Capa da publicação Fazenda Pública: quando o valor afasta o Juizado Especial
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Incompetência do Juizado Especial da Fazenda Pública em razão do valor da causa nas ações com litisconsórcio ativo facultativo

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28/04/2015 às 14:48
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2. A FAZENDA PÚBLICA

2.1. Conceito

Podemos conceituar a expressão “Fazenda Pública” como a área da administração Pública que trata da gestão das finanças federais, estaduais municipais, bem como da fixação da implementação de políticas econômicas, também conhecido popularmente como Erário, que se destina a todas as pessoas de direito público, ou seja, a União, os Estados, os Municípios, suas respectivas autarquias, os territórios e o Distrito Federal.

Leonardo José Carneiro da Cunha ao dispor a respeito dessa matéria assenta que,

“Em outras palavras Fazenda pública é a expressão que se relaciona com as finanças estatais, estando imbricada com terno Erário, representando o aspecto financeiro do ente público” 19.

Diante de tais pessoas de jurídicas de direito público e dos órgãos que a integram, permite-se o surgimento de outras entidades administrativas, que compõem a administração indireta que são as autarquias, as fundações públicas, as sociedades de economia mista e as empresas públicas

Nessa mesma linha de Raciocínio, é importante salientarmos que, não fazem parte do conceito de Fazenda Pública, os dois últimos entes supramencionados (sociedades de economia mista e as empresas de públicas), pois se revestem de pessoas jurídicas de direito privado, não integrando o conceito de Fazenda pública 20, restando então, serem submetidas a à execução na forma prevista para as pessoas jurídicas de direito público.

“Não estão incluídas nesse conceito as empresas públicas e as sociedades de economia mista porque são, não obstante, entes componentes da administração pública indireta, pessoas investidas de da personalidade de privado” 21.

No que tange as Autarquias, podemos dizer que constituem uma pessoa jurídica de direito público, com personalidade jurídica própria e atribuições específicas da Administração Pública.

Em relação às fundações, entende-se enquanto detiverem tal denominação, aquelas tidas como de direito público, são criadas por lei para exercer atividades próprias do estado, ou seja, terão o fim de prestar assistência social a coletividade.

Ressalta-se que, se a expressão Fazenda Pública identifica-se com as pessoas jurídicas de direito público, é curial que somente estão abrangidos por ela a União, os Estados, os Municípios e o Distrito federal e suas respectivas autarquias e fundações públicas.

“O que importa deixar evidente é que o conceito de Fazenda Pública abrange a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações públicas, sendo certo que as agências executivas ou reguladoras, sobre ostentarem o matiz de autarquias especiais, integram igualmente o conceito de fazenda pública” 22.

2.2. Finalidade das Varas da Fazenda Pública

Com a finalidade processar ações de maior complexidade, fazenda Pública não dispõe de foro privilegiado, pois gozam de foro privativo apenas nas comarcas em que existam varas especializadas da Fazenda Pública.

“Firmada a competência territorial da respectiva comarca, pelas leis do processo, receberão as Varas da Fazenda Pública das Comarcas do Interior, entre outras:

“a) ações em que as Fazendas Públicas Estaduais ou Municipais, bem com suas autarquias, seja autoras, rés ou intervenientes, excetuadas as de falência, da infância e da juventude e de acidentes do trabalho;

b) ações de desapropriação;

c) ações populares e ações civis públicas de interesse do Estado dos Municípios que integram a comarca, bem como de suas autarquias ressalvada a competência definida em legislação especial, (por exemplo, o Estatuto da criança e adolescente);

d) ações civis por ato de improbidade administrativa, as ações em que forem parte entidades para estatais (constituídas sob o regime jurídico de direito privado, empresas públicas e sociedades de economia mista” 23.

O legislador ao definir a finalidade não buscou a mera comodidade das partes, mas visou ao atendimento do interesse público de bem distribuir a prestação jurisdicional.


