3. EFEITOS DA CONDENAÇÃO CRIMINAL IRRECORRÍVEL ACERCA DA PERDA DO MANDATO PARLAMENTAR
3.1. ASPECTOS INTRODUTÓRIOS
Neste capítulo abordar-se-á a condenação criminal transitada em julgado com o objetivo de revelar as consequências jurídicas dela advindas, para, então, definir se a condenação irrecorrível é hipótese de perda ou suspensão de direitos políticos, e, desta forma, do exercício do mandato parlamentar.
De modo recente, observou-se no país a prisão de congressistas, situação inédita, digna de longos questionamentos e debates por parte do Supremo Tribunal Federal. Destarte, a privação da liberdade de parlamentar em razão de condenação criminal transitada em julgado relaciona-se com outro tema igualmente relevante: a perda ou manutenção do mandato deste parlamentar que eventualmente seja condenado por sentença irrecorrível.
O atual regramento constitucional aparenta a contradição, porquanto existem dois artigos previstos na Carta Magna que tratam do tema, aflorando o debate sobre uma possível antinomia jurídica, e dando ensejo à realização deste trabalho.
3.2. EFEITOS DA CONDENAÇÃO CRIMINAL IRRECORRÍVEL SOBRE OS DIREITOS POLÍTICOS
Preceitua o art. 15, III, da CRFB/1988 que “(...) É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de: (...) III – condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem os seus efeitos; (...)”. Apesar da Constituição não discriminar os casos de suspensão ou os casos de perda elencados pelo art. 15, a doutrina distingue as hipóteses baseado na existência ou não de prazo final.
Dessa forma, consoante se depreende da leitura do inciso III do art. 15. da Carta Magna, trata-se de hipótese constitucional de suspensão de direitos políticos a existência de condenação criminal transitada em julgado, uma vez que a Constituição condiciona a durabilidade daquela modalidade de privação de direitos políticos aos efeitos da condenação criminal, cuja delimitação é temporal.
Esse efeito de suspensão que a condenação criminal impõe aos direitos políticos é uma consequência jurídica enunciada na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, e não na legislação penal. Por sua atuação ocorrer fora do âmbito penal e resultar da condenação por qualquer crime, a referida consequência recebe a denominação de efeito extrapenal genérico e, em razão disso, conforme o professor Zavascki (1994:118), a suspensão dos direitos políticos “opera-se automaticamente, independente de qualquer referência na sentença”, devendo o juiz prolator da sentença comunicar sua decisão ao juiz eleitoral, quando este não for o julgador do processo. Este também é o entendimento do professor José Jairo Gomes (2008:11).
Leciona Cretella Junior (1992:1122) que a suspensão dos direitos políticos inicia a partir do transito em julgado da sentença penal condenatória, ou seja, por decisão penal procedente da qual não caiba mais recurso, e, nos termos da súmula n. 9. do Tribunal Superior Eleitoral, “cessa com o cumprimento ou a extinção da pena, independendo de reabilitação ou de prova de reparação de danos”.
A respeito do teor da citada súmula, Rodrigo Zilio (2008:135) leciona:
“Em sendo a suspensão dos direitos políticos efeito imediato da sentença criminal transitada em julgado – que prescinde de comando sentencial específico -, não se pode exigir que, cessados os efeitos da condenação pelo cumprimento ou extinção da pena, o retorno ao pleno exercício dos direitos políticos seja condicionado a nova conduta do interessado, seja através da reabilitação ou da prova de reparação de danos. Eventual ajuizamento de revisão criminal, por si só, se ainda perdurarem os efeitos da condenação, é um indiferente em relação a privação dos direitos políticos”.
