Ações afirmativas: Lei nº 12.990 de 09 de junho de 2014 e suas implicações jurídicas

23/04/2015 às 08:54

Resumo:

Resumo sobre Ações Afirmativas


  • Ações afirmativas visam a integração de grupos historicamente excluídos, promovendo políticas públicas para equilibrar desigualdades sociais e econômicas.

  • No Brasil, a legislação recente inclui a reserva de vagas em concursos públicos para negros, refletindo um esforço para corrigir desigualdades históricas e promover a inclusão social.

  • Discussões sobre a eficácia e a necessidade dessas políticas são intensas, ponderando-se os impactos na igualdade perante a lei e na meritocracia nos ambientes profissional e acadêmico.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A popular lei de cotas para concursos públicos tem ganhado grande destaque no meio jurídico, político e social. Com esse trabalho se buscará analisar a denominada lei em suas implicações jurídicas, para formar um discurso analítico de sua aplicabilidade.

Introdução

O tema das ações afirmativas vem recebendo grande importância no mundo e no Brasil. Neste país ainda é parco o que se tem tratado sobre esse tema, fato este que remete os embasamentos às pesquisas realizadas em outros países.

Ao se falar sobre as ações afirmativas ou discriminações positivas invariavelmente se remete ao postulado pelo princípio da igualdade, a analisar até que ponto seria necessário tais discriminações.

As ações afirmativas, dessa forma, podem ser definidas como políticas públicas que visam a integração de grupos sociais historicamente excluídos ou que apresentem desigualdades fáticas parciais,

As ações afirmativas, nos dias correntes, é um termo de amplo alcance que designa um conjunto de estratégias, iniciativas ou políticas que visam favorecer grupos ou segmentos sociais que se encontram em piores condições de competição em qualquer sociedade em razão, na maior parte das vezes, da prática de discriminação negativas, sejam ela presentes ou passadas (MENEZES, 2001, p. 27).

Os acontecimentos históricos ao longo dos séculos favoreceram determinados grupos e desprivilegiaram outros, contribuindo, nos dias de hoje, para uma exclusão social, política e econômica dessas minorias. Fatos como esse, no entanto, devem ser combatidos.

O princípio da igualdade, consubstanciado no Art. 5º, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988, assevera que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Com essa igualdade ou também chamada de isonomia busca-se tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades, para que nenhuma diferença, seja ela econômica, cultural, social ou política influencie na prestação da tutela jurisdicional (LENZA, 2009).

O Poder Constituinte, então, para não deixar que desigualdades pudessem causar desconformidades sociais, procurou proteger certos grupos que mereceriam tratamento diverso, com argumentos voltados a realidade histórica de marginalização social, bem como a hipossuficiência decorrente de outros fatores que pudessem desigualar as oportunidades perante outros indivíduos.

No Brasil, uma dessas medidas compensatórias, alvo desse trabalho, foi sancionada recentemente pela presidente da República. Uma lei que reservará vagas em concursos públicos em âmbito federal para negros.

Dentre posições favoráveis e contrárias, se avaliará se essa é uma medida realmente necessária que fortalecerá a política de compensação ou poderá causar uma discriminação e ainda mais desigualar a sociedade brasileira.

Gênese e desenvolvimento das ações afirmativas no mundo

As ações afirmativas tiveram suas primeiras contribuições na Índia. Este país que apresenta uma vasta e complexa diversidade foi precursor de políticas de quotas à grupos desfavorecidos (SOWELL, 2004).

Sendo assim, conforme menciona Carvalho (2004, p. 184) “a primeira formulação, portanto, das ações afirmativas, não surgiu das Ciências Sociais e Políticas ocidentais, mas da intelectualidade indiana que militava pela descolonização”.

A constituição indiana, promulgada no dia 26 de novembro de 1949, trata em seu artigo 15 sobre a proibição em discriminar indivíduos em razão de sexo, religião, casta, raça, lugar de nascimento ou qualquer outro. Porém, reafirma que tais proibições não devem impedir “[...] the State from making any special provision, by law, for the advancement of any socially and educationally backward classes of citizens or for the Scheduled Castes or the Scheduled Tribes [...], até mesmo em instituições de ensino públicas e privadas.

