O pluralismo nas entidades familiares e os novos moldes de família

Leia nesta página:

Esta pesquisa analisa a família brasileira no plano plural de forma que evidencie como a CRFB/1988 trouxe princípios para o entendimento das peculiaridades existentes na família, fazendo esta deixar de ser patriarcal para assumir um núcleo socioafetivo.

O pluralismo nas entidades familiares e os novos moldes de família

Este estudo abrange sobre uma nova teoria de família, que compreende tanto o lado biológico, quanto o lado afetivo. Nova teoria porque os princípios e arranjos familiares tratados aqui já surgiram há certo tempo, mas eram reprimidos devido ao preconceito, a rigidez da religião e igreja e a falta anuência do Estado e da legislação. A princípio faz-se necessário uma busca pequena histórica da origem do modelo de família conhecido no Brasil e uma tentativa conceitual, para depois realizar um estudo mais amplo a respeito do estudo do direito das famílias e também apreciar os novos arranjos familiares.

O direito brasileiro nasceu sob influencia dos costumes da Grécia e Roma antigas. Assim também, os costumes familiares vieram dessa ordem. Em um estudo Coulanges deixa claro que o culto e a religião era fundamento da associação familiar. Nas suas palavras “A família era um grupo de pessoas que a religião permitia invocar o mesmo lar e oferecer o banquete fúnebre aos mesmos antepassados.” (COULANGES, 1864, p.53) Ainda na leitura de sua obra, percebe-se que o modulo familiar era machista, com pessoas submetidas a um chefe, estruturado em base de costumes, e sem ordenamentos jurídicos.

No direito romano a família era iniciada pelo casamento, que acontecia em grande celebração religiosa. Assim com a ascensão do cristianismo e da igreja católica, ficou estabelecido no império romano apenas o casamento católico por se tratar da religião oficial do país. Sobre isso Tânia da Silva Pereira entende que:

A doutrina jurídica reconhece que o direito romano forneceu ao Direito brasileiro elementos básicos da estruturação da família como unidade jurídica, econômica e religiosa, fundada na autoridade de um chefe, tendo essa estrutura perdurado até os tempos atuais. ( PEREIRA, 2004, p. 641)

A legislação brasileira acompanhou a estruturação da igreja católica no que tange a normatização da família. O código civil de 1916 (CC/16) e também a constituição federal de 1967 (CRFB/67) regulavam a família unicamente constituída pelo matrimonio, impedia a dissolução e trazia discriminação de seus membros, como por exemplo, os filhos havidos fora do casamento.

Historicamente a família vem passando por diversas modificações, principalmente nas estruturas sociais.

A partir da promulgação da Constituição Federal de 1988 (CRFB/88) inovou-se os parâmetros familiares, principalmente pelo fato de seu texto aceitar unidades de família como a união estável e a base formada por qualquer um dos pais e seus descendentes, a família monoparental. A CRFB/88 ainda instaurou a igualdade entre o homem e a mulher, passando a proteger de forma igualitária a todos.

Uma vez que a constituição trouxe essa nova noção do que é família, cabe ao direito fazer o mesmo. O direito deve acompanhar a mudança cultural da sociedade. Neste sentido Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald entendem que:

 [...] o conceito de família mudou significamente até que, nos dias de hoje, assume uma concepção múltipla, plural, podendo dizer respeito a um ou mais indivíduos, ligados por traços biológicos ou sócio-psico-afetivos, com intenção de estabelecer, eticamente, o desenvolvimento da personalidade de cada um. (FARIAS, 2012, p. 45)

Desta forma o conceito de família se flexibiliza, tendo sua formação baseada no afeto e nas condições sociais vividas pelo ser. O estudo do direito de família está na necessidade de regularizar as relações existentes entre seus membros e as influencias exercidas sobre os bens e pessoas.

O direito de família é apreciado entre os arts. 1.511 e 1.783 do Código Civil de 2002 (CC/2002), na CRFB/88 e se dissemina também por diversas outras linhas legislativas, como o ECA, Lei do Divórcio, Lei de Investigação da Paternidade, entre outros. Sobre a Lei e a família, Maria Berenice Dias entende que:

O direito das famílias é o mais humano de todos os direitos. Acolhe o ser humano desde antes do nascimento, por ele zela durante a vida e cuida de suas coisas até depois de sua morte. Procura dar-lhe proteção e segurança, rege sua pessoa insere-o em uma família e assume o compromisso de garantir a sua dignidade. Também regula seus laços amorosos para além da relação familiar. Essa série de atividades nada mais significa do que o compromisso do Estado de dar afeto a todos de forma igualitária, sem preconceitos e discriminações. (DIAS, 2009, p. 80)

Os diversos modelos de família existentes atualmente acarretam a necessidade de um estudo acerca da evolução social e o envolvimento jurídico na esfera da família.  

