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Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho (SESMT):

Apontamentos críticos.

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4 PATOLOGIA DO SESMT: combate aos estágios fraudulentos

Após (re)pensar o SESMT acerca da (in)dependência profissional de seus membros é apropriado adentrar em uma das mais repugnantes degradações do SESMT, que são os aviltamentos trabalhistas que vem ocorrendo exatamente em um ambiente que deveria ser um dos de maior respeito ao trabalhador: o âmbito acadêmico, num curso de Pós-Graduação na área da Saúde e Segurança do Trabalho (SST), que obriga os alunos a trabalhar gratuitamente para empresas, sob pena de retenção do diploma.

A situação real é que há indícios que o SESMT de empresas estão funcionando acrescidos de recursos humanos com base em estágios fraudulentos, em franco desrespeito a Lei n. 11.788/08, que regulamenta o estágio, em uma artimanha entre empresas e Instituições de Ensino Superior (IES), que condicionam o recebimento do diploma pelo aluno/consumidor a realização desse estágio ardil de 200 horas. Nesses estágios fraudulentos não existe seguro contra acidentes pessoais, com cobertura para morte ou invalidez, total ou parcial, provocado por acidente, com esse valor constatado no certificado individual de seguro de acidentes pessoais; não têm limitação da jornada de 6 horas diárias, com essa carga reduzida para 3 horas no caso de verificações de aprendizagem semanal; não possui o contrato de termo de compromisso entre as partes; não existe nem mesmo remuneração ao estagiário; já que efetivamente tem vínculo empregatício em empresas indicadas pelo coordenador do curso; demonstrando a gravidade da situação, já que a formação de recursos humanos exatamente na área de SST vem sofrendo uma sério golpe em seus direitos.

Acerca do desrespeito aos requisitos do estágio, determina o Auditor-Fiscal do Trabalho Ricardo Resende que “descumprido qualquer um dos requisitos para caracterização lícita do estágio, estará configurada a relação de emprego entre o estagiário e a parte concedente, pelo que cabe à fiscalização do trabalho a lavratura do auto de infração por falta de registro”.

A coordenação indica que os alunos/consumidores laborem, preferencialmente, nesse esquema durante suas férias. Será que na função de trabalharem justamente com saúde do trabalho, não conhecem nem mesmo o fundamento da existência das férias ou é mesmo a precarização ética que os domina? De acordo com a lei, as férias existem por ser um período de descanso que objetiva a recuperação da energia do trabalhador, assim como garantia da prosperidade da vida social do trabalhador. E também não sabem o fundamento da obrigação de pagar o salário do trabalhador? O salário tem caráter alimentar, indisponível, de garantir a sobrevivência do trabalhador e de sua família, sendo um abuso contra os direitos humanos a sua negação. Não é compreensível que, logo um profissional da área do SESMT, aconselhe ao trabalhador a não ter nenhuma férias e não ter salário, sendo, na realidade, um responsável direto pelo adoecimento físico e mental que pode abater esse desvalido trabalhador.

Como disse o Papa Bento XVI, refletindo sobre o que vem ocorrendo, nosso mundo está dominado pelo relativismo moral, no que ele chamou de “ditadura do relativismo”, que oprime quem não aceita as condições desumanas. É esse relativismo moral que entende como correto aos outros o que para quem promove não o é, provocando a desesperança nos corações dos que deveriam ser considerados como irmãos, não como objetos.

O que vem ocorrendo no ambiente acadêmico é de uma essência tão desumanizadora que surpreende. Diante do receio da judicialização dessa situação, o uso do artifício indecoroso de alteração de nomenclatura de estágio para “prática supervisionada”, só demonstra ainda mais a evidência de prática ilícita e a confiança na impunidade. Ademais, qualquer alegação de existência de previsão contratual é nula judicialmente, pois até mesmo os contratos (trabalhistas ou educacionais) não podem ser feitos se não baseados em critérios legais, diante de seu limite na função social (art. 421, Código Civil).

