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Ministério Público de Contas brasileiro: ser ou não ser, eis a questão

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13/06/2015 às 13:38
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4. A TERMINOLOGIA “MINISTÉRIO PÚBLICO” E O SISTEMA CONSTITUCIONAL MINISTERIAL

A falta de previsão constitucional expressa de autonomia financeira e administrativa do Ministério Público de Contas não é argumento que convença para sua negativa, ou, ainda pior, para sua proibição pelo Supremo Tribunal Federal.

Isso porque a mera terminologia empregada pela Constituição “Ministério Público” já faz por estender automaticamente o regime jurídico ministerial ao Ministério Público de Contas, na premissa de que a coincidência de nome revela uma coincidência de substância e de características. Afinal, para que serve nominar e rotular as coisas senão para identificá-las a partir de um conceito comum e próprio?

Hoje, a autonomia financeira e administrativa são dados essenciais da própria caracterização e definição terminológica do Ministério Público brasileiro, e, por assim dizer, são pilastras inafastáveis para o exato uso do termo.

Falar de Ministério Público brasileiro, seja qual for seu ramo e atuação, sem autonomia financeira e administrativa, é exatamente o mesmo que designar de avião um veículo sem asas. Um disparate vernacular!

Se desejasse a Constituição um Ministério Público de Contas capenga e claudicante de garantias institucionais, seria o caso de abrir exceção expressa na norma, em redação que viesse a amputá-lo inequivocamente de autonomia administrativa e financeira, visto que toda norma de exceção há de ser interpretada restritivamente[38].

Tendo usado o termo “Ministério Público” a presunção é que transferiu a Constituição a esse órgão ministerial o vasto regime jurídico que ela mesma havia delineado em relação ao sistema Ministério Público em geral.

Compondo tais características parte da conceituação do vocábulo, reiterá-las em relação ao Ministério Público de Contas apenas albergaria um enfadonho exercício de repetição normativa vã e inútil.

O que se verifica, no entanto, é que a vetusta jurisprudência do Supremo inverte a milenar lição interpretativa e acaba, no final das contas, por exigir que haja menção expressa à autonomia financeira e administrativa, quando tais caracteres já fazem parte do próprio conceito de Ministério Público inaugurado pela Constituição de 1988.

Nada mais incorreto.

A regra geral da Constituição de 1988 é que se é Ministério Público, é dotado de independência financeira e administrativa. Aqui, eventual economia das palavras constitucionais milita em prol do Parquet de Contas, pelo simples fato de ser Ministério Público, jamais o contrário.


5. INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL E A AUTONOMIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE CONTAS 

A interpretação jurídica é a busca da excelente captação do texto normativo (ou outros elementos normativos) pelo aplicador do direito. A tarefa de interpretar um texto jurídico é tão fundamental para o Direito, que hoje há certo consenso que a norma jurídica em si é o resultado da interpretação do jurista sobre o texto normativo. Isto é, só existe norma jurídica interpretada por ser exatamente a interpretação que transforma o texto normativo de um emaranhado de palavras a uma norma jurídica exigível que vai repercutir na vida das pessoas e cumprir sua função social.

Todo um ramo da ciência jurídica nasceu com o anseio de desvendar e estudar os meandros da interpretação jurídica, conferindo cientificidade a essa atividade essencial para o fenômeno jurídico. Estava criada a hermenêutica jurídica.

A consolidação do constitucionalismo como expressão máxima do Direito nacional e da Constituição como centro gravitacional do sistema jurídico veio a trazer importantes repercussões no estudo da hermenêutica jurídica, incentivando estudo voltado especificamente para a interpretação das normas constitucionais e sua exata captação, desenvolvendo-se a partir de então uma hermenêutica constitucional.

A própria estrutura da norma constitucional – normalmente de textura aberta e farta no manejo de princípios jurídicos e de conceitos jurídicos indeterminados – e a sua superior missão de levar o Direito às relações políticas, disciplinando a partilha e o exercício do poder, bem como impondo o respeito aos direitos fundamentais e de cidadania[39], impôs um novo pálio interpretativo que bem aproveitasse a potencialidade constitucional e a sua exata tradução normativa, cônscios de que essa tarefa, no âmbito constitucional, acaba por extrapolar os limites da mera argumentação jurídica, devendo trazer à baila considerações também sobre a separação dos poderes, os valores éticos da sociedade e a moralidade política[40].

Neste ponto, toma-se como norte as lições de Juarez Freitas que estatui:

Ademais, nunca é demais salientar que o texto da Constituição apenas se torna significativo na sua interação com o intérprete, motivo pelo qual não deve ser visto como mero objeto, porém, antes, como significado resultante da construção a partir do texto. Precisamente: não se esposam posturas exclusivamente historicistas, nem disjuntivistas, monológicas ou de relativismo cético, em função do papel constitutivo do intérprete, especialmente do intérprete constitucional, na geração da identidade e na decifração do que é o melhor para o sistema[41] (grifo nosso).

A interpretação do art. 130[42] da Constituição Federal enquadra-se exatamente nessas peculiaridades das normas constitucionais, o que demanda um estudo específico através dos métodos, elementos e princípios de interpretação constitucional mais consagrados pela doutrina.

5.1. O método hermenêutico clássico e o direito do membro do Ministério Público de Contas de trabalhar numa instituição autônoma. 

Embora a hermenêutica constitucional tenha enveredado por métodos e princípios próprios, ela também se vale dos estudos já desenvolvidos no âmbito da hermenêutica jurídica clássica, com ênfase nos elementos de interpretação de Savigny – gramatical, histórico, lógico e sistemático – aos quais se agregou o elemento teleológico de Ihering[43].

Debruçando-se sobre o teor da decisão tomada na ADI 789/DF, e recordando alguns de seus excertos já transcritos no tópico II deste artigo, percebe-se a proeminência de dois elementos interpretativos da hermenêutica clássica que tomaram à proa dos debates e acabaram prevalecendo: o gramatical e o histórico.

De fato, em razão de o art. 130 da Constituição Federal ter redação direcionada “aos membros do Ministério Público junto aos Tribunais de Contas”, o Egrégio Supremo Tribunal Federal entendeu que os direitos e garantias só seriam extensíveis, efetivamente, aos membros do Ministério Público de Contas, mas não à instituição em si. Haveria ali uma extensão meramente subjetiva de prerrogativas.