As garantias proclamadas pela constituição indiana tem sido aplicadas, efetivando plenamente o que foi proposto na carta magna daquele país. Para tanto, tem-se garantido acesso, além das instituições de ensino, aos empregos públicos, propondo-se ainda a estender tais quotas a empresas privadas, diferenciando das políticas estadunidenses.

A la différence des Etats-Unis, où l’appartenance à un groupe est autodéclarée, le dispositif indien de reservations fonctionne sur la base de quotas pour des emplois dans la fonction publique, ou de places dans l’enseignement, accordés à des groupes appartenant à certaines castes administrativement désignées. Ces quotas ne sont pas décidés par des organismes particuliers indépendants : c’est le gouvernement – celui de l’Union ou ceux des différents Etats – qui les fixe et, dès lors, ils sont obligatoires. Il est question d’étendre le système à l’ensemble des entreprises privées.” (AGRAWAL, 2007).

Com o passar dos anos, outros países, influenciados pelas ações na Índia, iniciaram seu legado e desenvolvimento. Dentre eles há de se mencionar os Estados Unidos, na década de 60, que teve uma vasta quantidade de julgamentos e estudos a respeito das ações afirmativas, fortalecendo o entendimento sobre tal tema.

Apesar das grandes contribuições dos Estados Unidos, inicialmente as ações afirmativas não eram entendidas como meios de inclusão dos grupos anteriormente excluídos.

Originalmente, o conceito de ações afirmativas significava uma política institucionalizada de combate à discriminação e não medidas de inclusão propriamente ditas. É que, à época, acreditava-se que o simples fato de o governo deixar de apoiar a discriminação [...] já sinalizava vultosos ganhos para a comunidade negra (KAUFMANN, 2007, P. 171).

Com as pressões populares para a positivação das ações afirmativas, dois grandes marcos, a Civil Rights Act (lei dos direitos Civis) e a Voting Rights Act (lei dos direitos de votos), de 1964 e 1965, respectivamente, foram promulgadas, reconhecendo direitos de minorias, adotando políticas participativas e não-segregação racial. (SOWELL, 2004)

Ao longo dos anos, com as mudanças sociais e o aparecimento de grandes expoentes históricos, podendo citar, por exemplo, Martin Luther King, fortaleceram-se as forças sociais que buscavam ter seus direitos respeitados, garantindo seu acesso no mesmo nível que outros grupos dominantes.

Inicialmente, as ações afirmativas se definiam como um mero “encorajamento” por parte do Estado a que as pessoas com poder decisório nas áreas públicas e privada levassem em consideração, nas suas decisões relativas a temas sensíveis como o acesso à educação e ao mercado de trabalho, fatores até então tidos como irrelevantes pela maioria dos responsáveis políticos e empresariais, quais sejam, a raça, a cor, o sexo e a origem nacional das pessoas. Tal encorajamento tinha por meta, tanto quanto possível, ver concretizado o ideal de que tanto as escolas quanto as empresas refletissem em sua composição a representação de cada grupo na sociedade ou no respectivo mercado de trabalho (GOMES, 2001, p. 39).

Dessa forma, o conceito de ações afirmativas começou a tomar o escopo de ações sociais que dessem acesso às pessoas anteriormente excluídas aos mesmos lugares que os outros grupos sociais tinham.

Também houve grande contribuição para solidificar as ações afirmativas como política social as decisões da Corte norte-americana que fortaleceu a preservação dos Direitos Humanos face ao conteúdo dos direitos constitucionais daquele país, principalmente, após a Segunda Guerra Mundial, consolidando, portanto, as políticas aplicadas pelo Poder Executivo através de sua atuação judicial (ATCHABAHIAN, 2004).

Com a forte influência mundial exercida pelas discussões realizadas nos Estados Unidos, em âmbito internacional, foi adotada a Convenção Internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial, com abertura de assinaturas em 21 de dezembro de 1965, sendo ratificado pelo Brasil em 1968, e promulgado em 1969 (Decreto nº 65.810, de 08 de dezembro de 2009).

Face esse desenvolvimento, outros países, também influenciados por essas ações, instituíram em suas ações, mesmo nem sempre institucionalizas em textos legais, a inclusão de políticas de inclusão de grupos minoritários ou discriminados.

