
A doutrina laboral brasileira distingue bem uma relação de trabalho de uma relação de emprego. Nas lições do professor Maurício Delgado Godinho, o qual faz tal distinção com bastante clareza, temos que:
A primeira expressão tem caráter genérico: refere-se a todas as relações jurídicas caracterizadas por terem sua prestação essencial centrada em uma obrigação de fazer consubstanciada em labor humano. Refere-se, pois, a toda modalidade de contratação de trabalho humano modernamente admissível(...). Portanto, o gênero a que se acomodam todas as formas de pactuação de prestação de trabalho existentes no mundo jurídico atual. A relação de emprego, entretanto, é, do ponto de vista técnico-jurídico, apenas uma das modalidades específicas de relação de trabalho juridicamente configuradas. Corresponde a um tipo legal próprio e específico, inconfundível com as demais modalidades de relação de trabalho ora vigorantes. (DELGADO, 2012, p.240)
Ainda, Cristiano Chaves e Nelson Rosenwald prelecionam que não há distinção ontológica entre o contrato de trabalho a prestação de serviços civil:
Na essência não há distinção ontológica entre o contrato de trabalho e a prestação de serviços civil, uma vez que ambas estão assentadas na atuação humana em prol de uma finalidade. Apenas, considerando a existência de subordinação jurídica, a relação trabalhista conta como uma especialização da matéria, a partir da legislação adequada e protetiva, consubstanciada em normas de ordem pública para a tutela jurídica e social do obreiro. Na dúvida entre a existência de autonomia ou subordinação, prefere-se a relação de trabalho, tendo-se em consideração a tutela do hipossuficiente. (FARIAS; ROSENWALD, 2012, p.787).
Logo, o obreiro não deve ser visto como um meio para se desenvolver a atividade, e sim como o sujeito-fim desta. O trabalhador é um partícipe da obra que encerra o empreendimento econômico. Ora, a valoração do trabalho não pode sobrepor o valor social de quem executa este, ou seja, o trabalho em si não deve está acima do trabalhador humano, uma vez que é o homem o centro do mundo. Esse fundamento atende ao princípio da dignidade da pessoa humana e ao princípio protetivo do direito do trabalho humano, e não somente ao do trabalho.
Nesse sentido, Ricardo Resende ao explicar seu entendimento sobre principio da dignidade humana atrelada as atividades laborativas, nos ensina que:
Entende-se como principio da dignidade da pessoa humana a noção de que o ser humano é um fim em si mesmo, não podendo ser utilizado como meio para atingir determinado objetivo. Veda-se, assim a coisificação do homem, e no caso especifico do direito laboral, a coisificação do trabalhador. Em outras palavras, não se admite seja o trabalhador usado como mero objeto, na busca incessante pelo lucro e pelos interesses do capital. (RESENDE, 2014, p.60).
Destaca-se também a importância do principio da razoabilidade nas relações juslaborativas, uma vez que nestas relações se espera que o indivíduo tenha como norte de suas ações o bom-senso, ainda que a lei não preveja determinada circunstância surgida no caso concreto. Ressalta-se também, que nestas relações, o individuo deve agir com lealdade e boa-fé, tanto o empregado como o empregador (principio da boa-fé).
Portanto, verifica-se, em que pese uma relação de trabalho ser uma obrigação reciproca, onde o obreiro tem o dever de emprestar a sua força de trabalho a seu patrono, e por consequência este está obrigado a pagar uma remuneração equitativa e também correspondente a esta esse empréstimo de esforço, físico e psíquico. Fundamento este, baseado na natureza onerosa, comutativa e sinalagmática de um contrato de trabalho. Há de considerar também que a busca do lucro por parte do empregador não pode sobrelevar à dignidade do trabalhador, em razão dos princípios da proteção, da razoabilidade, da realidade dos fatos, da boa-fé e principalmente da dignidade da pessoa humana.
2.5 Peculiaridades do Acidente do Trabalho e Controvérsias da Aplicação da Responsabilidade Civil
A Constituição Federal de 1988 protege os direitos sociais do trabalhador urbano e rural, e determina que devam ser adotadas normas que proporcionem redução de riscos inerentes ao trabalho. Estas normas visão proteger a saúde, segurança e higiene destes trabalhadores. Tal direito está descrito no artigo 7°, XXIII da Carta Magna.
Dessa forma, eventos decorrentes da relação de trabalho, onde um empregado sofre lesão a sua integridade física, a saúde mental ou psíquica, e até mesmo óbito estão regulamentadas atualmente nos artigos 19 até o 23 da Lei nº 8.213/91, e ainda em algumas súmulas do Tribunal Superior do Trabalho que se baseiam na referida Lei concomitante aos dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho. Tais eventos podem ser enquadrados como acidentes do trabalho, devidamente descrito e conceituado em lei. Todavia, vislumbra-se a existência de situações fáticas que também podem ser equiparadas a estes.
O conceito de acidente do trabalho, bem como sua caracterização está descrito no verbete do art. 19 da Lei nº 8.213/91, in verbis:
Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.
