Patrimônio Cultural: A "Reencarnação" de um Povo

Da preservação à geração de riqueza

26/04/2015 às 09:10
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A salvaguarda de hábitos e comportamentos de um povo, seja intelectual ou físico, não serve apenas de lastro para historiadores, mas sobretudo como uma fonte geradora de riquezas, tais como pontos turísticos, de manutenção das tradições etc.

PATRIMÔNIO CULTURAL: A “REENCARNAÇÃO” DE UM POVO

Da preservação à geração de riqueza

 

Geraldo Fonseca Neto

Goiânia, 26 de abril de 2015

 

RESUMO

 

Se para os eruditos "a Cultura é a alma de um povo", conclui-se que o Patrimônio Cultural deixado para as gerações futuras, o legado histórico dos antepassados, se constitui verdadeira "reencarnação" daquele povo antigo, cujas obras e pensamentos a respeito de um determinado costume acabaram se enraizando para sempre no seio da sociedade.

 

Logo, o estudo das contribuições para a salvaguarda de hábitos e comportamentos, deixados pelos homens desde a sua existência, nos leva a crer que o patrimônio cultural, seja intelectual ou físico, não serve apenas de lastro para historiadores (evolução humana), mas especialmente como uma fonte geradora de riquezas, tais como pontos turísticos, de manutenção das tradições e de preservação de uma determinada população.

 

Contudo, como o desenvolvimento globalizado e desenfreado, em sua maioria, vê este patrimônio cultural como um obstáculo ao “crescimento econômico”, há que se buscar o respaldo, sobretudo do Poder Judiciário, à proteção da memória de outrora.

 

PALAVRAS-CHAVE

 

Patrimônio Cultural; História; Preservação; Costumes e tradições; Obras de engenharia e sítios naturais; Tombamento; Legislação e jurisprudência aplicáveis; Conflitos; Corte Europeia de Direitos Humanos.

 

INTRODUÇÃO

 

"Toda a história do patrimônio se confunde com a de uma morte perpétua, mas também com uma ressurreição".i

 

Segundo o doutrinador Édis Milaréii, numa visão holística, isto é, global e bastante abrangente, o Patrimônio Cultural é bem de uso comum do povo. Este entendimento decorre do fato de que, além de tal bem se encontrar previsto constitucionalmente no art. 216, caput, incisos, da Carga Magna de 1988iii, a redação do seu §1º menciona que a preservação deste legado deverá se dar "com a colaboração da comunidade".

 

Aliás, a própria Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura - UNESCO, em seu sítio na internetiv, salienta que, independentemente de inscrição na Lista do Patrimônio Mundial, todos os "sítios de interesse local ou nacional que constituem verdadeiros motivos de orgulho nacional" devem ser preservados. Vejamos (sem sublinhados no original):

 

O patrimônio é o legado que recebemos do passado, vivemos no presente e transmitimos às futuras gerações. Nosso patrimônio cultural e natural é fonte insubstituível de vida e inspiração, nossa pedra de toque, nosso ponto de referência, nossa identidade.

 

O que faz com que o conceito de Patrimônio Mundial seja excepcional é sua aplicação universal. Os sítios do Patrimônio Mundial pertencem a todos os povos do mundo, independentemente do território em que estejam localizados.

 

“Os países reconhecem que os sítios localizados em seu território nacional e inscritos na Lista do Patrimônio Mundial, sem prejuízo da soberania ou da propriedade nacionais, constituem um patrimônio universal 'com cuja proteção a comunidade internacional inteira tem o dever de cooperar'.

 

Todos os países possuem sítios de interesse local ou nacional que constituem verdadeiros motivos de orgulho nacional e a Convenção os estimula a identificar e proteger seu patrimônio, esteja ou não incluído na Lista do Patrimônio Mundial”.

 

Assim, o Patrimônio Cultural, segundo a maioria dos doutrinadores de Direito Ambiental, resulta, por conseguinte, da soma dos assentamentos humanos com as paisagens do seu entorno, o que se confunde também com o ambiente, este subdividido em ecossistemas naturais e criações humanas, os quais exigem proteção e preservação.

 

1. NASCE O PATRIMÔNIO CULTURAL NO BRASIL

 

1.1. Segundo as Constituições Brasileiras:

 

As Constituições do Império (1824) e da República (1891) não trouxeram em seu texto qualquer menção às reservas naturais e monumentos históricos ou artísticos brasileiros, nem mesmo de maneira superficial.

 

Assim, a primeira Constituição a tratar do Patrimônio Cultural brasileiro foi a de 1934, em seus arts. 10, inciso III, e 148, quando, de maneira genérica, obrigou a União e os Estados a proteger o material histórico e artístico existente e aquele que viesse a ser produzido. Note-se que nesta época a legislação brasileira ainda não protegia, expressamente, o bem imaterial, mas dava suporte (assistência) àquele que dele tirava seu sustento. É ver (sublinhei):

 

Art. 10 - Compete concorrentemente à União e aos Estados: (...)

III - proteger as belezas naturais e os monumentos de valor histórico ou artístico, podendo impedir a evasão de obras de arte.

 

Art. 148 - Cabe à União, aos Estados e aos Municípios favorecer e animar o desenvolvimento das ciências, das artes, das letras e da cultura em geral, proteger os objetos de interesse histórico e o patrimônio artístico do País, bem como prestar assistência ao trabalhador intelectual.

 

Já a Constituição de 1937, em seu art. 134, não só exigiu igual comprometimento dos Municípios na proteção dos bens históricos, como os considerou como patrimônio nacional (bem de uso comum do povo). Observe-se que o patrimônio imaterial continuava sem a devida proteção, o qual só veio a ser reconhecido em 1988, na atual Carta Magna. A propósito (destaquei):

 

Art. 134 - Os monumentos históricos, artísticos e naturais, assim como as paisagens ou os locais particularmente dotados pela natureza, gozam da proteção e dos cuidados especiais da Nação, dos Estados e dos Municípios. Os atentados contra eles cometidos serão equiparados aos cometidos contra o patrimônio nacional.

