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Incompetência do Juizado Especial da Fazenda Pública em razão do valor da causa nas ações com litisconsórcio ativo facultativo

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28/04/2015 às 14:48
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4. CONFLITO DE COMPETÊNCIA

4.1. Julgamento do Conflito de Competência Pela Câmara Especial

Nos termos do Regimento Interno do Tribunal de Justiça de São Paulo, a Câmara Especial é o órgão competente para julgar os conflitos de competência entre juízes, dirimindo as controvérsias e uniformizando o entendimento do Tribunal (art. 33, II, RITJSP).

Leonardo José Carneiro da Cunha entende que em se tratando de conflito de competência entre o juiz estadual de vara comum e um juiz estadual de juizado deveria ser solucionado pelo próprio Tribunal de justiça, e não pelo Superior Tribunal de Justiça

“(...) o STJ firmou entendimento, consolidado no enunciado 348 de sua súmula, que um conflito de competência entre o juiz federal e de vara comum e um juiz federal de juizado deveria ser solucionado pelo próprio STJ. De tal entendimento divergiu o STF, sendo certo que um conflito de competência entre aqueles órgãos há de ver resolvido pelo respectivo TRF, e não pelo STJ. Essa orientação jurisprudencial aplica-se igualmente no âmbito da justiça Estadual, valendo dizer que um conflito de competência entre um juiz estadual de uma vara da fazenda pública e um juiz de juizado da fazenda pública deve ser solucionado do pelo correspondente Tribunal de Justiça e não pelo STJ (...)” 38.

Em recente julgamento da Câmara Especial, no voto do Ilmo Desembargador Luiz Ganzerla, julgou o Conflito de Competência entre a 10ª Vara da Fazenda Pública e a 1ª Vara do Juizado Especial da Fazenda Pública.

Na ocasião, a Câmara Especial entendeu que nas ações envolvendo o pleito de diferenças remuneratórias de servidores públicos:

  • I) não é possível a aferição imediata do valor da causa, dada sua complexidade;

  • II) em ações litisconsorciais, o valor da causa deve ser aferido universalmente, vez que a lei processual não permite a divisão por autor, apenas autoriza a limitação do litisconsórcio em razão da celeridade e eventual prejuízo a defesa;

  • III) a complexidade da ação é incompatível com o procedimento do Juizado Especial;

Deste modo, podemos notar que nas ações envolvendo diferenças remuneratórias de servidores públicos, a competência para julgamento é das Varas Ordinárias da Fazenda Pública.

Vejamos o teor da ementa:

“EMENTA: CONFLITO DE COMPETÊNCIA - Ação, em litisconsórcio, que visa reconhecimento e pagamento de gratificação de magistério - Valor da causa impreciso, indicado por estimativa — Divisão, pelo Juízo da Vara da Fazenda, do montante estabelecido na exordial pelo número de litisconsortes, com posterior remessa ao Juizado Especial da Fazenda Pública — Inviabilidade de sua prévia aferição ante a complexidade da demanda — Conflito reconhecido para declarar a competência do Juízo da 10a Vara da Fazenda Pública do Foro Central da Capital” 39.

Em suas razões, os Ilmos. Desembargadores entenderam que a Lei 12.153/09 apenas firmou a competência do Juizado Especial da Fazenda Pública em razão do valor da causa, nada dispondo acerca da hipótese de litisconsórcio.

Neste caso, por expressa determinação do próprio art. 27. da Lei 12.153/09, deve ser aplicado subsidiariamente o Código de Processo Civil, que prevê a limitação litisconsorcial apenas em razão da celeridade processual e potencial prejuízo a defesa (art. 46, § único do Código de Processo Civil), vejamos o teor do dispositivo:

O juiz poderá limitar o facultativo quanto ao numero de litigantes, quando este comprometer a rápida solução do litígio ou dificultar a defesa. O pedido de limitação interrompe o prazo para respostam que recomeça da intimação da decisão.

Nota-se então que, não há autorização legal na Lei 12.153/09 e no Código de Processo Civil para a cisão do valor da causa em razão do litisconsórcio, devendo prevalecer o valor universalmente atribuído.

A lei, porém, nada dispõe a respeito do valor da causa em litisconsórcio facultativo ativo.

Por outro lado, a lei processual em vigor deferiu às partes a iniciativa da constituição do litisconsórcio facultativo, mas permite ao juiz, tão somente, limitá-lo quando impedir a rápida solução do litígio ou dificultar a defesa, o que não se confunde com a imposição de sua dissolução por conta de diferença existente no proveito jurídico a ser obtido por uns e outros.