Hugo Góes assevera que ocorre acidente do trabalho quando:
Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho do segurado especial, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho (Lei n° 8.213/91, art. 19). (GOÉS, 2011, p.185).
No conceito de acidente do trabalho como um acidente típico, temos as lições de Cláudio Brandão apud acta Fernando Rubim:
Acidente típico é o que provoca lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou a redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho. O Decreto nº 3.048/99, que regulamenta a Lei nº 8.213/91, refere-se a evento de qualquer natureza ou causa, de origem traumática e por exposição a agentes exógenos (físicos, químicos e biológicos), que acarrete lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte, a perda ou a redução permanente ou temporária da capacidade laborativa. É necessário, de qualquer forma, que este evento tenha nexo causal com a atividade laborativa bem definido, ou seja, o acidente deve decorrer de um risco específico relacionado com o trabalho, e não o risco geral que qualquer indivíduo possui, no dia a dia, de sofrer um acidente comum. (RUBIM, 2014, p. 64-65).
Maria Helena Diniz apud acta Geraldo Henrique de Souza Armond faz uma distinção entre acidente do trabalho típico e atípico:
Acidente do trabalho típico decorre de um acontecimento súbito, violento e involuntário, que atinge a integridade física ou psiquica do empregado, no cumprimento de suas obrigações contratuais. O atípico decorre de doença profissional peculiar a certo ramo de atividade, por colocar o trabalhador em contato com substâncias que debilitam seu organismo. (ARMOND, 2013, p.76)
Frisa-se que, há no ordenamento pátrio a tipificação das doenças ocupacionais. Estas foram positivadas no art. 20 da Lei nº 8.213/91, e se subdividem em doenças do trabalho e doenças profissionais. A primeira, são patologias comuns, aparecem em condições especiais onde o trabalho é empreendido, ou seja, pode afetar qualquer obreiro. Está diretamente ligada ao meio ambiente do trabalho desenvolvido. Já as doenças profissionais são fruto do exercício do trabalho peculiar a determinada atividade, onde o Ministério do Trabalho fez uma rol meramente exemplificativo dessas. Estas enfermidades são típicas da execução de uma determinada de atividade laborativa.
Nesse sentido, Fernando Rubim diferenciando os tipos de doenças ocupacionais e abordando como se da à responsabilidade nesses casos, nos ensina que:
Em geral admite-se que as doenças profissionais (idiopatias) são objeto de relação normativa, enquanto as doenças do trabalho (mesopatias) devem ter seu nexo de causalidade verificado no caso concreto. Isso traz consequências práticas no que diz respeito ao ônus da prova, pois as doenças profissionais têm presunção de nexo de causalidade e, somente em casos especiais, a empresa poderá questionar a exclusão do nexo. Além disso, em caso excepcional, constatando-se que a doença não incluída na relação prevista no artigo 20 seja ela doença profissional (idiopatia – inciso I) ou doença do trabalho (mesopatia – inciso II), possa ela vir a ser reconhecida como doença ocupacional, desde que reconhecido, no caso concreto, o nexo de causalidade entre a doença e a atividade laborativa.( RUBIM, 2014, p.65).
Salutar destacar que podemos verificar a existência de concausa entre a atividade laboral e o agravamento de uma doença de origem degenerativa ou inerente a certo grupo etário. Como também, é preciso lembrar que muitas doenças ocupacionais são de natureza degenerativa, onde uma vez provada sua relação direta com a atividade laborativa, o processo degenerativo deve ser caracterizado como doença do trabalho.
Ainda, evidencia-se a existência do acidente de trabalho por equiparação. Conforme a listagem do artigo 21 da Lei 8.213/91, determinados eventos serão equiparados ao acidente do trabalho em razão do exercício da atividade laborativa ser considerada uma concausa, ou seja, é necessário uma causualidade indireta para sua ocorrência, a qual concorre com outras alheias ao trabalho. Sublinha-se que esse rol é meramente exemplificativo, se não vejamos:
Art. 21. Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeito desta Lei: I- O acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação;
II - O acidente sofrido pelo segurado no local e no horário do trabalho, em conseqüência de: a) Ato de agressão, sabotagem ou terrorismo praticado por terceiro ou companheiro de trabalho; b) Ofensa física intencional, inclusive de terceiro, por motivo de disputa relacionada ao trabalho; c) Ato de imprudência, de negligência ou de imperícia de terceiro ou de companheiro de trabalho; d) Ato de pessoa privada do uso da razão; e) Desabamento, inundação, incêndio e outros casos fortuitos ou decorrentes de força maior;
III - A doença proveniente de contaminação acidental do empregado no exercício de sua atividade;
IV - O acidente sofrido pelo segurado ainda que fora do local e horário de trabalho; a) Na execução de ordem ou na realização de serviço sob a autoridade da empresa; b) Na prestação espontânea de qualquer serviço à empresa para lhe evitar prejuízo ou proporcionar proveito; c) Em viagem a serviço da empresa, inclusive para estudo quando financiada por esta dentro de seus planos para melhor capacitação da mão-de-obra, independentemente do meio de locomoção utilizado, inclusive veículo de propriedade do segurado; d) No percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado.
