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Problema e teoria dos contratos de adesão

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01/05/2003 às 00:00
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Sumário: 1.Introdução; 2. Teoria Geral dos Contratos; 2.1. Conceito; 2.2. A história dos contratos e seus pressupostos ideológicos; 2.3 Concepção Contratual Contemporânea; 3. Contratos de Adesão; 3.1 Definição; 3.2. Características; 4. Contratos de Adesão no Novo Código Civil; 5. Problema Proposto; 5.1. Da inexistência do Consentimento no Caso Proposto; 5.2. Da Invalidade da Cláusula de Presunção de Conhecimento; 6. Conclusão; Bibliografia.


Caso Concreto: Como resolver a questão de um indivíduo que assinou contrato de adesão sem lhe ser possível tomar conhecimento do conteúdo contratual, advindo posterior prejuízo e por isso recusando-se a cumprir o objeto pactuado, não obstante conter no contrato de adesão cláusula que diz que o aderente leu e entendeu plenamente o conteúdo do contrato obrigando-se a cumpri-lo?


1. Introdução

O presente trabalho procura resolver, em singelas linhas, o caso concreto que nos foi proposto. No entanto, ao perquirir na doutrina as possíveis soluções de como agir para garantir proteção ao aderente que não tendo lido as cláusulas do contrato, não cumpriu o objeto contratual, tal que não tinha conhecimento do seu conteúdo, apesar de ter firmado cláusula que dispunha expressamente que tinha lido e entendido todo o predisposto, deparamo-nos com os ensinamentos teóricos acerca do contrato de adesão. Deste momento começamos a conhecer as controvérsias e problemas que afloram este instituto jurídico de gigante importância nos dias atuais. Assim, achamos necessário, como prelúdio, discorrer sobre a teoria geral dos contratos e posteriormente sobre a teoria específica do contrato de adesão, com o intuito de organizar um delineamento metodológico preciso que permita descobrir os espaços corretos do tema abordado. Por fim, após conhecer mais detalhadamente os institutos tratados, enfrentamos o caso concreto, apresentando a solução que nos pareceu mais aplicável para solucioná-lo.


2. Teoria Geral dos Contratos

2.1 Conceito

A doutrina tradicional define o Contrato como um tipo de negócio jurídico que pressupõe a participação de, no mínimo, duas pastes. Tullio Ascarelli, no seu trabalho "Problema das Sociedades Anônimas e Direito Comparado" prova a possibilidade de existirem contratos plurilaterais, onde ocorram vários pólos de incidência normativa. Assim o contrato é espécie de negócio jurídico bilateral ou plurilateral.

A priori é importante distinguir Parte de Pessoa. A parte se caracteriza por ser um centro de interesses, um pólo de incidência normativa, gerando deveres e obrigações. Já as pessoas, são os entes, individualmente considerados, que participam do contrato. Assim, em um contrato bilateral, um mesmo pólo (ativo ou passivo) pode ser composto por várias pessoas, contudo sempre haverá apenas duas partes. Por outro lado, os contratos plurilaterais1 têm como principal característica a participação de mais de duas partes onde incidem direitos e obrigações. Estas partes, igualmente, podem ser compostas por uma ou mais pessoas.

Os Contratos se configuram como o instrumentos criadores, modificadores ou extintores de relações jurídicas obrigacionais. Os contratantes acordam o seu comportamento em relação a determinado objeto em busca de efeitos jurídicos queridos por ambos. Têm como fundamento a vontade humana protegida, que é, pelo ordenamento Estatal.

Ante o exposto, poder-se identificar dois elementos fundamentais nos contratos, quais sejam:

a) Estrutural – a alteridade: o contrato só é concebido na fusão de duas ou mais vontades contrapostas, ou seja, é negócio jurídico bilateral. (Obs. quando falamos de bilateralidade nos referimos aos contratos que possuem duas partes. O que a doutrina chama de contrato unilateral, seria na realidade contrato bilateral com carga obrigacional unilateral, tal que em todo contrato sempre haverá, no mínimo, duas partes, não obstante, os efeitos obrigacionais estarem a cargo de apenas uma delas).

b) Funcional – a composição de interesses contrapostos, mas harmonizáveis, constituindo, modificando e extinguindo direitos e obrigações de caráter econômico2 . É a função social e econômica do contrato, que deste modo representa o elemento legítimo para garantir as relações negociais entre os indivíduos. Se A quer vender algo, e B quer comprar, realizar-se-á contrato de compra e venda, se se quer disponibilizar um bem a outrem, mediante ulterior dever de restituir, far-se-á contrato de empréstimo. Deste modo, o contrato é o instrumento eficaz para a concretização dos interesses patrimoniais dos contratantes3 , compondo interesses não coincidentes.