Tal linha interpretativa resta meridianamente clara ao longo de todo acórdão, tomando-se a título de exemplo o excerto presente às fls. 275-276 do decisum:

A extensão constitucional determinada pelo art. 130 da Carta Política, que tem por únicos destinatários os membros integrantes da Procuradoria que atua perante o Tribunal de Contas da União, não implicou, contudo, e no que se refere a esses servidores públicos, a necessidade formal de edição de lei complementar para a proclamação dos direitos, vedações e demais prerrogativas [...].

Ocorre que é sabida e consabida a insuficiência do elemento meramente gramatical na interpretação jurídica, havendo na literatura, como nos lembra Barroso, uma série de antológicas passagens acerca das limitações que a interpretação literal encerra[44].

Na verdade, deve-se tomar o elemento gramatical como apenas o início da tarefa interpretativa já que o texto servirá para delinear uma moldura de intelecções possíveis, sendo, entretanto, insuficiente tirar da gramática toda a potencialidade normativa. Como ensina Juarez Freitas, “A boa interpretação da Carta procura zelar pela vitalidade do sistema, sem desprezar o texto, mas indo além dele, quando necessário, como requer o próprio texto constitucional”[45].

Além do mais, o elemento gramatical ganha maiores dificuldades na interpretação constitucional, haja vista o manejo pelas normas constitucionais de termos e conceitos jurídicos indeterminados. O uso de termos vagos incrementa a participação do intérprete na criação da norma jurídica.

O art. 130 da Constituição Federal incide nessas peculiaridades ao utilizar-se de expressões como “direitos”, “vedações” e “prerrogativas” que comportam significantes e significados mais ou menos elásticos.

Nessa senda, é perfeitamente extraível do texto constitucional que o principal direito de um membro do Ministério Público é trabalhar em uma instituição autônoma que lhe garanta o exercício excelente de suas funções e o agasalhe contra investidas externas, já que todos os direitos previstos na Seção do Ministério Público são meramente ancilares a uma atuação independente de seus membros.

Assim se defende porque, pondo uma lupa no rol dos direitos dos membros do Ministério Público e da magistratura (extensível aos do Ministério Público em razão do § 4º do art. 129 da Constituição Federal)[46] percebe-se que estão voltados todos, ou quase todos, a membros de uma instituição que tem a capacidade de se autogerir e administrar[47], como não nos deixa mentir o rol a seguir:

1.      a previsão da promoção de concurso próprio pela própria instituição para o ingresso na carreira (inciso I do art. 93),

2.      a promoção de seus membros a ser definida pela própria instituição (inciso II do art. 93),

3.    a previsão de cursos de aperfeiçoamento realizados por uma escola nacional (inciso IV do art. 93),

4.      a fixação dos vencimentos de seus membros por iniciativa da instituição (inciso V do art. 93),

5.      o regime previdenciário específico (inciso VI do art. 93),

6.    regras de remoção (inciso VII do art. 93),

7.     a necessidade de motivação de suas decisões administrativas (inciso X do art. 93),

8.      a previsão de feriados, férias e do expediente (inciso XI do art. 93),

9.     a fixação do número de membros do órgão (inciso XII do art. 93) e

10.  a delegação a servidores do órgão para a execução de atos de administração (inciso XIV do art. 93).

São todos esses direitos citados aplicáveis aos membros do Ministério Público regular, e por conseguinte aos membros do Ministério de Contas, pressupondo todos eles a auto-administração e auto-gestão do órgão ministerial.

A rigor, é impensável a promoção de membros, a fixação de vencimentos, a edição de decisões administrativa e a delegação de atos de administração se o órgão não tem qualquer ingerência administrativa própria, agindo à ribalta de outrem, no caso, os Tribunais de Contas.

Reforça essa linha de pensamento, o fato das principais garantias dos membros dos Ministérios Públicos, como a inamovibilidade, a irredutibilidade do subsídio e a vitaliciedade, e as mais notáveis vedações, como a de não exercer a advocacia, serem objeto de ulterior regulamentação por intermédio de lei complementar de iniciativa dos Procuradores-Gerais[48] de cada Ministério Público, numa demonstração de que o usufruto das garantias e a incidência das vedações demandam uma iniciativa legislativa e de auto-organização ínsita a quem possui autonomia administrativa e financeira.

Ora, se tais garantias e vedações são estendidas plenamente aos membros do Ministério Público de Contas, parece claro que idêntica iniciativa legislativa e regulamentatória terão os Procuradores-Gerais de Contas. Há aqui uma extensão evidente da capacidade de auto-organização e de iniciativa legislativa, pressupostos de uma autonomia financeira e administrativa.

Além disso, é mais que sugestivo que as vedações e garantias estejam capituladas em incisos e alíneas do § 5º do art. 128 da Constituição Federal, dispositivo que, por sua vez, consagra a capacidade de auto-organização dos Ministérios Públicos, como que para mostrar à toda evidência que só com capacidade de auto-organização é que poderão os membros dos Ministérios Públicos fruirem daqueles direitos e sofrerem daquelas vedações.

Na sua sabedoria, a Constituição mais uma vez deixou para quem quiser ver que todo o rol de garantias dos membros do Ministério Público só pode jorrar de uma entidade que detém o poder de se auto-organizar, da mesma maneira que os incisos I e II e suas alíneas jorram do parágrafo 5º do art. 128.

Vê-se, portanto, que todos os direitos conferidos aos membros do Ministério Público acabam por se constituir em mera decorrência de um direito anterior e fundamental: o de funcionarem num órgão dotado do poder de auto-gestão e de auto-administração, isto é, com autonomia financeira e administrativa. 

Por assim dizer, o grande direito dos membros de um Ministério Público é o de trabalhar numa instituição independente, que os protejam e os agasalhem para o bem desempenhar de suas funções e a preservação de suas independências funcionais.

 Se é conhecida e reconhecida a extensão aos membros do Ministério Público de Contas a extensão de todos os direitos atribuíveis aos membros do Ministério Público comum, acompanha essa extensão, por óbvio, o mais importante deles: o direito fundamental a trabalhar numa instituição independente, todo o resto é ancilar, tudo que vem é decorrência desse direito primeiro e essencial.

5.2. Junto não é dentro. A interpretação gramatical só corrobora a autonomia dos MPCs

Ademais, se o caso é de se imiscuir na interpretação gramatical, é bem pertinente destacar que a Constituição cunhou os Procuradores de Contas como membros do Ministério Público de Contas. E o termo membro só faz sentido se disser respeito a uma parte integrante de uma instituição própria, autônoma e distinta de qualquer outra.