A evolução da sociedade em si faz com que o direito, e também o direito de família, busque acomodação as suas estruturas, se adequando de forma legal naquilo que já existe em sociedade. Umas das peculiaridades do direito de família é a relação de afetividade, não existe de forma explicita na constituição mas é fundamental nas relações familiares atuais. Adriana Maluf classifica afetividade como:

[...] a relação de carinho o cuidado que se tem com alguém íntimo ou querido. É um estado psicológico que permite ao ser humano demonstrar os seus sentimentos e emoções a outrem. Pode também ser considerado o laço criado entre os homens, que, mesmo sem características sexuais, continuam a ter uma parte de amizade mais profunda. (MALUF, 2012, p.18)

Nota-se que a afetividade é algo que liga muito mais a família do que a própria relação hierárquica existente.

Por se tratar de uma matéria tão especifica e peculiar o direito de familia foi contemplado com varas especificas para seu tratamento.  O direito de família deve ser tratado de forma atípica ao de costume, já que se leva em consideração principalmente o sentimento das pessoas. O termo jurídico da família, não é de imposição do estado nem da igreja. A formação da família trata-se de uma busca de realização pessoal e felicidade da pessoa humana e os aspectos jurídicos que normatizam o direito de família são criados para atender a sociedade e não para sua delimitar a formação da família em si.

Vários doutrinadores aclamam os princípios constitucionais para proteção da família e de todos os seus membros. Citando alguns princípios constitucionais importantes para o direito de família, não podemos deixar de lado o principio da dignidade da pessoa humana – que é o mais universal de todos os princípios e dá o direito da pessoa humana constituir sua família e com ela ser feliz.

Outros princípios que cabe serem citados são o principio da liberdade, que se correlaciona com o principio da igualdade.  São direitos humanos fundamentais, e proporcionam as pessoas garantir o respeito à liberdade e ao não tratamento diferenciado. Existe também o principio da solidariedade, que em meio familiar é a identificação que a família atual busca como um dos fundamentos para a afetividade.

A partir do momento em que a realidade familiar se fundou no afeto, a afetividade pode também ser tratada como um princípio, tendo em vista que a união de pessoas das mais variadas formas é classificada justamente pela relação de afeto e carinho.

 Um outro principio que é importante ser destacado nesta linha de estudo é o do pluralismo das entidades familiares que se dispõe na própria CRFB/88 associando a união estável e a família monoparental como entidades familiar.

No sentido destes princípios observa-se um rompimento da estrutura patriarcal e abertura de uma cavidade para o surgimento de novos arranjos familiares na sociedade jurídica. Arranjos estes que, mostram como as tradições de costumes foram quebradas, juntamente com tabus como a homossexualidade, casamento aberto e a produção independente de filhos. Isso apresenta que, a realidade familiar se constrói a partir da história da vida compartilhada de seus membros. Desta forma cabe ao direito instituir estruturas de proteção para seu desenvolvimento.

Diversos autores enumeram, sem limitarem-se, alguns modelos de famílias que são reconhecidas atualmente, tais como família matrimonial, união estável e homoafetiva, família monoparental, anaparental reconstituídas paralelas entre outros.

A família matrimonial é conhecida também como família tradicional já que segue o contexto histórico de ter sua base fundada no casamento. Reúne pai mãe e filhos. Na visão cultural foge a linha de instituição jurídica e religiosa e passa atender uma espécie de sonho de realização pessoal. É uma herança da tradição da sociedade patriarcal. Nas palavras de Farias e Rosenvald o casamento é tão antigo quanto o próprio ser humano.

O casamento não é a única nem principal forma de constituição de família. Reconhecida pela CRFB/88, a união estável envolveu as formas de manifestação da família e não apenas aquela conhecida pelo casamento formal. A união estável é um complexo familiar parecido com o casamento, mas essa não se formaliza nos mesmos termos deste. O CC/2002 trata que é a relação configurada na convivência publica continua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família. A união estável é caracterizada por estabilidade, durabilidade, prole, relação de co-dependência econômica, convivência na mesma moradia, entre outros. A falta de qualquer destes elementos não descaracteriza a união estável.

Ainda focando na união estável, deve ser citada a união estável homoafetiva. Em votação, o STF acordou por unanimidade a equiparação da união estável homossexual e a união estável heterossexual, baseando-se principalmente nos princípios constitucionais citados anteriormente. Ficou registrado que a união homoafetiva é um espaço ideal para realização dos laços de afetividade enlaçados pelo ordenamento jurídico na constituição da esfera familiar.