Percebe-se que desconhecem um dos princípios que regem o Direito do Trabalho, o princípio da primazia da realidade sobre a forma. Esse princípio, conforme dispõe o Ministro do TST Maurício Godinho Delgado determina que o operador jurídico “deve atentar mais à intenção dos agentes do que ao envoltório formal através do que transpareceu a vontade”, sendo “um poderoso instrumento para a pesquisa e encontro da verdade real em uma situação de litígio trabalhista”. O art. 9° da CLT se aplica totalmente a esse cenário, que determina em lei que “serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos conditos na presente Consolidação”. Destarte, encobrir com fumaça a relação de vínculo empregatício com a fachada fictícia de estágio, com nome de prática supervisionada, na verdade é ação nula, pois é ato que desvirtua os preceitos protetivos da CLT.

Como se extrai dos ensinamentos da doutrina e da legislação, obviamente existe relação de emprego entre o aluno/consumidor e a IES/empresa conveniada, diante da presença real dos elementos caracterizadores do trabalho, nos termos da CLT. O aluno estará efetivamente entregando parte de seu tempo de vida trabalhando para empresas indicadas pela coordenação do curso, vendendo sua força de trabalho física e intelectual, chegando a ter lesado a sua dignidade de pessoa humana, sendo peão de tabuleiro promovendo o enriquecimento ilícito da empresa, nos termos do art. 884 do Código Civil, já que é realizado por pessoa física, com pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e sob subordinação; com o agravo da retenção salarial indevida por parte da IES e empresa conveniada. Vejamos, a aplicação do princípio da primazia da realidade “é o triunfo da verdade real sobre a verdade formal”.

A precarização ética nesse caso é tão obscena que não se preocupa nem mesmo com a saúde do aluno/consumidor/trabalhador. Vede, qual será o porvir de um aluno/consumidor atuando nessa relação ilícita, que sofrer um acidente do trabalho na empresa conveniada? Quem irá custear seu período de recuperação e os danos patrimoniais, morais e estéticos que vier a sofrer? A empresa está preparada para suportar a pesada ação regressiva impetrada pela Advocacia Geral da União (AGU)? Vejamos a gravidade, o profissional que busca realizar uma especialização em uma área de SST acredita que vai encontrar a vida, mas, lamentavelmente, pode acabar perdendo a vida, com o conluio de um local, que é a Faculdade, que deveria buscar ser exemplo, mas, infelizmente, diante dos indícios, está sendo regida pelo desrespeito aos direitos humanos.

Incontestavelmente, vem ocorrendo uma subproletarização do trabalho, ao assombro da lei, com direitos desregulamentados, flexibilizados, com arranjo a dotar o ser humano como instrumento do capital, causando padecimento a “classe-que-vive-do-trabalho”.

À vista disso, em homenagem ao princípio da primazia da realidade e a legislação trabalhista, a máscara dessa fraude trabalhista deve ser sondada, com responsabilização ética (exploração do trabalho de outro profissional), cível (art. 927 do Código Civil – responsabilidade civil e indenização) e criminal (art. 203 do Código Penal – crime de frustação de direito assegurado por lei trabalhista, com pena de detenção de até dois anos) dos responsáveis. A atuação dos ilustres membros do Ministério Público do Trabalho (MPT) é essencial, garantindo, de modo exemplar, a justa condenação da IES, dos coordenadores do curso e das empresas conveniadas, por danos morais individuais e coletivos, em cifras milionárias, revestidos aos alunos e ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), respectivamente; além do pagamento de todas as verbas trabalhistas devidas aos alunos/consumidores, com cálculo baseado no piso salarial estabelecido pela categoria; por exemplo, no caso dos médicos, pela FENAM (o valor referente a 2014, com jornada de 8 horas diárias, é de R$ 21.982,38).