3. LITISCONSÓRCIO E VALOR DA CAUSA

3.1. Litisconsórcio Ativo Facultativo

O litisconsórcio ativo facultativo consiste na pluralidade de autores sendo formado por vontade das partes, com a finalidade de litigar no mesmo processo onde a causa de pedir o pedido são idênticas.

Cumpre informar que o legislador foi sábio ao identificar hipóteses onde a lei permite que os integrantes da relação processual possam estar em juízo separadamente, não sendo obrigatória a reunião em litisconsórcio. Surgem então, casos de litisconsórcio facultativo como podemos observar no art. 46. Código de processo Civil Vejamos, então, seu teor:

Art. 46 - Duas ou mais pessoas podem litigar, no mesmo processo, em conjunto, ativa ou passivamente, quando:

I - entre elas houver comunhão de direitos ou de obrigações relativamente à lide;

II - os direitos ou as obrigações derivarem do mesmo fundamento de fato ou de direito;

III - entre as causas houver conexão pelo objeto ou pela causa de pedir;

IV - ocorrer afinidade de questões por um ponto comum de fato ou de direito.

Podemos observar que o dispositivo normativo traz em seu texto a expressão “podem”, o que demonstra tratar-se de Litisconsórcio facultativo.

Segundo Ernane Fidelis dos Santos,

“a formação e litisconsórcio pode se dar também e com muito mais razão, quando acorrer conexão pelo objeto ou causa de pedir. O objeto no caso é sempre o mediato, não a providência jurisdicional invocada, mas o bem, o objeto de direito material, sobre qual ela incidirá como ocorre, quando o credor aciona o devedor principal e o fiador, ou executa devedor avalista. De identidade de uma causa de pedir cita-se o fato de várias pessoas beneficiadas pleitearem cada qual, mas em conjunto, a quota respectiva que lhes cabe e, contrato de seguro , quando ocorre o fato jurídico que legitima as pretensões” 24.

Para Humberto Theodoro Júnior,

“o litisconsórcio ativo facultativo além de se estabelecer por vontade das partes, subdivide-se em irrecusável e recusável. O primeiro se dá quando requerido pelos requerido pelos autores não podendo ser recusado pelos réus e o segundo admite rejeição pelos demandados. Diferentemente do litisconsórcio ativo necessário onde não pode ser dispensado, mesmo com acordo geral entre os litigantes” 25.

“O litisconsórcio pode ser facultativo, quando se forma por vontade das partes, e necessário, quando é e formação obrigatória, seja por determinação da lei, seja em razão da natureza da relação jurídica, deduzida no processo” 26.

Do ponto de vista da uniformidade da decisão perante os litisconsortes, classifica-se o litisconsórcio em:

  • I) unitário: que ocorre quando a decisão da causa deva ser uniforme em relação a todos os litisconsortes; e

  • II) simples: que se dá quando a decisão, embora proferida no mesmo processo, pode ser diferente para cada um dos litisconsortes.

Em regra os litisconsortes se consideram como litigantes autônomos em seu relacionamento com a parte contrária.

No caso em comento, mister se faz informar que o Litisconsórcio na presente mostra- se UNITÁRIO, pois a decisão final proferida é uniforme, pois alçará todos os litisconsortes, ou seja, os atos que beneficiarem a um litisconsorte beneficiarão também aos demais .

“Quando se cuida, porém, de litisconsórcio unitário, a regra do art. 48. é de escassa aplicação ou menor efeito prático, posto que na decisão final terá de ser proferida de modo uniforme para todos os litisconsortes” 27.

3.2. Valor da Causa para Fins de Fixação de Competência

Para que seja fixada a competência dos Juizados Especiais Fazenda Pública, tem-se a necessidade de serem observados requisitos de suma importância.