“Na Malásia foram adotadas medidas de promoção da etnia majoritária (os Buniputra) sufocada pelo poder econômico de chineses e indianos. Na antiga União Soviética adotou-se uma cota de 4% de vagas para habitantes da Sibéria na Universidade de Moscou. Em Israel, adotam-se medidas especiais para acolher os Falashas, judeus de origem etíope. Na Nigéria e na Alemanha há ações afirmativas para as mulheres; na Colômbia, para os(as) indígenas; no Canadá, para indígenas e mulheres, [...].” (SILVA, 2003, p. 20)

Um forte exemplo é o da África do Sul, que após o fim da Apartheid autorizou em sua constituição pós-Apartheid de 1996 a adoção de medidas que favorecessem a proteção e promoção de pessoas em desvantagem por conta das discriminações, conforme sua constituição prevê:

3. Equality – [...]

(3) The state may not unfairly discriminate directly or indirectly against anyone on one or more grounds, including race, gender, sex, pregnancy, marital status, ethnic or social origin, colour, sexual orientation, age, disability, religion, conscience, belief, culture, language and birth.

(4) No person may unfairly discriminate directly or indirectly against anyone on one or more grounds in terms of subsection (3). National legislation must be enacted to prevent or prohibit unfair discrimination.

(5) Discrimination on one or more of the grounds listed in subsection (3) is unfair unless it is established that the discrimination is fair.

No artigo 3º da Carta Constitucional da África do Sul percebe-se que é feita a diferenciação entre “discriminação injusta” e “discriminação”, sendo aquela combatida, devido sua agressividade à sociedade africana. A discriminação justa é tida como um modelo de ação afirmativa, pois pretende dar acesso aos que de algum modo sofreram com as discriminações injustas.

A recepção e desenvolvimento das ações afirmativas no Brasil

No Brasil, a força das ações afirmativas também é sentida com a promulgação da Constituição Federal de 1988. Neste documento há a instituição de várias previsões que garantem a diferenciação de grupos desfavorecidos, seja econômica, politica ou socialmente.

O artigo 1º, inciso III, da CF/1988 consubstancia a dignidade da pessoa humana, no qual todo ser humano deve ser tratado digna e respeitosamente por seus semelhantes, sem discriminação de raça, sexo e cor, origem, conforme o artigo 3º, IV prevê.

Além disso, o artigo 4º, VIII, que demonstra a preocupação da República brasileira, no âmbito nacional, em repudiar o terrorismo e o racismo em todas as suas formas.

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Outros dispositivos estão previstos no artigo 5º da CF/1988, em seu inciso LXXIV que instituiu que o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos, bem como, no inciso LXXVI, a gratuidade para o registro civil de nascimento e para as certidões de óbito.

No artigo 7º, inciso XX, que determina a proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos; o artigo 37, inciso VIII, que prevê a reserva de percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá critérios de sua admissão; o artigo 170, inciso IX, que institui tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte.

A questão das ações afirmativas no Brasil ganhou maior destaque quando da 3ª Conferência Mundial contra o racismo, a discriminação racial, a xenofobia e a intolerância correlata, realizada em Durban em 2001, incentivando alguns institutos de pesquisa brasileiros, dentre eles o IPEA e o IBGE, que revelaram dados que demonstram a grande disparidade socioeconômica entre o negro e o branco na nação brasileira. (CARVALHO, 2005)

Com o passar dos anos, as discussões tomaram volume e tem desencadeado novas políticas públicas, com intuito de garantir melhores acessos dos grupos minoritários.

Fato que fortaleceu a contribuição legislativa para as ações afirmativas no Brasil, como por exemplo, com a criação do ProUni, programa instituído pela Medida Provisória nº 213/2004, convertida na Lei 11.096/2005, que é uma ação positiva para possibilitar o acesso de grupos menos favorecidos e que não tem recursos para arcar com os estudos e que sejam advindos do ensino público, ou bolsistas do ensino privado.

Em relação ao mercado de trabalho, novas leis vêm buscando garantir quotas em concursos públicos para negros, pardos e índios, como é o caso do estado do Mato Grosso do Sul.