 

A Constituição de 1946, mais singela delas a respeito do assunto, em seu art. 175, apenas reiterou os argumentos apresentados nas Cartas anteriores. Sua única contribuição foi excluir as expressões referentes aos entes federados (União, Estados e Municípios) para adotar a expressão "Poder Público", mais ampla. A seguir (grifei):

 

Art. 175 - As obras, monumentos e documentos de valor histórico e artístico, bem como os monumentos naturais, as paisagens e os locais dotados de particular beleza ficam sob a proteção do Poder Público.

 

A Constituição de 1967 apenas complementou aquela anterior, acrescentando, explicitamente, que as jazidas arqueológicas também deveriam ser protegidas, muito embora elas fizessem parte das "paisagens (...) de particular beleza" descritas na Carta de 1946. Observemos seu art. 172, parágrafo único (destaque nosso):

 

Art. 172 - O amparo à cultura é dever do Estado.

Parágrafo único - Ficam sob a proteção especial do Poder Público os documentos, as obras e os locais de valor histórico ou artístico, os monumentos e as paisagens naturais notáveis, bem como as jazidas arqueológicas.

 

A Emenda Constitucional nº 1 de 1969, vulgarmente chamada de Constituição por ter modificado todo o texto da anterior, quanto ao Patrimônio Cultural, tratou apenas de repetir, ipsis literis, a redação do art. 172, bem como de seu parágrafo único, da Carta de 1967, agora em seu art. 180, parágrafo único.

 

Finalmente, a Constituição Federal de 1988, em seu já citado art. 216 e seguintes, traz uma redação mais vasta, abordando finalmente o patrimônio imaterial (festas, danças típicas, manifestações religiosas etc), conforme se extrai dos dois primeiros incisos abaixo transcritos, e os sítios paleontológicos, muito embora alguns doutrinadores entendam que no inciso V faltou mencionar os sítios espeleológico (grutas, cavernas etc). Vejamos:

 

Art. 216 - Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

I - as formas de expressão;

II - os modos de criar, fazer e viver;

III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;

V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

 

Em suma, com a Constituição de 1988 houve um ampliação tamanha do conceito de Patrimônio Cultural brasileiro que tudo passa a ser protegido, desde que portador de referência à identidade, à ação, à memória dos brasileiros. Isto significa que não só os bens tombados (§1º do art. 1º do Dec-Lei n.º 25/37) agora têm direitos de preservação, mas qualquer um que carregue a tradição brasileira.

 

Quanto ao bem imaterial, previsto no Decreto n.º 3.551/00 (Lei do Programa Nacional do Patrimônio Imaterial), sua constatação e validade restam protegidas a partir do momento em que são registrados nos Livros competentes, seja como forma de arquivo das obras intelectuais, seja para se evitar fraudes e plágios. Vejamos (sublinhei):

 

Art. 1º. Fica instituído o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro.

§1º. Esse registro se fará em um dos seguintes livros:

I - Livro de Registro dos Saberes, onde serão inscritos conhecimentos e modos de fazer enraizados no cotidiano das comunidades;

II - Livro de Registro das Celebrações, onde serão inscritos rituais e festas que marcam a vivência coletiva do trabalho, da religiosidade, do entretenimento e de outras práticas da vida social;

III - Livro de Registro das Formas de Expressão, onde serão inscritas manifestações literárias, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas; e

IV - Livro de Registro dos Lugares, onde serão inscritos mercados, feiras, santuários, praças e demais espaços onde se concentram e reproduzem práticas culturais coletivas.

 

1.2. Segundo as normas internacionais:

 

Como os demais países signatários da Convenção Relativa à Proteção do Patrimônio Mundial Cultural e Natural, 17ª Conferência Geral das Organizações das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura - UNESCO, realizada em Paris, França, entre 10 de outubro e 21 de novembro de 1972, a qual foi aprovada pelo Congresso Nacional em 30/06/77 e promulgada pelo Decreto n.º 80.978/77, o Brasil passou a adotar, de maneira subsidiária, os conceitos adotados neste documento mundial.

 

Deste modo, "fazem parte do patrimônio natural os monumentos naturais construídos por formações físicas e biológicas ou por grupos de tais formações geológicas e fisiográficas e as áreas nitidamente delimitadas que constituam o habitat de espécies animais e vegetais ameaçadas e os lugares notáveis naturais ou as zonas naturais nitidamente delimitadas", de acordo com a redação do art. 2º da referida Convenção.

 

Neste passo, cito o trabalho da UNESCO, criada em novembro de 1945 e instaurada em novembro de 1946v (trecho extraído da internetvi, sem destaques no original):

 

“O evento que suscitou especial preocupação internacional foi a decisão de construir a grande represa da Assuã no Egito, com a qual se inundaria o vale em que se encontravam os templos de Abu Simbel, um tesouro da antiga civilização egípcia. Em 1959, a UNESCO decidiu lançar uma campanha internacional a partir de uma solicitação dos governos do Egito e Sudão.

Acelerou-se a pesquisa arqueológica nas áreas que seriam inundadas. Sobretudo os templos de Abu Simbel e Filae foram então completamente desmontados, transportados a um terreno a salvo da inundação e lá montados novamente.

O sucesso dessa campanha conduziu a outras campanhas de salvamento, tais como a de Veneza, na Itália, a de Moenjodaro, no Paquistão e a de Borobodur, na Indonésia, para citar apenas alguns exemplos.

Em seguida, a UNESCO iniciou, com a ajuda do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (ICOMOS), a elaboração de um projeto de Convenção sobre a proteção do patrimônio cultural.