A história do mundo, revela que a emancipação do trabalhador só ocorre quando ele apresenta obstinação e contestação aos abusos que vem sofrendo. Os opressores devem fazer acordos com a “classe-que-vive-do-trabalho”, então, em breve, teremos uma crise social no mundo do trabalho, em um confronto tempestuoso do capital com os hipossuficientes. O prognóstico é desfavorável aos opressores, diante da incrível massa de oprimidos que aumenta a cada dia. Se os opressores aprendessem que a história se repete, assimilariam o exemplo histórico da Revolução Francesa, que destruiu o regime então vigente. Hoje, os trabalhadores oprimidos tem fome, não só de comida, mas de dignidade. Então, é isso que devemos proporcionar a “classe-que-vive-do-trabalho”: a dignidade. Devemos compartilhar vida com os trabalhadores, investindo em saúde e segurança do trabalho não só para cumprir legislação; em uma gestão participativa que foca na prevenção. Assim, a comunidade de trabalho será banhada por uma chuva de graça, e a empresa será ainda mais rica com a ascensão fenomenal de um dos mais importantes índices: a FIB, que é a Felicidade Interna Bruta, com a certeza, que os trabalhadores irão estar ali felizes, gerando a conciliação entre o capital e a “classe-que-vive-do-trabalho”.


5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em face do revelado, são complexos os desafios para a construção de novos paradigmas para o SESMT. O ponto chave, que será sinal de prosperidade, é a garantia real da aplicação do art. 10 da Convenção n° 161 da OIT, quer dizer, a garantia de total independência do SESMT de seus empregadores. Nessa mesma linha de raciocínio, o Des. Sebastião Oliveira, TRT/MG, considera que “a regulamentação atual do SESMT está ultrapassada, porque não acompanhou as inovações legais ocorridas e não abrange todas as previsões da Convenção n. 161 da OIT.”

Ao que se extrai, é fundamental e em condição de urgência que seja garantida a estabilidade provisória para todos membros do SESMT, visando garantir a todos esses profissionais independência e imparcialidade, livrando-os das pressões que surgem dentro das empresas para condicionar as decisões do SESMT ao bel-prazer dos executivos.

De modo secundário, é pertinente avaliar a criação da carreira pública para os membros do SESMT. Destarte, vinculados ao Estado atuariam, primeiramente, nas empresas com os maiores índices de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais. Eles, diferentemente dos Auditores-Fiscais do Trabalho do MTE, seriam Médicos do Trabalho, Engenheiros de Segurança do Trabalho, Enfermeiros do Trabalho, Técnicos de Segurança do Trabalho e Auxiliares de Enfermagem do Trabalho que estariam diariamente dentro das empresas, com vínculo estatutário (Lei n° 8.112/90) e regime próprio de previdência social – RPPS (Lei n° 9.717/98), sem o temor de qualquer sanção dos dirigentes das empresas; podendo efetivamente defender a saúde e segurança dos trabalhadores.

O Estado se encontra marcado pela precarização social, e é preciso resgatar a ética no trabalho, tendo como bússola o respeito ao próximo. Os profissionais do SESMT devem apresentar posturas austeras no sentido de proteger a saúde e segurança do trabalhador, sem o temor de retaliações de quem quer dos homens seja, pois que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder a sua alma? Ao bem da verdade vos digo, aquele que quiser salvar a sua vida nesse mundo, perdê-la-á, e quem perder a sua vida por amor aos ensinamentos de Jesus, achá-la-á.

Esse debate colocou em causa os Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho (SESMT), nessa perspectiva indica os desafios dos profissionais engajados nessa atividade para efetivar as funções próprias desses serviços de saúde e de apoio ao trabalhador. Para alcançar esse propósito buscou-se fazer um breve resgate com apanhados históricos, desde as bases iniciais, percorrendo os objetivos para a constituição do SESMT para atuar como meio de promoção e proteção nos ambientes de trabalho, até atingir o momento atual, desvelando a direção desvirtuada em que está sendo conduzindo alguns desses serviços, devido principalmente à ausência de firme valores não atribuídos pelo Estado, autor por natureza das fiscalizações trabalhistas e, provedor do bem-estar dos cidadãos.