Foi instituído no estado de Mato Grosso do Sul, quotas para negros previstas da lei 3.594/2008. Para os índios surgiu com a lei 3.994/10. E ambas foram regulamentadas pelo decreto 13.141/2011. Outra recente promulgação legislativa é a lei estadual do Rio Grande do Sul nº 14.147, de 19 de dezembro de 2012, que assegura aos negros e os pardos o mesmo percentual apurado pelo IBGE, referente a sua representação na composição populacional do Estado do Rio Grande do Sul, o número de vagas oferecidos nos concursos públicos efetuados pela administração direta e indireta de quaisquer dos poderes do Estado, para provimentos de cargos efetivos.

A discussão permaneceu e no mês de novembro de 2013 foi encaminhado pelo Poder Executivo Federal à Câmara dos Deputados PL nº 6.738/2013, e, após aprovação também no Senado (PL 24/2014), foi sancionada pela presidente da República, propondo reservar aos negros vinte por cento das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União, projeto este que será discutido mais profundamente em capítulo posterior, recebendo a Lei número 12.990 de 09 de junho de 2014.

Gênese e conceito do princípio da igualdade

As discussões sobre a igualdade perpassam a história da humanidade. Desde a antiguidade, com os filósofos, já se discutiam sua implicações na vida dos indivíduos.

Para Rocha (1990), a evolução do princípio da igualdade é retratado em três fases principais. Em um primeiro momento, na Era antiga, não havia igualdade, era expressa a diferença e a desigualdade entre os grupos mais ricos e poderosos, diante da escravidão.

Mesmo Aristóteles, com sua célebre frase “a igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais”, não trouxe progresso na seara da isonomia entre os povos.

Já na idade média, a percepção de desigualdade ficou mais evidente com o sistema feudal, onde era claro a divisão de classe, entre os senhores feudais e os servos, potencializando as diferenças de classes.

Em um segundo momento, com o início do estado moderno houve um progresso sensível em relação à igualdade, denotando-se que todos eram iguais perante a lei. Com a ascensão da burguesia e o início do capitalismo, buscava-se retirar os privilégios da nobreza, oportunizando que a lei fosse aplicada sem distinção à mesma camada social. (ROCHA, 1990)

Na terceira fase, com o Iluminismo travando grandes discussões, através de expoentes como Rousseau e John Locke, popularizou-se a busca pela isonomia entre as pessoas.

Tamanha as discussões sobre esse tema, que Constituições, inclusive a francesa, já no final do século XVIII, positivaram o princípio da igualdade em seus textos, elevando tal princípio a um patamar de direitos fundamentais.

Na área jurídica, um dos destaques dessa contribuição é a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, que difunde em seu texto noções de igualdade que devem ser seguidas pelos estados signatários, dentre eles o Brasil.

Em âmbito nacional, o vocábulo igualdade esteve presente em todas as constituições brasileiras. Desde a carta de 1824, que, no entanto, só existia formalmente, pois ainda estava presente a escravidão.

Fatos históricos marcaram a evolução desse princípio no Brasil. Dentre eles a Consolidação das Leis do Trabalho, de 1943, que garante melhores condições e regras a seguir no contrato de trabalho. Há também o Decreto Nº 62.150, de 19 de janeiro de 1968, que promulgou a Convenção nº 111 da OIT sobre discriminação em matéria de emprego e profissão.

Por fim, a Constituição Cidadã de 1988 conjuga em seu preâmbulo a garantia da igualdade, como um valor supremo do estado brasileiro, além de trata-la como direito fundamental, como previsto no artigo 5º, caput, o qual consagra serem todos iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.

Nesse sentido, o próprio conceito desse princípio evoluiu. Pode-se citar Kelsen, quando diz:

“A igualdade dos sujeitos na ordenação jurídica, garantida pela Constituição, não significa que estes devam ser tratados de maneira idêntica nas normas e em particular nas leis expedidas com base na Constituição. A igualdade assim entendida não é concebível: seria absurdo impor a todos os indivíduos exatamente as mesmas obrigações ou lhes conferir exatamente os mesmos direitos sem fazer distinção alguma entre eles, como, por exemplo, entre crianças e adultos, indivíduos mentalmente sadios e alienados, homens e mulheres.” (KELSEN apud MELLO, 2005, p. 11).