Por sinal, se o Ministério Público de Contas fosse parte integrante do Tribunal de Contas, haveria então de se concluir que os Procuradores de Contas são membros desses mesmos Tribunais de Contas, o que é afastado peremptoriamente pelo art. 73 que só menciona os Ministros do TCU e Conselheiros dos TCE como seus integrantes.[49]

De igual modo, o art. 130 da Constituição Federal refere-se a um Ministério Público junto ao Tribunal de Contas. Junto é locução adverbial que traz a ideia de proximidade, mas jamais de pertencimento. O que está junto não está dentro, se é junto é porque são coisas distintas em arrabalde. Junto é termo nitidamente referencial de elementos autônomos em comunicação, e não de um corpo único. Ninguém pode estar junto de si mesmo.

Ayres Britto é preciso em destacar a importância hermenêutica dos termos “junto” e “membros” presentes no art. 130 da Constituição Federal:

Essa locução adverbial, junto, foi repetida no artigo 130, debaixo da seguinte legenda: aos membros do Ministério Público, já no capítulo próprio do Poder Judiciário e na seção voltada para o Ministério Público. Aos membros do Ministério Público junto aos Tribunais de Contas, a locução adverbial, junto à, foi repetida, aplicam-se às disposições dessa seção pertinentes a direitos, vedações e formas de investidura. Curioso, na Constituição anterior não se falava de membros, se falava da instituição em si, Ministério Público, agora com imediatidade não se fala da instituição Ministério Público, e sim, de membros do Ministério Público. Isso me parece ter relevo, ter importância interpretativa, de monta. Quando a Constituição disse, junto à, quis resolver um impasse surgido com a legenda da Constituição anterior, porque se está junto é porque não está dentro, está ao lado, numa linguagem bem coloquial, ali no oitão da casa, mas não no interior dela, junto à, por duas vezes. E ao falar de membros, me parece que deixou claro, também, que quem é membro de uma instituição não pode ser membro da outra, só pode ser membro da própria instituição a que se vincula, gramaticalmente. A nova linguagem, membros do Ministério Público, dissipando a dúvida, membro do Ministério Público é membro do Tribunal de Contas? Eu respondo que não, até porque os membros do Tribunal de Contas da União são assim literalmente grafados no artigo 102, inciso I, letra c, da Constituição Federal, a propósito da competência judicante do Supremo Tribunal Federal, da competência originária. Então, membros do Tribunal de Contas constitui uma realidade normativa, membros do Ministério Público de Contas, outra realidade normativa. Junto à ou junto ao, não pode ser dentro de. Se o Ministério Público de Contas está fora do Ministério Público tradicional, também está fora do próprio Tribunal de Contas, em que esse Ministério Público atua ou oficia. Essa mudança de linguagem me pareceu sintomática a nos desafiar para uma nova tese, reformular uma tese. Existe mesmo um Ministério Público de Contas, ou Especial, atuando não junto aos órgãos jurisdicionais, mas junto às Cortes ou Casas de Contas. Assim como o Ministério Público usual desempenha uma função essencial à jurisdição, o Ministério Público de Contas desempenha uma função essencial ao controle externo[50].

A própria legislação referente ao Ministério Público da União é pródiga em utilizar a locução adverbial junto para se referir ao local de atuação de algum membro deste Ministério Público, como se percebe de vários excertos da Lei Complementar nº 75/93:

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Art. 46. Incumbe ao Procurador-Geral da República exercer as funções do Ministério Público junto ao Supremo Tribunal Federal, manifestando-se previamente em todos os processos de sua competência.

Art. 47. O Procurador-Geral da República designará os Subprocuradores-Gerais da República que exercerão, por delegação, suas funções junto aos diferentes órgãos jurisdicionais do Supremo Tribunal Federal.

§ 1º As funções do Ministério Público Federal junto aos Tribunais Superiores da União, perante os quais lhe compete atuar, somente poderão ser exercidas por titular do cargo de Subprocurador-Geral da República.

Art. 66. Os Subprocuradores-Gerais da República serão designados para oficiar junto ao Supremo Tribunal Federal, ao Superior Tribunal de Justiça, ao Tribunal Superior Eleitoral e nas Câmaras de Coordenação e Revisão.

Art. 68. Os Procuradores Regionais da República serão designados para oficiar junto aos Tribunais Regionais Federais.

 Art. 70. Os Procuradores da República serão designados para oficiar junto aos Juízes Federais e junto aos Tribunais Regionais Eleitorais, onde não tiver sede a Procuradoria Regional da República.

 Art. 72. Compete ao Ministério Público Federal exercer, no que couber, junto à Justiça Eleitoral, as funções do Ministério Público, atuando em todas as fases e instâncias do processo eleitoral.

Art. 79. O Promotor Eleitoral será o membro do Ministério Público local que oficie junto ao Juízo incumbido do serviço eleitoral de cada Zona.

Art. 83. Compete ao Ministério Público do Trabalho o exercício das seguintes atribuições junto aos órgãos da Justiça do Trabalho:

 Art. 90. Compete ao Procurador-Geral do Trabalho exercer as funções atribuídas ao Ministério Público do Trabalho junto ao Plenário do Tribunal Superior do Trabalho, propondo as ações cabíveis e manifestando-se nos processos de sua competência.

Art. 107. Os Subprocuradores-Gerais do Trabalho serão designados para oficiar junto ao Tribunal Superior do Trabalho e nos ofícios na Câmara de Coordenação e Revisão.

Art. 110. Os Procuradores Regionais do Trabalho serão designados para oficiar junto aos Tribunais Regionais do Trabalho.

Art. 112. Os Procuradores do Trabalho serão designados para funcionar junto aos Tribunais Regionais do Trabalho e, na forma das leis processuais, nos litígios trabalhistas que envolvam, especialmente, interesses de menores e incapazes.

Art. 116. Compete ao Ministério Público Militar o exercício das seguintes atribuições junto aos órgãos da Justiça Militar:

Art. 123. Compete ao Procurador-Geral da Justiça Militar exercer as funções atribuídas ao Ministério Público Militar junto ao Superior Tribunal Militar, propondo as ações cabíveis e manifestando-se nos processos de sua competência.