Associando o patrimônio cultural e o patrimônio natural

A ideia de combinar a conservação dos sítios culturais com a dos sítios naturais foi dos Estados Unidos. Uma conferência na Casa Branca, em Washington, pediu em 1965 que se criasse uma 'Fundação do Patrimônio Mundial' que estimulasse a cooperação internacional para proteger as 'maravilhosas áreas naturais e paisagísticas do mundo e os sítios históricos para o presente e para o futuro de toda a humanidade'. Em 1968, a União Internacional para a Conservação da Natureza e seus Recursos (IUCN) elaborou propostas similares para seus membros, as quais foram apresentadas à Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano organizada pelas Nações Unidas em Estocolmo em 1972.

Por último, todas as partes interessadas se puseram de acordo quanto à adoção de um único texto. Assim, a Conferência Geral da UNESCO aprovou, em 16 de novembro de 1972, a Convenção sobre a Proteção do Patrimônio Mundial Cultural e Natural.

Considerando o patrimônio em seu duplo aspecto cultural e natural, a Convenção nos lembra as formas pelas quais o homem interage com a natureza e, ao mesmo tempo, a necessidade fundamental de preservar o equilíbrio entre ambos.

(...) Como funciona a Convenção

A solicitação de inscrição de um sítio na Lista do Patrimônio Mundial deve partir dos próprios Estados signatários. A UNESCO não faz nenhuma recomendação para a inclusão na Lista. Essa solicitação deve incluir um plano que detalhe como se administra e se protege o sítio.

Critérios de seleção

Para serem incluídos na Lista do Patrimônio Mundial, os sítios devem satisfazer alguns critérios de seleção.

Os bens culturais devem:

i. representar uma obra-prima do gênio criativo humano, ou

ii. ser a manifestação de um intercâmbio considerável de valores humanos durante um determinado período ou em uma área cultural específica, no desenvolvimento da arquitetura, das artes monumentais, de planejamento urbano ou de paisagismo, ou

iii. aportar um testemunho único ou excepcional de uma tradição cultural ou de uma civilização ainda viva ou que tenha desaparecido, ou

iv. ser um exemplo excepcional de um tipo de edifício ou de conjunto arquitetônico ou tecnológico, ou de paisagem que ilustre uma ou várias etapas significativas da história da humanidade, ou

v. constituir um exemplo excepcional de habitat ou estabelecimento humano tradicional ou do uso da terra, que seja representativo de uma cultura ou de culturas, especialmente as que tenham se tornado vulneráveis por efeitos de mudanças irreversíveis, ou

vi. estar associados diretamente ou tangivelmente a acontecimentos ou tradições vivas, com ideias ou crenças, ou com obras artísticas ou literárias de significado universal excepcional (o Comitê considera que este critério não deve justificar a inscrição na Lista, salvo em circunstâncias excepcionais e na aplicação conjunta com outros critérios culturais ou naturais).

É igualmente importante o critério da autenticidade do sítio e a forma pela qual ele esteja protegido e administrado.

Os bens naturais devem:

i. ser exemplos excepcionais representativos dos diferentes períodos da história da Terra, incluindo o registro da evolução, dos processos geológicos significativos em curso, do desenvolvimento das formas terrestres ou de elementos geomórficos e fisiográficos significativos, ou

ii. ser exemplos excepcionais que representem processos ecológicos e biológicos significativos para a evolução e o desenvolvimento de ecossistemas terrestres, costeiros, marítimos e de água doce e de comunidades de plantas e animais, ou

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iii. conter fenômenos naturais extraordinários ou áreas de uma beleza natural e uma importância estética excepcionais, ou

iv. conter os habitats naturais mais importantes e mais representativos para a conservação in situ da diversidade biológica, incluindo aqueles que abrigam espécies ameaçadas que possuam um valor universal excepcional do ponto de vista da ciência ou da conservação.

Também são critérios importantes a proteção, a administração e a integridade do sítio.

Os sítios mistos têm, ao mesmo tempo, excepcional valor natural e cultural. Desde 1992, interações significativas entre o homem e o meio natural têm sido reconhecidas como paisagens culturais.

Proteção de sítios em perigo

A conservação do Patrimônio Mundial é um processo contínuo. Incluir um sítio na Lista serve de pouco se posteriormente o sítio se degrada ou se algum projeto de desenvolvimento destrói as qualidades que inicialmente o tornaram apto a ser incluído na relação dos bens do Patrimônio Mundial.

Na prática, os países tomam essa responsabilidade muito seriamente. Pessoas, organizações não-governamentais e outros grupos comunicam ao Comitê do Patrimônio Mundial possíveis perigos para os sítios. Se o alerta se justifica e o problema é suficientemente grave, o sitio será incluído na Lista do Patrimônio Mundial em Perigo.

Financiamento e Apoio

O Fundo do Patrimônio Mundial, criado em 1972 pela Convenção, recebe seus recursos essencialmente das contribuições compulsórias dos Estados-membros, totalizando 1% de seus aportes à UNESCO, e de contribuições voluntárias. Outras fontes de ingressos são os fundos fiduciários doados por países com fins específicos e os ingressos derivados das vendas das publicações do Patrimônio Mundial.

Assistência internacional

O Fundo do Patrimônio Mundial presta assistência na identificação e na preservação dos sítios do Patrimônio Mundial. O trabalho de preparação, conservação e preservação relacionado com o Patrimônio Mundial é custoso e nem todas as solicitações de assistência internacional podem ser atendidas com os recursos do Fundo do Patrimônio Mundial. O Comitê do Patrimônio Mundial aplica condições muito estritas e exige que as solicitações se enquadrem em categorias claramente definidas: assistência preparatória, cooperação técnica, assistência emergencial e formação/treinamento.

Programas educativos

Os objetivo do programa educativo do Patrimônio Mundial é ajudar escolas e colégios de todo o mundo a incluir informação do Patrimônio Mundial em seus programas de ensino e em suas atividades extracurriculares, para que os jovens de hoje e os futuros dirigentes possam compreender e apreciar os bens culturais e naturais de valor excepcional para a humanidade.O Centro do Patrimônio Mundial, junto com o Setor de Educação da UNESCO, organiza eventos tais como mesas-redondas e foros para informar aos jovens quanto aos objetivos e aos êxitos na conservação do Patrimônio Mundial.

