O novo CPC visto por um advogado: parte 3

21/04/2015 às 17:54
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Ao solucionar os conflitos entre as partes, o Estado deveria suprimir os desequilíbrios econômicos entre estas e entre seus advogados. O novo CPC, porém, faz exatamente o oposto.

Há 25 anos, quando comecei a advogar os desequilíbrios entre os profissionais eram imensos. Os advogados mais bem sucedidos e aqueles que trabalhavam para grandes corporações (Bancos e montadoras, por exemplo) tinham bibliotecas razoáveis à sua disposição. Os mais modestos só podiam dispor de algumas dezenas de livros e, quando necessário, tinham que ir pessoalmente fazer suas pesquisas de doutrina e jurisprudencia nas bibliotecas dos Tribunais e das Faculdades de Direito.  O advento da internet deixou os advogados em condições semelhantes. A rede mundial de computadores é um imenso repositório de doutrina e julgados, todos os Tribunais brasileiros permitem que seus bancos de dados sejam consultados na internet.

O novo CPC vai desequilibrar as relações entre os profissionais novamente.  Os atos processuais podem ser praticados por videconferencia (art. 236 §3o.). As testemunhas podem ser ouvidas por videoconferencia (art. 453, §1o.), idem para a acareação determinada pelo Juiz com ou sem requerimento da parte (art. 461 §2o.). O depoimento do Perito também pode ser tomado desta forma (art. 464 §4o.). A sustentação oral também pode ser feita por videoconferencia ( art.937 §4o.). É evidente que nestes casos os advogados mais bem sucedidos e aqueles que trabalham para grandes corporações (Bancos, montadoras, etc…) levarão vantagem sobre seus colegas mais modestos. É fato, nem todos os advogados tem acesso a bons computadores, provedores de internet confiáveis e, principalmente, a assessoria de especialistas em Tecnologia da Informação para deixar seus equipamentos em condições de realizar videoconferências. O desequilíbrio econômico e tecnológico entre os advogados poderá se refletir no resultado dos julgamentos.

O art. 198 do novo CPC obriga o Estado a manter gratuitamente equipamentos necessários à prática de atos processuais eletronicos. Portanto, em tese o advogado que não tiver condições econômicas para comprar equipamentos e contratar um especialista em TI a fim de adaptar os mesmos aos requisitos técnicos necessários às videoconferências poderá realizar a mesma no próprio Fórum. Mas e se o Estado, como quase sempre ocorre, não cumprir esta sua obrigação? É justo fazer apenas o advogado de uma das partes ir ao Fórum para participar de uma videconferencia enquanto o defensor da outra parte pode ficar confortavelmente no seu escritório?

As fotografias digitais e as extraídas da rede mundial de computadores são meio de prova (art. 422 §1). As que reproduzirem páginas da internet também poderão ser admitidas como provas como, aliás, já tem ocorrido nos casos de indenização por dano moral decorrente de ofensa publicada nas redes sociais como Facebook, blogs e Twitter. O Juiz pode determinar que o original do título de crédito ou do documento relevante à instrução do processo seja depositado no cartório ou secretaria da Vara (art. 425 §2o.). Tão cedo a papelada não vai acabar, tanto que o novo CPC também regula a impressão de documentos eletronicos quando os mesmos devem ser juntados em autos convencionais (art. 439).

É curiosa esta norma, pois ela aponta para um caminho processual diverso daquele que domina o novo Processo Civil. Já vimos no primeiro texto que publiquei aqui mesmo no Jus que o novo CPC contém dezenas de normas que fazem referência ao processo digital. O art. 439, contudo, parece indicar que os autos como os conhecemos (volumes de atos produzidos em papel) poderão continuar a ser uma realidade em várias comarcas.

O novo sistema de inquirição de testemunhas é um tanto confuso. Cabe as partes inquirir diretamente as testemunhas, podendo o Juiz indeferir perguntas que julgar não pertinentes ou que induzirem as respostas desejadas (art. 459, caput). Entretanto, o Juiz pode inquirir a mesma antes e depois dela ser inquirida pelas partes (art. 459, §1o.). É comum a testemunha ficar nervosa ao ser ouvida em Juízo. O nervosismo afeta a capacidade do depoente lembrar fatos importantes, possibilita que os fatos sejam substituídos por fabulações e, pior, leva a pessoa a preencher as lacunas do seu depoimentos com informações adicionais nem sempre confiáveis ou verídicas. Não é incomum ver uma testemunha vital que foi ao Fórum de boa fé prestar um depoimento relevante sair da audiência tendo dito o oposto do que desejava ou após ter dado um depoimento incoerente com pouco ou nenhum valor probante.