 Art. 140. Os Subprocuradores-Gerais da Justiça Militar serão designados para oficiar junto ao Superior Tribunal Militar e à Câmara de Coordenação e Revisão.

Art. 143. Os Procuradores da Justiça Militar serão designados para oficiar junto às Auditorias Militares.

Art. 175. Os Procuradores de Justiça serão designados para oficiar junto ao Tribunal de Justiça e nas Câmaras de Coordenação e Revisão.

 Art. 178. Os Promotores de Justiça serão designados para oficiar junto às Varas da Justiça do Distrito Federal e Territórios (grifos nossos).

Ninguém em sã consciência defende que os Procuradores do Ministério Público da União que atuam junto aos Tribunais e órgãos do judiciário referidos na Lei Complementar 75/93 o fazem na qualidade de servidores destes Tribunais, ou de membros de um organismo pertencente à intimidade estrutural do Poder Judiciário.

Não há razão para crer que o uso da locução adverbial junto venha a minar a existência autônoma do Ministério Público de Contas.

5.2. Interpretação histórica e falta de intenção do constituinte em manietar os MPCs de autonomia

O outro elemento que preponderou no acórdão da ADI 789/DF foi o histórico.

O elemento interpretativo histórico consiste na busca da vontade do legislador ao editar o texto normativo a ser interpretado, com atenção sobre os antepassados normativos do instituto legislado.

A tese vencedora na ADI 789/DF argumentou que aparentemente a questão teria sido decidida no seio da assembleia constituinte, tendo preferido o legislador constitucional originário adotar uma posição intermediária e de compromisso: criou-se um Ministério Público de Contas especializado, mas não lhe outorgou autonomia financeira e administrativa, nos exatos moldes de como já acontecia antes de 1988.

Os constituintes, assim, teriam produzido um retrato em preto e branco do Ministério Público de Contas, fiel ao seus antepassados como organismo interno dos Tribunais de Contas. A este especializadíssimo Ministério Público estariam negados todos os avanços que a mesmíssima Constituição teria outorgado ao Ministério Público comum.

Antes de mais nada, é preciso fincar que o elemento interpretativo histórico que preponderou no seio da ADI 789/DF, se não pode ser tido como irrelevante, vem perdendo todo o seu prestígio na doutrina constitucional, em especial quando aumenta o intervalo de tempo entre o momento constituinte e a nova realidade fática a ser decidida.

A busca de uma vontade do legislador constituinte há sempre que ser encarada com reservas, sob pena de recairmos num originalismo[51] démodé que escraviza a intepretação constitucional a um tempo e a valores não condizentes com a atualidade.

Nesse viés, Luís Roberto Barroso aponta que “à medida que a Constituição e as leis se distanciam no tempo da conjunta histórica em que foram promulgadas, a vontade subjetiva do legislador (mens legislatoris) vai sendo substituída por um sentido autônomo e objetivo da norma (mens legis) [...]”[52].

Por sinal, o STF, bem recentemente, na ADPF n. 132[53], ao estender em boníssima hora os benefícios da união estável aos casais homoafetivos, decidiu expressamente por relevar o elemento histórico que apontava para uma decisão expressa do constituinte em vedar a possibilidade de união estável entre casais homoafetivos. Preferiu-se atualizar a jurisprudência do Supremo com os novos valores e anseios sociais, em prestígio à vontade da Constituição e não do constituinte.

Outrossim, é precioso assinalar da impossibilidade fática da extração de uma “vontade constituinte” una e coesa quando se está diante de um fenômeno constitucional marcadamente democrático cuja centenas de pessoas participaram de sua feitura, representando cada uma distintas visões de vida e de ideologias muitas vezes contrárias.

É o que nos lembra Daniel Sarmento e Cláudio de Souza Neto:

[...] a Constituição não é uma obra acabada, produzida por uma geração, mas um instrumento dinâmico, que deve se adaptar aos novos valores e expectativas sociais. Apontam, ainda, que sendo o texto constitucional uma obra coletiva, produzida por pessoas com propósitos e ideias diferentes, não há muitas vezes como se atribuir uma intenção subjetiva única ao constituinte. Ademais, a própria escolha pelo constituinte de cláusulas vagas exprimiria a sua intenção de permitir o seu preenchimento, no futuro, de acordo com concepções e valores das novas gerações a serem regidas pelo mesmo texto[54].

O que se percebe, além da dificuldade de se extrair uma vontade do constituinte, é que tal suposta vontade perde força com o passar dos anos, na exata medida das transformações sociais, axiológicas e políticas.

Natural, contudo, numa decisão datada de 1994, pouco menos de 6 anos da promulgação da nova Constituição, que a ADI 789/DF deferisse largo espaço ao elemento histórico. Não parece, no entanto, que acertou o Supremo naquela ocasião em auferir uma suposta e inconteste vontade do constituinte em castrar o Ministério Público de Contas de autonomia financeira e administrativa.

Senão, vejamos os resumos constituintes sobre o tema de José Afonso da Silva:

Foi, porém, a Constituição de 1988 que o erigiu (o Ministério Público de Contas) em instituição constitucional. Surgiu durante a elaboração constitucional, por meio de uma proposta de emenda do Constituinte Ézio Ferreira como um parágrafo do art. 89 do Projeto “A” de Constituição, projeto a ser discutido e votado no primeiro turno. A proposta veio assim redigida: “Ao Ministério Público junto aos Tribunais de contas, aplicam-se as disposições contidas no inciso VI do art. 113, no art. 114 e, nos parágrafos dos artigos 156 e 157, desta Constituição”.

Essas remissões estendiam ao Ministério Público junto aos Tribunais de Contas todas as prerrogativas e direitos que se previam para o Ministério Público em geral. Os arts. 156 e 157 do Projeto correspondem aos vigentes arts. 128 e 129. Houve também uma proposta de Emenda do Constituinte Oscar Corrêa, que mandava aplicar, no que coubesse, o disposto na seção ao Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União. Um acordo, na Seção de 8.4.1988, entre diversos Constituintes que apresentaram emendas ao capítulo do Ministério Público gerou a redação do art. 159 do projeto com o seguinte enunciado: “Ao Ministério Público junto aos Tribunais, aplicam-se às disposições desta seção pertinentes às garantias, vedações, forma de investidura nos respectivos cargos e aposentadoria”.