2.2 A história dos contratos e seus pressupostos ideológicos

O conceito moderno de contrato teve suas raízes na escola Canonista e na escola do Direito natural. O direito Canônico pregava a importância do consenso e da fé jurada na formação do contrato. O consenso reflete-se na configuração da vontade como fonte das obrigações, surgindo os princípios da autonomia da vontade e do consensualismo. Assim a declaração de vontade configura-se como instrumento capaz de criar obrigações. Constituído o pacto obrigacional, o dever de cumpri-lo nasce do respeito à palavra dada e do dever de veracidade.

Já a escola do Direito Natural considera como elemento fundamental da formação dos contratos a vontade livre dos contratantes. Nasce aí o princípio do Solus Consenso Obrigat, ou seja, o consenso é elemento bastante para criar a obrigação. A partir deste posicionamento podemos compreender as considerações de Pothier acerca do código de Napoleão, quando o doutrinador leciona que o acordo de vontades é fonte do vínculo jurídico, aceitando a força de lei que o contrato tem entre as partes.

Esta extrema valorização individualista é o reflexo da ideologia liberal dominante há época. O que se buscava era a consolidação das bases liberais na defesa da autonomia privada e da liberdade do indivíduo perante o estado. A busca da igualdade formal (todos são iguais perante a lei) onde todos devem ser igualmente tratados, a busca da liberdade funcional do mercado em geral e do mercado de trabalho, permitindo transformar o contrato no instrumento jurídico propício ao desenrolar da vida econômica, sempre baseada na autonomia privada. É a desvinculação do estado, que não deveria interferir nas relações contratuais entre particulares, pois estas são a expressão do consensus .

2.3 Concepção Contratual Contemporânea

Temos hodiernamente uma noção diversa do fenômeno contratual daquela preconizada no século XIX. O mito da igualdade formal, defendido ferrenhamente pela ideologia burguesa, que apregoava a possibilidade de garantir o equilíbrio entre os contraentes pela simples consideração de paridade formal entre os indivíduos (todos são iguais perante a lei), independentemente da condição social, já se mostra desacreditada na realidade fática.

O desequilíbrio mostra-se inevitável quando as condições sociais são diversas. O empregado nunca terá a mesma possibilidade de dispor das cláusulas do contrato de trabalho, em pé de igualdade com o empregador. Quem detêm o poder econômico, detêm o poder de disposição. O mesmo ocorre nos contratos de adesão. O aderente não interferre no momento de criação contratual. O empresário engloba todo o poder prescritivo.

Assim, o estado insurgiu como mediador nas relações contratuais, interferindo no âmbito da autonomia privada, até então, incólume expressão da vontade individual. No entanto, a interferência não foi gratuita, esta visava a proteção do modelo capitalista em relação ao ideal comunista. O Estado capitalista teve de intervir para assegurar a satisfação das classes proletárias, tal que estas eram, há muito, prejudicadas pela extrema autonomia privada que beneficiava extremamente as classes economicamente mais fortes, e que agora viam o proletariado insurgir como ameaça ao sistema.

A interferência estatal na economia implicou na limitação legal da liberdade de contratar e na diminuição da esfera da autonomia privada, repercutindo diretamente no regime legal e na interpretação do contrato. Uma grande gama legislativa foi instituída com o intuito de proteger determinadas categorias, que se viam em posição de desequilíbrio na relação contratual. O Estado criou normas proibindo a introdução de certas cláusulas, extinguindo outras, e até condicionando a validade de alguns contratos a sua autorização.

Orlando Gomes4 elenca os principais fatores propulsores das transformações ocorridas na teoria geral dos contratos: 1) Insatisfação de grandes estratos da população pelo desequilíbrio, entre as partes, atribuído ao princípio da igualdade formal; 2) a modificação na técnica de vinculação por meio de uma relação jurídica; 3) a intromissão do Estado na vida econômica.

