No terceiro dia, o caos!

16/06/2015 às 16:02
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Texto crítico, um estudo empírico sobre o visão distorcida dos elementos da corrupção no país, abordando uma possibilidade de aplicação da tolerância zero na sociedade atual e seus afeitos.

Sempre que encontro algum amigo para conversar sobre a atualidade, ou, entro em um debate sobre segurança pública, as afirmações são as mesmas e se repetem com fervor; as coisas estão assim porque a nossa polícia é corrupta!

Bem, é difícil discordar, até mesmo porque contra fatos não há argumentos; não é incomum ver casos de policiais envolvidos com corrupção, e pior, a sociedade conhece ainda os casos insondados que nem para a mídia vão. Porém o que não se pode negar também, é que, do outro lado,  tanto nos casos que são desconhecidos da mídia, quanto nos outros que estampam as capas dos jornais, os noticiários de TV, e, servem de matéria sensacionalista nos programas dedicados a segurança pública, encontramos a mesma sociedade, agindo como segundo ou primeiro elemento desta combinação que acaba gerando este efeito negativo, que declaramos como o grande mal da nação, a corrupção.

Assim, quando a conversa, ou o debate, começa a tomar um caminho tendencioso para a culpabilização do policial, atribuindo a ele a única responsabilidade pelo sistema corrupto de nossa sociedade, eu logo pergunto, mas o policial é o único interessado nesta demanda quase que cultural?

Na ausência de respostas ou até mesmo depois de afirmações já previsíveis, do tipo, mas se você não pagar é prejudicado!!! Perseguido!!! Eu rebato, indagando e fazendo a desconstrução através da mais pura matemática social, questionando se seria mais razoável acreditar que são 16 milhões de pessoas, população do Estado do Rio de Janeiro, que corrompem 55 mil, soma do efetivo das duas polícias, civil e militar, ou o inverso, como infelizmente acreditam. Ainda trazendo mais tempero a crítica, pergunto de onde vem a matéria prima para a formação dos policiais, lembrando logo em seguida que no curso de formação de ambas as instituições não encontramos a disciplina "Técnicas de Policiamento Corrupto", deixando entender então ser uma característica trazida por eles do mundo civil, chamado entre os policiais de "Mundo do Paisano".

Depois de muitas vezes repetir este discurso, e de tentar ouvir uma única vez a "mea culpa" de um cidadão que teve que pagar propina para não receber uma multa por estacionamento irregular ou avanço de sinal, que pagou para não ter seu veículo rebocado por que estava com sua vistoria atrasada, ou que pagou para não ser levado à delegacia, porque foi pego com entorpecentes ilegais, ou ainda, pagou para ter um viatura parada na porta do seu estabelecimento alegando a falta de segurança, porém sem pensar que quando ele para uma viatura a sua disposição outros cidadãos ficam sem policiamento, passei a analisar friamente qual seria o efeito da conduta anti-corruptível, ou melhor, o efeito de uma tolerância zero na sociedade.

Posso dizer que me assustei com os meus pensamentos, que a possibilidade de tal situação acontecer me deixou por um lado feliz, (risos) muito feliz, mas por outro muito preocupado. Quem observa o cotidiano deste Estado, e não deve ser diferente em muitos outros, sabe bem o que estou dizendo. Se em comum acordo, as polícias passassem a dedicar suas ações de fiscalização com o lema adotado em Nova Iorque, pelo prefeito Rudolph Giuliani, nos inícios dos anos 1990, com certeza o efeito social e econômico por aqui seria catastrófico!

Em uma sociedade que sente orgulho de ter como referência o contexto cultural traduzido na frase "jeitinho brasileiro", a máxima atual encontrada não pode ser incômoda, ouvimos hoje com mais frequência o dito; "Eu não vou mudar o mundo!", como forma de justificar seus erros.

Sendo assim, diante da complacência do erro em benefício próprio, e tão somente próprio, pois ao Estado não cabe essa "alternativa", da aceitação de uma individualidade permissiva, porém obrigatoriamente gratuita, divido mentalmente a nossa fase tolerância zero em três momentos, ou melhor, em três dias.

Primeiro dia; dá-se inicio ao processo de tolerância zero nas fiscalizações policiais, condutas observadas em desacordo com a legislação pátria e que por algum motivo venham ferir direito coletivo serão punidas de acordo com a lei, sem qualquer tipo de argumentação moral, apenas técnico legal.

Segundo dia; a sociedade começa a sentir os efeitos da fiscalização, por conta da fiscalização o comércio para de receber suas mercadorias, caminhões não podem parar em local proibido ou em fila dupla, táxis e veículos particulares também, não existe vagas nas ruas para todos estacionarem, o preço dos produtos aumentam devido à dificuldade de entrega, filhos de autoridades, personalidades, artistas, todos são conduzidos às delegacias quando comprovado um crime, as delegacias trabalham a todo vapor, TJ, JEC e JECRIM passam a receber dez vezes mais demandas em relação a período anterior a mudança, as ações cíveis e trabalhistas precisam parar porque os juízes estão sendo deslocados aos tribunais cíveis e criminais, pátios destinados a veículos rebocados já não tem mais espaço e o DETRAN não sabe o que fazer, os magistrados começam a reclamar que estão sendo obrigados a despachar o dobro de expedientes pois precisam dar uma resposta imediata ao presos em flagrante, os presídios que já não suportavam a interminável fila de novos presos agora explodem em hiper superlotação, possibilidade de rebeliões, a SEAP entra em estado de alerta, os chefões do tráfico com seus celulares ordenam que queimem ônibus pelas ruas, o sistema de transporte público para, a população está sem carro, grande parte foi rebocado, o trabalhador começa a pensar os efeitos das multas de trânsito, o descontentamento é geral, as brigas familiares são agravadas por conta do uso excessivo do álcool, mais presos na lei Maria da Penha, a enxurrada de ilícitos verificados são interpretados pela sociedade, agora acuada, como uma medida política, nasce a crise, pronto. Agora o povo está contra as Polícias e o Governo, focos de manifestações tomam conta das ruas, mais presos, depredações, e finalmente é declarado como verdadeira bandeira social, a Polícia é a inimiga do povo!

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Terceiro dia; o caos! E a contemplação da mais dura realidade, não precisamos de mais polícia nas ruas, não precisamos de leis mais severas, nem de mais presídios ou mais vagas no depósito público, precisamos sim é de mais consciência singular, precisamos que cada cidadão faça a sua parte, contribua para diminuir a demanda policial, bem como os índices de corrupção ativa e passiva! Que neste terceiro dia, ou hoje, não haja saudades do "jeitinho brasileiro", que se descubra que não é o Estado ou a Polícia o maior ou único responsável pela ordem social, que todos compartilhem da ideia de que com cada ação individual podemos sim, MUDAR O MUNDO, para melhor ou pior, a escolha é nossa, e é de cada um!

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Sobre o autor
Nilson Cardoso

Advogado, aposentado do serviço público Estadual, Pós Graduado em Criminologia.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

A visão empírica da atividade policial me incomodou por muito tempo, porém foi durante a pós-graduação em Criminologia que a minha percepção da responsabilidade da sociedade neste tema ficou mais clara.

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