Esse texto, com o resto da matéria referente às funções essenciais à Justiça, foi aprovado na Seção constituinte do dia 13.4.88. Entrou, porém, no Projeto “B” de Constituição para o Segundo Turno, no art. 136, com pequena alteração na redação:

“Ao Ministério Público junto aos Tribunais de Contas e Conselhos de Contas aplicam-se as disposições desta seção pertinentes a garantias, vedações e forma de investidura de seus membros”.

Não consegui apurar a origem dessas alterações.

Assim foi a matéria ao Segundo Turno da Constituinte. Veja-se bem a redação aprovada: “Ao Ministério Público junto aos Tribunais de Contas e Conselhos de Contas aplicam-se as disposições desta seção pertinentes a garantias, vedações e forma de investidura de seus membros”. Na votação do Segundo Turno, acho até que indevidamente, as lideranças firmaram novo acordo que mudou a redação do art. 136, que passou a ser a seguinte: “Aos membros do Ministério Público junto aos Tribunais de Contas aplicam-se as disposições desta seção pertinentes a direitos, vedações e forma de investidura”. O Constituinte Ibsen Pinheiro, que era e acho que ainda é Promotor de Justiça, justificou a mudança, dizendo que se dava ao art. 136, com arrimo regimental na correção, tinha em vista tão-somente compatibilizar as diversas tendências que se manifestaram ao longo do primeiro turno em produzir um texto consolidado que assegurasse aos membros do Ministério Público junto aos Tribunais de Contas todas as disposições da seção relativamente a direitos, vedações e forma de investidura, informa que “esta construção, além de ter envolvido todas as partes interessadas dos segmentos sociais, teve o apoio unânime das lideranças com assento na Casa” (DANC, p. 13213).

Foi, pois, em tais termos que a matéria foi aprovada e assim incluída no atual art. 130 da Constituição de 1988[55].

Do relato, não é possível extrair dos debates constituintes a intenção deliberada de extirpar do Ministério Público de Contas as autonomias administrativa e financeira deferidas aos Ministério Público comum, e muito menos de inseri-los na intimidade estrutural dos Tribunais de Contas.

Longe disso.

À míngua de maiores explicações constituintes, é até mais crível que a ausência de previsão expressa de autonomia financeira e administrativa tenha se dado em razão de uma lógica que o próprio sistema construído pela nova constituição já impunha.

O ambiente constituinte de amplíssimo fortalecimento da instituição Ministério Público não permitia dúvidas sobre o máximo de autonomia a ser deferido a qualquer de seus ramos, inclusive o que oficiaria perante os Tribunais de Contas.

A rigor, o grande conflito sobre o Ministério Público de Contas indubitavelmente presentes na Assembleia Constituinte estava longe do debate sobre sua autonomia financeira e administrativa, mas sim sobre o fato de constituir-se em carreira autônoma ou mera procuradoria especializada do Ministério Público comum.

Era essa a questão debatida, em torno dela era que gravitavam os conflitos.

Foi diante da controvérsia respeitante à existência ou não de uma carreira ministerial própria a atuar perante os Tribunais de Contas que aparenta ter preferido o constituinte originário não dar a palavra final sobre o tema, focalizando numa redação econômica e aberta do texto normativo, como que para deixar aos interpretes constitucionais e aos legisladores infraconstitucionais a exata interpretação que viria a ter aquele recém-criado art. 130 da Constituição.

5.3 A geografia constitucional é reveladora da autonomia do Ministério Público de Contas

A própria topografia constitucional do órgão, inserido na Seção do Ministério Público, e não na Seção que trata dos Tribunais de Contas, é reveladora de sua vida própria e apartada dos Tribunais de Contas.

Se quisesse criar um apêndice dos Tribunais de Contas, mais natural que fosse o art. 130 da Constituição Federal um mero parágrafo do art. 73, e não uma disposição autônoma, encartada mais de 50 artigos à frente e enraizado na seção do Ministério Público.

Um apêndice, um órgão intestino que seja, jamais poderia sobreviver tão longe de seu corpo hospedeiro. A distância na geografia constitucional entre o Ministério Público de Contas e os Tribunais de Contas é até maior daquela que separa o Poder Judiciário do Ministério Público comum.

Essa distância é mais que sugestiva, é reveladora da independência do Parquet de Contas.

5.4 Interpretação sistemática e teleológica do art. 130 da Constituição Federal

O elemento sistemático ensina que as normas jurídicas não devem ser interpretadas isoladamente, mas em conjunto e em comunicação com as demais. Não se trata, apenas, de traçar uma conexão das partes com o todo (elemento lógico que para fins deste artigo, será visto como parte integrante do elemento sistemático), mas de, verdadeiramente, delinear o laço invisível e interno que unem todas as normas do ordenamento jurídico.

Diz respeito a um imperativo de coerência e de sistematicidade que o Direito deve pretender, de modo a que não venha recair em contradições nem em lacunas. É solução de compromisso entre as diversas tendências e forças sociais, que, em contraste permanente no mundo dos fatos, encontra sob a força irradiante da constituição uma saída jurídica de consenso.

O elemento sistemático está claramente ligado ao princípio da unidade da Constituição, que impõe o dever ao interprete de harmonizar tensões e contradições, tendo como premissa que é a Constituição que dá unidade ao sistema e todos os seus valores devem se irradiar por todo o seu corpo, e também para fora dele.

Assim, a configuração constitucional do Ministério Público de Contas vai muito além do art. 130, e deve ter como inspiração todas as normas constitucionais com foco no direito fundamental à boa administração pública.

Sobre o assunto, anotou Juarez Freitas:

A exegese sistemática da Constituição tem de promover a maior sinergia possível do Estado inteiro, respeitado o princípio da deferência e reforçada a autonomia das Carreiras de Estado como uma insuprimível condição para o cumprimento dos objetivos fundamentais da República, tais como estampados no art. 3º da CF. É que a boa interpretação favorece a defesa integrada dos direitos e garantias das Carreiras de Estado como maneira de preservar e assegurar, ao máximo, os direitos fundamentais em conjunto, notadamente o direito fundamental à boa administração pública. Nesse sentido, não cabe subtrair autonomia e independência para privilegiar esta ou aquela instituição de Estado, uma vez que a aludida sinergia é meta republicana, por excelência[56].

Nesse diapasão, e tendo a Constituição enumerado nobres objetivos ao Estado brasileiro, que só podem ser cumpridos na exata medida do bom funcionamento das instituições públicas, é pouco crível que tenha idealizado um Ministério Público manietado de garantias para atuar na estratégica posição de guardião da lei e curador da sociedade nos processos em curso nos Tribunais de Contas.