Conforme exposto, Kelsen entendia que seria necessário, não somente existir uma igualdade na lei, sem que ela pudesse ser aplicada na realidade, que obrigaria a todos, sem distinção, a ter o mesmo tratamento e o mesmo direito. Caso seguisse esse padrão, não haveria igualdade.

Tem-se aí, portanto, nas palavras de Riccitelli (2007, p. 106), que “[...] aplicar a igualdade não se restringe a tratar igualmente os desiguais, mas sim tratá-los desigualmente na proporção em que se desigualam”, ou seja, a igualdade deve ser sentida e tratada a partir das diferenças de cada um.

Através desses conceitos, doutrinariamente, houve uma divisão das igualdades, entre igualdade formal e material. Didaticamente, podem ser definidas como,

Formal (indicada no caput do art. 5º) - Também conhecida como igualdade civil, substancial ou jurídica, nada mais é do que a igualdade perante a lei. Existem escolhas feitas em decorrência de aptidões, impossíveis de serem evitadas, pelo menos no âmbito do direito privado. Busca evitar que existam discriminações ou vantagens indevidas.

Material - Conhecida como igualdade real, foi proposta por Montesquieu, o qual informava ser a verdadeira igualdade aquela que trata igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, repetida por Rui Barbosa em sua famosa Oração aos moços. Trata da igualdade baseada em fatores determinados, a exemplo das diferenças materiais, como entre os sexos.” (AMORIM, 2011, p. 113)

Assim, visualiza-se que não basta somente existir uma igualdade positivada em lei. Aquela deve ser materializada na sociedade, preocupando-se com a diferença já existente entre as pessoas, de modo que permita haver o mesmo tratamento, na medida em que as diferenças apareçam.

Por fim, é válido ressaltar a contribuição de Celso Antônio Bandeira de Mello que traçou três parâmetros a serem observados, a fim de orientar se houve ou não desrespeito ao princípio da igualdade. São elas:

“a) a primeira diz com o elemento tomado como fator de desigualação; b) a segunda reporta-se a correlação logica abstrata existente entre o fator erigido em critério de discrímen e a disparidade estabelecida no tratamento jurídico diversificado; c) a terceira atina a consonância desta correlação logica com os interesses absorvidos no sistema constitucional e destarte juridicizados.”. (MELLO, 1995, p.21)

Esses parâmetros apresentados podem ser utilizados na aplicação de ações afirmativas, através de medidas compensatórias, que concretizaria a igualdade às pessoas que por algum motivo histórico-social sofreram desigualdades por outros grupos sociais dominantes. Tema este que será abordado com maior vagar nos capítulos seguintes.

A política das ações afirmativas face ao princípio da igualdade

As ações afirmativas visam permitir, através de políticas sociais e leis específicas, a inclusão de grupos desfavorecidos e excluídos.

Nesse diapasão, o princípio constitucional da igualdade, previsto no artigo 5º da CF/1988 prevê que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. É sabido, conforme assevera Lenza (2009) que não basta somente igualar as pessoas, mas deve-se buscar que os desiguais tenham as mesmas condições para estar no mesmo patamar de igualdade com os outros grupos.

A preocupação com o estabelecimento de ações afirmativas é em saber até que ponto tais políticas não ferirão os direitos fundamentais do resto da sociedade, discriminando estes por favorecer em demasia a proteção daqueles, promovendo políticas que violarão o princípio da igualdade, além de estarem destituídas de proporcionalidade e razoabilidade em suas ações.

Moehlecke (2002) salienta em seu trabalho que essas políticas públicas poderão adquirir determinadas formas, dependendo do contexto, como: ações voluntárias, de caráter obrigatório, ou uma estratégia mista; programas governamentais ou privados; leis e orientações a partir de decisões jurídicas ou agências de fomento regulação, podendo abranger como público alvo, grupos étnico-raciais e mulheres; contemplando áreas do mercado de trabalho, com a contratação, qualificação e promoção de funcionários; o sistema educacional, especialmente o Ensino Superior; e a representação política, determinada por um sistema de cotas.

A atual sistemática brasileira possibilita que essas diversas ações sejam manifestadas nos vários entes estatais.

