Lei Gabriela Leite: a legalização da prostituição sob uma nova perspectiva no Direito Penal brasileiro

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Resumo:


  • O Projeto de Lei n. 4211/2012 busca regulamentar a atividade dos profissionais do sexo, propondo mudanças significativas no Código Penal Brasileiro e desafiando o estigma social associado à prostituição.

  • As alterações legislativas propostas visam diferenciar claramente a prostituição, uma atividade não criminalizada, da exploração sexual, que é crime, além de reconhecer direitos trabalhistas aos profissionais do sexo.

  • A discussão sobre o projeto levanta questões sobre a dignidade da pessoa humana e a necessidade de adaptação do ordenamento jurídico às realidades sociais, incluindo a proteção de trabalhadores do sexo e o combate à exploração sexual e ao tráfico humano.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

5 A IMPORTÂNCIA JURÍDICA E SOCIAL DA DIFERENCIAÇÃO ENTRE PROSTITUIÇÃO E EXPLORAÇÃO SEXUAL

Impor a marginalização do segmento da sociedade que lida com o comércio do sexo é permitir que a exploração sexual aconteça, pois atualmente não há distinção entre a prostituição e a exploração sexual, sendo ambos marginalizados e não fiscalizados pelas autoridades competentes. Regulamentar a prática da prostituição e tipificar a exploração sexual para que esta sim, seja punida e prevenida, é condição essencial para a redução dos danos sociais e, sobretudo, violação dos direitos das profissionais do sexo.

A exploração sexual se conceitua pela apropriação total ou maior que 50% do rendimento da atividade sexual por terceiro(s); pelo não pagamento do serviço sexual prestado voluntariamente; ou por forçar alguém a se prostituir mediante grave ameaça ou violência. É crime previsto no Código Penal – mais precisamente em seus artigos 229 e 230 - e se tipifica independente da maioridade ou da capacidade civil da vítima, devendo, contudo, ser penalizado mais severamente no caso da vítima ser menor de dezoito anos, absolutamente ou relativamente incapaz, ou ter relação de parentesco com o criminoso.

A exploração sexual - quando a vítima é menor de dezoito anos - é tipificada como crime hediondo tanto pelo Código Penal, nos artigos 214 e 218, quanto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, dos artigos 240 ao 241-E. O exercício da atividade do profissional do sexo deve ser voluntário e diretamente remunerado, podendo ser exercido somente por absolutamente capazes, ou seja, maiores de idade com plenas capacidades mentais.

 O profissional do sexo é o único que pode se beneficiar dos rendimentos do seu trabalho. Consequentemente, o serviço sexual poderá ser prestado apenas de forma autônoma ou cooperada, ou seja, formas em que os próprios profissionais auferem o lucro da atividade.  Há quem critique a expressão “prostituição de crianças e adolescentes”. Trata-se, isso sim, de abuso ou exploração sexual de crianças e adolescentes e se tipifica como crime severamente punido pelo Código Penal.

Na grande maioria das cidades brasileiras os trabalhadores do sexo sujeitam-se a precárias condições de trabalho, sofrem com o envelhecimento precoce e com a falta de oportunidades da carreira, que cedo termina. Daí a necessidade do direito à Aposentadoria Especial, consoante o artigo 57 da Lei 8.213/1991, com redação dada pela Lei nº 9.032/1995.

O autor da Lei Gabriela Leite argumenta que para existir coerência com sua proposição, é necessário que a redação atual do Código Penal, dada pela Lei nº 12.015/2009, seja modificada em alguns de seus artigos. Os artigos 228 e 231 do Código Penal utilizam a expressão “prostituição ou outra forma de exploração sexual” equiparando a prostituição a uma forma de exploração sexual. DELMANTO et al (2010, p. 713) afirma que o texto do artigo 228 já sofreu alterações, “que antes era apenas “Favorecimento da prostituição”, foi alterada para “Favorecimento da prostituição e outra forma de exploração sexual”, pela Lei n. 12.015/2009”.