Destarte, todos os sentenciados que sofrerem condenação criminal irrecorrível se encontrarão com seus direitos políticos suspensos até que advenha a extinção da punibilidade, como consequência inafastável da sentença condenatória. Declarada a extinção da pena, por seu cumprimento ou pela prescrição, o indivíduo recupera, também automaticamente, seus direitos políticos outrora suspensos, independente de reparação de danos ou de reabilitação. Assim, conforme mencionado no subitem “1.5 Privação dos direitos políticos”, não haverá em hipóteses alguma a cassação dos direitos políticos, sofrendo o sujeito, no caso de ser condenado por sentença transitada em julgado, restrição temporária enquanto perdurar o cumprimento da pena imposta.
3.3. CONDENAÇÃO CRIMINAL IRRECORRÍVEL E A PERDA DO MANDATO PARLAMENTAR
Primeiramente, ressalta-se que o termo “perda de mandato” é utilizado pela Carta Magna para se referir tanto para casos de extinção como para casos de cassação de mandato parlamentar. Nesse sentido, Braga e Reis (2011:461, ss) asseveram que “a perda do mandato é gênero em que temos como espécies a cassação do mandato e extinção do mandato”. Silva (2014:545), por sua vez, diferencia os institutos, entendendo que:
“Cassação é a decretação da perda do mandato, por ter o seu titular incorrido em falta funcional, definida em lei e punida com esta sanção. Extinção do mandato é o perecimento do mandato pela ocorrência do fato ou ato que torna automaticamente inexistente a investidura eletiva, tais como a morte, a renúncia, o não comparecimento a certo número de sessões expressamente fixado (desinteresse que a Constituição eleva à condição da renúncia), perda ou suspensão dos direitos políticos”
Nota-se que diante do procedimento de cassação, a Casa Legislativa detém poder decisório para deliberar acerca do caso envolvendo parlamentar seu. Na extinção, de outro modo, Silva (2012:429) observa tratar-se de provimento meramente declaratório, pois a Mesa apenas reconhece a ocorrência do fato do perecimento do mandato. Ante a condenação de detentores de mandatos parlamentares, seguem considerações acerca da perda do mandato eletivo, em decorrência de condenação criminal com trânsito em julgado. Conforme determina a Constituição Federal de 1988, sabe-se que a condenação criminal é causa de perda de mandato parlamentar.
De modo recente, a discussão a respeito da perda do mandato em decorrência de condenação criminal transitada em julgado sofrida por parlamentar se aflorou com os julgamentos das Ações Penais n° 396, 470 e 565. Observa-se, pelo teor destas ações, que o entendimento jurisprudencial acerca do tema modificou-se ao longo dos julgamentos dos processos, cuja divergência consiste em determinar se a perda do mandato parlamentar configura ou não efeito próprio da condenação criminal irrecorrível, isto é, efeito automático. O debate persiste pela aparente antinomia entre o disposto no inciso III do art. 15. da Carta Magna e a regra do § 2º do art. 55. também da CRFB/1988:
“Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:
(...)
III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos;
Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador:
(...)
VI - que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado.
§ 2º - Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 76, de 2013)”.
Por um lado, para os que defendem a perda automática do mandato parlamentar, a justificativa se baseia no inciso III do art. 15. da CRFB/1988, em que a condenação criminal transitada em julgado acarreta, por imediato, a suspensão dos direitos políticos do condenado, enquanto durarem os efeitos da condenação, e, como o pleno exercício dos direitos políticos é condição de elegibilidade, como prevê o inciso II, do §3º do art. 14. da CF/88, por consequência lógica, a sua suspensão implicaria em perda do mandato eletivo.
De lado avesso aos supracitados argumentos, para os que são contra o efeito imediato da perda do mandato em caso de condenação criminal irrecorrível, sustenta-se, essencialmente, que o constituinte foi claro ao exigir que deve haver decisão por maioria absoluta da respectiva Casa Legislativa a que pertencer o parlamentar condenado criminalmente, para que então seja ou não ordenada a perda do seu mandato, fazendo-se necessário a provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional e baseando este entendimento no §2° do art. 55. da Constituição Federal de 1988. Ou seja, entende esta corrente que a aludida deliberação da respectiva Casa Legislativa é de natureza política, não ensejando, deste modo, a possibilidade de o Poder Judiciário avaliar o mérito da questão.