O desequilíbrio é o fundamento da técnica do tratamento desigual. Tal técnica é o reflexo da idéia de isonomia e de justiça distributiva5 . O estado teve de agir desigualmente com relação aos indivíduos desiguais a fim de restabelecer o equilíbrio.

Neste diapasão, o Estado promoveu severas restrições quanto à liberdade de contratar. Estas restrições expressaram-se na promulgação de leis de proteção às categorias mais fracas sócio-economicamente, instituindo superioridade jurídica a estas (Ex. Código de Defesa do Consumidor, Consolidação das Leis Trabalhistas, etc.); incentivo à organização (sindical, ou não) para combater o contratante mais forte; e o dirigismo contratual exercido pelo poder estatal.

Assim, a idéia de supremacia da autonomia da vontade é minorada, embora continuando a ser elemento indispensável à formação contratual.


3. Contratos de Adesão

3.1 Definição

Uma das características primordiais dos contratos é a livre estipulação das disposições pelas partes. Como é acordo de vontades, apenas quando estas forem compostas formar-se-á o contrato. O princípio da livre estipulação pelas partes das condições contratuais é consagrado no art. 1.134 do código civil francês que dispõe "as convenções legalmente formadas têm força de lei entre os que as fizeram". Este é o princípio fundamental dos contratos paritários, seguido pelo código civil brasileiro de 1916, onde as partes vinculadas encontram-se em paralelo na relação jurídica, discutindo os termos do ato negocial mediante transigência mútua. Há concretamente discussão acerca do conteúdo contratual, constituindo o produto das negociações a expressão da autonomia da vontade dos pactuantes.

Contudo a evolução econômica ocorrida no século XX ensejou dinamização das relações negociais. Os meios jurídicos então existentes mostraram-se insuficientes para acompanhar o dinamismo comercial introduzido pelo consumismo característico da contemporaneidade. As relações sociais são caracterizadas pela massificação crescente. Assim a estrutura mercadológica apresenta um comportamento diversificado daquele em que se baseava o contrato paritário. Neste contexto surge o contrato de adesão.

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Esta nova modalidade contratual caracteriza-se por permitir que apenas um dos contratantes (preponente) determine previamente, de modo geral e abstrato, o conteúdo das condições gerais do contrato, eliminando a fase da puntuazione inexistindo a possibilidade de qualquer transigência entre as partes quanto ao conteúdo das cláusulas contratuais. A outra parte apenas adere (ou não adere) ao que foi prescrito pelo preponente. Neste sentido, o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8078/90) define o contrato de adesão como "aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo."(art. 54, caput).

O consentimento do aceitante manifesta-se apenas a título de adesão em bloco ao conteúdo preestabelecido. Ripert ao falar do código civil alemão já declarava "... Em certos contratos a posição das partes é tal que um dos contratantes é obrigado a tratar das condições que lhes são oferecidas e impostas pelo outro. Dá-se a tais contratos o nome de Contratos de Adesão6 ."

Esta relação contratual pode ser definida por dois ângulos: 1) enquanto configura apenas a formação das cláusulas por uma só das partes, é chamada de condições gerais dos contratos. 2) quando há efetiva adesão ao contrato, formando-se a relação jurídica bilateral, temos o contrato de adesão propriamente dito, passando assim, a observar eficácia no mundo jurídico. Em suma, são dois aspectos do mesmo fenômeno em momentos diversos. No entanto as condições gerais dos contratos, enquanto não ingressem no comércio jurídico, não passam de simples Musterformulare7 , como se refere Orlando Gomes8 , usando expressão alemã. Ou seja, não tem interesse jurídico, são meras formulações. Por seu turno o comportamento do indivíduo que cria uma relação concreta só tem relevância jurídica quando implica adesão às condições gerais do contrato preestabelecidas pela outra parte.

Diante da realidade econômica supra-esboçada percebemos a incrementação da operacionalidade do contrato de adesão, diante da crescente organização de sistemas empresarias para distribuição de bens e serviços, de sorte que os contratos paritários vêm perdendo espaço no mundo negocial.

3.2- Características

O contrato de adesão nasce da necessidade de uniformização das cláusulas com o intuito de promover uma dinamização das relações contratuais, numa pluralidade de situações uniformes. Este engessamento contratual cria para o oblato a impossibilidade de disposição sobre o conteúdo do contrato, restando apenas a possibilidade se aceitar ou não o proposto. Contudo, isto, por si só, não caracteriza adequadamente o contrato de adesão.

