No sistema jurídico brasileiro, a Justiça Militar divide-se em: Justiça Militar Federal[1] e Justiça Militar Estadual, sendo que a primeira julga, em regra, os militares integrantes das Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica), quando estes violarem os dispositivos do Código Penal Militar, enquanto que a segunda julga os integrantes das Forças Auxiliares (Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares). Excepcionalmente, a Justiça Militar Federal poderá processar e julgar civis acusados da prática de crimes militares, o que não ocorre com a Justiça Militar Estadual e do Distrito Federal, em razão de expressa vedação constitucional.
A 1ª instância da Justiça Militar Federal é constituída pelos Conselhos de Justiça, formados por um auditor militar,[2] provido por concurso de provas e títulos, e mais 4 (quatro) oficiais, cujos postos e patentes dependerão do posto ou graduação do acusado. Os Conselhos de Justiça dividem-se em Conselhos Especiais, destinados ao julgamento dos oficiais, e os Conselhos Permanentes, destinados ao julgamento das praças (soldado, cabo, sargento, subtenente e aspirante-a-oficial).
Devido à formação mista existente nos Conselhos de Justiça, ou seja, por serem formados por um juiz civil mais os juízes militares, estes são chamados de escabinado ou escabinato, conforme ensina a doutrina representada por Ronaldo João Roth em sua obra sobre a Justiça Militar.[3] Os militares que integram os Conselhos atuam na Justiça Militar por um período de três meses. Ao término deste período, novos oficiais serão chamados para comporem o Conselho de Justiça por igual período e assim sucessivamente.
É importante se observar que os Conselhos de Justiça no âmbito da União são presididos pelo juiz militar que tenha o maior posto em relação aos demais juízes militares integrantes do órgão julgador, e a sede da Justiça Especializada em 1º grau possui a denominação de Auditoria Militar, o que se aplica tanto a União como aos Estados e Distrito Federal.
Por força do advento da Emenda Constitucional 45/2004, no âmbito dos Estados-membros da Federação e do Distrito Federal, os Conselhos de Justiça, Especial e Permanente, passaram a ser presididos pelo Juiz de Direito do Juízo Militar, o que trouxe inclusive modificações quanto ao assento dos julgadores em primeira instância.
Na 2ª Auditoria Judiciária Militar do Estado de Minas Gerais, por determinação do Juiz de Direito Titular do Juízo Militar, a composição do escabinato passou a ser da seguinte forma: ao centro, passou a ter assento o Juiz de Direito, Presidente do Conselho; ao seu lado direito passou a ter assento o oficial PM ou BM de maior posto ou patente; ao lado direito deste oficial o segundo oficial de maior posto ou patente; ao lado esquerdo do Juiz de Direito senta-se o oficial mais moderno e ao lado esquerdo deste oficial o terceiro militar de maior posto ou patente[4].
Deve-se ressaltar, ainda, que na 2ªAJME/MG, a partir do mês de setembro de 2003, em razão da separação que ocorreu no ano de 1999 por meio de Emenda Constitucional no Estado de Minas Gerais do Corpo de Bombeiros Militar da Polícia Militar do Estado, por determinação do então Juiz-Auditor Substituto, Paulo Tadeu Rodrigues Rosa, foi estabelecido que a cada trimestre seria sorteado um Conselho Permanente de Justiça para a Polícia Militar e um outro Conselho Permanente de Justiça para o Corpo de Bombeiros Militar, em atendimento ao princípio do julgamento pelo pares, o mesmo ocorrendo no caso do Conselho Especial.
A determinação judicial chegou a ser questionada por meio do recurso de apelação perante o Tribunal de Justiça Militar do Estado de Minas Gerais, TJMMG, mas esta foi confirmada por unanimidade de votos pelos Juízes daquela Corte Castrense, reconhecendo que não mais seria admitida a composição do Conselho de Justiça de Forma Mista.
No ano de 2005, em razão de modificações realizadas na Lei de Organização e Divisão Judiciária do Estado de Minas Gerais, a tese defendida por Paulo Tadeu Rodrigues Rosa foi acolhida pelo legislador estadual, que determinou que a cada trimestre fosse sorteado um Conselho Permanente de Justiça para a Polícia Militar e um outro Conselho Permanente de Justiça para o Corpo de Bombeiros Militar, o mesmo ocorrendo no caso do Conselho Especial.