Percebe-se ao analisar esse artigo que o nexo de causalidade é bastante extenso com relação aos motivos dos deslocamentos do trabalhador em função de seu trabalho para a empresa. Somente não haveria acidente de trabalho se demonstrada a ausência do nexo de causalidade por desvio de rota (ausência de nexo topográfico) ou por desvio de finalidade (ausência de nexo cronológico). São casos de interrupções, desvios ou prolongamentos do itinerário realizados por iniciativa do empregado, sem nexo de causalidade com o seu trabalho.
Pontua-se também que, conforme redação expressa do artigo 22 da Lei 8.213/91, a empresa deverá comunicar o acidente do trabalho à Previdência Social até o primeiro dia útil seguinte ao da ocorrência e, em caso de morte, de imediato, à autoridade competente, sob pena de multa variável entre o limite mínimo e o limite máximo do salário-de-contribuição, sucessivamente aumentada nas reincidências, aplicada e cobrada pela Previdência Social. Na falta de comunicação por parte da empresa, podem formalizá-la: a) o próprio acidentado ou seus dependentes; b) a entidade sindical competente; c) o médico que assistiu o acidentado; ou d) qualquer autoridade pública.
Cabe destacar que quando o empregado sofre um acidente do trabalho, e por consequência deve-se afastar de suas atividades, o empregador tem a obrigatoriedade de pagamento dos seus salários nos primeiros quinze dias a contar do afastamento de serviço. A partir do 16° dia de afastamento, o pagamento será feito pelo Instituo de Seguridade Social – INSS, através de um benefício previdenciário.
Enquanto o empregado estiver afastado das atividades configura-se a interrupção do contrato de emprego. Não obstante a não percepção de salários, será computado todo tempo de afastamento como tempo de serviço para todos os fins legais.
O acidente do trabalho para fins previdenciários deverá ser reconhecido pela perícia médica do INSS, onde está irá verificar: a incapacidade para o trabalho e o nexo entre o trabalho e o agravo. Quando o beneficio previdenciário for deferido serão devidas as prestações acidentárias a que o beneficiário tenha direito (RPS, art. 337, § 5°).
Nesse diapasão o professor Hugo Góes preleciona que:
A perícia médica do INSS considerará caracterizada a natureza acidentária da incapacidade quando constatar ocorrência de nexo técnico epidemiológico entre o trabalho e o agravo, decorrente da relação entre a atividade da empresa e a entidade mórbida motivadora da incapacidade elencada na Classificação Internacional de Doenças - CID, em conformidade com o disposto na Lista B do Anexo II do Regulamento da Previdência Social (Lei n° 8.213/91, art. 21-A). Ou seja, o nexo técnico epidemiológico - NTE permite que a perícia médica do INSS reconheça determinada incapacidade como acidentária, mesmo que a empresa não tenha feito nenhuma Comunicação de Acidente de Trabalho - CAT à Previdência Social. (GOÉS, 2011, p.187).
Impede acentuar que, uma vez que o benefício é caracterizado como acidentário, durante o afastamento do trabalho o segurado faz jus ao depósito do FGTS e goza de estabilidade no emprego por 12 meses após a cessação do auxílio-doença (artigo 118 da Lei 8.213/91).
O TST já se pacificou o entendimento que esta estabilidade é constitucional. Tendo como pressupostos para a concessão da estabilidade: o afastamento superior a 15 dias; e a consequente percepção do auxílio‐doença acidentário, salvo se constatada, após a despedida, doença profissional que guarde relação de causalidade com a execução do contrato de emprego. Ainda, o respeitável Tribunal Superior do Trabalho, compreendeu que até o empregado submetido a contrato por tempo determinado goza da garantia provisória de emprego, decorrente de acidente de trabalho (súmula 378 do TST).
Ressalta-se que será garantido também ao empregado a mesma estabilidade se este descobre que está inapto para o trabalho após o enceramento do contrato de trabalho. Vejamos a doutrina de Bruno Kippel, o qual faz uma análise da súmula 378 do TST:
Outra situação, bastante comum na prática trabalhista, que é o conhecimento da doença profissional somente após o término do contrato de trabalho, ou seja, a demissão se dá com o empregado inapto ao trabalho, o que é proibido, já que a doença profissional (LER/DORT, por exemplo) é considerada como acidente de trabalho, gerando, portanto, os mesmos efeitos, entre eles, a estabilidade provisória. Se determinado empregado tiver seu vínculo de emprego rescindido, possuindo doença profissional (surdez, LER/DORT, problemas físicos ligados ao trabalho que desenvolvia etc.), deverá pleitear sua imediata reintegração ao trabalho, demonstrando a lesão e o nexo de causalidade para com o trabalho. O pedido de reintegração é lícito, pois esse empregado está amparado pela estabilidade provisória. Há que se lembrar, contudo, que, se o pedido de reintegração se der após terminado o período estabilitário, fará jus o reclamante apenas aos salários do período e demais verbas trabalhistas, pois a reintegração somente pode ser determinada dentro do período legal. Essa sentença, conforme Súmula n. 396 do TST, a ser comentada, não é extra petita. (KIPPEL, 2011, p.490).