“Na fixação da competência dos Juizados Especiais da Fazenda Pública nos Estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios, regulamentados pela Lei nº 12.153/2009, devem ser observados cinco requisitos, sendo os três primeiros objetivos (art. 2º), e os dois restantes subjetivos (art. 5º): a) causas de competência da Justiça Estadual; b) o valor da causa não deve ultrapassar os 60 salários mínimos; c) mesmo que não se supere o valor de alçada, a matéria não deve estar listada nas exceções do § 1º do art. 2º; d) somente podem ser autores as pessoas naturais, microempresas e empresas de pequeno porte (art. 5º, I); e) e no polo passivo são legitimados os Estados, o Distrito Federal, os Territórios e os Municípios, bem como autarquias, fundações e empresas públicas a eles vinculadas (art. 5º, II)” 28.

De acordo com a doutrina de Leonardo José Carneiro da Cunha, o valor da causa para fins de fixação de competência, deve ser considerado por autor como o valor total atribuído a causa, sendo vedada a sua individualização por autor, se não vejamos:

“Por aí se percebe que, havendo litisconsórcio, o valor da causa deve equivaler ao montante total postulado, não se considerando o valor individual por autor. Em outras palavras, para que se possa postular no Juizado da Fazenda Pública, é preciso que o valor total equivalha a até 60 (sessenta) salários mínimos. Não é o valor individual de cada autor que deve ser levado em conta, mas o valor de toda a postulação. Essa observação é relevante, exatamente porque a competência dos Juizados da Fazenda Pública é absoluta. Significa que, proposta uma demanda com valor total da causa superior a 60 (sessenta) salários mínimos, haverá incompetência absoluta do Juizado, devendo a causa ser proposta numa Vara da Fazenda Pública” 29.

A Lei 12.153/09 sofreu veto expresso do Presidente da República ao §3º do supracitado art. 2º que determinava:

§ 3º. Nas hipóteses de litisconsórcio, os valores constantes do caput e do § 2º serão considerados por autor.

Tal entendimento foi expressamente vetado da lei, sendo retirado da ordem jurídica, não tendo sido combatido nem superado pelo Congresso Nacional. Conforme as razões de veto:

“Ao estabelecer que o valor da causa será considerado individualmente, por autor, o dispositivo insere nas competências dos Juizados Especiais ações de maior complexidade e, consequentemente, incompatíveis com os princípios da oralidade e da simplicidade” 30.

Resta claro que o veto presidencial vislumbrou a complexidade procedimental que se estabeleceria em razão da individualização dos litigantes, sendo incompatível com a celeridade própria dos Juizados Especiais.

“Por ai se percebe que, havendo litisconsórcio, o valor da causa deve equivaler ao montante total postulado, não se considerando o valor individual por autor. Em outras palavras, para que se possa postular no Juizado Especial da Fazenda pública, é preciso que o valor total equivalha a até 60(sessenta) salários mínimos. Não é o valor individual de cada autor que deve ser levado em conta, mas o valor de toda a postulação” 31.

No mesmo esteio, Carneiro da Cunha deixa claro que, a lei 12.153/09 que criou o Juizado Especial da Fazenda Pública, foi vetada expressamente quanto à individualização da causa, sendo equivocado querer trazer à tona o dispositivo normativo judicialmente, sob de violação ao princípio da Legalidade.

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Para Luiz Manoel Gomes Júnior, o veto presidencial é sem sentido, pois, a existência de litisconsórcio ativo não afeta a natureza da matéria que será debatida, desde que ausente a complexidade da matéria.

Aduz que então que:

“(...) perdeu-se a oportunidade, com o veto, de haver o ajuizamento em bloco de ações (litisconsórcio), racionalizando o trabalho, o que levará ao ajuizamento de diversas ações de forma totalmente desnecessária, com um volume inútil de trabalho e atos repetitivos (...)” 32.

Podemos observar que existirem duas correntes jurisprudências a respeito dessa matéria.

A primeira corrente jurisprudencial consiste em que algumas Câmaras de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, reconhecem que o valor da causa para fins de fixação de competência, dever ser considerado como o valor total atribuído a causa, vedada a sua individualização por autor, conforme se afere dos julgados a baixo arrolados.

