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Prisão civil.

Visão do Direito Constitucional

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01/04/2003 às 00:00

Resumo:


  • A prisão civil por dívida é proibida pela Constituição Federal de 1988, exceto nos casos de inadimplemento de obrigação alimentar ou de depositário infiel.

  • A evolução histórica da prisão civil mostra sua progressiva abolição em favor da execução patrimonial do devedor.

  • O Pacto de São José da Costa Rica reforça a proibição da prisão civil, estabelecendo que ninguém será detido por dívidas, exceto nos casos de inadimplemento de obrigação alimentar.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Introdução

O objetivo do presente artigo busca caracterizar a prisão civil na visão do direito constitucional, externando toda sua relevância na hermenêutica jurídica, bem como, no campo dogmático-constitucional.

O art. 5 º, LXVII da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 preconiza que não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel.

A partir deste preceito constitucional, procuramos apontar algumas questões inerentes a prisão civil por dívida, interligando o tema com alguns dispositivos da Carta Magna de 1988, especialmente aqueles que tratam dos direitos fundamentais, através de uma análise sistemática hipotético-dedutiva.

Especificamente, enquanto área de delimitação do assunto, buscar-se-á delinear em um primeiro momento, a historicidade da prisão civil, demonstrando toda sua evolução na antigüidade, desde os egípcios, passando pelo Direito Romano e a Lex Poetelia Papiria, de 326 a.C., até as suas transformações no direito contemporâneo, bem como, suas peculiaridades no direito comparado.

De outra banda, fazendo um ponte de ligação entre proibição da prisão civil por dívida e o direito constitucional, especificamente com o direito fundamental, o texto demonstra a teoria dos direitos fundamentais de primeira geração, caracterizados pelos clássicos direitos de liberdade, igualdade e fraternidade, em consonância com o art. 5 º, LXVII, Constituição Federal de 1988, ressaltando que ninguém será preso por dívida, salvo nos casos de inadimplemento alimentar ou depositário infiel.

A fim de enaltecer o presente artigo no plano do direito internacional, em um terceiro momento, desenvolve-se a temática da prisão civil, a partir do Pacto de São José da Costa Rica, ao qual, foi um tratado que o Brasil celebrou na Convenção Americana de Direitos Humanos, onde em seu art. 7 º (7) dispõe que ninguém será preso por divida.

Destarte, invoca-se o art. 5º, § 2º da Carta Maior de 1988, a fim de externar peculiar característica dos tratados internacionais que o Brasil faça parte, sempre enfocando que ninguém terá sua prisão civil por dívida decretada, seja pelos ditames constitucionais, seja pelos tratados internacionais que o país tenha celebrado.


I – Evolução Histórica da Prisão Civil

A prisão civil pode ser conceituada como "um instrumento de coercibilidade, utilizado na jurisdição civil, de cunho eminentemente econômico, previsto em lei, com o objetivo de compelir o devedor, seja depositário ou de alimentos, a cumprir o seu dever de obrigação". [1]

A evolução histórica da prisão civil por dívida na antigüidade, apareceu em seus primeiros resquícios entre os egípcios, que acreditavam que os deuses eram testemunhas do pactuado entre o devedor e o credor e menosprezavam sua inadimplência. No código de Hamurabi, constava a morte do devedor de dinheiro ou sementes e a escravidão de sua Família. No Direito Romano, versava a lei das XII Tábuas que era permitido a execução pessoal do devedor através de certos requisitos. [2]

Posteriormente surgiram uma série de dispositivos através da história sobre a prisão civil, entretanto, com o aparecimento de várias manifestações de cunho popular, que eram totalmente contrárias às crueldades físicas determinadas aos devedores, surge então a Lex Poetelia Papiria, de 326 a.C., que "estabeleceu que o inadimplemento passaria a ensejar não mais a execução pessoal, mas tão somente a execução patrimonial do devedor, com exceção do inadimplemento das dívidas provenientes de delitos, que permitia a execução da própria pessoa". [3] Também surgiu a edição da Lex Iulia, em 17 a.C., que na ocasião, o Imperador César Otaviano Augusto, efetivou um novo critério processual, que deixou mais branda a execução pessoal do devedor, deste modo ficando isento de morte e a sua sujeição condicionada a escravo. [4]

Consequentemente, a prisão civil do devedor foi através do direito contemporâneo, sendo gradativamente abolida, com o escopo de uma execução essencialmente de origem patrimonial.