A tese contratualista aponta como elementos distintivos os seguintes: 1) Uniformização; 2) Predeterminação; 3) Rigidez9 .

A uniformização é elemento imprescindível, é exigência de racionalização da atividade econômica. O modelo precisa ser invariável para garantir a negociação em massa.

A predeterminação é a disposição a priori das cláusulas contratuais. Esta predeterminação deve ser unilateral. Não há contrato de adesão se os dois contraentes, de comum acordo, traçam previamente as cláusulas do futuro contrato. Do mesmo modo, também não configura contrato de adesão quando os indivíduos adotam formulários feitos por terceiros (ocorre muito nos contratos de locação). O elemento distintivo é a determinação, por uma das partes, do contrato a ser usado em série.

Já a rigidez é um desdobramento dos caracteres anteriores. O ofertante não poderá alterar o conteúdo das cláusulas. A flexibilidade descaracterizaria o contrato de adesão.

Além destes elementos outro ponto importante é com relação à proposta. Não cabe o "intuitus personari". Ela deve ser permanente e geral, dirigindo-se a um número indeterminado de pessoas e aberta a qualquer indivíduo que se interesse pelo serviço/produto do preponente, salvo as exceções legais. (Ex. a administradora não é obrigada a disponibilizar serviço de cartão de crédito se o pretendente aderente está com o nome inscrito no serviço de proteção ao crédito).

A vontade do predisponente é garantir grande número de aderentes, com aceitação passiva das condições, sendo invariável o conteúdo do contrato. Deste modo, além das características do contrato já esboçadas, as cláusulas em particular devem ser gerais e abstratas, repetindo-se, sem se exaurirem, em todos os contratos dos quais sejam o conteúdo normativo e obrigacional10 . Também como os contratos, as cláusulas devem ser uniformes, para garantir a invariabilidade do conteúdo contratual.


4. Contratos de Adesão no Novo Código Civil

O atual código civil brasileiro é o resultado de um anteprojeto criado entre 1969 e 1975 que teve como coordenador geral o professor Miguel Reale, tendo sido apresentado à Câmara dos Deputados pelo então Presidente Costa e Silva em 1975 através do Projeto de Lei n.634-D.

O texto original sofreu apreciação de mais de mil emendas na Câmara dos Deputado e outras quatrocentas no Senado, passando ainda por profundas alterações em razão do advento da Constituição Federal em 1988.

Apesar de ser um projeto antigo, consideráveis avanços podem ser destacados na nova Lei Civil, principalmente de ordem principiológica, como, por exemplo, os preceitos da eticidade, socialidade e operabilidade, enfatizados pelo mestre Miguel Reale como basilares de toda a obra11 .

No diapasão desta nova ordem de princípios, o código civil de 2002 refere-se expressamente aos contratos de adesão, como se vê nos seguintes artigos:

"Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente.

Art. 424. Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio".

É uma inovação, pois, até então, apenas o CDC dispunha sobre tal espécie contratual. A importância desta referência está no fato de corroborar posicionamento jurisprudencial e doutrinário na direção de conceber o contrato de adesão nas relações puramente civis, e não apenas nas relações de consumo. Neste caminho, o novel diploma admite que nem sempre há paridade nas relações entre particulares, ou seja, "reconhece a posição privilegiada de um contratante em relação ao outro e portanto a configuração da vulnerabilidade do pólo mais fraco12 ". O código civil erigiu ainda, como elementos essenciais dos contratos, a probidade, a boa-fé e a função social, como se vê nos arts. 421 e 422, devendo estas apresentarem-se em qualquer avença negocial.