Sobre o tema, é importante realçar as lições extraídas da doutrina do Professor Hugo Góes, onde trás o julgado pelo ex. Ministro Joaquim Barbosa:
O segurado que sofreu acidente do trabalho tem garantida, pelo prazo mínimo de doze meses, a manutenção do seu contrato de trabalho na empresa, após a cessação do auxílio-doença acidentário, independentemente de percepção de auxílio-acidente (Lei n° 8.213/91, art. 118). Nesse sentido, confira-se o seguinte julgado do STF: "EMENTA: 1. Acidente do trabalho: manutenção do contrato de trabalho: L. 8.213/91, art 118, caput (constitucionalidade). Na ADIn 639,02.06.2005, Joaquim Barbosa, o Supremo Tribunal julgou constitucional o caput do art. 118 da L. 8.213/91 - que garante a manutenção do contrato de trabalho, em caso de acidente do trabalho, pelo prazo mínimo de doze meses, após a cessação do auxílio-doença, independentemente da percepção de auxílio-acidente. O Tribunal assentou que o dispositivo não afronta o inciso Ido art. 7° da Constituição Federal, porque não versa sobre regime de estabilidade, nem contraria o artigo 10 do AJDCT, porque não dispõe sobre proteção de emprego, matérias reservadas à lei complementar". (GOÉS, 2011, p.188-189).
Ressalta-se que, é dever legal das empresas adotar medidas que proporcionem a proteção e segurança da saúde do trabalho, e também o Ministério do Trabalho obriga as em empresas a constituírem uma comissão interna cuja a especialização é a de prevenir acidentes do trabalho dentro do local de trabalho ou no momento de prestação de serviços, ainda que estes não seja realizados nas dependências da empresa.
Nessa ótica o professor Frederico Amado assevera que,
A prevenção aos acidentes do trabalho é dever legal das empresas, que são responsáveis pela adoção e uso de medidas coletivas e individuais de proteção e segurança da saúde do trabalho, sendo obrigatória a constituição de Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA), de conformidade com instruções expedida pelo Ministério do Trabalho, nos estabelecimentos ou locais de obra nelas especificadas. (AMADO, 2012, p.363-364).
Sem embargo, o ordenamento pátrio também prevê a obrigação de indenizar quando ocorre o acidente do trabalho, uma vez que obreiro lesionado por consequência encontra-se impossibilitando de obter os mesmos rendimentos no desenvolvimento de seu labor habitual após determinado a ocorrência do fato acidentário. Todavia, há divergências jurisprudências e embates doutrinários, no tocante ao tipo de responsabilidade que deve ser aplicado no caso concreto. Essa é certamente a clave, ponto crucial, desse estudo.
No tocante a competência, após o advento da Emenda Constitucional de n° 45/2004, a Justiça do Trabalho se tornou plenamente competente para apreciar e julgar tais lides. O art. 114, inciso VI da CF/88 também determina a Justiça Laborativa tem a competência material para processar e julgar as ações de indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente de trabalho proposta por empregado em face do empregador, entendimento corroborado com a súmula vinculante de n° 22 do Superior Tribunal Federal - STF.
Sobreleva-se que o prejuízo material é indiscutível, conforme já demonstrado outrora nesta pesquisa. No entanto, os embates sobre o tema se prologam no tempo, proporcionando divergências de entendimento. A grande parte da jurisprudência e doutrina se posiciona no sentido de que realmente se faz necessário na ocorrência do acidente do trabalho o empregado tem que demonstrar culpa ou dolo empregador (responsabilidade subjetiva), ou seja, para ser deferida a indenização e o empregador ser responsabilizado civilmente é uma obrigação do obreiro comprovar o nexo de casualidade entre o fato e ação, e/ou omissão do empregador. Onde, somente após essa comprovação, é que lhe imputaria a responsabilidade pelo acidente e, consequentemente, o dever de indenizar.
Destaca-se que esse entendimento olvidou-se que o dever de indenizar surgiu da teoria do risco, ou seja, o empresário quando se propõe a estabelecer uma empresa deve ser obrigado a arcar com o ônus desta, uma vez que a mesma oferece riscos na execução das atividades, as quais serão executadas por pessoas contratadas. Ora, o risco do negocio jurídico também gera lucros e benefícios para o empregador, logo, também deve ser atribuído a este os infortúnios resultantes do acidente. Portanto, o ônus e o bônus devem ser sempre suportados pelo empregador.