Na historicidade do direito comparado também externa-se algumas peculiaridades acerca da prisão civil. Na França, a privação de liberdade por dívida civil, "oscilou entre governantes que tentaram aboli-la e outros que tentaram mantê-la." [5] Na Itália, o direito previa a prisão a prisão por dívida acerca das pendências de condenações criminais, entretanto, o Código Civil Italiano de 1942 extinguiu o referido instituto. Já no direito inglês, a prisão por dívida delineava um grau de crueldade, pois "o credor de uma obrigação inadimplida teria sido autorizado pelo juiz a cortar uma libra de carne do corpo do devedor em função do débito." [6] Na Argentina, a prisão civil tinha a mesma descendência das leis espanholas, que permitia a prisão por dívida, contudo, no ano de 1872, a Lei n º 514 aboliu a prisão, salvo nos casos de falência e insolvência civil originárias de fraude ou dolo por parte do inadimplente. [7]

No direito pátrio, era aplicado o direito lusitano, em virtude de o mesmo ser colônia de Portugal, assim, a prisão por dívida era admitida, contudo, por forte pressão do Cristianismo, abrandava-se cada vez mais a opção da prisão, ao qual, ficara mais limitada nos países da religião católica. Em seguida, com a edição do Código Civil de 1917, versava-se apenas a prisão para o depositário infiel. [8]

Na seara constitucional, a Carta Magna de 1946 extinguiu a prisão civil por dívida, salvo no caso de inadimplemento alimentar ou de depositário infiel. A constituições posteriores mantiveram o mesmo significado.


II – A proibição da prisão civil por dívida como um direito fundamental

O art. 5º, LXVII da Constituição da República Federativa do Brasil versa: "Não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel".

A nossa Carta Magna é clara ao disciplinar que ninguém será privado de sua liberdade por dívida, salvo quando por inadimplemento de obrigação alimentar ou depositário infiel. Como o artigo 5º, LXVII, encontra-se no capítulo dos direitos e deveres individuais e coletivos, inserida no Título II da Constituição, que trata dos direitos e garantias fundamentais, é notório que a proibição da prisão civil por dívida constitui-se num verdadeiro direito fundamental protegido pela Constituição.

Isto posto, sendo a liberdade um direito de defesa do cidadão, é oportuno externar algumas conceituações, bem como referenciais teóricos para compreensão do estudo ora em foco sobre os direitos fundamentais, especificamente sobre o direito à liberdade.

A ligação primordial dos direitos fundamentais à liberdade e à dignidade humana, nos seus teores históricos e filosóficos, demonstra a pertinência desses direitos, ao qual são inerentes da pessoa humana, delineando sua universalidade como teor central das constituições caracterizadas pelo Estado Democrático de Direito. Segundo Bonavides, "a universalidade se manifestou pela vez primeira, com a descoberta do racionalismo francês da Revolução, por ensejo da célebre Declaração dos Direitos do Homem de 1789." [9]

De acordo com a lição do prof. Maliska, "a fase anterior aos acontecimentos do final do século XVIII é representada, no âmbito dos direitos fundamentais, pelas cartas e declarações inglesas." [10]

A partir da Declaração francesa, notou-se que esta tinha um grau de abrangência muito mais significativo do que as declarações inglesas e americanas, posto que, conforme Bonavides:

... se dirigiam a uma camada social privilegiada (os barões feudais), quando muito a um povo ou a uma sociedade que se libertava politicamente, conforme era o caso das antigas colônias americanas, ao passo que a Declaração Francesa de 1789 tinha por destinatário o gênero humano. [11]

Como se vê, a Declaração francesa designava um caráter humano de grande valia, assumindo sua universalidade. Demonstrava a carta, o reflexo do pensamento político europeu e internacional do século XVIII. José Afonso da Silva assevera: "... dessa corrente da filosofia humanitária cujo objetivo era a liberação do homem esmagado pelas regras caducas do absolutismo e do regime feudal." [12]

A partir desses momentos históricos inerentes aos direitos fundamentais, observa-se que ali que os direitos do homem munidos também do direito de liberdade, ganharam força e legitimidade. Externar-se-á então dentro dos direitos fundamentais as características de direitos naturais, inalienáveis e sagrados, caracteres próprios das sociedades democráticas. É mister ainda que se note a enorme influência da Declaração francesa nas constituições ocidentais. [13]

