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A inserção da corrupção no rol de crimes hediondos: uma breve análise

04/06/2015 às 10:10
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A corrupção não é sinal característico de nenhum regime, de nenhuma forma de governo, mas decorrência natural do afrouxamento moral, da desordem e da degradação dos costumes. Enquadrá-la como crime hediondo é a verdadeira solução?

O vocábulo “corrupção” significa o uso de métodos ilegais para obter vantagens, em geral, causando prejuízos para outras pessoas. Na órbita da função pública, “corrupto” é o agente que faz uso de sua função para atender finalidade distinta do interesse público, movido pelo objetivo de alcançar vantagem pessoal (PRADO, 2012).

A corrupção não é sinal característico de nenhum regime, de nenhuma forma de governo, mas decorrência natural do afrouxamento moral, da desordem e da degradação dos costumes, do sentimento de impunidade e da desenfreada cobiça por bens materiais, da preterição da ética e do exercício reiterado e persistente da virtude, substituindo-se pelas práticas consumistas e imediatistas tão caras ao hedonismo. Esta constatação é possível pelo cotejo da história, pelo estudo da trajetória do homem através dos tempos, donde se infere que a corrupção esteve presente por todo o tempo, contida e limitada, em alguns períodos, crescente e fortalecida em outros, incomensurável e avassaladora em outros tantos (HABIB, apud BITENCOURT, 2012).

Percebe-se que a corrupção não é apenas o mal do século, mas da história da humanidade. A Lei das XII Tábuas já reprimia com extraordinária severidade a venalidade dos juízes, que era criminalizada como corrupção, aplicando-se a pena de morte ao magistrado que recebesse pecúnia, como descrevia Heleno Fragoso “cogitava-se da corrupção desde a Lei das XII Tábuas, com referência à venalidade dos magistrados, não faltando disposições penais severíssimas sobre a matéria, em outros povos da Antiguidade. As XII Tábuas impunham a pena capital ao juiz que recebesse dinheiro ou valores.”

 Na Idade Média, a pena de um modo geral continuava arbitrária, distinguiam-se as espécies de corrupção, punindo-se não só a corrupção de juízes, como a de outros funcionários. Finalmente, em 1940, o Código Penal Brasileiro, inspirado no Código Suíço, disciplinou não apenas em dispositivos separados, mas também em capítulos distintos, a corrupção passiva e a corrupção ativa, rompendo, em tese, a bilateralidade obrigatória dessa infração penal em que, via de regra, pode consumar-se a passiva, independentemente da correspondente prática da ativa, e vice-versa (LIVIANU, 2013).

O art. 317 do Código Penal Brasileiro de 1940 descreve o delito de corrupção passiva (foco deste trabalho):

“Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida ou aceitar promessa de tal vantagem.” (NUCCI, 2009)

Indaga-se: por que a corrupção, que tem sido uma constante no cenário político desde o surgimento do liberalismo, suscita atualmente uma maior preocupação no que diz respeito à sua repressão? Duas razões parecem justificar essa preocupação: por um lado, as profundas transformações sofridas pelos modernos sistemas democráticos com o surgimento dos grandes partidos políticos (e suas consequentes necessidades financeiras); a interiorização dos valores relacionados ao governo popular; o crescimento dos meios de comunicação etc.; e, por outro lado, a transformação da posição dos poderes públicos nas formas de produção, que ampliou as possibilidades de os governantes utilizarem sua autoridade para obter vantagens econômicas pessoais. Tem-se, assim, que as formas tradicionais de combate à corrupção tornam-se antiquadas diante dessa nova ordem de fatores.

Em 2011, o Senador Pedro Taques (PDT de Mato grosso) criou o PLS 204/2011 que pretende incluir, entre outros crimes, a corrupção passiva no rol de crimes hediondos. De acordo com o projeto, a alteração mais significativa será o aumento da pena mínima, que será elevada de 2 para 4 anos. Pergunta-se: chamar esse ou aquele crime de hediondo faz cessar sua prática? Para Michel Temer a inserção da corrupção na lei de Crimes Hediondos será apenas um acréscimo simbólico à Legislação Penal.

Observa-se que a Lei de Crimes Hediondos foi criada em 1990 para contemplar o crime de extorsão mediante sequestro, principalmente depois do sequestro dos empresários Abílio Diniz, em 1989, e Roberto Medina, em 1990 (FRANCO, 2012), mas, apesar da criação da lei, de lá pra cá o número de sequestros relâmpagos aumentou significativamente. Outro episódio acrescentou mais um crime ao  rol dos hediondos, o homicídio qualificado. Isso aconteceu diante da comoção nacional pelo assassinato da atriz global Daniela Perez, e mais uma vez depara-se com uma negativa: o índice de homicídios não diminuiu.

O PLS 204/2011 estava adormecido no Congresso Nacional, mas, diante da onda de protestos iniciados em junho de 2013, o Senado se viu obrigado a aprovar o projeto para “calar a boca do povo”. A aprovação deste projeto representa uma mera resposta ao clamor social, no entanto, não é classificando a corrupção como crime hediondo que se reprimirá sua prática. Existem outras formas de repressão e controle, as quatro principais são: o procedimento legislativo; o controle da Administração na execução das leis; o controle judicial; e a transparência e a responsabilidade dos próprios governantes. Na atualidade, esta última forma de combate à corrução é a que tem apresentado as mais graves disfunções. Conforme ensina Luiz Regis Prado, “a responsabilidade dos governantes implica, essencialmente, a obrigação de responder, isto é, o dever inerente a todo agente público de prestar contas de sua atuação no exercício do cargo”. Essa obrigação figura não apenas no âmbito político como também na esfera jurídico-penal.

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Sobre a autora
Karine Souza

Karine da Silva Souza. Bacharel em Direito. Especialista em Direito Penal e Criminologia pela Universidade Regional do Cariri (URCA).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Karine. A inserção da corrupção no rol de crimes hediondos: uma breve análise . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4355, 4 jun. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/39716. Acesso em: 18 dez. 2024.

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