Nessa ótica, verifica-se que, as Varas e Tribunais Regionais do Trabalho, vêm atualmente mudando de entendimento, onde podemos encontrar diversos julgados onde os magistrados têm se posicionando favoravelmente ao deferimento da aplicação da responsabilidade objetiva quando se verifica o acidente do trabalho, se não vejamos os recentes julgados:
RECURSO DE REVISTA. ACIDENTE DE TRABALHO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA. JULGAMENTO EXTRA PETITA. NÃO CONFIGURAÇÃO. (..). EMPRESA DE TRANSPORTE DE CARGAS. MOTORISTA DE CAMINHÃO. ACIDENTE DE TRABALHO. AMPUTAÇÃO DE MEMBRO SUPERIOR. PERDA IRREVERSÍVEL DA CAPACIDADE LABORATIVA PARA A FUNÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. ATIVIDADE DE RISCO. Uma vez que o caput do art. 7º da Constituição Federal constitui tipo aberto, prevendo, genericamente, a possibilidade de reconhecimento de direitos que visem a melhoria da condição social do trabalhador, a responsabilidade subjetiva do empregador, prevista logo após, no inciso XXVIII, surge como direito mínimo assegurado pela Constituição. Trata-se de regra geral que não exclui ou inviabiliza outras formas de alcançar o direito à melhoria social do trabalhador. Tratando-se de atividade empresarial, ou de dinâmica de trabalho, que acarrete risco acentuado ao trabalhador envolvido, incide a exceção do art. 927, parágrafo único, do Código Civil, que torna objetiva a responsabilidade da empresa por danos decorrentes de acidentes no exercício de função com risco. Recurso de revista a que se nega provimento. (RR - 2024-74.2010.5.18.0082, Relatora Ministra: Kátia Magalhães Arruda, Data de Julgamento: 07/08/2012, 6ª Turma, Data de Publicação: 17/08/2012).
RECURSO DE REVISTA - ESTABILIDADE PROVISÓRIA ACIDENTÁRIA - DOENÇA OCUPACIONAL. (...) DOENÇA PROFISSIONAL - DANO MORAL - RESPONSABILIDADE CIVIL - SISTEMAS OBJETIVO E SUBJETIVO. Nos termos do art. 927, caput, do Código Civil, aquele que, culposamente, lesar a esfera juridicamente protegida de outrem, causando-lhe dano, fica obrigado a repará-lo. Trata-se do sistema de responsabilidade civil subjetiva, cujos elementos constitutivos são: a conduta culposa, o nexo causal e o dano. Atento à evolução das relações sociais, o legislador infraconstitucional, ao lado do mencionado sistema de responsabilidade civil, instituiu, no parágrafo único do referido dispositivo de lei, a responsabilidade objetiva daquele cujas atividades normalmente desenvolvidas causarem riscos a direito de outrem. A responsabilização objetiva parte do pressuposto de que, em uma sociedade de massas, as pessoas encontram-se sujeitas a lesões que não podem ser atribuídas à falha humana, e sim ao mau funcionamento dos modernos equipamentos utilizados pelo empresário para o desempenho de sua atividade. Daí a necessidade de se responsabilizar aquele que se aproveita dos lucros auferidos pela atividade empresarialmente desenvolvida, sob pena de se criar uma nova gama de lesões não indenizáveis, por não poderem ser atribuídas ao gênio humano e que, em si, pressupõem a existência de risco. Assim, a partir da análise do sistema de responsabilidade objetiva, impõe-se observar que foi registrado o nexo de causalidade entre a patologia - -tendinite do supra-espinhoso- - e as atividades desenvolvidas como operadora de malharia, o que aponta a existência de riscos ergonômicos nas atividades realizadas, motivo pelo qual, diversamente do que decidido, impunha à reclamada comprovar que foram tomadas todas as cautelas para eliminação ou redução dos riscos ergonômicos. Portanto, entendendo-se aplicável o sistema de responsabilidade objetiva decorrente do fato das atividades desempenhadas pela autora estarem inseridas na atividade principal da reclamada(...). Recurso de revista conhecido e provido. (RR - 181300-93.2003.5.05.0463, Relator Ministro: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Data de Julgamento: 15/08/2012, 4ª Turma, Data de Publicação: 17/08/2012).
Ademais, do dispositivo do art. 21 supracitado, verifica-se a existência de outra espécie de acidente de trabalho previsto na legislação brasileira, são os acidentes in itinere, ou também chamado de acidente trajeto. Acidente que sofre o obreiro ao se deslocar para o labor, trajeto este que pode ser indo para o trabalho ou retornando deste. Tal artigo equiparou o acidente profissional ao acidente ocorrido no percurso da residência do trabalhador para o seu local de prestação de serviços em seu inciso IV, alínea “d”.
Pontua-se aqui que, a jurisprudência é pacífica ao determinar que o mero desvio para o local de prestação de serviço do obreiro não descaracteriza o acidente do trabalho. Claro, é evidente que o destino final deste percurso seja de fato a empresa onde trabalha, ou o local em que desenvolve suas atividades, bem como ao encerrar sua jornada de trabalho o destino final seja seu domicilio. Se não vejamos alguns julgados:
Decisão: Tem se firmado no sentido de que pequenos desvios ou interrupções no trajeto não descaracterizam(..).,na presente hipótese, não desnatura o acidente initinere, diante da relevância do motivo que ocasionou(..) de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado. Em termos bem simples, o acidente 'in itinere' (TST - Inteiro Teor. RECURSO DE REVISTA: RR 783001320105170006. Data de publicação: 09/05/2014).