O projeto de lei em questão visa justamente distinguir esses dois institutos visto o caráter diferenciado entre ambos; o primeiro sendo atividade não criminosa e profissional, e o segundo sendo crime contra dignidade sexual da pessoa. Por isso, nos institutos legais, propõe-se a alteração da expressão por “prostituição ou exploração sexual”. BITTENCOURT (2004, p. 922) afirma que o objetivo do artigo 228 é “evitar o incremento e o desenvolvimento da prostituição”, uma vez que tal atividade atenta contra a moralidade pública sexual. Observa-se que o doutrinador, em sua análise, acaba por confundir os institutos da prostituição e o da exploração sexual, o que não pode ser realizado.

Vejamos determinados pontos em que o Projeto de Lei insere tais mudanças no Estatuto Repressivo nacional:

Redação atual:

Art. 228. Induzir ou atrair alguém à prostituição ou outra forma de exploração sexual, facilitá-la, impedir ou dificultar que alguém a abandone: [...]

[...]

Art. 231. Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de alguém que nele venha a exercer a prostituição ou outra forma de exploração sexual, ou a saída de alguém que vá exercê-la no estrangeiro: [...]

Redação conforme a proposta:

Art. 228. Induzir ou atrair alguém à exploração sexual, ou impedir ou dificultar que alguém abandone a exploração sexual ou a prostituição: [...].

[...]

Art. 231. Promover a entrada, no território nacional, de alguém que nele venha a ser submetido à exploração sexual, ou a saída de alguém que vá exercê-la no estrangeiro: [...].

O artigo 229 se refere a crime de “casa de prostituição”. No entanto, o tipo penal menciona a expressão “exploração sexual” e não prostituição. A alteração proposta só alcança o título do artigo, visto que prostituição não é exploração sexual; o crime de “casa de exploração sexual” se tipifica pelo próprio caput atual do artigo 229; e a casa de prostituição não é mais crime tipificado uma vez que a prostituição se torna profissão regulamentada e poderá ser exercida de forma autônoma ou cooperada.

Redação atual:

Casa de prostituição

Art. 229. Manter, por conta própria ou de terceiro, estabelecimento em que ocorra exploração sexual, haja, ou não, intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente: [...].

Redação conforme a proposta:

Casa de exploração sexual

Art. 229. Manter, por conta própria ou de terceiro, estabelecimento em que ocorra exploração sexual, haja, ou não, intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente: [...].

Este Projeto de Lei é mais um instrumento de combate à exploração sexual tendo em vista o caráter punitivo da prática. As casas de prostituição, onde há prestação de serviço e condições de trabalhos dignas, não são mais punidas, ao contrário das casas de exploração sexual, onde pessoas são obrigadas a prestar serviços sexuais sem remuneração e são tidas não como prestadoras de serviço, logo, sujeitos de direitos, mas como objeto de comércio sexual; essas casas, sim, serão punidas.

Além disso, a descriminalização das casas de prostituição deve obrigar a fiscalização, impedindo a corrupção de policiais, que cobram propina em troca de silêncio e de garantia do funcionamento da casa no vácuo da legalidade; e promover melhores condições de trabalho, higiene e segurança.

A vedação às casas de prostituição existente no texto legal atual facilita a exploração sexual, a corrupção de agentes da lei e, muitas vezes, faz com que essas casas não se caracterizem como locais de trabalho digno. As casas funcionam de forma clandestina a partir da omissão do Estado, impedindo assim uma rotina de fiscalização, recolhimento de impostos e vigilância sanitária. Por isso, somente deve ser criminalizada a conduta daquele que mantém local de exploração sexual de menores ou não e de pessoas que, por enfermidade ou deficiência, não tenham o necessário discernimento para a prática do ato.

O termo “exploração sexual” foi colocado no lugar de “prostituição alheia” no artigo 230 porque o proveito do rendimento de serviços sexuais por terceiro é justamente a essência da exploração sexual. Ao contrário, a prostituição é sempre serviço remunerado diretamente ao prestador.

Redação atual:

Art. 230. Tirar proveito da prostituição alheia, participando diretamente de seus lucros ou fazendo-se sustentar, no todo ou em parte, por quem a exerça: [...].

Redação conforme a proposta:

Art. 230. Tirar proveito de exploração sexual, participando diretamente de seus lucros ou fazendo-se sustentar, no todo ou em parte, por quem a exerça: [...].