Se a Constituição previu em seu art. 130 que perante os Tribunais de Contas, à maneira como ocorre com os Tribunais judiciários, funcionaria um Ministério Público próprio, dotado os seus membros dos mesmos direitos e deveres outorgados aos membros do Ministério Público atuante junto ao Poder Judiciário[57], resta nítida e deliberada a intenção de lançar como modelo aos Tribunais e Ministérios Públicos de Contas o perfil já estatuído ao Poder Judiciário e ao Ministério Público de justiça[58]. Uma espécie de espelho entre a dignidade e a estrutura do Poder Judiciário a refletir-se no Controle Externo, num recado do constituinte mais do que claro acerca do pareamento entre as instituições da Justiça e as instituições do controle externo.

Igualados que estão em prerrogativas os Tribunais judiciários e os Tribunais de Contas, o sistema jurídico não fecha ao se interpretar pela total e substancial desigualação entre o Ministério Público atuante perante o Judiciário e o Ministério Público atuante perante as Cortes de Contas.

Interpretação nesse sentido, além de anti-isonômica, desconsidera toda a sistemática de amplas prerrogativas ministeriais inauguradas pela Constituição de 1988, e promove a disfuncionalidade dos Ministérios Públicos de Contas, na exata medida em que passam a ser simulacros de Ministério Público, um arremedo de Parquet a vagar na intimidade estrutural de outrem.

Por sinal, é novamente Juarez Freitas que assinala da importância da maior otimização sistemática do texto constitucional, cabendo ao intérprete prezar pela busca de efetividade, no mundo real, do sistema constitucional:

A boa interpretação sistemática constitucional precisa buscar a maior otimização possível do discurso normativo. Quer dizer, ao intérprete cumpre guardar vínculo com a efetividade, no mundo real, das finalidades da Carta. Além disso, tudo que se encontra na Constituição é visto como tendente à eficácia, como no caso do disposto no art. 130 da CF. De fato, nada há nos comandos da Lei Maior que não deva repercutir no sistema. Na dúvida, convém preferir, em lugar da leitura estéril ou ablativa eficacial, uma exegese conducente à plenitude vinculante e inclusiva dos princípios de caráter essencial, entre os quais o da autonomia institucional e o  da independência funcional do Ministério Público de Contas.

A boa interpretação sistemática constitucional é aquela que se faz, desde sempre, contemporânea. Quer dizer, o intérprete constitucional de modo precípuo, na linha do efetuado pelo Supremo Tribunal em julgamentos colacionados a seguir, tem de atuar como atualizador permanente do texto constitucional, dele extraindo as melhores possibilidades subjacentes à indeterminação, voluntária ou não, dos conceitos e das categorias.

A boa interpretação sistemática da Constituição só declara a inconstitucionalidade quando a afronta se revelar gritante e insanável, assim como sucedeu com a Constituição catarinense, ao não respeitar a Carreira Autônoma do MP de Contas, num vício estridente, tempestivamente escoimado pelo Supremo Tribunal Federal, em recente decisão, que não comportou qualquer modulação[59].

Outro elemento da hermenêutica clássica de grande prestígio é o elemento teleológico.

Não se busca dar sentido às normas em vão. Dar sentido às normas constitucionais é sempre tarefa qualificada para conformar a vida social e cumprir os valores e finalidades constitucionais. O Direito, assim, não é um fim em si mesmo. É instrumento de convivência harmônica entre as pessoas. Toda norma, portanto, possui uma finalidade específica que virá a agregar e contribuir com a finalidade geral do Estado.[60]

Demarcada a existência de uma finalidade normativa, o elemento teleológico é fundamental para qualquer interpretação jurídica, na medida em que visa extrair exatamente qual seria o intuito normativo do texto a ser interpretado, isto é, qual sua finalidade social.[61]

Nesse viés, a edição do art. 130 da Constituição Federal teve como finalidade justamente a de granjear a atuação dos membros dos Ministérios Públicos de Contas com o máximo de garantias possíveis, equivalentes às dos seus congêneres com atuação junto ao Poder judiciário, de modo que atuem sem amarras e sem peias na destemida missão de zelar, no âmbito dos Tribunais de Contas, pela defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos direitos sociais e individuais indisponíveis.

É dispositivo, portanto, umbilicalmente ligado ao direito fundamental à boa (e republicana) administração e à efetividade do controle externo, sendo pouco crível que logo na especializada jurisdição dos Tribunais de Contas, nevrálgica para a moralidade pública e para o republicanismo, seja intenção da Constituição fragilizar o Parquet lá atuante, empalidecendo, por consequência inarredável, as próprias garantias outorgadas a seus membros.

O método teleológico há de ser inspirado pelos ares do princípio da efetividade da Constituição, que significa, em última instância, que o jurista deve prestigiar a interpretação que permita, na vida real, o alcance da vontade constitucional[62].

Tudo que se refere a atuação dos membros do Ministério Público de Contas se envereda para um caminho de máxima liberdade de atuação, havendo de se ter como indevida interpretação que, advertida ou inadvertidamente, contribua para um déficit assecuratório da atuação de seus membros e do controle das verbas públicas.

A teleologia superior de otimizar o controle externo das contas públicas por intermédio de um Ministério Público de Contas forte, altivo, autônomo e garantidor do direito fundamental à boa administração é evidente, consoante argumenta Juarez Freitas: 

Por outras palavras, da exegese sistemática do art. 130 da CF, em sinapse com o todo constitucional, resulta que, insofismavelmente e sem prejuízo da especialidade “ratione materiae” do Ministério Público de Contas, seria lesivo às diretrizes hermenêuticas citadas, qualquer intelecção restritiva do alcance e do significado desse dispositivo constitucional que confere direitos[63]

Ultrapassada a análise de todos os elementos tradicionais da hermenêutica jurídica, aplicáveis também à intepretação constitucional, passa-se aos métodos consagrados pela doutrina alemã e de grande prestigio da nova hermenêutica constitucional.

5.5 O método tópico-problemático e a resolução de problemas de funcionalidade do Ministério Público de Contas

O método tópico-problemático, idealizado por Viewheg[64], direciona suas atenções para o problema, para daí buscar a exata interpretação que melhor o equacione. A função do juiz será sempre apreender a melhor solução ao problema, podendo ir além do texto expresso, e a partir dele extrair uma solução razoável e proporcional do imbróglio. O Direito seria, dessa forma, um elemento prático voltado para a resolução de problemas concretos.

