O novo CPC visto por um advogado: parte 2

21/04/2015 às 12:13
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O novo Processo Civil será uma ferramenta para revelar o Direito ou para enterrá-lo?

Aqui mesmo no Jus fiz minhas primeiras observações sobre o CPC. Voltarei agora ao tema.

O art. 4o. garante às partes a solução das demandas num prazo razoável. O novo CPC obriga o Juiz a velar pelo cumprimento deste desígnio (art. 139 II). Ambas as regras derivam do art. 5o. LXXVIII, da CF/88, o qual foi inspirado por uma disposição análoga existente na Convenção Americana de Direitos Humanos.

O novo CPC será capaz de apressar a solução dos processos? Duvido muito, pois o problema do Brasil é outro. Além do Judiciário ser menor do que deveria, os próprios Juízes colaboram para o morosidade processual. Gilmar Mendes, por exemplo, pediu vistas do processo referente ao financiamento público de campanha há mais de um ano para impedir a conclusão do julgamento do caso. Como Ministro do STF ele não pode ser punido. Se este tipo de coisa ocorresse num TJ o Desembargador poderia ser punido, mas a punição provavelmente não seria imposta. De fato, o acumulo de trabalho é um fato e favorece este tipo de fraude processual praticada por membros do Judiciário.

O inciso II do art. 77 proíbe a parte de formular pretensão  ou apresentar defesa quando  ciente de que a mesma é destituída de fundamento. A parte é responsável por agir de maneira temerária e provocar incidente manifestamente indevido (art. 80, V e VI). O art. 507 impede a parte de discutir no curso do processo questão já decidida. Apesar disto, a tutela provisória pode ser revogada  ou modificada a qualquer tempo (art. 296), idem para a tutela antecipada (que pode ser revogada quando da interposição de Agravo, por força do art. 1015, I c.c. 1018 §1o.). O Juiz pode, ainda, fixar multa por atraso ou reduzir a multa prescrita em contrato (art. 814 e seu parágrafo único), bem como admitir nova avaliação quando tiver fundada dúvida sobre o valor atribuído ao bem (art. 873, II). No caso da multa fixada ou reduzida pelo Juiz a decisão parece ser sujeita a Agravo na forma do art. 1015, II.

Nos casos acima, várias questões podem ser discutidas e rediscutidas nos autos mediante requerimento das partes. Pode a parte ser punida somente por ter feito um requerimento nos autos? Suponha, por exemplo, que o Juiz tenha reduzido a multa contratual e voltado atrás a requerimento do exequente. Prejudicado com a redução da multa, o devedor poderia ser punido por, ao invés de recorrer ou alegar a matéria em Embargos (art. 917 VI), solicitar ao Juiz a revalidação da decisão anterior apresentando novos argumentos racionais contra a pena contratual? A resposta é sim e não. Sim, porque o Juiz poderia interpretar o incidente como manifestamente indevido e referente a questão já decidida nos autos. Não porque é da natureza do novo Processo Civil garantir à parte a solução de seu processo num tempo razoável (art. 4o. c.c. art. 139 II), o que em tese lhe garante tentar evitar o dano requerendo providências com novos fundamentos ao Juiz sem interpor o recurso cabível.

O art. 101 garante a parte o direito de Agravar a decisão que concede ou revoga a concessão da gratuidade judiciária. O art. 1015 V tem conteúdo identico. Esta redundancia evidente, provavelmente causada por distração na elaboração do projeto do novo CPC, deveria ter sido removida quando da discussão do mesmo no Congresso Nacional. Não foi o que ocorreu.

O art. 139 garante ao Juiz o direito de dilatar prazos processuais e alterar a ordem da produção da prova. Esta inovação é perigosa, quer porque pode ser mal utilizada durante a condução do processo, quer porque tende a reforçar as diferenças entre as partes. Aquelas que tiverem maior poder econômico e forem representadas por advogados com maior prestígio sempre poderão contar com a simpatia dos Juízes quando do exercício deste poder, o mesmo não ocorrendo com as demais.