As principais implementações de políticas públicas afirmativas no Brasil são voltadas à inclusão de desfavorecidos no ensino superior, à reserva de vagas em concursos públicos de alguns municípios e estados, e a proposta de lei para o Governo Federal, pautando-se sempre pelo acesso dos que em algum momento histórico do desenvolvimento da sociedade sofreram com discriminações.

Histórico e tramitação da Lei 12.990 de 09 de junho de 2014 que trata da reserva de vagas para negros em concurso público

A proposta de lei nº 6.728/2013 foi apresentada à presidente da República Dilma Rousseff pela então secretária de políticas de promoção da igualdade racial, Eva Maria Cella Dal Chiavon, em 04 de novembro de 2013, a qual encaminhou o projeto para apreciação da Câmara dos Deputados, em 07 de novembro de 2013.

Tal proposta previa a reserva aos negros de vinte por cento das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União.

Com regime de tramitação de urgente o projeto deveria ser apreciado em 45 dias. Foi encaminhado às Comissões de Direitos Humanos e Minorias, Trabalho, de Administração e Serviço Público e Constituição e Justiça e de Cidadania.

Com a apresentação dos pareceres, a proposta de lei aguardou pauta para votação até a data de 26 março de 2014, sendo aprovado por 314 votos, 36 votaram pela não aprovação, houve também abstenção 06 deputados, totalizando 356.

Remetido ao Senado, o Projeto de Lei da Câmara nº 29 de 2014, foi recepcionado no dia 01 de abril, e encaminhado para as Comissões de Direitos Humanos e Legislação Participativa e de Constituição, Justiça e Cidadania, deram seus pareceres a favor do projeto de lei, para que no dia 20 de abril do mesmo ano, fosse aprovada em plenário.

O projeto foi sancionado pela presidente da República Dilma Rousseff, no dia 09 de junho de 2014, tendo início de sua vigência no dia seguinte, dia 10., sob nº 12.990.

A desnecessidade de uma lei de cotas para concursos públicos

Conforme itens anteriores, demonstrou-se que a presença de ações afirmativas permeia várias nações, em diferentes áreas de atuações, garantindo vagas e acesso aos que de alguma forma foram discriminados com o desenvolver das sociedades.

O Brasil seguiu o mesmo modelo de outros países, reservando vagas em instituições de ensino e até mesmo em acesso a cargos públicos.

O que não se concorda aqui, é que exista mais uma lei que privilegie especificamente determinado grupo social, possibilitando a entrada no mercado de trabalho, com vagas reservadas.

Questiona-se primeiramente que o serviço público, isto é, a prestação de um serviço à comunidade, não deve favorecer um grupo em detrimento de outro, pois estaria em oposição à ideia de mérito individual, visto que o mercado de trabalho deve selecionar empregados capacitados e que possam servir ao público, e não serem selecionados por estarem em desvantagem social, até porque o serviço público não deve ser usado como um mantenedor de pessoas, com despesas de um indivíduo que não tem mérito de capacidade, mas sim como uma entidade que exerce funções e presta serviços para a coletividade.

Um segundo ponto é que com a possibilidade de acesso às universidades, através de vagas em programas do governo, já se possibilita a entrada de pessoas (e não só os negros) que de alguma forma não tiveram chances e sofreram alguma discriminação na sua história, igualando-os em uma condição mínima de disputar por condições de trabalho. Porém, ao se facilitar que um específico grupo, que já tem condições mínimas de disputar igualmente com outros, à acessar cargos não se está mais diminuindo desigualdades, mas sim criando uma discriminação ao avesso, pois todos já estariam em um patamar mínimo de igualdade, e uns foram favorecidos em detrimento de outros.

Outro fator preponderante é que por se tratar de uma lei que define percentual de vagas no serviço público, com o argumento que de as pessoas negras com curso superior enfrentam maior discriminação no mercado de trabalho, e aquele é acessado por meio de provas ou provas e títulos, não se concebe como haveria alguma discriminação racial, se o próprio candidato será avaliado com o conhecimento que tem, não havendo, portanto, interferência racial no seu processo de seleção.

Um ponto importante que também deve ser ressaltado faz parte do alcance que se dá a essa medida. Por que somente os negros? As mulheres também foram discriminadas. Tiveram acesso barrado até mesmo na educação e em alguns casos, recebem valores inferiores aos homens em vários cargos, mesmo desempenhando funções semelhantes. Da mesma forma os índios, que foram explorados, discriminados e sofrem até hoje com problemas sociais.