Concluindo, o teor de universalidade da Declaração francesa de 1789, como bem escreve Boutmy citado por Bonavides: "Foi para ensinar o mundo que os franceses escreveram..." [14]

Assim, surgem os direitos fundamentais de primeira geração, que após todo período revolucionário do século XVIII, principalmente pelas ideologias políticas francesas, marcado pelo teor individualista (direitos de defesa, direitos do indivíduo frente ao Estado) [15], externou-se os caracteres base de todo escopo essencial dos direitos fundamentais. Postulados pela historicidade em toda sua evolução, institucionalizou-se três premissas gradativas, a saber: a liberdade, a igualdade e posteriormente a fraternidade. [16]

Os direitos fundamentais chamados de primeira geração, são teorizados pelo seu cunho materialista, ao qual, foram atingindo estas características através de um processo cumulativo e qualitativo designando uma nova universalidade com escopos materiais e concretos. [17]

Diante disto, os direitos fundamentais de primeira geração segundo Bonavides:

São os direitos da liberdade, os primeiros a constarem do instrumento normativo constitucional, a saber, os direitos civis e políticos, que em grande parte correspondem, por um prisma histórico, àquela fase inaugural do constitucionalismo do Ocidente. [18]

Destarte, os direitos fundamentais de primeira geração estão presentes em todas as Constituições das sociedades civis democráticas, não obstante seu caráter de status negativus [19], em consonância com a descrição de Maliska: "... esses representavam uma atividade negativa por parte da autoridade estatal, de não violação da esfera individual (os chamados direitos de primeira geração, os direitos civis e políticos)." [20]

A partir da redação descrita acima, nota-se a ampliação da área de defesa do indivíduo frente a atuação do Estado, e a proibição da prisão por dívida como um direito fundamental, faz surgir perante este Estado, um certo grau de incompetência. Pois o tema está submetido ao regime especial dos direitos, liberdades e garantias delineados na Lei Fundamental Brasileira de 1988. Diante disto, é oportuno salientar a lição do prof. Clèmerson Clève, que diante do regime jurídico destes direitos, descreve algumas notas caracterizadoras, a saber:

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1. Aplicabilidade direta das normas que reconhecem, consagram ou garantem (art. 5º, d 1º); 2. Vinculatividade das entidades públicas e privadas (Preâmbulo); 3. Reserva de lei do Congresso (impossibilidade de lei delegada, medida provisória) para sua restrição (art. 68, d 1º, II ); 4. Princípio da proporcionalidade como princípio informador da atividade legislativa, inclusive das leis restritivas a direitos e garantias (art. 5º, LIV); 5. Princípio da salvaguarda do núcleo essencial (princípio implícito decorrente do Estado de Direito); 6. Limitação da possibilidade de suspensão nos casos de estado de sítio e estado de defesa (arts. 136, d 1º, I e 139); 7. Garantia contra o poder de emenda a Constituição (limite material ao poder de reforma constitucional) restritiva do conteúdo dos direitos individuais (art. 60, d 4º, IV). [21]

Emergindo dos próprios ditames constitucionais, o regime dos direitos fundamentais não pode sofrer qualquer tipo de "amesquinhamento" [22] por qualquer atitude estatal. Pressuposto a isso, sendo totalmente proibida a prisão civil por dívida, nenhuma atividade legislativa pode, em razão de sua competência, prever qualquer sanção, tanto de natureza civil quanto de natureza penal (não se pode criminalizar o não pagamento de uma dívida, exceto nos casos previstos pela Constituição), pelo não pagamento de uma obrigação pecuniária.

Conforme o já citado art. 5º, LXVII, da Carta de 1988, o Supremo Tribunal Federal manifestou-se, externando que:

A prisão civil configura meio coercitivo para obter a execução da obrigação alimentar ou restituir o depósito, cessando de imediato sua eficácia tão logo o executado cumpra a obrigação imposta(RTJ 101/103), sendo certo que, por isso mesmo não pode ser confundida com a prisão penal. Ninguém discordará que a prisão civil e a criminal não poderiam, nunca produzir efeitos jurídicos iguais e de mesma natureza (RTJ 101/182). [23]

