O crime de latrocínio é demasiadamente complexo por envolver lesão à vida e ao patrimônio da vítima. Em que caso a morte ocorrida após o crime de roubo é latrocínio; e quando passa a ser homicídio?
O Código Penal, em seu artigo 157, trata a complexa figura do tipo penal relativo ao crime de roubo. Segundo o retromencionado artigo, configurar-se-á crime de roubo quando o agente “subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência”. Este tipo penal se torna mais complexo que a figura esculpida no art. 155 do mesmo diploma legal – a figura do crime de furto -, por não bastar tão-somente a retirada da res furtiva da esfera de vigilância da vítima, necessitando também que essa dita retirada seja através da violência moral ou física (mediante grave ameaça ou violência a pessoa), ou através de um modus operandi que impossibilite a resistência da vítima. Assim, será crime de roubo, e não de furto, aquele em que o agente empurrar, bater ou prender a vítima com o intuito de roubar-lhe seus bens, ou aquele em que o agente apontar-lhe uma arma, de fogo ou branca, com o mesmo propósito.
Já o § 3º do supramencionado artigo trata de duas qualificadoras do tipo penal relativo ao roubo. No dito parágrafo, o crime de roubo será qualificado “se da violência resulta lesão corporal grave, a pena é de reclusão, de sete a quinze anos, além da multa; se resulta morte, a reclusão é de vinte a trinta anos, sem prejuízo da multa.”. Ou seja, qualificará o crime de roubo se ocorrer lesão corporal grave ou morte, aplicando novas penas ao agente infrator – sete a quinze anos, no primeiro caso; vinte a trinta, no segundo. Este último é conhecido popularmente como latrocínio – o equivocado roubo seguido de morte.
Este texto dará ênfase ao latrocínio. Nos últimos tempos, sempre vemos nos noticiários casos e mais casos de pessoas que morreram nas mãos dos assaltantes, por terem reagido ao assalto, por apenas serem policiais ou simplesmente pela vontade dos criminosos. Daí surge a indagação: até onde uma morte ocorrida dentro do contexto de um roubo é latrocínio; e onde já se transforma em homicídio?
Sabe-se que o entendimento maciço da doutrina é que somente se configurará latrocínio se a morte for resultado de uma violência. O § 3º do art. 157 é explícito em determinar violência, excluindo-se, portanto, a grave ameaça – sob pena de incorrer em analogia in malam partem, vedada no nosso ordenamento jurídico. Desta maneira, se um agente apontar uma arma de fogo à vítima e esta, pela ameaça sofrida, vir a sofrer uma síncope cardíaca, ocorrendo o óbito, não há que se falar em latrocínio, pois a morte foi advinda de grave ameaça e não de violência.
Conforme já citado, o § 3º determina que, para se configurar crime de latrocínio, é necessário que “[se] da violência resulta [...] morte, a reclusão é de vinte a trinta anos, sem prejuízo da multa”. É importante salientar que essa violência, citada no dito parágrafo, é a descrita no caput (subtrair coisa móvel alheia [...] mediante [...] violência a pessoa [...]), utilizada para subtração da res furtiva. Se alguém, portanto, visa subtrair coisa alheia móvel e, para tal empenho, se utiliza de socos e pontapés, por exemplo, que acabam por desencadear a morte de alguém, configurar-se-á latrocínio. E apenas desta forma, eis que o tipo penal do art. 157 é claro em dizer “se da violência resulta morte”, fazendo-se menção à violência anteriormente descrita no tipo penal, ou seja, a do caput, aquela necessária para subjugar alguém e facilitar, assim, a retirada da coisa alheia móvel.
