Empresas offshore

16/05/2015 às 12:18
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Aspectos jurídicos das empresas definidas como "empresas offshore".

Definição

                  Em 2013, o termo off-shore é indubitavelmente um dos mais citados pela mídia mundial, preponderantemente em virtude do alastramento da crise de 2008 e do inconteste aceleramento do processo de globalização. O termo está na pauta de relevantes cúpulas governamentais e institucionais. Do qual comentaremos adiante.

                Mas o que é off-shore?

               O termo abrange várias acepções e, portanto a resposta evidentemente depende do ângulo que se quer abordar.

              No aspecto financeiro, popularmente chamam-se offshore as contas bancárias e empresas abertas em paraísos fiscais, geralmente com o intuito  de pagar menos impostos do que nos países de origem de seus proprietários. Como a grande  maioria dos países que permitem a criação desse tipo de empresa anônima – ou a abertura desse tipo de contas bancárias - fica em ilhas, (tais como as Bermudas, Jersey, Ilhas Cayman, etc.), por extensão de sentido, esse tipo de empresa anônima ou de conta bancária anônima passou a ser chamado de off-shore, embora alguns países continentais como o Grão- Ducado do Luxemburgo ou o Principado de Mônaco, também as permitem, usando esquemas legais diferentes, porém de resultados equivalentes. O termo vem dos tempos dos corsários que saqueavam os mares e depositavam a pilhagem offshore(fora da costa).

          Empresas offshore(offshore company) São entidades situadas fora do país de domicílio de seus proprietários e, portanto, não sujeitas ao regime legal vigente naquele país. O mesmo ocorre com as contas bancárias offshore, que são geralmente abertas em países de legislação de origem britânica, usando- se um conceito jurídico de trust law, originário da common law inglesa e que foi levado para a Inglaterra pelos cruzados. O conceito de trust refere-se a uma relação em que a propriedade (real ou pessoal, tangível ou intangível) é mantida por uma parte em benefício de outra.

       Nos países ditos paraísos fiscais ou que permitem a operação desse tipo de trust ou fundações, os bancos tem conhecimento apenas do nome dos trustes(ou seja, dos administradores  ou procuradores) das contas ou dos gestores da fundação, ignorando completamente quem seja o real beneficiário do dinheiro depositado. Assim, mesmo que haja determinação judicial, é impossível que esses bancos forneçam informações sobre quem são os proprietários dos dinheiros depositados nessas contas.

        Sérgio Polak diz “quanto maior a carga fiscal em certos países, maior é o interesse de empresas e pessoas físicas em fazer investimentos no exterior,  atraídos por inúmeros fatores tais como: moedas fortes, estabilidade econômica e política, isenções fiscais ou impostos reduzidos sobre rendimentos, segurança, sigilo e privacidade nos negócios, liberdade de câmbio, economia de custos administrativos e eventual acesso a determinados tipos de financiamento internacional a juros baixos.”

            Pessoas físicas de alta renda formam frequente empresas holdings pessoais ou familiares, visando administrar investimentos, adquirir e vender patrimônio pessoal, fazer aplicações financeiras e outros negócios particulares, além de permitir a transmissão de heranças sem os custos e demoras inerentes a um inventário.

Fundações Familiares

          Neste caso, o patrimônio do fundador ou fundadores é transferido para a fundação, nomeando-se administradores para que operem no exterior com instruções específicas para tomar certas providências, na hipótese de falecimentos ou divórcios, no tocante à transmissão desse patrimônio. Alguém transfere seus bens a outrem, para que este os administre e os transmita a determinados beneficiários.

         As rendas pessoais ou familiares, as participações societárias e mesmo bens imóveis, em caso de falecimento do fundador da entidade serão distribuídos apenas aos beneficiários escolhidos pelo mesmo. Isso também pode ser feito simplesmente mediante a transferência de quotas societárias que representam o patrimônio transmitido, quando então não incidiriam certos impostos sobre a herança e a transmissão imobiliária. Também se pode preservar os interesses dos herdeiros menores, mediante clausulas de inalienabilidade, até que o beneficiário se torne maior e legalmente capaz. Tudo isso sem despesas de testamentos, inventários e partilhas que exigem longas demandas judiciais.

Sociedade de Serviços Pessoais

        Pessoas físicas dedicadas ao fornecimento de serviços profissionais de engenharia, transportes aéreos, informática, filmes e indústrias de entretenimento podem conseguir consideráveis benefícios de economia fiscal através da constituição de sociedades prestador de serviços, com sede em outra jurisdição tributaria.

      A companhia offshore pode contratar os serviços de um profissional fora do pais no qual ele normalmente reside, e os honorários ganhos podem ser pagos e acumulados no exterior livres de impostos, mas o retorno ou internação dos rendimentos para outro pais, como seja o Brasil, poderá suscitar o problema da origem dos recursos internados, com possíveis repercussões fiscais, a serem examinadas de caso a caso.