Então, se a nossa Constituição proíbe a prisão civil por dívida, esta delinear-se-á também que não se pode levantar hipóteses quando de uma conduta omissiva pelo não pagamento de uma dívida qualificar uma prisão penal por dívida, posto que a Lei Fundamental não permite esta autorização. Assim, é coerente externar que a criminalização de condutas encontra limites. O legislador ordinário não pode fraudar a Constituição e "tipificar condutas subvertendo inclusive a natureza dos conceitos, (...) Uma medida deste naipe representaria inequívoco expediente desviante da função legislativa e agressora da Constituição", [24] pois alterar qualquer inadimplemento contratual em crime é uma fraude a nossa Lei Maior, haja vista que a "liberdade de configuração do legislador encontra limites." [25]

Isto pressupõe a inequívoca explicitação do prof. Clève acerca do tema, anunciando a interpretação enunciativa como meio para a exegese do dispositivo constitucional:

Na interpretação enunciativa, o intérprete limita-se a enunciar uma nova regra que necessariamente deriva da anterior. Um exemplo de interpretação enunciativa é aquela formulada com o apoio no ‘argumentum a minori ad maius’- a lei que proíbe o menos proíbe o mais. Então, a lei que proíbe a prisão civil, implicitamente também proíbe o mais, ou seja, a prisão criminal. [26]

Diante disto, é lógico que a prisão civil é uma ofensa em menor escala do que a prisão penal, que na esfera da pessoa humana pressupõe uma ofensa muito maior. O intérprete da norma, ao compreender a abertura do texto do art. 5º, XLVII da Carta Magna, deve buscar na interpretação enunciativa consubstanciada com o princípio da dignidade da pessoa humana, versada no art. 1º, III, da Constituição Federal, pois externar-se-á um maior grau de entendimento na medida em que a dignidade da pessoa humana deve ser protegida de qualquer prisão por divida, seja ela de origem penal ou civil. [27] Ainda sobre o programa normativo do art. 5º, LXVII da Lei Maior, este esclarece que jamais ocorrerá prisão por dívida, senão nos casos previstos em lei, ou seja, na hipótese de inadimplemento de obrigação alimentar ou depositário infiel. Conforme advoga Celso Ribeiro Bastos, "nos tempos modernos já não se aceita mais prisão do devedor inadimplente, sendo cabível, em seu lugar, a execução do patrimônio do responsável da dívida." [28]

Os direitos fundamentais não podem ser restringidos, anulando seu núcleo essencial, haja vista sua natureza jurídica, bem como pelo princípio da reserva de lei. E neste aspecto, o Poder Legislativo não pode usar do abuso de competência para regular um direito fundamental, pois se o legislador ordinário intencionar editar qualquer lei que infrinja o dispositivo do art. 5º, LXVII da Constituição, anulando seu núcleo essencial, estará contrário a nossa Lei Maior passando para o campo da inconstitucionalidade. [29]

Assim sendo, recorremo-nos novamente a lição eminente jurista Clèmerson Merlin Clève:

É verdade que o Estado está autorizado a conformar os direitos fundamentais, podendo, inclusive, restringi-los. Mas estas atividades encontram limites. Revele-se, nesta oportunidade, que não são os direitos fundamentais que devem ser aplicados nos termos da lei, mas sim a lei que deve ser aplicada nos termos dos direitos fundamentais. [30]

Por derradeiro, a proibição da privação de liberdade por inadimplemento de uma dívida, tanto de natureza civil, quanto de natureza penal, constitui-se em um verdadeiro direito fundamental que não deve ser desrespeitado tanto pelo Poder executivo quanto pelo Poder Legislativo, posto que, é um preceito constitucional de máxima eficácia, consubstanciado no art. 5º, § 1º da Carta Maior de 1988, pois sua efetividade deve ser imediata conforme delineia-se a hermenêutica constitucional.


III – A Prisão Civil e o Pacto de São José da Costa Rica

O Pacto de São José da Costa Rica, também conhecido como A Convenção Americana de Direitos Humanos, o qual, foi celebrado sob a égide da Organização dos Estados Americanos ( OEA ), também versa sobre a proibição da prisão civil. Pois o art. 7º ( 7 ) do referido tratado dispõe: "Ninguém será detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar."

A partir deste dispositivo, é mister que se diga que o Brasil, que aderiu ao referido tratado internacional também deve respeitar as normas aceitas e efetivadas, posto que, por força do art. 5º, § 2º da Lei fundamental de 1988 que versa: "Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte." Assim, os tratados internacionais ao qual o Brasil faz parte ganham notoriedade e peculiar característica de direito fundamental.