EMENTA: ACIDENTE IN ITINERE. INEXIGÊNCIA LEGAL DE TRAJETO ESPECÍFICO. O trajeto realizado pelo obreiro, da empresa para sua residência, ainda que ele pare para buscar sua esposa, não descaracteriza o acidente de percurso”. (PROCESSO TRT/15º REGIÃO Nº0000427-48.2010.5.15.0084–Rel.FLAVIO ALLEGRETTI DE CAMPOS COOPER, j.20.05.2011).
Ementa: ACIDENTE IN ITINERE.PEQUENO DESVIO DO TRAJETO - POSSIBILIDADE DE ENQUADRAMENTO NO PERMISSIVO LEGAL. Não descaracteriza o acidente in itinere a interrupção do trajeto do empregado para a sua casa, representado por curta parada para realizar uma pequena compra, ir a um banco, etc, nem mesmo que se valha itinerário diverso daquele habitualmente percorrido, desde que tenha havido motivação para a mudança. O desdobramento do trajeto, nas circunstâncias exemplificadas, não desqualifica o conceito legal, desde que mantido o nexo originário e principal da ação (encontrar-se na ida ou no retorno do trabalho para a sua residência). RECURSO ORDINARIO RO 1087003220055050131 BA 0108700-32.2005.5.05.0131 (TRT-5) Data de publicação: 06/05/2008).
No entanto, nesse caso especifico também se verifica por parte da jurisprudência o entendimento de aplicação da responsabilidade subjetiva, ou seja, depende da produção de prova por parte do trabalhador demonstrar a culpa ou dolo por parte do empregador, faz-se necessário comprovar aqui a relação entre o evento causador do dano com a conduta ilícita do patrono. Logo, não seria possível nessa situação invocar o artigo 186 e 927 do Código Civil de 2002.
Não obstante, devemos levantar uma discursão se até mesmo nesse ponto seria possível aplicar a responsabilidade objetiva quando o operário se acidenta no deslocamento desse percurso especifico. Destaca-se que, aqui podemos fazer uma aplicação análoga de quando é devido às horas extraordinárias em uma relação trabalhista decorrentes do tempo in intinere. Esse tempo que extrapola a jornada legal será computável na jornada de trabalho, é considerado como extraordinário e sobre ele deve incidir o adicional respectivo.
Conforme previsto no artigo 58, § 2º, quando o trabalho for prestado em local não servido por transporte público ou for de difícil acesso e a empresa fornecer condução, será considerado tempo in intinere, uma vez que o art. 4º da CLT considera de serviço efetivo “o período em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens”.
Ainda, a jurisprudência do TST, em súmula de n° 90 fixa tais requisitos de uma maneira mais abrangente, para tanto, trazemos a análise de Amauri Mascaro Nascimento para explicar tais:
A jurisprudência do TST (STST n. 90) fixa as seguintes diretrizes: tempo despendido pelo empregado, em condução fornecida pelo empregador, até o local de trabalho, de difícil acesso, ou não servido por transporte público regular, e para o seu retorno, é computável na jornada de trabalho; incompatibilidade entre os horários de início e término da jornada do empregado, e os do transporte público regular é circunstância que também gera o direito às horas in itinere; mera insuficiência de transporte público não enseja o pagamento de horas in itinere; se houver transporte público regular, em parte do trajeto per- corrido em condução da empresa, as horas in itinere remuneradas limitam-se ao trecho não alcançado pelo transporte público; considerando que as horas in itinere são computáveis na jornada de trabalho, o tempo que extrapola a jornada legal é considerado como extraordinário e sobre ele deve incidir o adicional respectivo. (NASCIMENTO, 2011, p.770).
Do exposto, o TST tem entendimento que o empregado ao se deslocar de sua casa para o local de prestação de serviço ou vice-versa já se encontra a disposição do seu empregador. Para tanto é necessário, que a empresa esteja em local de difícil acesso, ou não seja atendida pelo transporte público, e, por isso, disponibilize condução desse empregado.
Também, sublinha-se que, conforme o entendimento da Súmula 320 do TST, o fato de o empregador cobrar, ou não, pelo transporte não elide a percepção de horas in itinere: “O fato de o empregador cobrar, parcialmente ou não, importância pelo transporte fornecido, para local de difícil acesso ou não servido por transporte regular, não afasta o direito à percepção das horas “in itinere”“.
A doutrina, e jurisprudência são pacificas no entendimento que preenchido tais requisitos o empregado já está em serviço, ou seja, já está desenvolvendo suas atividades laborativas. Assim, uma vez que o empregado entra no transporte fornecido por seu empregador sua jornada já está sendo computado e pode ser devido horas extraordinárias em caso de ultrapassar o limite de jornada de trabalho descrito em lei.
Analisando o dispositivo, e seus requisitos, evidencia-se que quem fornece o transporte é o empregador, então quem irá conduzir o empregado até o local de prestação de serviços é ele. Ainda, um local de difícil acesso se configura um risco maior a integridade e segurança do obreiro. Ora, o local de trabalho pode está ubicado em um terreno íngreme, por exemplo, e/ou acintoso, ou muito distante de centros urbanos, locais provavelmente desertos. Em verdade, presume-se de fácil acesso local de trabalho situado em espaço urbano; em contrapartida, presume-se de difícil acesso local de trabalho situado em regiões rurais (presunção juris tantum).