Vejamos a Ementa do Venerando Acórdão prolatado pela 9ª Câmara de Direito Público, de lavra do Desembargador Gonzaga Franceschini :

“COMPETÊNCIA. Ação ajuizada em litisconsórcio ativo perante a Vara da Fazenda Pública, com valor da causa superior a sessenta salários mínimos O valor da causa é uno e, pois, indivisível pelo número de autores, para fixação da competência, seja por ausência de dispositivo processual civil que assim o permita, seja por ter sido vetado o dispositivo da lei de regência do Juizado Especial da Fazenda Pública que determinava a divisão Precedente Agravo de instrumento provido para manter a competência da Vara da Fazenda Pública para conhecer e decidir a lide, arredando-se a determinação de remessa ao Juizado Especial da Fazenda Pública” 33.

O mesmo entendimento foi também esposado pela 8º Câmara de Direito Público, nos seguintes termos:

“COMPETÊNCIA. Valor da causa. Adicional por tempo de serviço. Ação distribuída perante uma das varas da Fazenda Pública, da justiça estadual comum. Valor da causa que foi considerado individualmente, para cada litisconsorte. Determinação de redistribuição do feito ao juizado especial da Fazenda Pública. Inadmissibilidade. Valor da causa que deve ser considerado na sua totalidade, e não de forma individualizada, para cada co-autor, e que, no caso dos autos, supera o valor de 60 salários mínimos (Lei 12.153/09, artigo 2º, § 4º). Manutenção do processo na vara da fazenda pública” 34.

No mesmo sentido, não divergiu o entendimento a Desembargadora Maria Laura de Assis Moura Tavares:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO-VALOR DA CAUSA- Decisão que determinou a remessa dos autos a uma das Varas do Juizado Especial da Fazenda Pública, sob o fundamento de que para fins de competência o valor da causa deve ser considerado individualmente entre os litigantes Inadmissibilidade - Valor da causa que deve corresponder ao benefício patrimonial almejado- Dada a oportunidade aos agravantes para emendar a petição inicial e retificar o valor da causa, deve prevalecer o valor atribuído-Decisão reformada para determinar o prosseguimento do feito perante a 1ª Vara da Fazenda Pública Recurso provido” 35.

A segunda corrente jurisprudencial segue posicionamento de que algumas Câmaras de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo entendem que nos casos de litisconsórcio ativo, o valor da causa para fins de fixação de competência, deve ser calculado dividindo-se o valor total pelo numero de litisconsortes, conforme podemos aferir dos julgados a baixo elencados.

Vejamos a Ementa do Venerando Acórdão prolatado pela 13ª Câmara de Direito Público, de lavra do Desembargador Ferraz de Arruda:

“Agravo Regimental. Decisão Monocrática que negou provimento ao Agravo de Instrumento. Remessa dos autos da ação ordinária ao Juizado Especial da Fazenda Pública. Manutenção da decisão com fundamento em posicionamento majoritário da câmara e entendimento do STJ, Recurso desprovido” 36.

O mesmo entendimento foi também esposado pela 4º Câmara de Direito Público, nos seguintes termos:

“Agravo de Instrumento. fixação de competência. Juizado Especial da Fazenda Pública. Litisconsórcio Ativo Facultativo.Valor Causa que deve ser analisado levando –se em conta a pretensa de cada litisconsorte, individualmente considerado , e não a soma das pretensões de todos os demandantes . Observância dos Princípios da Economia e Celeridade Processuais. Decisão mantida . Recurso Desprovido” 37.

Por derradeiro, importante salientarmos que a corrente jurisprudencial majoritária que se forma sobre o tema, entende que o valor da causa para fins de fixação de competência dever considerado na sua totalidade, e não de forma individualizada, determinando, então, o trâmite e a devida manutenção do processo perante as Varas da Fazenda Pública.

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