A Constituição de 1988 está aberta aos direitos externados em tratados internacionais de que o Brasil seja parte, desta forma "conferindo-lhes natureza de norma constitucional. Isto é, os direitos constantes nos tratados internacionais integram e complementam o catálogo de direitos constitucionalmente previsto, o que justifica estender a estes direitos o regime constitucional conferido aos demais direitos e garantias fundamentais." [31]

O constitucionalista José Afonso da Silva advoga o seguinte entendimento sobre o caráter aberto da norma constitucional constante no art. 5º, § 2º da Constituição:

A circunstância de a Constituição mesma admitir outros direitos e garantias individuais não enumerados, quando no parágrafo 2º do art. 5º, declara que os direitos e garantias previsto neste artigo não excluem outros decorrentes dos princípios e do regime adotado pela Constituição e dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. [32]

Então, ao invocar-se o princípio normativo do art. 5º, § 2º da Constituição, os direitos internacionais anunciados nos tratados ao qual o Brasil seja parte, passam a ingressar no chamado "bloco de constitucionalidade", externando desta forma toda a positivação do parágrafo 2º do art. 5º como uma cláusula constitucional aberta. [33]

No direito comparado, há que se sustentar a lição do jurista lusitano Gomes Canotilho, que preconiza "a orientação tendencial de princípio é a de considerar como direitos extraconstitucionais materialmente fundamentais os direitos equiparáveis pelo que objeto e importância aos diversos tipos de direitos fundamentais. Neste sentido o âmbito normativo do art. 16/1 alargar-se ou abre-se a todos os direitos fundamentais e não, como já se pretendeu, a uma certa categoria deles." [34]

Por derradeiro, basta analisar os tratados internacionais de proteção dos Direitos humanos ratificados no Brasil, pois estes compõem um grau de universalidade coeso e coerente, de acordo com sua fundamentalidade. Diante disto, é inequívoco externar a ótima análise de Flávia Piovesan, consubstanciada nas lições de Jorge Miranda e do eminente catedrático Konrad Hesse:

O princípio da máxima efetividade das normas constitucionais, pelo qual, no dizer de Jorge Miranda, ‘a uma norma fundamental tem de ser atribuído o sentido que mais eficácia lhê dê; a cada norma constitucional é preciso conferir, ligada a todas as outras normas, o máximo de capacidade de regulamentação. Interpretar a constituição é realizar a Constituição.’ Na lição de Konrad Hesse ‘(...) a interpretação tem significado decisivo para a consolidação e preservação da força normativa da Constituição’... [35]

Assim, o dispositivo do art. 7º ( 7 ), constante no Pacto de São José da Costa Rica, vem somente a fortalecer o pressuposto de eu ninguém terá prisão civil por dívida, haja vista que esta norma está guarnecida e efetivada tanto por força do art. 5º, parágrafo 2º, quanto por força do art. 5º, parágrafo 1º da Constituição Federal. Cuidando-se de tratado internacional que externe direitos iusfundamentais, o seu conteúdo integra totalmente a nossa Carta Magna assumindo o status das demais normas constitucionais conforme a norma do art. 5º, § 2º. A Convenção Americana de Direitos Humanos ( Pacto de São José da Costa Rica) determina pela primazia do ser humano em todas as esferas de direito, e isto posto, o artigo 7º ( 7 ) do referido tratado internacional, por si só já objetiva defender o cidadão de qualquer atitude que delineie-se contrária aos direitos fundamentais de liberdade, especialmente a proibição de prisão civil por inadimplemento de dívida.

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Sobre o autor
Hewerstton Humenhuk

Advogado publicista. Especialista em Direito Administrativo e Gestão Pública pelo CESUSC. Professor de Direito Administrativo e Direito da Criança e do Adolescente nos cursos de graduação e pós-graduação em Direito da Universidade do Oeste de Santa Catarina - UNOESC e professor de Direito aplicado à Administração no curso de graduação em Administração da mesma instituição. Consultor e Assessor jurídico de Prefeituras e Câmaras de Vereadores do Estado de Santa Catarina. Membro do Instituto de Direito Administrativo de Santa Catarina - IDASC. Associado do Escritório Cristóvam & Tavares Advogados Associados, com sede em Florianópolis. Autor de artigos e ensaios científicos publicados em revistas especializadas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HUMENHUK, Hewerstton. Prisão civil.: Visão do Direito Constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 64, 1 abr. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3928. Acesso em: 23 dez. 2024.

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