Diante de duas normas constitucionais aparentemente colidentes (arts 15, III e 55, VI da CFRB/1988), para perceber o objetivo do legislador, Alexandre de Moraes (2014:275) leciona que é necessário “delimitar o âmbito normativo de cada uma, vislumbrando-se sua razão de existência, finalidade e extensão, para então interpretá-las no sentido de garantir-se a unidade da constituição e a máxima efetividade de suas previsões”. A razão de existência seria o “por que”, a finalidade configura o “para quê” e a extensão seria o “para quem”. Assim, o art. 55, inciso VI, existe para que se garanta ao Congresso Nacional a durabilidade dos mandatos de seus membros (parlamentares federais), com a finalidade de preservar a independência do Poder Legislativo, tratando-se, pois, segundo o supracitado autor (2014:276) “de uma norma constitucional especial e excepcional em relação à previsão genérica do art. 15, inciso III”.
Para que se compreenda a trajetória no que tange ao entendimento jurisprudencial acerca da perda de mandato eletivo por condenação criminal irrecorrível orquestrado pelo STF, é necessário que se faça uma análise das ações penais n° 470, 565 e 396.
Em um primeiro momento, o Supremo Tribunal Federal, diante da Ação Penal n. 470, em 17 de dezembro de 2012, por maioria de votos, entendeu que a perda do mandato seria efeito próprio da condenação, isto é, entendendo pela possibilidade de perda imediata do mandato de parlamentares federais condenados criminalmente por sentença irrecorrível, em virtude da impossibilidade de manterem seus mandatos face a suspensão dos direitos políticos derivados da sentença condenatória transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos, aplicando-se a regra do art. 15, inciso III da CRFB/1988 e afastando a incidência do art. 55, § 2°.
Consoante o julgamento da Ação Penal n. 470:
“(…) é ao Supremo Tribunal Federal que compete a aplicação das penas cominadas em lei, em caso de condenação. A perda do mandato eletivo é uma pena acessória da pena principal (privativa de liberdade ou restritiva de direitos), e deve ser decretada pelo órgão que exerce a função jurisdicional, como um dos efeitos da condenação, quando presentes os requisitos legais para tanto (…)”
(AP 470, Rei. Min. Joaquim Barbosa, j. 17.12.2012, Plenário, DJE de 22.04.2013).
O Ministro Gilmar Mendes, diante do seu voto na Ação Penal em análise, entendeu que há antinomia em relação ao artigo 15, III, e incongruência na sistemática de perda de mandato em razão de causas diferentes, as quais (antinomia e incongruência) são geradas pela transposição do inciso VI do parágrafo 3º para o parágrafo 2º do artigo 55 da Constituição Federal (AP n. 470, 2012, p. 07).
Há o reconhecimento, por parte do próprio Ministro Gilmar Mendes, de que o inciso III do art. 15. retrata regra geral, quando, em seu voto, afirma que este comando “(…) é a regra geral, que prescreve a suspensão dos direitos políticos como efeito automático da condenação criminal transitada em julgado” (AP n. 470, 2012, p. 07), logo em seguida, defendendo que há antinomia entre o art. 15, inciso III, e o art. 55, inciso VI e § 2º, da Constituição, pois aquele mandamento prescreve a perda dos direitos políticos como efeito automático de toda condenação criminal irrecorrível, ao passo que este mandamento estabelece que a perda do mandato eletivo, na hipótese de condenação criminal transitada em julgado, fica condicionada à deliberação e decisão da respectiva Casa Legislativa a que pertencer o parlamentar.
O Ministro Gilmar Mendes asseverou em seu voto:
A antinomia fica ainda mais evidente, gerando uma completa incongruência na sistemática de perda do mandato parlamentar, quando se leva em consideração que o próprio art. 55, em seu inciso IV, estabelece a hipótese de perda do mandato decorrente da suspensão dos direitos políticos, a qual ocorre por incidência do inciso III do art. 15. (condenação criminal transitada em julgado) e deve ser apenas declarada pela Mesa das Casas Legislativas, conforme preceitua o § 3º do art. 55.
(BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Min. Gilmar Mendes, AP 470, p. 07, disponível em: <https://s.conjur.com.br/dl/voto-gilmar-perda-mandato.pdf > Acesso em 24/10/2014).
Diante do exposto, e para que o raciocínio com base no que foi destacado no voto do Ministro Gilmar Mendes se desenvolva, necessário citar as normas constitucionais geradoras dessas supostas antinomias e incongruências, sendo elas:
“Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:
(…)
III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos;
Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador:
(…)
IV - que perder ou tiver suspensos os direitos políticos;
(…)
VI - que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado.
(…)
§ 2º Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 76, de 2013)”.
§ 3º - Nos casos previstos nos incisos III a V, a perda será declarada pela Mesa da Casa respectiva, de ofício ou mediante provocação de qualquer de seus membros, ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.
Observa-se, por simples interpretação do art. 15. da CRFB/1988 que apenas são elencados em seus incisos as hipóteses em que os direitos políticos poderão ser perdidos ou suspensos. Direitos esses que em nenhuma hipótese poderão ser cassados por expressa previsão constitucional. Assim, conclui-se que o art. 15. não dispõe sobre o modo de como a perda ou a suspensão dos direitos políticos deve ocorrer, tampouco a quem compete decretá-las. Dessa forma, trata-se apenas de uma norma protetiva direcionada a todos os cidadãos, e não exclusivamente aos parlamentares.
Não fica claro, padecendo de um cabível questionamento, se o art. 15, em seu inciso III estabelece o efeito imediato de perda ou suspensão dos direitos políticos no que tange ao parlamentar condenado criminalmente por sentença irrecorrível, ou, de outro modo, apenas constitui uma autorização para que o legislador ordinário regule a matéria por lei infraconstitucional. A supracitada dúvida fica ainda mais latente quando, ao observar exclusivamente o art. 15, III, da Carta Magna, questiona-se se toda e qualquer condenação criminal transitada em julgado deve produzir o efeito de perda ou suspensão desses direitos.
Percebe-se que o art. 15. da Constituição Federal de 1988 não menciona nenhuma hipótese de quando a condenação criminal irrecorrível deverá ocasionar a perda ou suspensão dos direitos políticos. Assim sendo, a matéria necessitará ser disciplinada, obviamente, por lei infraconstitucional, incumbindo ao legislador delimitar o alcance jurídico do inciso III do artigo em questão. Portanto, o art. 15. se traduz em uma autorização para o legislador elaborar lei infraconstitucional com o escopo de disciplinar a matéria, desde que seu teor não contrarie os princípios e as normas constitucionais.
Por outro lado, tem-se o art. 55. da Constituição Federal, que trata das hipóteses em que poderá haver a perda do mandato parlamentar e a quem cabe decretar esta perda, configurando, de tal modo, norma específica quanto ao sujeito passivo, uma vez que só poderá perder o mandato eletivo quem nele estiver investido.
Todavia, no que tange à perda do mandato por condenação criminal transitada em julgado, há regra específica no inciso VI do art. 55, o que afasta a possibilidade de se aplicar a regra geral prevista no art. 15, III. Neste sentido o Min. Ricardo Lewandowski:
“Com relação aos senadores e deputados, contudo, a Constituição contempla uma exceção à regra geral, no art. 55, § 2º, no tocante à perda imediata do mandato na hipótese de condenação criminal transitada em julgado. Nessa situação diferenciada, a perda do mandato não será automática (…)”.
(BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Min. Ricardo Lewandowski, AP 470, p. 4, 2013).