(...) Procedimento para a inclusão de um bem na Lista do Patrimônio Mundial

Como cada país deve proceder para incluir seus sítios na Lista do Patrimônio Mundial

1) O Estado-Parte:

Prepara uma lista tentativa de propriedades culturais e naturais em seu território que considera possuir um 'excepcional valor universal'.

Seleciona as propriedades para inclusão na Lista do Patrimônio Mundial.

2) O Centro do Patrimônio Mundial:

Verifica se a solicitação de inclusão está completa.

Estabelecido em 1992, o Centro do Patrimônio Mundial é o ponto focal e coordenador, dentro da UNESCO, de todos os assuntos relativos ao Patrimônio Mundial.

3) O Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (ICOMOS) e a União Mundial para a Natureza (IUCN):

Enviam especialistas para visitar os sítios, avaliar a sua proteção e gerenciamento.

Preparam um relatório técnico.

Avaliam se a propriedade possui 'excepcional valor universal'.

4) O Bureau do Patrimônio Mundial, composto por 7 membros do Comitê do Patrimônio Mundial:

Examina a avaliação.

Faz uma recomendação para a inscrição ou

Solicita informações adicionais para o Estado-Parte.

O Bureau prepara o trabalho do Comitê.

5) O Comitê do Patrimônio Mundial, constituído por 21 representantes dos Estados-Parte da Convenção:

Toma a decisão final de inscrever o sítio na Lista do Patrimônio Mundial ou

Adia a decisão, aguardando informações mais aprofundadas ou

Recusa a inscrição".

 

1.3. Conforme a legislação federal (infraconstitucional)

 

a) Lei n° 3.924/61: Cuida da proteção de bens de natureza arqueológica e pré-histórica.

 

b) Lei n° 4.845/65: Proíbe a exportação de obras e serviços artísticos produzidos no Brasil, tais como: pinturas, gravuras, esculturas, elementos de arquitetura, joias etc.

 

c) Lei n° 6.292/75: a Decisão de Tombamento pelo IPHAN depende de homologação do Ministro da Educação e Cultura - MEC.

 

d) Lei n° 8.313/91: vulgarmente conhecida como "Lei Rouanetvii", que institui o Programa Nacional de Apoio à Cultura - PRONAC com abatimentos no imposto de renda das pessoas jurídicas que decidirem apoiar os projetos culturais nela previstos, tais como: "art. 1° Fica instituído o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac), com a finalidade de captar e canalizar recursos para o setor de modo a: (...) VI - preservar os bens materiais e imateriais do patrimônio cultural e histórico brasileiro".

 

1.4. No âmbito estadual:

 

Nosso Estado de Goiás, infelizmente, não conta com uma previsão legal inserta na Constituição Estadual acerca do Patrimônio Cultural goiano, ao contrário dos Estados do Acre (art. 202), Alagoas (art. 209), Amazonas (art. 207), Ceará (art. 237), Espírito Santo (art. 183), Maranhão (art. 228), Mato Grosso (art. 252), Pará (art. 286), Paraíba (art. 216), Piauí (art. 229), Rio de Janeiro (art. 321), Rio Grande do Norte (art. 144), Rio Grande do Sul (art. 222) e Sergipe (art. 226).

 

Dessa forma, as normativas estaduais se resumem à legislação infraconstitucional, abaixo demonstrada de forma cronológica:

 

a) Lei n° 10.186/87: Cria o Fundo Estadual da Cultura - FEC e o Cadastro de Entes e Agentes Culturais - CEAC para pessoas físicas e jurídicas interessadas em desenvolver projetos na área de cultura. Na mesma época, foi publicado o Decreto n° 2.723/87 que regulamenta a Lei acima.

 

b) Lei n° 11.685/92: Dá novo nome à Fundação Museu Pedro Ludovico - FUMPEL que passa a se chamar Fundação Cultural Pedro Ludovico Teixeira e assume o FEC retrocitado.

 

c) Lei n° 13.613/00: Chamada de “Lei Goyazes”, institui o Programa Estadual de Incentivo à Cultura. Por meio deste novo programa o Estado chega a custear até 50% dos projetos culturais apresentados, além de conceder incentivos, de três formas diferentes, às empresas que quiserem dele participar. Por exemplo: em seu art. 5º autoriza aos empresários que contribuírem com 5% (cinco por cento) do imposto devido ao programa possam obter prazo especial para pagamento de outros tributos atrasados (moratória). Já no inciso I do art. 9º, o Estado de Goiás dá 50% (cinquenta por cento) de redução da base de cálculo do ICMS nas importações de mercadorias ou serviços que não existam no território nacional e sejam destinados a projeto cultural ou artístico e, por fim, o inciso II do mesmo art. 9º, autoriza crédito de até 10 milhões de reais por ano para as empresas que participarem de projeto de mecenato (custeio total e sustento da produção artística).

  1.  

    Esta Lei Estadual traz nos incisos de seu art. 2º os tipos de projetos aceitos e que podem ser patrocinados ou subsidiados:

     

    “I – preservar e divulgar o patrimônio cultural, histórico e artístico do Estado de Goiás;

    II – incentivar e apoiar a produção cultural e artística relevante para o Estado de Goiás;

    III – democratizar o acesso à cultura e o pleno exercício dos direitos culturais, garantindo a diversidade cultural;

    IV – incentivar e apoiar a formação cultural e artística”.

     

    d) Lei n° 15.633/06: Cria o Fundo de Arte e Cultura do Estado de Goiás - FUNDO CULTURAL, vinculado à Agência Goiana de Cultura Pedro Ludovico Teixeira - AGEPEL, que nos incisos de seu art. 1º, prevê o auxílio integral para custeio de:

     

    “I - projeto de patrimônio cultural, histórico e artístico, apresentado por pessoa física ou jurídica, com ou sem fins lucrativos, aprovado pela AGEPEL, ouvido o Conselho Estadual de Cultura acerca de sua relevância e oportunidade;

    II - projeto de ação, produção e de difusão cultural e artística apresentado por pessoa física ou jurídica, com ou sem fins lucrativos, aprovado pela AGEPEL, ouvido o Conselho Estadual de Cultura acerca de sua relevância e oportunidade”.