Da mesma forma, podemos responsabilizar objetivamente o empregador quando seu operário sofre acidente do trabalho ao se deslocar da entrada da empresa até o local da prestação do trabalho, uma vez que o empregado está se deslocando dentro das dependências da empresa. Invoca-se, por analogia, o conteúdo da OJ transitória 36 da SBDI-1 do TST, segundo a qual "configura-se como hora in itinere o tempo gasto pelo obreiro para alcançar seu local de trabalho a partir da portaria da Açominas".
Frisa-se que, o percurso não deve ser denominado de horas in itinere para a espécie dos autos processuais, uma vez que essa locomoção diária não se da através de transporte fornecido pela empresa, e sim com as próprias pernas do empregador, ou seja, a pé.
O TST em sua súmula 429 entende que o obreiro já se encontra à disposição do empregado desde que o tempo de deslocamento entre a portaria da empresa e o local de trabalho seja superior o limite diária de 10 (dez) minutos, in verbis:
Súmula 429. TEMPO À DISPOSIÇÃO DO EMPREGADOR. ART. 4º DA CLT. PERÍODO DE DESLOCAMENTO ENTRE A PORTARIA E O LOCAL DE TRABALHO. Considera-se à disposição do empregador, na forma do art. 4º da CLT, o tempo necessário ao deslocamento do trabalhador entre a portaria da empresa e o local de trabalho, desde que supere o limite diário de 10 minutos.
Observa-se que, esse tempo de deslocamento é contado na jornada de trabalho do empregado, e por consequência pode incidir adicional de horas extraordinárias, é possível aplicar mais uma vez a responsabilidade objetiva em caso de acidente do trabalho ocorrido no deslocamento da portaria da empresa até o local de trabalho. Até pelo fato do TST entender que nessa situação o obreiro encontra-se à disposição do seu patrono.
Por fim, em recente julgado do Recurso de Revista – RR de n° 22600 - 78.2009.5.15.0156, a 7° turma do TST entendeu que determinada empresa deveria ser condenada ao pagamento de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), pela morte de um trabalhador durante seu trajeto para o serviço, em face da responsabilidade objetiva do empregador.
No caso em tela, é importante destacar que não houve nenhum tipo de envolvimento da empresa no acidente automobilístico. Os herdeiros (autores da ação) relataram que este funcionário, o qual era um motorista de caminhão, estava se deslocando através de uma “Kombi” (veículo automobilístico) de sua cidade até outra cidade para pegar um caminhão onde começaria a prestação de seu trabalho, uma vez que este envolvia o transporte cana-de-açúcar por meio desse caminhão. No entanto, no trajeto o veículo capotou levando ao óbito desse trabalhador.
É salutar esclarecer que, esse veículo “Kombi”, utilizado pelo empregado não tinha nenhuma relação com o patrono deste. Sem embargo, o ministro Cláudio Brandão, relator do caso, avaliou que o empregado não era "um simples passageiro" no momento desse acidente. A vítima estava no local porque cumpria ordens de seu empregador, o que leva à responsabilidade objetiva das empresas. Segundo o relator, o contrato de trabalho tem como característica fundamental "a existência de uma cláusula de incolumidade decorrente da obrigação de resultado", em que o transportador se obriga pelo bom êxito do transporte.
De igual sorte, outros Tribunais regionais do Trabalho já corroboravam com esse entendimento do TST, vejamos a seguir:
EMENTA: ACIDENTE DO TRABALHO. MOTORISTA DE ÔNIBUS. ACIDENTE DE TRÂNSITO. FATO DE TERCEIRO. TEORIA DO RISCO PROFISSIONAL. LIAME ETIOLÓGICO PRESERVADO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAL E MORAL. CABIMENTO. Havendo prova da ocorrência do dano alegado, bem assim do nexo de causalidade entre a lesão e o trabalho, excluída a hipótese de culpa exclusiva do empregado, ao empregador incumbe a obrigação de indenizar, prevista no art. 927 do CC, por danos causados ao empregado. Sendo de risco a atividade desenvolvida pelo motorista, o fato de terceiro, causador do acidente de trânsito, no exercício da atividade, não afasta o nexo de causalidade e não elide a responsabilidade do empregador e/ou do tomador de serviços. (Tribunal Regional do Trabalho (4ª região). Acórdão do processo 0078200-57.2006.5.04.0201 (RO). Relator:Milton Varela Dutra. Porto Alegre, 11 de nov. de 2011).