Contudo, convêm destacar que a disciplina legal fornecida pelo CC/2002 é, por demais, genérica e insuficiente. Como bem ressalta a Prof. Fabíola Santos, "A codificação apesar de ter estabelecido o princípio da interpretação mais favorável em favor da parte mais fraca da relação, materializando o princípio da equivalência contratual, e impondo nulidade às cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio, nem de perto, insistimos, se aproximou do tratamento minucioso conferido pelo Código de Defesa do Consumidor ao contrato de adesão conforme se depreende da leitura dos artigos acima transcritos."13

Desta forma, temos que, os contratos que apresentarem as características esboçadas nos tópicos anteriores, serão classificados como contratos de adesão, aplicando-se as normas do CDC quando envolver um fornecedor e um consumidor, e aplicando-se as disposições do C/C 2002 quando envolver particulares. A interpretação destes negócios, tanto nas relações civis quanto nas relações consumeristas, deve buscar as bases principiológicas da nova teoria contratual, jungindo-se na probidade, na boa-fé, na equivalência material e nos limites da função social do contrato.


5. Problema Proposto

Primeiramente para resolver nossa questão devemos indagar sobre a natureza jurídica do contrato de adesão. É ele realmente contrato? É regido pelas condições de validade dos contratos em geral? São perguntas essenciais para que possamos definir nosso caminho lógico e resolver a questão.

Existe uma acalorada celeuma sobre a natureza do contrato de adesão. Por um lado temos os que negam a sua natureza contratual, do outro lado, temos os que defendem a plena contratualidade.

Para os primeiros o contrato de adesão é ato unilateral. Duguit leciona que o preponente estabelece o estado de fato de ordem geral e permanente, de modo que a aceitação pelo oblato não constituiria consentimento. Do mesmo modo Saleilles afirma que de contrato tem apenas o nome. O que ocorre é o predomínio da vontade do preponente que cria uma "lei" para a coletividade.

Contudo, não podemos conceber tais idéias. Haverá sempre bilateralidade (ou plurilateralidade) na formação. Há autonomia da vontade no ato da adesão (liberdade de contratar), embora que minorada, não obstante ser inexistente a liberdade contratual do aderente (ele não pode modificar o conteúdo das cláusulas).

Existe indubitavelmente contratualidade. Os contratos em geral são espécies de negócios jurídicos que pressupões a participação de duas partes (como já foi tratado no ponto 2.1). Do mesmo modo os contratos de adesão só têm existência no momento que ocorre a aceitação em bloco das cláusulas pré-concebidas pela outra parte, ou seja, só existe quando o indivíduo consente. Formam-se, como qualquer contrato, pela composição de vontades distintas.

Dereux,14 neste sentido, procura ressaltar que os efeitos jurídicos advindos do contrato de adesão ratificam a posição contratualista, não justificando tratamento especial como categoria distinta.

Confirmando tal posicionamento, os tribunais franceses recusam a admitir distinções em relação à natureza jurídica do contrato de adesão e os outros tipos, não lhes subtraindo a aplicação das regras comuns aos contratos.

Assim concebemos o contrato de adesão como espécie do gênero contrato, em oposição a espécie dos contratos paritários, e não como categoria de natureza jurídica distinta. Deste modo, eles se submetem aos mesmos pressupostos e requisitos de validade dos contratos em geral.

Partindo do caso concreto proposto, devemos analisar que a validade do contrato de adesão firmado só é garantida quando observados rigorosamente todos os elementos gerais, bem como aqueles especiais do tipo contratual, que determinem a validade do concordado. É o que faremos a seguir:

5.1 – Da inexistência do Consentimento no Caso Proposto

Como esboçado supra, os contratos de adesão, enquanto espécie do gênero contrato, devem obedecer a todos os pressupostos e requisitos de validade deste. Para Francesco Messineo15 os requisitos (Los elementos constitutivos) do contrato são: O consentimento, a causa lícita, a prestação (possível, lícita e determinável), a forma (quando requerida ad substantiam), e o motivo lícito (excepcionalmente).

Como se vê, o consentimento é um dos elementos intrínsecos constitutivos de qualquer contrato. Ele revela-se como o acordo de vontades exprimindo a formação do negócio jurídico bilateral. É integração de vontades distintas. Para ser válida a declaração de vontade do contratante, esta deve ser direcionada ao conteúdo real do contrato, atenta ao fim que o direciona a realizar o negócio.

No mesmo sentido, o Código de Defesa do Consumidor dispõe que "(art. 46) os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance", pois, em tais casos, não há como se formar o consentimento legítimo do aderente.