Desde que não ultrapasse as possibilidades do texto, o método tópico-problemático vem sido festejado pelos doutrinadores constitucionais, e reconhecido como importante método interpretativo.

Para melhor entender o método tópico-problemático, é imprescindível esclarecer a definição de topos, para o que nos valemos das lições de Sarmento e Souza Neto:

O conceito de topos é fundamental para a tópica. O topos configura um “lugar comum” da argumentação, que não vincula necessariamente o intérprete, mas lhe apresenta uma alternativa possível para a solução de um problema. Os topoi (plural de topos) são diretrizes que podem eventualmente servir à descoberta de uma solução razoável para o caso concreto. Eles não são certos ou errados, mas apenas mais ou menos adequados para a solução do problema; mais ou menos capazes de fornecer uma resposta razoável para o caso, que se mostre persuasiva à comunidade de intérpretes[65].

O método tópico-problemático, portanto, parte de um pressuposto que dentro da moldura normativa são permitidas determinadas linhas interpretativas, devendo prevalecer ao cabo e ao fim, aquela que se mostrar mais adequada para a resolução do problema.

Pois bem.

Sendo inconteste que o art. 130 da Constituição Federal é uma norma de extensão dos vários direitos dos membros do Ministério Público comum aos membros do Ministério Público de Contas, tudo com o fito de assegurar a atuação mais livre e desimpedida possível dos Procuradores de Contas no controle externo da administração pública, parece óbvio que, para o melhor equacionamento de problemas concernentes à independência funcional dos Procuradores de Contas, há de se reconhecer igual carga de independência institucional dos Ministérios Públicos de Contas.

Isso porque é até mesmo possível que os Procuradores de Contas se insurjam contra atos do próprio Tribunal de Contas perante o qual atuem, e, neste cenário, caso dependessem da Corte de Contas para receber seus salários, galgar promoções, fixar suas políticas remuneratórias e gozar de suas prerrogativas, poderiam ser tolhidos ou amedrontados para o desempenho de seus misteres constitucionais.

Por sinal, situações de franco e contundente desrespeito às prerrogativas funcionais dos Procuradores de Contas em represália às suas atuações não são raras no noticiário, tendo culminado em constantes judicializações.

Dentre os vários fatos recentemente presentes no noticiário jornalístico, estão desde a intromissão de Tribunal de Contas na feitura da lista tríplice para a escolha do Procurador-Geral de Contas do Estado de São Paulo[66], possivelmente em razão de representações promovidas por alguns procuradores que contestavam verbas pagas a magistrados[67], até a edição de emenda à Constituição do Cearpa com o fito de reduzir o número de Procuradores de Contas, logo após representação de um membro do Ministério Público de Contas denunciando possível superfaturamento na contratação de artistas pelo governo do Estado[68][69].

No Mato Grosso do Sul, chegou o Tribunal de Contas do Estado a ordenar a suspensão de procedimentos investigatórios promovidos pelo Ministério Público de Contas local, o que culminou na recente impetração de mandado de segurança para a defesa de prerrogativas institucionais[70].

Em São Paulo, o Tribunal de Contas vedou ao Ministério Público de Contas que remetesse ofício diretamente ao Ministério Público do Estado dando notícia de possíveis crimes que tivesse conhecimento, embora tal prerrogativa seja um verdadeiro dever de todos os servidores públicos[71] [72]. Na mesma toada, há seguidas tentativas de obstaculizar o poder investigatório do Parquet de Contas.[73]

É comum também, por parte de alguns Tribunais de Contas, vedar o uso do poder requisitório de informações[74] por parte dos membros dos Ministérios Públicos de Contas, o que chegou a gerar judicialização em Alagoas[75].

Também em Alagoas, estamparam as manchetes dos jornais locais que o Ministério Público de Contas era sucateado pelo Tribunal de Contas local. O jornal alagoano, A Tribuna Independente, de 29 de setembro de 2011[76], trazia a seguinte manchete: “MP de Contas está sem estrutura para funcionar”.

Em Roraima, a Portaria 418/2009, publicada em 17 de julho de 2009, submeteu os Procuradores de Contas à correição[77] promovida por um dos Conselheiros do Tribunal de Contas local, tipificando como falta impeditiva ao vitaliciamento a desobediência ou insubordinação do membro do Ministério Público às deliberações do Tribunal de Contas.

De igual modo, no Acre também a Corregedoria do TCE, presidida por Conselheiro, se imiscuiu nas atividades dos membros do Ministério Público de Contas[78].

No Paraná, só através de mandado de segurança{C}[79] que os Procuradores de Contas conseguiram afastar a aplicação de normas regimentais do TCE local que inibiam a atuação dos membros do Ministério Público e intervinham na independência funcional, ao limitar a interposição de recursos e sujeitar a atuação dos procuradores à correição dos conselheiros.

Praticamente todas as unidades do Ministério Público de Contas brasileiro têm histórico de agressões à independência funcional de seus membros por ato direto do Tribunal de Contas onde estão alocados administrativamente.

Esses são apenas alguns de uma miríade de relatos que chegaram ao conhecimento da grande mídia em que a ausência de independência institucional repercutiu diretamente na atuação dos membros do Ministério Público de Contas, seja impedindo a investigação de possíveis ilícitos, seja na não disponibilização de estrutura digna de trabalho, ou ainda, pelo uso de ameaças como instrumento de intimidação da livre e desimpedida atuação dos Procuradores de Contas.

De outro lado, nas unidades federativas em que se optou por um modelo de Ministério Público de Contas autônomo e independente, em equivalência ao Ministério Público comum, o que se vê é justamente o contrário, em atuação marcada pela harmonia e independência.

A título de exemplo, no Estado do Pará, onde a organização local previu um Ministério Público de Contas autônomo[80], não se têm notícias de limitações impostas pelo Tribunal de Contas local.

Recentemente, por sinal, em sessão do Tribunal de Contas do Estado do Pará, realizada no dia 19 de março de 2015, foi lançada veemente exortação pelo Presidente do Tribunal de Contas, o Conselheiro Luís Cunha, pela autonomia dos Ministérios Públicos de Contas do país como medida necessária para a verdadeira independência de seus membros.