Outro molde de família expresso na CRFB/88 é o monoparental, tem por titularidade do vinculo familiar apenas um dos genitores e sua prole. Este modelo se organiza tanto pela vontade dos pais de se organizarem desta forma ou por circunstancias alheias a sua vontade, e traz para a sociedade o desvinculo de família formada por um casal. A família monoparental se tornou muito mais presente após a revolução industrial, com a entrada da mulher no mercado de trabalho e a queda do patriarcalismo. O texto constitucional é claro ao dizer que entende como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, assim fica nítido que apenas refletiu uma realidade social já existente.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Na mesma linha de pensamento, se destaca a família anaparental, que se forma a partir da inexistência da hierarquia entre seus membros e a sua convivência não dispõe de interesses sexuais, se baseia apenas na afetividade sem a presença dos genitores. Como exemplo, pode-se observar dois irmãos que vivem sob o mesmo tempo, durante anos e se dependem conjuntamente para contribuição econômica e construção do patrimônio familiar.

O ordenamento jurídico atual se flexibilizou de uma forma que permite que as pessoas casem, descasem, se casem novamente com outras pessoas, procriem, recriem e por ai vai. As pessoas separadas e divorciadas se unem a outras pessoas e trazem consigo os filhos de relacionamentos anteriores, diversificando e coexistindo, formando assim um novo núcleo familiar, este núcleo é conhecido por família reconstituída. Mais um módulo familiar protegido acerca dos princípios constitucionais. Cabe aqui uma famosa frase de Maria Berenice Dias “os meus, os seus, e os nossos filhos”

Mais um resultado da pluralização dos modelos de família é o conhecimento da família paralela, que é aquela em que tem a união estável reconhecida concomitante ao casamento. Na visão doutrinaria, a família paralela nasce do concubinato, se compreende pelo fato de a união estável de pessoa casada que não aderiu a monogamia, também seja protegida pelo estado. A família paralela deve ser reconhecida apenas como entidade familiar se for fundada na existência da afetividade, estabilidade e boa-fé.

Pode-se dizer que estes exemplos acima citados são espécies de famílias eudemonistas, pois se caracterizam pela busca da realização plena de seus membros, afeto recíproco, consideração e respeito mútuo independente de vinculo biológico.

A infraestrutura familiar cresce cada dia mais, juntamente com o crescimento da bioéitca e seus efeitos na criação da família. O planejamento e construção da família é direito básico do individuo e não cabe ao Estado interferir na decisão à concepção da prole, apenas promover meios para reprodução que respeite os direitos fundamentais.

É evidente a existência do pluralismo nos arranjos familiares, baseados principalmente nos laços de afetividade, que sobrepõe as linhas biológicas. A diversidade de gêneros, crenças, valores éticos e morais não podem restringir a fundação da família que tem como base a afetividade, solidariedade, igualdade e liberdade entre seus membros.

O núcleo familiar foi atingido não só pelo Código Civil de 2002 (CC/2002), mas também pela CRFB/88 que “instaurou a igualdade entre o homem e a mulher e esgarçou o conceito de família, passando a proteger de forma igualitária todos os seus membros.” (DIAS, 2009, p. 31). Fazendo-se um marco na evolução da família, a CRFB/88 abriu ainda vertentes de reconhecimento de uniões estáveis e uniões homoafetivas, reconhecendo estas instituições como família.

De tal forma, a personalidade humana vem fundando novos conceitos de família por meio de laços afetivos com o intuito de alcançar a felicidade plena.

Referências bibliográficas

BRASIL, Código Civil. Código Civil Brasileiro. Brasília, DF, Senado, 2014.

BRASIL, Constituição. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 2014.

COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. (Tradução de Roberto Leal Ferreira. Traduzido da 1. ed. de 1864). São Paulo: Editora Martin Claret, 2009.

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 5. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Direito das Famílias. V.6. 4. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Editora JusPodivm, 2012.

MALUF, Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus. Direito das Famílias: amor e bioética. Rio de Janeiro: Editora Elsevier, 2012.

PEREIRA, Tânia da Silva. Famílias possíveis: Novos paradigmas na convivência familiar. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coord.). Afeto, Ética, Família e o Novo Código Civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.

Assuntos relacionados
Sobre os autores
Ludmilla Barbosa Silva

Acadêmica de Direito na Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES

Adailton de Souza Cardoso

Acadêmico de Direito na Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos