Recentemente, a Apple Inc. divulgou fato relevante para os seus investidores sobre a possibilidade de sofrer autuações fiscais de grande impacto, caso a Comissão Europeia, órgão da União Europeia, julgue ilegais certos incentivos concedidos pela Irlanda a duas subsidiárias da companhia, podendo resultar na obrigação de pagar impostos não recolhidos nos últimos dez anos. Além da Apple, outras grandes empresas multinacionais, como Google, Amazon e Starbucks, também estão sendo alvo de fiscalizações em diversos foros, em razão de comportamentos tributários suspeitos e até mesmo de sonegação com a ajuda de paraísos fiscais (Tax Havens).
De fato, as estratégias e os planejamentos adotados por tais empresas, através da criação de estruturas societárias complexas e ramificadas, têm sido o foco do debate atual sobre tributação internacional, seja porque as receitas perdidas com transferências evasivas de lucros comprometem os orçamentos públicos de diversas nações, seja porque existe a questão fundamental de que essas multinacionais efetivamente contribuem, através do pagamento de tributos, para o desenvolvimento dos países onde fazem negócios.
Só para se ter noção da importância do tema em questão, basta ver que o próprio Presidente Barack Obama vem tentando aprovar, no Congresso Americano, uma tributação de 19% sobre lucros no exterior, o que geraria arrecadação na ordem de US$ 238 bilhões, considerando que as empresas norte-americanas evitam repatriar cerca de US$ 2 trilhões estocados em paraísos fiscais ou em regimes de tributação favorecida.
Mutatis mutandis, é como se a tributação internacional estivesse passando pelo mesmo problema decorrente da concessão de incentivos fiscais de ICMS sem que os mesmos sejam aprovados pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), tornando cada vez mais preocupante a guerra fiscal entre os Estados e favorecendo a concorrência desleal.
Não é sem razão, portanto, que a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), também conhecida como “Grupo dos Ricos” (seus participantes são países com economia de alta renda, produzindo mais da metade da riqueza do mundo), vem trabalhando num projeto sobre erosão da base tributável e transferência de lucros (Base Erosion and Profit Shifting - BEPS), criado em 2013 a pedido do G20 e desenvolvido com base em 15 pontos de ação, tais como: analisar os desafios fiscais da economia digital; combater estratégias fiscais abusivas com foco na transparência e na substância; tornar os mecanismos de solução de conflitos mais eficientes; assegurar que as regras de preços de transferências (transfer pricing) não causem a erosão da base tributável; exigir que os contribuintes divulguem seus planejamentos tributários agressivos; prevenir o uso abusivo de tratados, evitando a dupla não tributação.
Desde então, a OCDE mantém diálogo com países membros, especialistas e outras partes interessadas, com o fito de propor fortes mudanças nos regimes fiscais adotados pelos países em nível mundial, sendo esperada a conclusão deste trabalho para até o final de 2015, o que já começa a preocupar diversas multinacionais e grandes escritórios de advocacia e de contabilidade.
Por enquanto não se sabe o impacto das medidas que serão recomendadas pela OCDE e se através delas será realmente possível construir um novo consenso para a tributação internacional, em que haja: (a) mais transparência na gestão das empresas; (b) uma tributação justa para as partes; (c) e mais efetividade no combate à sonegação e aos paraísos fiscais. Isso, infelizmente, ainda está bem distante da realidade atual dos órgãos fazendários no Brasil, muito embora sejamos um dos maiores países com ativos financeiros mantidos ilegalmente no exterior pelos contribuintes.