Os portadores de doenças graves, dependentes de tratamentos caros e sofisticados vivem uma situação no mínimo paradoxal: O mesmo Estado que afirma que a saúde é direito dos cidadãos e dever primordial é o que sistematicamente se recusa a fornecer medicamentos e tratamentos, quando solicitados.
Pacientes com insuficiência renal crônica, hepatite viral B e C, osteoporose, mal de Alzheimer, mal de Parkinson, transplantados, diabéticos, entre outros, sabem o calvário que enfrentam para conseguir que o Estado forneça os medicamentos de que dependem, tendo de lutar bravamente para derrubar as barreiras que o SUS levanta por meio de listagens, protocolos e exigências, que apesar de compreensíveis pelo ponto de vista da necessidade de normatização, ferem a garantia constitucional de acesso à saúde.
Com efeito, o artigo 196 da Constituição Federal estabeleceu que a saúde é como um direito social, público e subjetivo:
“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução dos riscos de doença e de outros agravos e o acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
Do ponto de vista jurídico, a tutela do direito à saúde apresenta duas faces – uma de preservação e outra de proteção. Enquanto a preservação da saúde se relaciona às políticas de redução de risco de uma determinada doença, numa órbita genérica, a proteção à saúde se caracteriza como um direito individual, de tratamento e recuperação de uma determinada pessoa[1].
E é claro que a eficácia de qualquer tratamento depende, em grande medida, de medicamentos que são os “responsáveis pelo restabelecimento das funções de um organismo eventualmente debilitado”[2]
Assim, é no mínimo contraditória a rotineira recusa de fornecimento de medicamentos pelo SUS, em face da obrigação do Poder Público de promover a proteção da saúde dos cidadãos, não sendo admissível que o Estado permaneça indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional, que tem levado cada vez mais as pessoas a buscarem na via judicial o que não tem encontrado administrativamente:
“A notória precariedade do sistema público de saúde brasileiro, bem como o insuficiente fornecimento gratuito de medicamentos, muitos dos quais demasiadamente caros até paras as classes de maior poder aquisitivo, têm feito a população civil socorrer-se, com êxito, das tutelas de saúde para a efetivação do seu tratamento médico, através de provimentos judiciais liminares, fenômeno esse que veio a ser denominado de “judicialização” da Saúde[3]”.
O crescente número de ações judiciais vem tendo êxito, porque é inconcebível a recusa no fornecimento gratuito de remédios e/ou tratamentos a paciente em estado grave, sem condições financeiras de custear as respectivas despesas.
A recusa do Estado de fornecer remédios e tratamentos sob alegação de que não estão normatizados, não constam das listagens e protocolos existentes é desumana. Mais do que isso, é cruel, é criminosa.
A hepatite viral do tipo C, por exemplo, doença gravíssima que atinge quase 2% da população mundial, é tratável e pode ser curada, se o paciente tiver acesso aos medicamentos mais modernos e eficazes que existem no mercado. Relatos médicos dão notícia de que cerca de 90% dos pacientes submetidos aos tratamentos e remédios adequados se livram da carga viral.
São medicamentos caros? Sim, são caríssimos! São inacessíveis a maior parte dos pacientes, mas não é por essa razão que devem ser negados aos que deles necessitam.
Ainda mais porque não há alternativa. Ou se faz o tratamento, ou se tomam os remédios prescritos, ou não se tratam as doenças, entregando-se passivamente à morte.
Recentemente, o ministro Gilmar Mendes do STF teve oportunidade de se manifestar sobre esta questão, registrando num julgamento que o alto custo dos medicamentos, necessitados pelo paciente que buscou a Justiça, “não seria motivo para a recusa no fornecimento “ainda mais por se tratarem dos “únicos medicamentos eficientes para as moléstias apresentadas” registrando também que os protocolos clínicos do SUS não seriam inquestionáveis, admitindo a contestação pela via judicial.”l[4]
Evidentemente, a questão financeira é relevante, mas cabe ao Estado se organizar e buscar uma forma de custeio, que viabilize o tratamento.
Não podemos aceitar a omissão estatal. O direito ao recebimento gratuito dos remédios é legalmente assegurada e temos de lutar por ela, mesmo que isso signifique buscar o Poder Judiciário.
Referencias:
[1] CASTRO, Henrique Hoffmann Monteiro de. Do direito público subjetivo à saúde: conceituação, previsão legal e aplicação na demanda de medicamentos em face do Estado-membro. Disponível em *jus2. Uol. Com. Br/doutrina/texto. Asp? Id=6783
[2] idem
[3] ORDACGY, André da Silva. A tutela de direito de saúde como um direito fundamental do cidadão. Disponível em http://www.dpu.gov.br/pdf/artigos/artigo_saude_andre.pdf
[4] CARVALHO, Luiza de. STF começa a decidir regras para custeio de medicamentos. Artigo publicado no jornal Valor Econômico, Caderno Legislação & Tributos. Visualizado no site da Associação dos Advogados de São Paulo. Disponível em http://www.aasp.org.br/aasp/imprensa/clipping/cli_noticia.asp?idnot=7321