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Todo o exposto aqui considera-se um estímulo ao desenvolvimento do senso crítico e da cidadania, tendo o intuito do debate acadêmico, sem o interesse de emitir juízo de valor, valendo-se da liberdade de ensinar, respaldado pelo art. 206, II, CR/88 ao lado da liberdade de expressão, fundamentando no art. 5°, IX, CR/88, que constitui um dos pilares da democracia e da República Federativa do Brasil.

É um dever moral do profissional da área de SST não ser conivente com práticas desajustadas, pois é exatamente ele quem irá proteger a integridade de outros trabalhadores. Afinal, nós não podemos ser relapsos com os nossos interesses, pois então seremos com os dos outros.

Em uma meditação espiritual após todo o revelado, nesse (re)pensar do SESMT: para onde iremos, nesse cenário perverso que fere os direitos individuais até mesmo do trabalhador (profissional de SST) que legalmente deveria cuidar da saúde dos outros trabalhadores? Assim como Nossa Senhora, com Jesus ainda em seu ventre, ao ver um grupo de homens apedrejando uma mulher, sentiu “impotência diante de uma injustiça[...] diante de alguns que se consideram melhores que os outros[...]”, compartilhando desse sentimento e acolhendo essa súplica de Nossa Senhora, questiono com Fé e esperança: “Existirá alguém que um dia levantará a voz contra essa atrocidade?” Quem tiver ouvidos para ouvir, que ouça!


REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição Federal (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 37 ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Portaria n. 3.214, de 08 de junho de 1978. Aprova as Normas Regulamentadoras do Capítulo V, Título II, da Consolidação das Leis do Trabalho, relativas a Segurança e Medicina do Trabalho. São Paulo: Saraiva. 2013.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 12 ed. São Paulo: LTr, 2013.

DWYER, Tom (2006), Vida e Morte no Trabalho: Acidentes do trabalho e a produção social do erro, Rio de Janeiro e Campinas, Multiação Editorial e Editora da UNICAMP.

OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 8 ed. São Paulo: LTR, 2014.

OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 4ª ed. São Paulo: LTR, 2002.

SOARES, Saulo Cerqueira de Aguiar; SOARES, Ivna Maria Mello Responsabilidade ética, civil e criminal do Médico do Trabalho: o fenômeno da judicialização da saúde. In: XVII Seminário Sul Brasileiro da ANAMT, 2014, Florianópolis (SC). Anais do XVII Seminário Sul Brasileiro da ANAMT. São Paulo (SP), 2014.

SOARES, Saulo Cerqueira de Aguiar. A atuação do Ministério Público do Trabalho na proteção da saúde do trabalhador. In: 15º Congresso Nacional da ANAMT, 2013, São Paulo (SP). Anais do 15º Congresso Nacional da ANAMT, 2013. v. 1. p. 141-141.

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Sobre o autor
Saulo Cerqueira de Aguiar Soares

Pós-doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). Professor efetivo Adjunto do Departamento de Ciências Jurídicas (DCJ) da Universidade Federal do Piauí (UFPI). Titular Perpétuo da Cadeira n. 26 da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social (ABDSS). Doutor em Direito Privado, com distinção acadêmica Magna Cum Laude (Com Grandes Honras), pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) (Conceito CAPES 6). Mestre em Direito Privado, com distinção acadêmica Magna Cum Laude (Com Grandes Honras), pela PUC Minas (Conceito CAPES 6). Advogado. Médico do Trabalho. Teólogo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOARES, Saulo Cerqueira Aguiar. Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho (SESMT):: Apontamentos críticos.. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4396, 15 jul. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/38714. Acesso em: 21 nov. 2024.

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