Impõe-se, aqui, o princípio da especialidade, prevalecendo a regra específica, consubstanciada no inciso VI do art. 55. da CRFB/1988, sobre a regra geral, prevista no inciso III do art. 15. da mesma Constituição. Isto é, a norma especial excepciona a regra geral e faz desaparecer a suposta antinomia porque o conflito porventura existente entre a regra geral e a especial resolve-se em favor desta, que deve ser aplicada afastando a aplicação daquela. Observa-se, pois, que a Lei Maior é clara ao outorgar, nesse caso, à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal, a competência de decidir e não meramente declarar a perda de mandato de parlamentares das respectivas Casas.
Assevera este entendimento Auro Augusto Caliman (2005:153):
“Da análise das normas, conclui-se como especial a hipótese prevista no inciso VI do artigo 55, daí sua superior imperatividade em relação à norma geral de perda dos direitos políticos prevista no inciso IV deste mesmo artigo, combinado com o artigo 15, inciso III. Consequentemente, a decisão da perda do mandato parlamentar será constitutiva quando ocorrer condenação por infração criminal; e declaratória para as demais hipóteses de perda de direitos políticos.
A perda do mandato, não só dos parlamentares federais, como também dos estaduais e distritais, em decorrência de condenação por infração criminal, não será automática, mediante ato declaratório da Mesa da respectiva Casa Legislativa. Poderá ocorrer, sim, mas somente após soberana decisão do plenário, na votação do projeto de resolução que preveja a perda em razão de condenação criminal. Trata-se de decisão política, não vinculada a nada. Se, em escrutínio secreto, maioria absoluta dos parlamentares da Casa Legislativa decidir aprovar o projeto de resolução que concluiu pela perda de mandato, o mandato estará cassado. Posto a votos e não atingido o quórumde maioria absoluta para aprovação do projeto, o parlamentar continuará investido no mandato e a propositura será considerada rejeitada, pois ‘a simples maioria importa absolvição” (grifo nosso).
De tal modo, percebe-se que a condenação criminal, por si só, não implica perda automática do mandato parlamentar, pois se a perda do mandato fosse sempre efeito automático da condenação criminal transitada em julgado, as Casas Legislativas não teriam nada por deliberar, e este preceito se tornaria inócuo.
Diante do exposto, deve-se entender que não incumbe ao Pleno do STF decidir sobre a perda de mandato parlamentar, por tal prerrogativa se direcionar à Casa Legislativa a que o parlamentar pertença, por previsão constitucional e em homenagem ao princípio da Separação dos Poderes, consubstanciado no art. 2° da Carta Magna.
Neste sentido Ricardo Lewandowski:
“Quando o mandato resulta do livre exercício da soberania popular, ou seja, quando o parlamentar é legitimamente eleito, excluída a existência de fraude, e inocorrendo impugnação à sua eleição, falece ao Judiciário, competência para decretar a perda automática de seu mandato”.
(BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Min. Ricardo Lewandowski, AP 470, p. 8059, 2013).
Todavia, ao julgar o caso do senador Ivo Cassol (Ação Penal n. 565), com sua composição plena, alterou-se o quadro e a maioria dos ministros (seis votos a cinco) entendeu que deveria ser aplicada a regra do art. 55, § 2º, da Constituição, entregando-se ao Congresso a palavra final sobre a perda do mandato do parlamentar condenado.
Diante deste novo cenário, qual seja, de que a perda do mandato eletivo de parlamentar condenado por sentença criminal transitada em julgado não é automática, no julgamento da Ação Penal n° 396 pelo Supremo Tribunal Federal, o Deputado Federal Natan Donadon foi condenado à pena de treze anos, quatro meses e dez dias de reclusão, em regime inicialmente fechado, além de sessenta e seis dias-multa pelo cometimento dos crimes de formação de quadrilha (art. 288. do Código Penal) e peculato (art. 312. do Código Penal), ao tempo em que exercia o cargo de diretor financeiro da Assembleia Legislativa do Estado de Rondônia. Diante da sua diplomação como Deputado Federal, passou a gozar de prerrogativa de foro, sendo, desta forma, o processo encaminhado ao Supremo Tribunal Federal.