A “facilitação” da entrada no território nacional ou do deslocamento interno de alguém que nele venha a ser submetido à exploração sexual deve ser criminalizada conforme proposta dos artigos 231 e 231-A. Optou-se pela retirada da expressão “prostituição” porque a facilitação do deslocamento de profissionais do sexo, por si só, não pode ser crime. Muitas vezes a facilitação apresenta-se como auxílio de pessoa que está sujeita, por pressões econômicas e sociais, à prostituição. Nos contextos em que o deslocamento não serve à exploração sexual, a facilitação é ajuda, expressão de solidariedade; sem a qual, a vida de pessoas profissionais do sexo seria ainda pior.

Não se pode criminalizar a solidariedade. Por outro lado, não se pode aceitar qualquer facilitação em casos de pessoas sujeitas à exploração sexual, principalmente se há vulnerabilidades especiais expostas nos incisos abaixo transcritos.

Redação atual:

Art. 231-A. Promover ou facilitar o deslocamento de alguém dentro do território nacional para o exercício da prostituição ou outra forma de exploração sexual: [...].

Redação conforme a proposta:

Art. 231-A. Promover ou facilitar o deslocamento de alguém dentro do território nacional para ser submetido à exploração sexual: [...].

Todas as modificações apresentadas na propositura em destaque objetivam tirar os profissionais do sexo do submundo, trazendo-os para o campo da licitude e garantindo-lhes a dignidade inerente a todos os serem humanos. Tipificar a exploração sexual diferindo-a do instituto da prostituição torna-se mister para combater o crime, principalmente contra crianças e adolescentes.


6 CONCLUSÕES

Dentre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil figuram o da erradicação da marginalização (art. 3º, inciso III, da Constituição Federal) e o da promoção do bem de todos (art. 3º, inciso IV, da mesma Carta). Além disso, são invioláveis, pelo artigo 5º da Carta Magna, a liberdade, a igualdade e a segurança. O atual estágio normativo - que não reconhece os trabalhadores do sexo como profissionais - padece de inconstitucionalidade, pois gera exclusão social e marginalização de um setor da sociedade que sofre preconceito e é considerado culpado de qualquer violência contra si, além de não ser destinatário de políticas públicas da saúde. A prostituição existe no mundo real, sempre existiu e vai continuar existindo. Não é à toa que os conhecimentos populares atribuem à prostituição a característica de profissão mais antiga do mundo.

Apesar de sofrer exclusão normativa e ser condenada do ponto de vista moral, religioso ou dos “bons costumes”, se mantém como uma expressão do comportamento e da sexualidade humana desde os primórdios da existência humana.

É de um falso moralismo, causador de grandes injustiças sociais, a negação de direitos aos profissionais cuja existência nunca deixou de ser fomentada pela própria sociedade que a condena. Trata-se de contradição causadora de marginalização e de violação de direitos de muitas pessoas merecedoras de dignidade. Trata-se de justiça social.

Verifica-se assim a potencialidade de mudança na proposta apresentada, buscando efetivação da dignidade humana contra a hipocrisia que priva pessoas de direitos elementares, a exemplo das questões previdenciárias e do acesso à Justiça para garantir o recebimento do pagamento.

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REFERÊNCIAS

BRASÍLIA. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei ordinária PL 4.211/2012. Regulamenta a atividade de profissionais do sexo. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=551899. Acesso em: 14 set. 2014.

BITTENCOURT. Cezar Roberto. Código Penal Comentado. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

Classificação Brasileira de Ocupações. Ministério do Trabalho e Emprego. Disponível em: < http://www.mtecbo.gov.br/cbosite/pages/home.jsf>. Acesso em: 17 set. 2014.

DELMANTO, Celso et al. Código Penal Comentado. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

JACINTHO, Jussara Maria Moreno. Dignidade Humana: princípio constitucional. Curitiba: Juruá, 2006.

LEITE, Gabriela. Filha, Mãe, Avó e Puta: a história de uma mulher que decidiu ser prostituta. São Paulo: Abril, 2009.

LEITE, Gabriela. Entrevista de Gabriela Leite ao Programa Roda Viva. TV Cultura, 01 jun. 2009. Entrevista a Heródoto Barbeiro, Kátia Mello, Carla Gullo, Sérgio Torres, Margareth Rago e Carmen Amorim. Disponível em: http://www.rodaviva.fapesp.br/materia_busca/723/gabriela%20leite/entrevistados/gabriela_leite_2009.htm. Acesso em: 17 set. 2014.