     

    2. COMPETÊNCIA E RESPONSABILIDADE

     

    Conforme já dito anteriormente, por força da utilização da expressão Poder Público de forma generalista, todos os entes federados, no plano executório, devem estar comprometidos com a proteção e preservação do Patrimônio Cultural, conforme art. 23 da Constituição Federal. É ver:

     

    Art. 23 - É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (…)

    III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;

    IV - impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural.

     

    Inclusive, o Superior Tribunal de Justiça - STJ já apreciou matéria acerca da distribuição das competências quanto ao Patrimônio Cultural, confirmando as responsabilidades comuns de todos os entes federados (2ª Turma, RMS 18.952/RJ, Relatora Min. ELIANA CALMON, DJ 30/05/05).

     

    Todavia, no plano legislativo, os Municípios não podem criar normas referentes ao Patrimônio Cultural, por imposição constitucional prevista no art. 24. Vejamos:

     

    Art. 24 - Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (...)

    VII - proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico.

     

    3. FORMAS DE PROMOÇÃO

     

    3.1. Por Ato Administrativo (Desapropriação etc):

     

    A Desapropriação de áreas ou imóveis tidos como Patrimônio Cultural, seja qual for o motivo [art. 216 da CF: (...) III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico], inclusive os sítios espeleológicos, pode se dar por lei específica, oportunidade em que, adotados ou não os critérios do Tombamento, os motivos poderão ser exclusivamente políticos.

     

    Por outro lado, a Desapropriação pode se dar por via judicial, segundo Lei nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), quando as coisas (artísticas, estéticas, históricas, turísticas e paisagísticas) não tombadas puderem, ou necessitarem, ser tuteladas pela ação civil pública. Após seu reconhecimento pelo Poder Judiciário, a fiscalização, preservação e proteção passa a ser da Administração Pública, seja Municipal, Estadual ou Federal, por imposição da própria sentença transitada em julgado (ver item 4 deste Artigo).

     

    3.2. Por Tombamentoviii:

     

    O Tombamento nada mais é do que verdadeira Limitação Administrativa, muito semelhante à servidão, em que o direito de propriedade do dono do imóvel é parcialmente mitigado em prol da coletividade. Inclusive, o professor Édis Milaréix conclui que o Tombamento é uma espécie de "intervenção estatal de restrição ao uso de propriedade".

     

    O Decreto-Lei nº 25/37, conhecido como "Lei" de Tombamento, criou o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, posteriormente denominado Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN, cuja normativa que lhe reconhece e regulamenta é o Decreto nº 6.844/09.

     

    O Tombamento pode se dar (a) de ofício quando se tratar de bens públicos que necessitem de preservação e imutabilidade, (b) voluntariamente, quando o particular o solicita, ou ainda (c) de forma compulsória, nos casos em que, embora o imóvel seja particular, o seu proprietário se recuse a admitir o tombo.

     

    Ele pode ser provisório, após notificação de tombamento, ou definitivo, depois do registro em Cartório, embora os efeitos sejam iguais. Será individual quando se tratar de apenas um imóvel ou geral, quando relativo a um bairro ou uma cidade, como ocorreu com o Município de Goiás-GO (também conhecido como Cidade de Goiás ou “Goiás Velho”).

     

    Seu procedimento exige parecer do órgão técnico, seguido de notificação do proprietário para anuir ou impugnar o tombamento. Ato contínuo, segue a deliberação do Conselho Consultivo e a homologação do órgão político ligado à Entidade ou ente da Administração Pública que propôs a limitação. Finalmente, ocorre a inscrição no Livro Tombo e sua transcrição no registro público (Cartório de Registro de Imóveis - CRI e Cartório de Registro de Títulos e Documentos) para produção de efeitos em relação a terceiros. Aqui se faz necessário salientar que, obrigatoriamente, o procedimento administrativo instaurado para este fim deve adotar os Princípios Constitucionais do Devido Processo Legal, do Contraditório e da Ampla Defesa.

     

    Caberá, no entanto e excepcionalmente, Recurso do particular contra o Tombamento compulsório realizado em seu imóvel, conforme ditames do Decreto-Lei nº 3.866/41. É ver:

     

    Artigo único. O Presidente da República, atendendo a motivos de interesse público, poderá determinar, de ofício ou em grau de recurso, interposto pôr qualquer legítimo interessado, seja cancelado o tombamento de bens pertencentes à União, aos Estados, aos municípios ou a pessoas naturais ou jurídicas de direito privado, feito no Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, de acordo com o decreto-lei nº 25, de 30 de novembro de 1937.

     

    Os efeitos decorrentes do Tombamento, como já dito acima, gerarão a obrigação de transcrição no registro público, além da restrição à alienabilidade, uma vez que, sendo o bem público ele se torna, automaticamente, inalienável, e sendo particular os entes federados têm preferência na sua aquisição, caso haja interesse do proprietário em vendê-lo. Some-se a isso as restrições à modificabilidade, posto só ser possível reparar, reformar e pintar o imóvel, desde que previamente autorizado e preservando-se suas características originais.

     

    Além disso o órgão público poderá fiscalizá-lo a qualquer tempo, podendo ainda ocorrer sujeição da propriedade vizinha às mesmas restrições. Em outras palavras, por derivação e possibilidade de abalo da estrutura do prédio vizinho já tombado, os imóveis limítrofes também sofrerão, indiretamente, os efeitos da limitação, por não poderem mutilar a coisa tombada. A título de exemplo, cito o Decreto n.º 13.429/79 do Estado de São Paulo que prevê um raio de proteção de vizinhança de 300 metros em torno da coisa tombada.