A moralização do processo levou os autores do projeto a criar normas para permitir a punição do Juiz (art. 143), do membro do MP (art. 181), do advogado público (art. 184) e do defensor público (art. 187). O terceiro que descumpre ordem para apresentar documento em seu poder pode ser multado (art. 403, parágrafo único). O Perito pode ser punido caso preste ao Juiz informações inverídicas por dolo ou culpa (art. 158), mas não foi prescrita punição para o Perito cujo comportamento atente contra o § 2o. do art. 473 ou que não cumpra os prazos dos arts. 476 e 477. É óbvio que o Juiz pode em tese impor punição ao mesmo com base no art. 139 III, cabendo à parte prejudicada o direito de requerer a providência nos próprios autos.

Duas coisas não me agradaram muito neste novo CPC. A primeira foi a possibilidade de mudança do procedimento pelas partes (art. 190). A segunda o julgamento parcial do mérito (art. 356) e a possibilidade de cumprimento desta decisão caso ela transite em julgado.

A execução da sentença parcial criará um verdadeiro tumulto processual. Os atos executórios serão praticados no curso do processo e, inclusive, durante a instrução do mesmo. O desejo de apressar a solução da demanda pode levar o Juiz a proferir sentença parcial de mérito em relação a pedidos que dependem de instrução, caso em que a parte será obrigada  a recorrer (art. 356, § 5o. e 1015 II). Também neste caso há uma redundancia evidente no texto do novo CPC.

Nem todos os advogados são especialistas em Processo Civil. Portanto, as negociações referentes ao procedimento serão desiguais e poderão criar verdadeiras armadilhas processuais para uma das partes. Além disto, se estas regras forem negociadas em audiência o Juiz poderá acabar interferindo na escolha do procedimento e propiciando condições mais benéficas para a parte que tenha melhores condições econômicas e esteja representada por um advogado com mais prestígio. Ao apoiar a proposta de alteração do procedimento feita por uma das partes usando seu poder simbólico e o temor reverencial inspirado na outra parte, o Juiz poderá legitimar o desequilíbrio do processo sem que isto seja considerado uma infração à garantia constitucional de igualdade perante a Lei e no processo (art. 5o. caput, CF/88 e art. 7o. do novo CPC).

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Semelhante fenomeno ocorrerá no caso da Perícia. O art. 472 permite ao Juiz dispensar a produção desta prova caso as partes juntem, com a inicial e a defesa, pareceres técnicos sobre as questões de fato debatidas nos autos. É evidente que aquele que estiver em melhores condições financeiras apresentará um parecer técnico mais sugestivo e efetuado por um Perito renomado que goza de prestígio. O poder econômico acabará prevalecendo independentemente da qualidade da prova técnica. E neste caso a parte terá que demonstrar ao Tribunal que o Juiz utilizou mal o poder lhe conferido pelo novo CPC, caso contrário a decisão de mérito poderá ser mantida.

Saneado o processo, as partes pode pedir esclarecimentos e requerer ajustes (art. 357 §1o). O despacho saneador e aquele que resolver o pedido de esclarecimentos e ajustes não é passível de Agravo, exceto nos casos do art. 1015 VI, VII, VIII, IX e XI. Os desequilíbrios processuais e probatórios acarretados pelo despacho saneador não impedirão a instrução e o julgamento do processo, cabendo ao prejudicado alegar a nulidade na Apelação (art. 1009 §1o).

As pessoas morrem e os mortos não podem prestar depoimento. Suponha agora que antes da prolação da sentença de mérito Juiz não tenha permitido à parte ouvir uma testemunha vital para a solução do caso que está gravemente enferma. O prejudicado pode em tese requerer ao Tribunal competente para apreciar a Apelação tutela antecipada para a produção desta prova (art. 299, parágrafo único). Realizada a prova a mando do Tribunal, a mesma não poderá interferir no julgamento do mérito do recurso, pois haveria supressão de instância. Ao julgar a Apelação após a coleta do depoimento o Tribunal teria que anular o processo e devolver os autos ao Juiz de origem para prolatar nova sentença. Não seria mais simples permitir à parte interpor Agravo contra o indeferimento da oitiva de sua testemunha doente suspendendo a instrução do processo?

Paro por aqui. Voltarei ao novo CPC numa outro oportunidade.

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Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

Advogado em Osasco (SP)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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