Destarte, o ordenamento jurídico não permite ao juiz cindir um vínculo admitido processualmente, sem que esteja comprometendo a celeridade ou o exercício da defesa pela parte adversa, apenas com o intuito de definir a competência em favor dos Juizados Especiais da Fazenda Pública.

Entretanto, os Ilmos. Desembargadores da Corte Especial ponderaram que a complexidade da causa não permite a liquidação de sentença no Juizado Especial da Fazenda Pública.

Sendo assim, a Câmara Especial determinou que nas ações remuneratórias de servidores públicos não é possível a aferição imediata do valor da causa e que a mesma deve ser aferida universalmente, devendo ser mantida a competência das Varas da Fazenda Pública nos casos em que o valor assinalado é superior ao teto do Juizado Especial da Fazenda Pública.

4.2. Uniformização da Interpretação da Lei

O art. 18. da lei 12.153/09, disciplina o Pedido de Uniformização de Interpretação de lei, cabível quando existir divergência entre decisões proferidas por Turmas Recursais sobre questões de direito material.

Quando o pedido for fundamentado em divergência entre turmas do mesmo Estado (ou do Distrito Federal), ele será julgado em reunião conjunta das turmas em conflito, sob a presidência de Desembargador indicado pelo Tribunal Justiça (art. 18,§1 da lei 12.153/09). Se os magistrados forem domiciliados em cidades diversas, a reunião poderá ser feita por meio eletrônico (art. 18, §2º, da lei 12.153/09).

“Por sua vez, se a divergência ocorrer entre Turmas de diferentes estados, o pedido de uniformização será julgado pelo Superior Tribunal de Justiça” 40.

Luís Otávio Sequeira de Cerqueira entende que seria mais oportuna a criação de uma Turma de Uniformização Estadual para dirimir questões que não envolvam lei federal.

“Contudo em que pese o conteúdo prático da norma, entendemos que seria mais oportuna a criação de uma Turma de Uniformização Estadual, com a competência definida para dirimir as divergências, que em regra será a última instância para as questões que não envolvam lei Federal, mas apenas direito municipal ou estadual” 41.

Cassio Scarpinella Bueno ao tratar especialmente do Pedido de Uniformização da Jurisprudência assevera que:

“Se a divergência na interpretação da lei (material) for proveniente de turmas de diferentes Estados ou, ainda, quando a decisão proferida estiver confronto com súmula do Superior Tribunal de Justiça, será este o Tribunal competente para julgar o pedido (art. 18, §3, da lei 12.153/09), cabendo ao relator sorteado, nos termos do §2 do art. 19. da mesma lei , proferir “medida liminar “ para determinar a suspensão dos processos em que se verificar a controvérsia, sempre que houver plausibilidade de direito e fundado receio de dano de difícil reparação. A previsão é inconstitucional porque falta ao Superior Tribunal de Justiça competência para julgar um tal pedido. Nos termos do art. 105. da Constituição Federal, uma tal competência só poderia ser reconhecida por emenda a Constituição; não como se dá no caso, por lei” 42.

Jorge tosta ao discorre a respeito do assunto, afirma que se tratando de divergência de natureza processual ou procedimental, será incabível o pedido de uniformização.

“Se houver divergência acerca de questões de natureza processual ou procedimental, incabível será o pedido de uniformização, o que talvez se explique pela circunstância de a competência da União, dos Estados e do Distrito federal ser concorrente em relação à criação, ao funcionamento e, processo do juizado de pequenas causas, e também quanto aos procedimentos em matéria de processual (art. 24, X e XI, da CF), possibilitando normatizações diversas no âmbito de cada Estado e Distrito Federal” 43.

Destaca- se que, quando a orientação acolhida pela reunião conjunta das turmas em conflito, realizada no respectivo Tribunal de Justiça, contrariar a súmula do Superior Tribunal de Justiça, a parte interessada poderá provocar a manifestação deste, que deverá dirimir a divergência.

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“Requerida à manifestação do STJ, deverá o caso ser distribuído a um relator, que poderá, diante da plausibilidade do direito invocado e havendo fundado receio de dano de difícil reparação, conceder, de ofício ou a requerimento, medida liminar determinando a suspensão dos processos nos quais a controvérsia esteja estabelecida. O relator poderá, ainda, se necessário for, pedir informações ao Presidente da Turma Recursal ou ao Desembargador Presidente de Uniformização e, nos casos previstos em lei ouvirá o Ministério Público em 5 (cinco) dias” 44.