O que ocorreu no nosso caso concreto foi o que Messineo16 chama de "reserva mental que consiste em não querer (ou não querer inteiramente) o que, não obstante, se declara querer". Foi justamente o que aconteceu com o aderente. Ele não quis realizar especificamente este negócio. Ele queria contratar negócio diverso, no entanto, como não tomou conhecimento do conteúdo do contrato de adesão, não conseguiu perceber que realizara contrato que não correspondia ao desejado, por isso não cumpriu o objeto. Ele aceitou as cláusulas em bloco, não tendo conhecimento da real natureza do contrato. Houve vontade de manifestação, no entanto não houve vontade de conteúdo. Orlando Gomes17 ao falar sobre estes casos diz expressamente que "a falta de vontade ocorre quando há carência de propósito negocial. É o que se verifica na reserva mental". As conseqüências de atos praticados em tais circunstâncias, isto é, nos quais falta a vontade de conteúdo, por parte do aderente é a nulidade. Não podem ser equiparadas aos outros casos de negócios nos quais o consentimento é pleno. Assim, no caso concreto o contrato de adesão firmado, constitui ato anulável, tal que inexistente um dos requisitos contratuais, qual seja, o consentimento.

Desta forma deve ser aplicado o disposto no art. 171 do novo código civil "Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico: II- por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores" e declarada a nulidade do contrato de adesão.

Da mesma forma, em se tratando se contrato de consumo, deve-se aplicar o art. 46 do CDC, não ficando o consumidor obrigado ao que fora firmado, tal que, a lei impõe a necessidade de efetivo conhecimento prévio, não obstante o assentimento. "E não se satisfaz, diga-se logo, com a cognição meramente formal; há de ser, ao revés, integral e real quanto ao conteúdo do contrato, quanto às cláusulas e quanto às suas implicações.18 "

5.2- Da Invalidade da Cláusula de Presunção de Conhecimento

Chamaremos de cláusula de presunção de conhecimento aquela que, presente num contrato de adesão, diz que o preponente leu e entendeu todas as cláusulas da proposta. O que estas disposições tentam fazer é uma presunção de conhecimento. Buscam inverter o ônus da prova, não cabendo mais ou preponente provar que o oblato tomou conhecimento do contrato, e sim o aderente que terá que provar que a cláusula não coaduna com a realidade, sendo inócua.

Contudo defendemos ser inválida, em qualquer caso de contrato de adesão, estas cláusulas de presunção de conhecimento.

Primeiramente estas cláusulas não podem constituir prova de conhecimento do contrato, tal que elas são elementos constitutivos de ditos contratos. Se se contesta o conhecimento do contrato como um todo, indiretamente se contesta o conhecimento da própria cláusula de presunção. O elemento controvertido não pode constituir prova do próprio elemento controvertido.

E ainda podemos classificar tais cláusulas como vexatórias. Messineo, ao proceder à análise do código civil italiano no seu artigo 1341, define cláusula vexatória como sendo aquelas que estão dirigidas a manter a contraparte em condições de inferioridade jurídica, ou pior, a agravar esta inferioridade. São cláusulas que atuam em benefício dos que as têm preestabelecido19 .

Assim percebemos que as cláusulas de presunção de conhecimento são vexatórias, e por isso inválidas, não podendo ser consideradas.

Nesse diapasão, o Código de Defesa do Consumidor, ao dispor sobre as cláusulas abusivas, determina no artigo 51 que "São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: VI- estabeleçam a inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor." Ou seja, a cláusula de presunção de conhecimento é abusiva, devendo ser declarada nula de pleno direito, bem como estabelecido que o ônus da prova do conhecimento pleno do conteúdo contratual cabe exclusivamente ao preponente, pois, este diploma legal não admite a inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor.

No nosso caso concreto, podemos ainda corroborar o posicionamento exposto por outro ângulo: se o contrato deve ser considerado nulo tal que ocorreu reserva mental, ou seja, falta de vontade de conteúdo, a cláusula de presunção também deve ser considerada nula, pois é parte indissociável do todo contratual. A anulabilidade alcança todo o contrato, não subsistindo cláusula alguma.

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Sobre o autor
Anderson Santos dos Passos

procurador federal, pós-graduando em Direito Público pela PUC Minas, ex-pesquisador bolsista do PIBIC/CNPq/UFPE, ex-analista judiciário do Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PASSOS, Anderson Santos. Problema e teoria dos contratos de adesão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 65, 1 mai. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4012. Acesso em: 2 nov. 2024.

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