Não é qualquer violência que resultar morte que configurará latrocínio e, sim, apenas a necessária para efetivação da transferência da res furtiva. Se a violência que resultar em morte for outra, não há que se falar em o latrocínio, pois a violência é distinta da descrita no caput do supramencionado artigo. Não basta, portanto, qualquer tipo de violência para se configurar latrocínio, mas apenas aquela que servir para subtrair a res. Dessa maneira, aquele que, por exemplo, após apontar a arma para a vítima, subtrai os seus pertences e, por fim, atira-lhe no peito, ceifando a sua vida, não responderá por latrocínio, pois a violência que resultou em morte não foi a necessária para se subtrair os pertences (que foi advinda, diga-se de passagem, por grave ameaça). Do contrário, se o agente atirou no peito da vítima, ceifando-lhe a vida e, em seguida, subtraiu os seus pertences, responderá por latrocínio, pois, ao contrário do primeiro caso, a violência que ceifou a vida da vítima foi a utilizada para lhe subjugar e subtrair os seus pertences.
Por fim, se o agente que cometer o crime de roubo resolver retirar a vida da vítima – ou de uma terceira pessoa –, não se pode falar em latrocínio, por este ter dois dolos distintos – um de subtrair para si a res alheia, outro de ceifar a vida. Dá-se o exemplo de um grupo de pessoas que resolve espancar a vítima para tomar-lhe seus bens. Joga-o no chão e o espanca, com socos e pontapés, para depois lhe subtrair o celular e as roupas, por exemplo. Após, o mesmo grupo continua agredindo a vítima, com o intuito, unicamente, de lhe matar, acabando por conquistar o seu intuito. Não se pode tratar como apenas um crime, pois foram realizadas duas condutas, com tipos penais e iter criminis distintos, desencadeando, assim, dois crimes distintos. Pensar diferente causaria uma gigantesca injustiça, eis que o intuito da lei é punir a morte daquele que sofreu uma violência deveras astronômica para ter-lhe tomado os bens e veio a falecer em decorrência dos ferimentos, e não legitimar um homicídio doloso ocorrido no interior do contexto de um crime de roubo e dar-lhe pena, muitas vezes, mais branda. Não foi essa a intenção do legislador ao se criar a qualificadora morte no crime de roubo. Da mesma forma, o legislador o fez nas qualificadoras morte dos crimes de lesão corporal (art. 129, § 3º), estupro (art. 213, § 2º), estupro de vulnerável (art. 217-A, § 4º), epidemia (art. 267, § 1º, todos do Código Penal), entre outros. Defender a punição dos resultados mortes ocorridos no contexto dos outros crimes, e não legitimar homicídios dolosos.
O latrocínio ocorrerá, portanto, quando o agente se utilizar de violência (apenas) para subtração da coisa alheia e o agredido vier a óbito. Não é necessária que aquele que receber a violência seja a mesma pessoa que tiver seus bens subtraídos – o agente pode ser o segurança do banco ou de uma loja, o pai que protege os bens do filho etc. É necessário apenas que a violência que se utilizou para subjugar a vítima e tomar a res visada seja suficiente para lhe ceifar a vida. Entretanto, defender a não existência do crime de latrocínio não é o mesmo que dizer a impunidade da morte ocorrida. Para tanto, existe a figura do crime de homicídio (art. 121 do Código Penal), doloso ou culposo, que poderá se encaixar perfeitamente no caso concreto.
Julio Rocha
Exatamente Alberto. Era exatamente isso que eu ia falar.
Inclusive há entendimento do STF de que com a morte da vítima, mesmo que o agente não consiga a posse do produto do roubo (por desistência ou por motivo diverso de sua vontade), ainda assim o agente responde por latrocínio (roubo seguido de morte).
Alberto
Não está correta a afirmação de que "aquele que, por exemplo, após apontar a arma para a vítima, subtrai os seus pertences e, por fim, atira-lhe no peito, ceifando a sua vida, não responderá por latrocínio, pois a violência que resultou em morte não foi a necessária para se subtrair os pertences (que foi advinda, diga-se de passagem, por grave ameaça)."
O latrocínio pode ser aplicado tanto no roubo próprio quando no impróprio. Neste sentido, sendo ele um delito complexo, a sua consumação independe da subtração patrimonial, sendo igualmente configurado na hipótese onde o agente mata a vítima para empreender fuga.
Julio Grossi
Excelente!