Ao dia 26 de junho de 2013, houve o trânsito em julgado da condenação criminal do Deputado Natan Donadon. Conseguintemente, como estabelece o §2° do art. 55. da CRFB/1988, foi instaurado na Câmara dos Deputados um processo para que se decidisse sobre a eventual perda do mandato de Deputado Federal, protocolado como Representação n° 20 de 2013. Conforme o Regimento Interno da Câmara dos Deputados, todas as representações que tratem sobre perda de mandato eletivo em caso de condenação criminal transitada em julgado deverão ser encaminhadas à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, para que emita parecer concluindo pela procedência ou pelo arquivamento da representação (Art. 240, § 3º, III, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados).
Dito isto, observa-se que, diante do julgamento da AP n. 396, o posicionamento do Supremo Tribunal Federal acerca da necessidade de deliberação da respectiva Casa Legislativa para que se decida sobre a perda do mandato nos casos de condenação criminal transitada em julgado passou a ser de que não existe antinomia entre o art. 55, VI, e § 2º, e o artigo 15, III, que determina a perda dos direitos políticos em caso de condenação criminal transitada em julgado. Assim, o art. 15, III, do CRFB/1988 estabeleceria um efeito geral da coisa julgada criminal, enquanto o art. 55, VI e seu § 2° fixariam uma norma especial aplicável somente aos Deputados Federais e Senadores.
Dessa forma, em votação realizada na Câmara dos Deputados em 28 de agosto de 2013, a decisão sobre a perda do mandato do Deputado Federal Natan Donadon foi deliberada pelo Plenário da supracitada Casa, em votação secreta6e por maioria absoluta. Porém, não foram obtidos votos suficientes para a decretação da perda do mandato deste parlamentar condenado pela mais alta corte de justiça do Brasil. Nem mesmo o fato de que o Deputado estaria impedido de exercer o mandato eletivo porquanto estava a cumprir pena em regime inicialmente fechado foi suficiente para convencer a maioria dos seus pares a decretarem a perda do mandato de Deputado.
É certo que este cenário provocou um dano à imagem do Poder Legislativo, protagonizado pela Câmara dos Deputados, bem como ao Poder Judiciário, pois o resultado da votação ocasionou um sentimento nacional de ineficiência da Justiça, mesmo que a decisão sobre a perda do mandato eletivo não dependesse deste Poder. Diante do cenário de um parlamentar em pleno exercício de seu mandato, porém, cumprindo pena em regime fechado, houve o afloramento das discussões acerca do tema, provocando uma mobilização do Parlamento em busca de uma resposta à sociedade.
À vista disso, o Congresso Nacional aprovou e promulgou a Emenda Constitucional n. 76/2013, conhecida popularmente como “PEC do voto aberto”. Sobre o teor da supracitada emenda, Alexandre de Moraes (2014:481) observa sabiamente:
“Diferentemente do eleitor, que necessita do sigilo de seu voto como garantia de liberdade na escolha de seus representantes, sem possibilidade de pressões anteriores ou posteriores ao pleito eleitoral, os deputados e senadores são mandatários do povo e devem observar total transparência em sua atuação, para que a publicidade de seus votos possa ser analisada, refletida e ponderada pela sociedade nas futuras eleições, no exercício pleno da cidadania”.
Assim sendo, exige-se do Poder Legislativo, diferentemente do que se exige de um eleitor, respeito à transparência em sua atuação fiscalizatória, bem como em seus julgamentos, prescindindo que se adote o voto aberto. Entende Moraes (2014:481) que “não há liberdade sem responsabilidade”, isto é, ao passo que a Constituição Federal imuniza, cível e criminalmente, o parlamentar, por suas opiniões, palavras ou seus votos, conforme o art. 53, caput, da Constituição Federal,este mesmo parlamentar tem o absoluto dever de prestar contas de seus atos aos seus representados.
Ao dia 12 de fevereiro de 2014, em nova votação e diante da obrigatoriedade do voto aberto, a Câmara dos Deputados decidiu pela perda do mandato do Deputado Federal Natan Donadon, assumindo, de forma definitiva, o seu suplente.