Se as testemunhas forem inquiridas pelo Juiz, pelas partes e novamente pelo Juiz, o resultado pode ser decepcionante. Além disto, o novo sistema tende a aumentar as tensões durante as audiências. Suponha, por exemplo, que o Juiz ouça a testemunha do autor antes e depois das perguntas das partes e não faça exatamente a mesma coisa ao colher o depoimento da testemunha do réu. O novo CPC permite a ele esta liberdade na condução da audiência. Todavia, neste caso o advogado do autor certamente se sentirá prejudicado ao ver que a testemunha do seu oponente não foi espremida com a mesmo vigor empregado durante o depoimento da sua testemunha. O foco da audiência deixará de ser a coleta de provas e passará a ser o conflito entre o Juiz e o advogado que ele prejudicou deliberadamente ou não.

O novo CPC permite ao advogado alegar a suspeição do Juiz que for seu inimigo (art. 145 I). Se quiser amplificar a tensão na audiência em que foi prejudicado durante a oitiva de testemunhas (hipótese mencionada no parágrafo anterior), o advogado poderá imediatamente requerer que o Juiz registre na ata o Incidente de Suspeição e o decida antes de continuar a colher os depoimentos. A inovação no sistema de coleta dos depoimentos pode parecer boa, mas pode acabar se tornando uma fonte de problemas ainda maiores do que aqueles que ocorrem no contexto do CPC que ainda está em vigor.

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Me agradou bastante a inovação que consta do art. 489 do novo CPC. Um dos problemas mais graves da atividade judicial brasileira era a mania de alguns Juízes e Desembargadores de proferir decisões omissas sobre questões jurídicas relevantes e de empastelar processos rejeitando como manifestamente incabíveis os Embargos de Declaração interpostos pelos prejudicados. As artimanhas retóricas empregadas na primeira e, principalmente, na segunda instância tinham uma finalidade vil: dificultar o exercício do direito à Apelação ou impedir a parte de levar sua questão jurídica relevante ao conhecimento do STJ e do STF. As decisões devem ser fundamentadas e se presumem nulas aquelas que não tiverem enfrentado os argumentos capazes de  infirmar a conclusão adotada pelo julgador.

A solução adotada pelo novo CPC é elegante e obrigará Juízes e Desembargadores desleixados e malvados a proferirem decisões fundamentadas e válidas enfrentando todas as questões jurídicas que lhes forem submetidas. Também me agradou bastante o fato do novo CPC ter retirado dos TJs o poder/dever de avaliar a admissibilidade do Recurso Extraordinário e do Recurso Especial (art. 1030 parágrafo único). Na prática, os TJs haviam desvirtuado o exercício deste poder/dever para dificultar o acesso àqueles recursos obrigando os prejudicados a interpor recursos atolando o STF e o STJ em Agravos desnecessários. 

Há várias situações em que o Juiz pode proferir decisões que acarretarão prejuízos às partes sem que estas possam interpor recurso. Os prejudicados poderão suscitar estas questões na Apelação (art. 1009 §1o.), mas só depois de ter sofrido o constrangimento ilegal e do mesmo ter produzido efeitos danosos no curso da instrução. Até mesmo a o resultado da sentença pode ser condicionado por estas decisões. Em razão disto, é previsível o ressurgimento do Mandado de Segurança como um substituto dos Agravos que não foram prescritos no art. 1015 do novo CPC..

A liquidação de sentença foi simplificada. O novo CPC, contudo, contém uma redundancia neste capítulo. O art. 509 §4o., impede que a lide seja rediscutida ou que a sentença seja modificada durante sua liquidação. O texto deste dispositivo é semelhante ao do art. 507. Além disto, é evidente que a garantia outorgada à coisa julgada (arts. 502, 503, 505 e 508) não poderia sofrer limitações durante a liquidação de sentença.

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Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

Advogado em Osasco (SP)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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