Quando é lícito ter dinheiro em um paraíso fiscal

        Para pessoas físicas, operações por vias legais não oferecem vantagens tributarias

       Os paraísos fiscais são mundialmente conhecidos pelas legislações flexíveis e pelas inúmeras tentativas de omissões de fortunas e pagamentos de impostos de forma ilícita por parte de empresários, políticos e outros.

        Júlio Augusto Oliveira, especialista em direito tributário nacional e internacional e sócio do Siqueira Castro Advogados, explica que apesar das tributações baixas ou inexistentes nos paraísos fiscais, todo brasileiro que obtém algum tipo de renda nestes países deve pagar imposto de renda no brasil e no paraíso fiscal. “O Brasil tem acordos com alguns países para que não ocorra a bitributação, mas, para os paraísos fiscais, estes acordos não são celebrados para não incentivar as relações comerciais entre estes países”, diz.

            As únicas operações financeiras que uma pessoa física pode realizar nos paraísos fiscais são a compra de imóveis e aplicações financeiras. As demais operações só podem ser realizadas por pessoas jurídicas. No caso da compra e da venda de imóveis, por exemplo, há incidência de impostos sobre transmissão de bens inter-vivos ou de herança, conforme o caso, além de tributos sobre eventuais lucros na hora da venda. Estes impostos devem ser pagos tanto no paraíso fiscal como no Brasil. O mesmo ocorre com as aplicações, cujos os rendimentos serão tributados tanto aqui quanto lá fora.

         Dentro da legalidade, portanto, não existem vantagens tributarias para a pessoa física. A única vantagem de se investir em um paraíso fiscal seria, portanto, algo que torne de fato o investimento atrativo. Em outras palavras, comprar uma casa em Mônaco não vai trazer vantagens tributarias para a pessoa física, apenas o beneficio de abrigar o proprietário aficionado por Fórmula 1.

Pessoas jurídicas

          Toda a discussão muda de aspecto em se tratando de pessoas jurídicas. O interesse nos paraísos fiscais se dá por dois motivos centrais: primeiro porque nesses lugares não é permitido ter acesso a informações sobre a composição societária das empresas ou sua titularidade; segundo porque os impostos  –  quando não são inexistentes – são bastante reduzidos, com alíquotas inferiores a 20%, segundo a Receita Federal.

         Como essas vantagens estão disponíveis apenas para pessoas jurídicas, muita gente abre empresas em paraísos fiscais para se aproveitar de uma menor tributação sobre os rendimentos de suas aplicações financeiras, seu patrimônio, ou ainda para proteger o patrimônio ao ser alvo de conflitos judiciais.

Desconsideração da personalidade jurídica no Código Civil

            Primeiramente, é importante identificar a desconsideração da personalidade jurídica como exceção á regra. Este instituto apenas pode ser aplicado nos casos em que prevê o artigo 50 do Código Civil.

Para FÁBIO ULHOA COELHO, "o juiz não pode desconsiderar a separação entre a pessoa jurídica e seus integrantes senão por meio de ação judicial própria, de caráter cognitivo, movida pelo credor da sociedade contra os sócios ou seus controladores".

E ainda o Imo. Professor nos ensina  que “offshore company não é, necessariamente, indício de ocorrência de fraude. Pelo contrário, trata-se de instrumento legítimo para a realização de determinadas operações mercantis, legais sob o ponto de vista do direito brasileiro, com o objetivo de planejamento tributário ou fluxo de pagamentos e recebimentos em moeda estrangeira. (...) mas ela pode vir a sê-lo quando, por exemplo, pratica atos ou titulariza bens estranhos a qualquer atividade empresarial.”

            Diante disso, concluí-se que a desconsideração da personalidade jurídica só poderá ser realizada quanto houver uma das hipóteses do artigo supramencionado, para que seja aberta a exceção, e que,  os credores em ações judiciais estejam permitidos a alcançar bens do sócios da empresa , a fim de satisfazer seu crédito, quando o patrimônio da pessoa jurídica for insuficiente.

São os hipóteses do artigo 50:

1.Abuso

No Código Civil, o abuso se apresenta no art. 187 como um ato ilícito consistente no exercício de um direito, por seu titular, que "excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes".

MARÇAL JUSTEN FILHO assinala que a abusividade não é uma questão estrutural, mas funcional, de modo que sua caracterização não estaria na constituição da pessoa jurídica, mas na sua utilização.

Assere ELIZABETH CRISTINA CAMPOS MARTINS DE FREITAS que "o abuso de direito deve ser analisado à luz da teoria segundo a qual o Direito possui uma função social ativa que objetiva atingir os fins do Estado, que, antes de tudo, referem-se ao bem-estar da coletividade". E acresce, a seguir:

"De qualquer forma, o posicionamento pátrio dominante é no intuito de que o abuso de direito reflete prática que foge à normalidade, à regularidade com a intenção de causar prejuízo a outrem. Diante de tais metas, além da função social do Direito e de seu próprio conceito (que, de privatístico, hoje tenta harmonizar o privado com o público), não haveria como não ‘revisitar’ o conceito de pessoa jurídica. Devem-se diferenciar o livre-arbítrio e os poderes que o Estado se atribui, mediante a instituição de um ordenamento jurídico."