SANTANA, Nathália Macêdo de. O princípio da dignidade humana e sua relação com o direito penal. Revista de Direito UNIFACS. Salvador, n. 127, p. 01 - 29, jan. 2011.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2001.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 26 ed. São Paulo: Método, 2005.


[1] Projeto de Lei Ordinária n. 4211/2012. Projetos de Leis e outras proposições. Câmara dos Deputados. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=551899>. Acesso em 27 mar. 2015.

[2] NANÔ, Fabiana. Deputado quer aprovar até a Copa Projeto de Lei que regulariza a prostituição no Brasil. UOL, 15 jan. 2013. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2013/01/15/deputado-quer-aprovar-ate-a-copa-do-mundo-projeto-de-lei-que-regulariza-a-prostituicao-no-brasil.htm>. Acesso em: 24 mar. 2015.

[3] Um beijo para Gabriela. Disponível em: < http://www.umbeijoparagabriela.com/?page_id=293>. Acesso em: 27 fev. 2015.

[4] Segundo estudo elaborado pela Organização Não Governamental Childhood.com, durante a Copa do Mundo de 2010, realizada na África do Sul, se registraram – no período de dois meses entre as chegadas das delegações e o término do evento, um aumento de 63% nos casos de exploração infantil (20 mil ocorrências) e um aumento de 83% na exploração de mulheres, o que equivale a 73 mil casos de abusos. O mesmo aumento vertiginoso foi verificado na Alemanha, no período da realização do seu Mundial de Futebol, em 2006, sendo constatado um aumento de 28% na exploração de crianças e de 49% na exploração de mulheres. Para mais informações, acesse: DIAS, Otávio. Exploração sexual de crianças: países-sede tiveram grande aumento de registros durante os eventos esportivos. BrasilPost. 23 mar. 2014. Disponível em: <http://www.brasilpost.com.br/2014/03/23/prostituicao-infantil_n_5018402.html>. Acesso em: 14 fev. 2015.

[5] NANÔ, Fabiana. Deputado quer aprovar até a Copa Projeto de Lei que regulariza a prostituição no Brasil. UOL, 15 jan. 2013. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2013/01/15/deputado-quer-aprovar-ate-a-copa-do-mundo-projeto-de-lei-que-regulariza-a-prostituicao-no-brasil.htm>. Acesso em: 24 mar. 2014.

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Sobre os autores
Lucas Bezerra Vieira

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2015), inscrito na OAB/RN sob o n.º 14.465. Ex-presidente e atual membro da Comissão de Direito da Inovação e Startups da OAB/RN. Autor do livro “Direito para Startups: Manual jurídico para empreendedores” (ISBN 978-85-923408-0-3); e criador do site “Direito para Startups“, um dos primeiros portais do Brasil especializados na temática. Coordenador da Setorial Nacional de Empreendedorismo e Inovação do movimento Livres. Formação em Proteção de Dados e Data Protection Officer pela Fundação Getúlio Vargas – FGV/RJ. Advogado com atuação especializada no assessoramento jurídico empresarial, com foco em startups, empresas digitais e de tecnologia. Possui em seu card de clientes startups de renome nacional, participantes de programas de fomento ou aceleração como Endeavor Scale Up, Shark Tank Brasil, Inovativa Brasil, Estação Hack from Facebook, ACE Startups e grandes fundos de investimentos, entre outros. Mentor legal do Programa Conecta Startup Brasil, um dos maiores programas de aceleração de startups do Brasil (Softex) e do Distrito, maior ecossistema independente de Startups do Brasil. Palestrante e autor de artigos publicados em periódicos científicos, como também de artigos publicados em grandes portais nacionais (Estadão, Jota, Conjur, Migalhas, Jornal do Comércio…).

Reginaldo Antônio de Oliveira Freitas Júnior

Doutor em Ciências Médicas, Área de Concentração Tocoginecologia, pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (2003). Atualmente é Professor Associado II do Departamento de Tocoginecologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e Diretor do Instituto de Ensino e Pesquisa Alberto Santos Dumont. Graduando do curso de Direito da UFRN.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo publicado na revista Transgressões: Ciências criminais em debate (ISSN 2318-0277), v. 3, n. 1, maio 2015. Para ver o artigo em sua publicação original, acesse:http://www.periodicos.ufrn.br/transgressoes/issue/view/426/showToc

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