     

    Por fim, com pertinência ao dever de indenizar, vê-se que a maioria da doutrina, assim como a jurisprudência dominante, não admite a obrigação do Estado de pagá-la. Isto porque os bens móveis tombados passam a valer mais tão logo são declarados, dado a grande demanda e a pouca oferta, se tornando relíquias. Já os imóveis, em que pese a possibilidade de valorização, também em virtude de se tornarem pontos turísticos famosos, pelo fato de não poderem ser sucedidos por empreendimento maiores e mais modernos, acabam depreciados em face da limitação à especulação.

     

    Há, portanto, em razão da não obrigação de indenizar, a busca pelo auxílio do Estado na manutenção deste patrimônio tombado, já que, pela própria necessidade de se manter os padrões antigos, da época da construção, os custos das reformas deste tipo de edifício se torna muito mais trabalhosa, sobretudo mais onerosa. Neste sentido foi criado o Programa Monumenta do Governo Federal, com base na legislação já mencionada retro, visando a reunião de recursos para a sustentabilidade deste tipo de empreendimento.

     

    3.3. Programa Monumenta:

     

    O Monumenta é um programa estratégico do Ministério da Cultura. Seu conceito é inovador e procura conjugar recuperação e preservação do patrimônio histórico com desenvolvimento econômico e social. Ele atua em cidades históricas protegidas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Sua proposta é de agir de forma integrada em cada um desses locais, promovendo obras de restauração e recuperação dos bens tombados e edificações localizadas nas áreas de projeto. Além de atividades de capacitação de mão-de-obra especializada em restauro, formação de agentes locais de cultura e turismo, promoção de atividades econômicas e programas educativos.

     

    O Monumenta, que conta com financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento - BID e o apoio da Unesco, procura garantir condições de sustentabilidade do Patrimônio. Objetivo a ser alcançado com a geração de recursos para o equilíbrio financeiro das atividades desenvolvidas e que mantenham conservados os imóveis da área do projeto. Com isto, facilita a manutenção das características originais dos bens, sem que sejam necessários futuros aportes de recursos públicos. Uma das estratégias para atingir essa meta é estabelecer novos usos para os imóveis e monumentos recuperados (...)

     

    Uma das prerrogativas do Monumenta é estimular ações compartilhadas entre governo, comunidade e iniciativa privada. Para isso, foi criado o Fundo Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural, mais uma estratégia para garantir a sustentabilidade do Programa.

     

    O objetivo do Fundo Municipal é o de financiar ações de preservação e conservação das áreas submetidas à intervenção do Programa. Os recursos financeiros gerados pelas iniciativas do Monumenta em cada cidade são direcionados para o Fundo Municipal e usados para cobrir os custos de conservação do Patrimônio Histórico de cada município. Além disso, o Fundo pode receber recursos orçamentários do município, contrapartidas de convênios, aluguéis e arrendamentos dos imóveis e doações”x.

     

    4. INSTRUMENTOS DE DEFESA E REPRESSÃO

     

    4.1. Instrumentos Administrativos:

     

    a) Multas previstas no próprio Decreto-Lei de Tombamento.

     

    b) Destruição de obra, em casos excepcionais, quando a construção realizada afeta diretamente a coisa tombada ou modifica suas características originais preservadas.

     

    c) Remoção de objeto, também em situações específicas, quando um vizinho, por exemplo, decide construir um muro muito alto ou encostado ao bem tombado, podendo vir a danificá-lo ou colocá-lo em perigo.

     

    4.2. Instrumentos Judiciais:

     

    a) Ação Popular: Prevista no art. 5º, inciso LXXIII, da CF, que salienta que "qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência" (sublinhei). Seu trâmite se encontra regulado pela Lei nº 4.717/65.

     

    b) Ação Civil Pública: Prevista no art. 129, inciso III, da CF, que afirma que "são funções institucionais do Ministério Público: (...) - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos" (destaquei). Seu trâmite se encontra regulado pela Lei nº 7.347/85.

     

    Por exemplo, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro ingressa com Ação Civil Pública em desfavor do Município de Cabo Frio, proibindo o aterramento do Canal do Itajuru e do cais de atracação construído no espelho d'água do Forte de São Mateus, o qual se encontrava tombado.

     

    Já o Ministério Público Federal e o IPHAN ajuízam Ação Civil Pública contra Walter Gimenez Félix para lhe proibir de demolir imóvel próximo a outro tombado (vizinho), sem prévia autorização, exigindo a destruição do muro já construído no local, a construção de parte do edifício antigo para recompor a volumetria original e a reconstrução da tipologia da fachada original do imóvel tombado.

     

    Por fim, o Ministério Público do Estado de São Paulo protocola Ação Civil Pública em desfavor do Município de São Paulo para proteção do monumento instalado no Parque da Independência, tendo em vista a utilização do mesmo como moradia de vadios, pichações, depredações etc.

     

    Nestes três casos citados acima, o Parquet se sagrou vencedor em todos eles, alegando que os danos ao patrimônio cultural são de responsabilidade objetiva em que a lesividade é suficiente para provocar a tutela judicial, por força do §3º do art. 225 da CF (as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados) e Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81).

     

    c) Ação Penal Pública Incondicionada: Segundo o inciso I do art. 62 da Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98), "destruir, inutilizar ou deteriorar: I - bem especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial" é crime apenado com reclusão, de um a três anos, e multa, quando doloso, ou com seis meses a um ano de detenção, sem prejuízo da multa, no caso de culpa (imperícia, imprudência e/ou negligência).

     

    5. CORTE EUROPEIA DE DIREITOS HUMANOS

     

    A Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das liberdades fundamentais foi elaborada no seio do Conselho da Europa. Aberta à assinatura em Roma, em 4 de novembro de 1950, entrou em vigor em setembro de 1953. Tratava-se, na intenção dos seus autores, de tomar as medidas a assegurar a garantia coletiva de alguns dos direitos previstos na Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948.

     

    Subordinada à ratificação de todos os Estados contratantes, a entrada em vigor do Protocolo nº 11 teve lugar em 1 de Novembro de 1998, um ano depois do depósito, do último instrumento de ratificação junto do Conselho da Europa. Concebido como um período transitório, este prazo permitiu, além dos mais, a eleição dos juízes. Estes últimos reuniram-se diversas vezes no intuito de tomar as medidas de organização e processuais necessárias ao funcionamento do Tribunal. Nomeadamente, os juízes elegeram o presidente do Tribunal, dois vice-presidentes (simultaneamente presidentes de câmara), dois presidentes de câmara, quatro vice-presidentes de câmara, um secretário e dois secretários-adjuntos. Além disso, redigiram um novo regulamento.

     

    O novo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem começou a funcionar em 1º de novembro de 1998, data da entrada em vigor do Protocolo nº 11. Em 31 de outubro de 1998, o antigo Tribunal tinha cessado a sua existência. Todavia, na conformidade do Protocolo nº 11, a Comissão continuará em atividade durante um ano (até 31 de outubro de 1999), para examinar os casos declarados admissíveis antes da data de entrada em vigor do referido Protocolo”xi.

     

    5.1. Koziacioğlu contra Turquia (ação vencida):

     

    Ibrahim Kozacıoğlu, de nacionalidade turca, em abril de 2000 teve um prédio de sua propriedade desapropriado (tombado) pelo Ministério da Cultura da Turquia, sobre o fundamento de que o imóvel tinha sido classificado como um “bem cultural”. Na época o Governo Turco lhe pagou o equivalente a EUR 65.326 (sessenta e cinco mil, trezentos e vinte e seis euros) pelo bem.

     

    Em outubro daquele mesmo ano, o Sr. Kozacıoğlu ajuizou ação judicial pretendendo um aumento da indenização, mediante nova avaliação do imóvel, pois não foi levado em consideração seu valor histórico. Na época, ele pleiteou EUR 1.728.750 a mais.

     

    Em 2001, dois peritos nomeados chegaram à conclusão de que o imóvel deveria ter seu valor dobrado, isto é, aumentado em 100%. Assim, em 15 de junho de 2001, o Tribunal Nacional julgou parcialmente procedente o pedido do Sr. Kozacıoğlu e determinou que as autoridades lhe pagassem cerca de EUR 139.728 em compensação adicional.

     

    No entanto, em 19 de novembro de 2001, o Supremo Tribunal de Justiça daquele país anulou o julgamento e declarou, em síntese, que a raridade de um edifício e suas características arquitetônicas e históricas não servem de fatores para consideração na avaliação de seu valor. Deste modo, em maio de 2002, os tribunais domésticos concederam, de maneira definitiva, um aumento de, aproximadamente, EUR 45.980 adicionais.

     

    O pedido foi apresentado ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos em 11 de novembro de 2002, baseando-se no art. 1º do Protocolo nº 1. O Requerente (Kozacıoğlu) salientou que houve uma violação do seu direito de propriedade (respeito dos seus bens). Com base no art. 6 (direito a um julgamento justo) também disse que foi prejudicado no processo perante os tribunais internos, tendo o resultado lhe sido injusto, na medida em que, em momento algum, lhe foi autorizado se valer de um historiador de arte qualificado para avaliar as características culturais e históricas do prédio disputado.

     

    Finalmente, o Tribunal/Corte Europeia decidiu por 16 votos a 01 que, de fato, tinha havido uma violação do art. 1º do Protocolo nº 1 (proteção da propriedade) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e, com base no art. 41 (apenas satisfação) da mesma Convenção, lhes concedeu EUR 75.000 em relação aos danos materiais e EUR 1.000 para os custos e despesas com o processo.

     

    Como Kozacıoğlu morreu em 2005, seus herdeiros decidiram continuar com a ação perante o Tribunal (Corte Europeia de Direitos Humanos), recorrendo à Câmara na tentativa última de majorar sua indenização.

     

    Em 31 de julho de 2007, o Tribunal, finalmente, por 04 votos a 03, confirmou a sentença anterior, demonstrando que o valor histórico e cultural de um imóvel, quando há desapropriação e indenização por parte do Estado, deve ser levado em consideração, sobretudo porque o bem tombado se torna uma relíquia e um patrimônio a ser preservado às futuras gerações.

     

    5.2. Depalle contra França (ação perdida):

     

    Louis Depalle é cidadão francês, nascido em 1919, e atualmente vive em Monistrol d'Allier (França).

     

    Em 1960, O Sr. Depalle e sua esposa compraram, por escritura notarial, uma casa de habitação no Município de Arradon (Distrito de Morbihan). A casa foi construída na praia pertencendo à categoria de patrimônio público marítimo. No momento da compra, a ocupação da terra pública foi autorizada por uma decisão precária do Prefeito de Morbihan, como já havia feito com os ex-ocupantes, em contrapartida ao pagamento de uma taxa, de modo que ela poderia ser revogada a qualquer momento, sem direito à compensação.

     

    Esta autorização foi renovada regularmente até 31 de dezembro de 1992. Em setembro de 1993, o Prefeito de Morbihan ofereceu ao Sr. e a Sra. Depalle a possibilidade de assinar um acordo com o Estado que os autorizava a permanecer no local até o final de suas vidas, com a condição de que eles não realizassem quaisquer outras obras na residência, proibindo-lhes ainda de vender ou transferir a casa para terceiros.

     

    Indignado, Depalle procurou revisão judicial da decisão do Prefeito no Tribunal Administrativo de Rennes. O Prefeito, por sua vez, quando confrontado com a recusa do candidato, solicitou a demolição do imóvel, sem indenização, sob o argumento de que o mesmo atrapalhava o acesso à praia (coletividade). O argumento deste último era de que, como o bem se inclui na categoria do patrimônio público marítimo, Depalle não poderia obter direito real sobre tal habitação.

     

    Uma vez buscada a solução junto à Corte Europeia de Direitos Humanos, esta concluiu, por 13 votos a 04, que não houve violação ao art. 1º do Protocolo nº 1 (direito de propriedade), porque os interesses da comunidade se sobrepunham aos do Sr. Depalle, pois o livre acesso à costa não poderia ser proibido em detrimento da maioria, sobretudo porque tal medida preservava o meio ambiente comum de todos. Do mesmo modo e pelos mesmos fundamentos, por 16 votos a 01, o Tribunal reconheceu que o art. 8 não foi também desrespeitado (direito à moradia).

     

    CONCLUSÃO

     

    O Patrimônio Cultural corresponde à reencarnação de um povo, de modo que a alma (cultura) permanece mantida e preservada, seja fisicamente, entre sítios naturais e obras de engenharia humana, seja de maneira imaterial, mediante danças, tradições, festas antigas, ligadas ou não à religiosidade, às gerações futuras.

     

    Deste modo, a legislação brasileira, especialmente as Constituições Federais, desde 1934, vem sedimentando seus conceitos acerca do seu Patrimônio Cultural, sempre ampliando seu alcance, sobretudo por meio das normativas infraconstitucionais.

     

    A UNESCO, por sua vez, juntamente com o Projeto Monumenta do Governo Federal, e demais Leis do Estado de Goiás, buscam viabilizar capital de investimento para projetos culturais, de modo a preservar a história já sedimentada e alavancar outras ideias novas.

     

    A preservação de bens imóveis e móveis no Brasil é feita por meio da desapropriação, quando a propriedade passa a ser do domínio público, e de projetos de lei, com finalidades políticas, ou, principalmente, via Lei de Tombamento, quando a obra de engenharia permanece registrado em nome do particular, que dele faz uso, agora restrito e mitigado, de forma a manter as características originais que tornam aquele empreendimento uma relíquia, digna de conservação histórica.

     

    Além disso, a legislação brasileira ainda disponibiliza aos cidadãos (com direito de votar e serem votados) e ao Ministério Público Federal e Estadual as ações Popular e Civil Pública, respectivamente, de modo a garantir a busca da proteção do Patrimônio Cultural por meio do Poder Judiciário, especialmente em situações em que a medida liminar e urgente se faz necessária para embargar uma obra que põe em risco patrimônio antigo ou demolir outra que já causou danos a bem protegido, por exemplo.

     

    Por fim, não menos importante, ressaltamos a atuação da Corte Europeia de Direitos Humanos que, entre os países europeus signatários, tem exercido um direito importante na solução de entraves administrativos e judiciais, subsidiariamente, na busca de uma imparcialidade no juízo de valor. A Corte acaba se tornando, na verdade, uma espécie de heroína dos direitos dos menos favorecidos, aqui no Brasil reconhecidos como “hipossuficientes”, na medida em que eles se encontram em desigualdade financeira, jurídica e técnica se comparados com os grandes empreendedores e governantes que vão de encontro ao direito por eles reivindicado.

     

    Portanto, se a alma é extremamente importante para o corpo, se a cultura é o sustentáculo do povo, o patrimônio dela decorrente exige sua preservação, de modo que sua reencarnação possa continuar se perpetuando, de geração em geração, para que todos possam com ela conviver e apreciar, mantendo a memória e a história a um passo do conhecimento.

     

    BIBLIOGRAFIA

     

    FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro, 13ª edição, Editora Saraiva, 2012, págs. 423/537.

     

    MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro, 9ª edição, Malheiros Editores, 2001, págs. 847/901.

     

    MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente, Editora RT, 2000, págs. 183/197.

     

    NOTAS

     

     

    i - Michel Parent, ex-Inspetor da UNESCO e ex-técnico do Serviço Principal de Inspeção dos Monumentos e de Inspeção de Sítios na França.

    ii - MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente, Editora RT, 2000, págs. 183/197.

    iii - Art. 216 - Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. §1º - O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.

    iv - FONTE: http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/culture/world-heritage/heritage-legacy-from-past-to-the-future/

    v - Embora a Liga das Nações já tivesse criado em setembro de 1921 uma Comissão de Educação e Cultura.

    vi - http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/culture/world-heritage/heritage-legacy-from-past-to-the-future/ (sublinhei e negritei)

    vii - Sérgio Paulo Rouanet (Rio de Janeiro, 23 de fevereiro de 1934) é um diplomata, filósofo, tradutor e ensaísta brasileiro. É membro da Academia Brasileira de Letras desde 1992. É graduado em ciências jurídicas e sociais e realizou seu mestrado em economia, ciência política e filosofia na USP, onde também doutorou-se em ciência política. Enquanto exerceu o cargo de secretário de cultura do presidente Fernando Collor de Melo, foi responsável pela criação da lei brasileira de incentivos fiscais à cultura, a chamada Lei Rouanet. (FONTE: http://pt.wilkipedia.org)

    viii - O termo "tombo" vem da famosa Torre do Tombo de Portugal, onde os documentos antigos mais importantes da coroa eram guardados.

    ix - op. citada.

    x - FONTE: http://www.monumenta.gov.br/site/?page_id=164

    xi - FONTE: Gabinete de Documentação e Direito Comparado - GDDC, que funciona na dependência da Procuradoria Geral da República de Portugal - http://www.gddc.pt/direitos-humanos/sist-europeu-dh/cons-europa-tedh.html

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    Sobre o autor
    Geraldo Fonseca Neto

    Assistente de Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, Professor Convidado da Graduação da Pontifícia Universidade Católica de Goiás - PUC-GO e da Faculdade Cambury de Goiânia, Professor de Pós-Graduação da Universidade de Rio Verde - FESURV, da Faculdade Montes Belos - FMB e da Uni-Anhanguera em Goiânia / Sou formado em Direito pela PUC-GO, advoguei durante 9 anos, possuo Especialização em Direito Penal pela Universidade Federal de Goiás - UFG e, atualmente, estou fazendo Mestrado em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento pela PUC-GO.

    Informações sobre o texto

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