Todos esses também sofrem discriminações, da mais variada índole, porém não foram englobados em percentuais para o mercado de trabalho. Não é cabível, portanto, privilegiar somente um grupo, e desmerecer os demais, até porque se aumentaria ainda mais o desnível destes em relação a todo o restante.

Tal desnecessidade de uma lei com reserva de cotas raciais foi referendada pela Suprema Corte dos Estados Unidos, em uma decisão de 22 de abril de 2014, na qual foi julgado constitucional Lei de Michigan que bane o uso do critério racial para concessão de privilégios na admissão ao ensino superior, tomada por seis votos a dois.

Em um dos votos, como noticiado no Jornal The Guardian, o juiz Anthony Kennedy afirmou que não se trata de uma medida sobre a permissibilidade ou não de políticas públicas, mas sim de uma maneira de proibir a consideração de preferências raciais nas decisões governamentais, pois os eleitores devem votar não por aquilo que o governante fará para seu grupo social, mas sim pela coletividade como um todo.

Percebe-se que a medida adotada pelo governo brasileiro, pode ser confundida como uma estratégia política, com intuito meramente eleitoreiro, e não uma ação efetiva que visa dar acesso a determinados grupos, como já foi demonstrada sua desnecessidade.

Além desses argumentos demonstrados, a caracterização dessa desnecessidade não deve estar restrita a não haver uma lei.

A solução para essas discriminações e desigualdades não está adstrita a aprovação de uma lei. As políticas públicas devem focar seus esforços na melhoria da educação, através da expansão e maiores investimentos em infraestrutura e recursos humanos, maximizando o acesso ao ensino por todos; a criação de mais postos de empregos, com uma remuneração melhor e adequada à realidade social; a valorização da pessoa humana, com campanhas educativas e de conscientização.

A lei se torna um meio jurídico de obrigar que seja feita justiça para com esses grupos, porém, não resolve as questões raciais, e, muitas vezes, cria outras discriminações por grupos que não aceitam e combatem tais privilégios.

Portanto, defende-se a desnecessidade de uma lei de cotas, pois a solução dos problemas resultantes de discriminações históricas não está na criação de leis, mas sim, em possibilitar o acesso as políticas públicas, sem distinções sociais, principalmente em relação a educação.

8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao final deste estudo, pode-se afirmar que apesar do Brasil não viver uma democracia racial plena, oferta-se condições semelhantes para alcance e gozo de bens e direitos, no mesmo patamar em que suporta-se idênticos e proporcionais deveres.

A presença de ações que permitem o acesso facilitado de determinado grupo social às vagas em concursos públicos não exprime uma necessidade verdadeira para combater a segregação racial.

A criação de uma lei que institucionalize a reserva de vagas não fomenta a mudança na realidade social de discriminação. Tais transformações estão muito mais ligadas a oferecer condições suficientes para o estudo, com uma educação de qualidade para toda a coletividade, do que criar um mecanismo limitado que tem o intuito de privilegiar uns e detrimento de outros.

Não se prega aqui que não devem existir ações afirmativas no Brasil, até porque um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, como preconizado no inciso IV, do artigo 3º, da CRFB/1988, mas sim que existam políticas sociais que viabilizem o acesso igualitário, sem discriminações, a um contexto mínimo necessário (moradia, educação, saúde) para possibilitar que todos concorram semelhantemente a uma carreira pública ou privada.

Além disso, o ente estatal não pode selecionar mão de obra para prestação de serviços públicos com o critério racial. Deve buscar servidores através de uma seleção justa e igualitária, com intuito de angariar pessoas que tenham capacidade meritória para conduzir a máquina pública. Até porque, se o Estado precisa criar leis que garantem acesso a um grupo social, depreende-se que há uma falha anterior que não permitiu uma formação intelectual e social do indivíduo, mesmo havendo possibilidade de o ter feito.

Portanto, a construção de uma nação mais justa, sem discriminação, será alcançada através de políticas públicas que fortaleçam os alicerces de cada cidadão igualmente, e não com uma lei que favoreça um em detrimento capacidade de outro.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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