Resta claro que, havendo interessados, ainda que não sejam partes no processo, poderão se manifestar, no prazo de trinta dias e, decorridos tais prazos, o relator incluirá o pedido em pauta de julgamento, com preferência sobre todos os demais feitos.

Enquanto o Superior Tribunal de Justiça não se pronuncia sobre o caso, eventuais pedidos de uniformização idênticos ficarão retidos nos autos.

Por derradeiro os Tribunais de Justiça e o Superior Tribunal de Justiça, no âmbito de suas competências, expedirão normas regulamentando os procedimentos a serem adotados para o processamento e o julgamento do pedido de uniformização.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio da realização da presente pesquisa, ficou assente a total impossibilidade do trâmite das ações perante o Juizado Especial da Fazenda Pública, por se tratar de ações de maior complexidade em decorrência do litisconsórcio e do valor da causa. Ficou evidente que a competência para processar, conciliar e julgar as ações promovidas pelos servidores públicos, como mencionado ao longo do trabalho, é das Varas da Fazenda Pública. Tal afirmação segue a linha majoritária da doutrina e da jurisprudência.

No primeiro capítulo, abordamos a instalação, a competência e os princípios norteadores dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, trazendo os mais variados e importantes aspectos da lei que introduziu, no Brasil, os referidos Juizados Especiais.

No segundo capítulo, tratamos do conceito e da finalidade das Varas da Fazenda Pública, diferenciando as pessoas jurídicas de direito público e os órgãos que as integram, proporcionando um entendimento claro ao leitor.

No terceiro capítulo, estudamos o litisconsórcio ativo facultativo e o valor da causa para fins de fixação de competência, discorrendo sobre o veto presidencial ao §3º do art. 2º da Lei 12.153/09, bem como sobre a impossibilidade de individualização do valor da causa por autor. Foram apresentados os diferentes posicionamentos existentes na doutrina e na jurisprudência, ratificados pelos acórdãos do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

No quarto e último capítulo, abordamos o conflito de competência, discorrendo sobre o julgamento desse tipo de conflito e explicando as possíveis soluções, por meio do pedido de uniformização da interpretação da lei, reunindo o entendimento de alguns doutrinadores.

Por derradeiro, podemos concluir que a competência para processar, conciliar e julgar as ações promovidas pelos servidores públicos é das Varas da Fazenda Pública, por todos os motivos de fato explanados no presente trabalho, respeitando, contudo, as correntes doutrinárias e jurisprudenciais em sentido contrário.


REFERÊNCIAS

BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil: procedimentos especiais do código de processo civil; juizados especiais. Vol.2. Tomo II. São Paulo: Saraiva, 2011.

CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo.8 ed. rev., ampl. e atualizada com a Emenda Constitucional 62 e com as leis 120.016 e 12.153). São Paulo: Dialética, 2010.

FIGUEIRA JUNIOR, Joel Dias. Juizados Especiais da Fazenda Pública: comentários a lei 12.153 de dezembro de 2009. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

GOMES JUNIOR, Luiz Manoel et al. Comentários à Lei dos Juizados Especiais da Fazenda Pública: lei 12.153/2009. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

JUNIOR, Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil. 39. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

MARTINS JUNIOR, Wallace Paiva. Remuneração dos Agentes Públicos. São Paulo: Saraiva, 2009.

MAZOTTI, Marcelo. As Escolas Hermenêuticas e os Métodos de Interpretação das Leis. Barueri: Manole, 2010.

SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de Direito Processual Civil: processo de conhecimento. Vol. I. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

TOSTA, Jorge (coord.) et al. Juizados Especiais da Fazenda Pública. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012.

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.) et al. Execução Civil: estudos em homenagem ao professor Humberto Theodoro Junior. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

Oscar Valente Cardoso, Valor da causa e competência dos Juizados Especiais da Fazenda Pública. Disponível em: <https://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8653&revista_caderno=21> Acesso em 01/02/2015.

Administração do Site DOE, Poder Judiciário Cad. 1, Parte 1 de 02-06-06. pg. 01.

Competência da Vara da Fazenda Pública. Disponível em - <https://www.juridicohightech.com.br/2011/05/competencia-da-vara-da-fazenda-publica.html> acesso em 01/02/2015.

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