Eis a palavra do Presidente do Tribunal de Contas do Estado do Pará, Conselheiro Luís Cunha, que ao se referir à independência do Ministério Público de Contas local assim deixou assente:

[...] eles precisavam conhecer melhor a experiência do Estado do Pará, não tem como dar certo no resto do Brasil se não tiver independência, autonomia administrativa financeira, é por isso que o nosso é um sucesso aqui no estado do Pará e tem que ser dito para o Brasil. A manifestação nossa hoje, como instituição dando um testemunho, confirmando que aqui deu certo, há respeito, autonomia, independência, a gente não teve conflito de relacionamento em nenhum momento durante esses anos, tem que dizer isso para o resto do Brasil, e como bem disse o conselheiro Cipriano que ele participou de vários congressos reuniões, e a gente ouvia reclamações de outros tribunais de contas, tanto da parte dos tribunais de contas, quanto também do Ministério Público de contas. Imaginemos o Ministério Público de um determinando estado o seu procurador, os seus membros tendo que se dirigir ao presidente daquela instituição para pedir autorização para uma diária para poder viajar a serviço do Ministério Público, isso é uma humilhação, para pedir autorização para comprar caneta, papel, para comprar computador para Ministério Público, e será que ao fazer isso o Ministério Público vai ficar independente? Eu tive a sensação em todos os momentos em que me deparei com a problemática do relacionamento institucional dos TCE’s e do Ministério Público, que eles olhavam o Ministério Público como subordinados, e para muitos é importante que continue essa visão equivocada de subordinação, justamente para poder tentar conduzir o trabalho do Ministério Público, isso é um erro![81] (grifo nosso).

São emblemáticas as palavras do Conselheiro Luís Cunha.

Estão nelas fincadas, com meridiana clareza, que a resolução para boa parte dos problemas do recorrente tensionamento entre os Tribunais e Ministérios Públicos de Contas reside na outorga de independência institucional ao segundo, e que só assim ambos os órgãos conseguirão cumprir excelentemente suas missões constitucionais de salvaguardar o dinheiro público, já que independentes e harmônicos entre si.

É de se chamar a atenção o trecho em que o Conselheiro chega a dizer que tem a impressão, confirmada na sua experiência do controle externo, que de um modo geral, nas unidades federativas onde não se tem um Ministério Público de Contas independente, os Tribunais de Contas veem os procuradores de Contas como seus subordinados, e não agentes independentes.

E vai além: ressalta ser humilhante que um Procurador de Contas dependa de anuência da administração do Tribunal de Contas para gozar de elementos básicos de sua atuação, como viajar a serviço, ou adquirir materiais essenciais para sua atuação, como papel, caneta e computador.

Na oportunidade da sessão do dia 19 de março de 2015, não só o Presidente do Tribunal de Contas do Estado do Pará, mas também todos os Conselheiros então presentes[82][83] [84][85], abonaram unanimemente que somente com independência institucional é possível evitar déficits de funcionalidade tanto do Ministério Público de Contas quanto do Tribunal de Contas do Estado, o que culminou em Moção de Apoio à manutenção da autonomia e independência administrativa e financeira do Ministério Público de Contas do Estado do Pará[86], subscrita em 19 de março de 2015 por todos os Conselheiros e Conselheiros-Substitutos do Tribunal de Contas do Estado do Pará, em resposta à ADI 5.254/PA, que visa extirpar dos Ministérios Públicos de Contas do Pará a independência estabelecida há mais de vinte anos.

Curiosa e inesperadamente, a referida Ação Direta de Inconstitucionalidade foi proposta por aquele que deveria se engajar pela maior autonomia possível aos Ministérios Públicos brasileiros, o Procurador-Geral da República, o que foi objeto de crítica da doutrina especializada[87].

Em português simples: o Tribunal de Contas do Estado do Pará veio a público e atestou com todas as letras que apenas com independência institucional é que o Ministério Público de Contas poderá vencer suas gloriosas missões constitucionais.

São tais documentos uma comprovação inequívoca, vinda de atores diretamente interessados na funcionalidade do controle externo, de que, partindo-se das molduras interpretativas cabíveis a partir do art. 130 da Constituição Federal, a que melhor soluciona os problemas de achaque à independência funcional dos membros do Ministério Público de Contas é aquela que exatamente garante a independência da instituição.

5.2. Outros métodos de interpretação constitucional são pela independência do Parquet de Contas[88]

Diferentemente do método tópico-problemático, a hermenêutica-concretizadora, embora comungue da mesma preocupação na excelente resolução do problema, tem seu primado não nele, mas no texto constitucional.

Dessa maneira, para extrair o exato significado da norma, o interprete deverá contextualizá-la faticamente, mensurando a repercussão que terá o acatamento de uma ou de outra possibilidade normativa, figurando como mediador entre o texto e as circunstâncias sobre a qual ele incide.

Nessa hipótese, há verdadeira confluência entre texto e contexto, ocorrendo o chamado “ir e vir hermenêutico”, que resultará na escolha interpretativa que melhor concilie ambos. As normas, assim, trazem o início da solução, que deverá ser compreendida holisticamente com o complemento dos fatos.

Novamente, aqui o método hermenêutico-concretizador, depois repaginado para o jurídico-estruturante, corroborará a autonomia administrativa e financeira dos Ministérios Públicos de Contas, na exata medida em que a realidade social vem mostrando, com eloquentes exemplos, que os membros do Parquet de Contas não conseguem fruir da plena potencialidade de suas funções quando atuantes dentro de uma estrutura emprestada, alheios a sua gestão, dependentes (ou reféns, em alguns casos) da boa vontade alheia.

Já o método científico-espiritual conclama que, na interpretação, o jurista se aproxime dos valores culturais do povo subjacentes à Constituição, aproveitando a decisão para otimizar a axiologia constitucional. Nessa perspectiva, numa Constituição marcadamente republicana, pródiga na criação de instrumentos de controle da administração pública e de garantias para a boa gestão do erário, é muito mais condizente com seus valores interpretação que prestigie a existência de um Ministério Público forte e independente perante os Tribunais de Contas.

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Sobre o autor
Patrick Bezerra Mesquita

Subprocurador de Contas do Estado do Pará.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MESQUITA, Patrick Bezerra. Ministério Público de Contas brasileiro: ser ou não ser, eis a questão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4364, 13 jun. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/39898. Acesso em: 22 dez. 2024.

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