Anota SÍLVIO DE SALVO VENOSA  que o problema maior na aferição do abuso é que sua noção seria supra legal.

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Embora o eminente doutrinador assim entenda, talvez essa flexibilidade adotada por influência dos princípios sociais do Código, determinando a conduta ética e protegendo a sociedade contra comportamentos egoísticos contrários ao bem-estar social, seja mais adequada do que o rigorismo de um sistema de tipicidade fechada.

Isso porque, apesar da alegada segurança que este sistema propiciava, ele deixava sem solução diversas hipóteses não previstas.

2.Fraude

A fraude, segundo SÍLVIO DE SALVO VENOSA "é todo artifício malicioso que uma pessoa emprega com intenção de transgredir o Direito ou prejudicar interesses de terceiros".

Uma única ressalva quanto a esse entendimento é a intenção de prejudicar terceiros ou violar o Direito.

O que normalmente ocorre é a busca da satisfação dos próprios interesses. Mesmo quando se tenha em mira um prejuízo a terceiro, isso é feito para um deleite próprio.

Da mesma forma, a violação do Direito é apenas meio, e não o fim em si.

Tendo em vista que o Direito coíbe de certa forma a má conduta, a má-fé, o fraudador busca uma forma de seu objetivo ser alcançado com aparência de não violação da lei.

Aliás, fraude, em sua origem latina, fraudatio, é a "ação de enganar, má-fé". O fraudator, é o "embusteiro, trapaceiro, velhaco".

A fraude é um instrumento que o indivíduo utiliza para a satisfação de um interesse. Esse instrumento consiste na tentativa de enganar, de fazer passar por lícita ou legítima uma atividade ilícita ou ilegítima, com o objetivo de não ser impedido de alcançar seu interesse, ou ser mantido numa situação de satisfação.

A fraude à lei é uma espécie de fraude em que se tenta fazer parecer legal o que é ilegal. É a fraude utilizada no campo jurídico.

Note-se que, nessa linha de raciocínio, a simulação é uma espécie de fraude à lei.

3.Desvio de finalidade

O desvio de finalidade pode ser analisado sob dois prismas, no primeiro deles, confronta-se com os fundamentos do instituto da personalização, para que se constate se é ou não útil, no caso concreto, a separação patrimonial. O desvio de finalidade sob esse ponto de vista se confunde com o abuso acima tratado.

No segundo, toma-se o objeto social da pessoa jurídica para que se analise se ele está ou não sendo atendido, consoante análise de FABIO KONDER COMPARATO, para quem "essa importância fundamental do objeto social, enquanto causa do negócio, que constitui a chave de interpretação da problemática societária, de modo geral".

4.Confusão patrimonial

Se há confusão patrimonial, a situação é tratada como se houvesse um único patrimônio.

Note-se, contudo, que, não se sabendo onde começa e onde termina determinado patrimônio, mesmo aplicando a desconsideração da personalidade jurídica, pode ocorrer que o patrimônio de um dos envolvidos nem venha a ser comprometido.

Ora, caso não se sabe de quem é o patrimônio, não pode-se dizer que é o patrimônio do sócio que foi atingido ou quando trata-se do patrimônio da pessoa jurídica.

Assim, a desconsideração vai ficar no nível do tratamento, e não no da aplicabilidade prática.

Nada obstante, segundo FÁBIO KONDER COMPARATO se o próprio sócio, que é beneficiário da separação patrimonial e correspondente limitação de responsabilidade, não trata o patrimônio social como se fosse alheio, não se justifica manter a autonomia nas relações com terceiros.

Desconsideração da personalidade jurídica de Empresas Offshore

             O importante no tocante a desconsideração da personalidade jurídica de Empresas Offshore é que são instituídas em paraísos fiscais, e possuem características diferentes às das empresas nacionais, porém, se provada a fraude, esta companhia será desconsiderada como qualquer outra brasileira, a dificuldade em questão seria o seu controle estando instalado no exterior sem se falar em seu custo econômico.

            Além disso, existem países em que são é necessário informar o quadro social da empresa constituída, ou seja, os sócios não são identificados, e consequentemente, tão pouco o seu patrimônio.

            Ainda assim, é perfeitamente possível que a justiça brasileira, ao verificar uma das hipóteses para a desconsideração de personalidade jurídica de uma empresa Offshore tenha competência para fazê-la, ainda que seja empresa estrangeira.

             

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Sobre a autora
Nicolle Duek Silveira Bueno

Advogada inscrita na OAB/SP sob o n° 368.004, graduada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Associada à Lee, Brock, Camargo Advogados Associados, atuante em Direito Eletrônico no Brasil.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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