Para Pablo Stolze é um paradoxo o empregador responder objetivamente pelos danos causados da atividade exercida, todavia, pelos danos causados ao seu empregado pelo exercício da mesma atividade responde subjetivamente:
Todavia, parece-nos inexplicável admitir a situação de um sujeito que: por força de lei, assume os riscos da atividade econômica; por exercer uma determinada atividade (que implica, por sua própria natureza, risco para os direitos de outrem), responde objetivamente pelos danos causados; ainda assim, em relação aos seus empregados, tenha o direito subjetivo de somente responder, pelos seus atos, se os hipossuficientes provarem culpa. A aceitar tal posicionamento, vemo-nos obrigados a reconhecer o seguinte paradoxo: o empregador, pela atividade exercida, responderia objetivamente pelos danos por si causados, mas, em relação a seus empregados, por causa de danos causados justamente pelo exercício da mesma atividade que atraiu a responsabilização objetiva, teria um direito a responder subjetivamente. (STOLZE e PAMPLONA, 2014, p. 322).
Portanto, em todas as situações elencadas, malgrado parte da jurisprudência e doutrina entender que dever ser aplicada a responsabilidade subjetiva, essa por certo é incoerente e ineficaz em face da existência do risco do negocio jurídico.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante da teoria do risco da atividade, a qual está fulcrada na exegese dos artigos 2º da CLT e 927, parágrafo único, do Código Civil, nas atividades em quem um dos contraentes exponha o outro o risco, a responsabilidade será objetiva. Ora, independente de ter ou não agido com culpa o empregador tem a obrigação de arcar com o risco de negócio jurídico.
Pontua-se que deve ser imputada responsabilidade objetiva ao explorador de toda atividade humana que gera proveitos para si e riscos para outrem, uma vez que esta atitude o torna o sujeito responsável por riscos ou perigos decorrentes de sua atividade, sem embargo colar toda diligência e cuidado para que o dano não ocorra.
O risco do negocio jurídico também gera lucros e benefícios para o empregador, logo, também deve ser atribuído a este os infortúnios resultantes do acidente. Portanto, o ônus e o bônus devem ser sempre suportados pelo empregador.
Ainda, ressalta-se que, o patrono tem a obrigação de cuidar e resguardar a integridade física e proporcionar uma segurança para os seus empregados independentemente do empregado provar o nexo de casualidade. É presumida essa obrigação.
Em que pese parte da jurisprudência entender que se tratado de acidentes do trabalho a responsabilidade do empregador é subjetiva, evidencia-se um contrário senso com a relação ao contrato de trabalho, uma vez que este tem como característica fundamental "a existência de uma cláusula de incolumidade decorrente da obrigação de resultado”.
Também, salienta-se que o trabalhador é um partícipe da obra que encerra o empreendimento econômico. A valoração do trabalho não pode sobrepor o valor social de quem executa. O obreiro não deve ser visto como um meio para se desenvolver a atividade, e sim como o sujeito-fim desta.
Logo, evidencia-se que é vedada a coisificação do homem, ou seja, é inconcebível tratar o homem como um mero objeto. É desumanizar um trabalhador quando este é usado como uma coisa na para auferir lucro para seu patrão.
Nesse sentido, se faz necessário garantir sempre o mínimo da dignidade do obreiro, em razão do principio da dignidade da pessoa humana ser o cerne do Estado Democrático de Direito.
Não há que se falar que os propósitos financeiros de terceiros se sobreponham a efetivação do percebimento do quantum indenizatório necessário para sanar um dano sofrido por um empregado se tratando de acidente do trabalho. Explico. O beneficio previdenciário não é suficiente para compensar um empregador que sofreu uma lesão em decorrência do trabalho.
Sublinha-se aqui que não interessa se o empregado estava laborando ou se deslocando para trabalho. Faz-se necessário a indenização de forma objetiva em todos os casos. A argumentação de que o acidente do trabalho é um benefício previdenciário pago pelo Estado, na pessoa de sua autarquia INSS é esdruxulo. É devido sim também pelo empregador independente de culpa, ou causa.
Impede destacar que a não responsabilização objetiva do empregado possibilita a criação de lesões não indenizáveis.
Ademais, frisa-se que o art. 7.º, inc. XXVIII, da Constituição Federal não é impedimento para a aplicação do disposto no art. 927, parágrafo único, do Código Civil quando se tratar de atividade de risco. Frisa-se que essa fundamento foi editado no Enunciado n° 377 na IV Jornada de Direito Civil da Justiça Federal.
Do exposto, a Constituição Federal de 1988, em seu inciso XXVIII, o qual trata da responsabilidade subjetiva do empregador, garante na verdade um direito mínimo. Essa é uma meramente uma regra geral. Todavia, com bases em outros dispositivos do ordenamento jurídico pátrio brasileiro é possível alcançar a melhoria social do empregado, como por exemplo, o já citado parágrafo único do art.927 do Código Civil, fundamento da teoria do risco e o qual torna a objetiva a responsabilidade da empresa quando há danos de acidentes do trabalho.
Por fim, o artigo 7.º da Constituição da República, ao elencar o rol de direitos mínimos assegurados aos trabalhadores, não exclui a possibilidade de que outros venham a ser reconhecidos pelo ordenamento jurídico infraconstitucional, o próprio caput do referido artigo possibilita uma interpretação que visa garantir uma melhor condição social do trabalhador. Até porque a carta Magna manifestamente adota no mesmo cenário normativo o princípio da norma mais favorável.
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