Segundo a Lei Complementar nº 85/2005, que alterou a Lei Complementar Estadual 59/2001, no caso de um concurso de agentes infratores, um pertencente à polícia militar e o outro ao corpo de bombeiros militar, ao invés de a competência ser estabelecida com base no militar de maior posto ou graduação, o Conselho Permanente ou Conselho Especial de Justiça será composto de forma mista. Na realidade, a solução apresentada pela lei estadual levou em consideração o princípio da igualdade, quando na realidade deveria ter preservado o princípio da hierarquia e da disciplina, ainda que os agentes fossem de corporações militares diferentes, tal como ocorre no âmbito da Justiça Militar Federal, ou como preferem alguns, no âmbito da Justiça Militar da União.
Pode-se afirmar, ainda, que a organização da Justiça Militar Estadual e da Justiça Militar do Distrito Federal em 1ª instância é semelhante à da Justiça Militar Federal, guardadas algumas particularidades no tocante aos postos e graduações das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares, uma vez que nas Forças Auxiliares não existe a presença dos oficiais generais (General, Almirante e Brigadeiro).[5]
No Estado de São Paulo, a Justiça Castrense possui 4 (quatro) Auditorias Judiciárias com competência para processar e julgar processos de conhecimento, com sede na Capital do Estado, e 1 (uma) Auditoria de Execução, não existindo por enquanto nenhuma Auditoria Judiciária Militar no interior.
Por força da Emenda Constitucional 45/2004, a 2ª Auditoria Judiciária Militar do Estado de São Paulo, diversamente das demais Auditorias do Estado, passou a processar e julgar apenas e tão somente as ações cíveis, que são aquelas que cuidam dos atos de natureza disciplinar praticados pela Administração Pública Militar.
Os policiais militares e bombeiros militares que residem no interior do Estado são obrigados a se deslocarem de suas sedes, chamadas de OPM (Organizações Policiais Militares), para serem processados e julgados na Capital. Em razão destes deslocamentos, muitas vezes os militares acabam contratando advogados que possuem os seus escritórios na cidade de São Paulo.
Atualmente, por força de disposições do Conselho Nacional de Justiça, o Estado de São Paulo tem buscado a implantação do sistema de vídeo conferência para evitar que os policiais militares tenham que se deslocar do interior do Estado para a Capital para que possam ser ouvidos em sede de interrogatório, ou ainda quando tenham que ser ouvidos na condição de testemunhas.
O Estado de Minas Gerais, por meio de resolução do Egrégio Tribunal de Justiça Militar, entendeu que as três Auditorias Judiciárias Militares existentes na Capital do Estado seriam competentes para processar e julgar as ações de natureza cível, o que vem ocorrendo desde janeiro de 2005.
Atualmente, também por resolução do Tribunal de Justiça Militar, TJMMG, a matéria de natureza cível é processada e julgada pelos Juízes de Direito Substitutos, enquanto que a matéria de natureza criminal é processada e julgada pelos Juízes de Direito Titulares.
Verifica-se ainda que a interiorização da Justiça Militar Estadual se faz necessária, mas deve ocorrer com uma estrutura compatível para que o Juiz de Direito que for exercer a sua jurisdição no interior do Estado possa fazê-lo com independência, assim como ocorre na Capital, e com todas as garantias e recursos necessários ao exercício da magistratura, tendo em vista que o Poder Judiciário no Estado de Direito é o guardião dos direitos e garantias fundamentais do cidadão e também das Instituições Civis e Militares.
No Estado de Minas Gerais, a Assembleia Legislativa aprovou um projeto de lei para que a Justiça Militar possa ser levada para o interior do Estado, mas, apesar da existência de norma permitindo a criação de Auditorias, esta não se efetivou. O Estado do Rio Grande do Sul, conforme se verifica das informações existentes em seu site oficial, possui auditorias no interior do Estado, o que facilita inclusive o cumprimento de cartas precatórias oriundas das Auditorias de Porto Alegre.
Por sua vez, a 2ª Instância da Justiça Militar Federal é constituída pelo Superior Tribunal Militar (S.T.M.), com sede em Brasília e jurisdição em todo o território nacional, que julga os recursos provenientes das Auditorias Judiciárias distribuídas pelo território nacional, e ainda a matéria originária prevista na Lei de Organização Judiciária Militar, e também em seu Regimento Interno.
No caso da Justiça Militar Estadual, a 2ª instância é constituída, em alguns Estados (Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul), pelos Tribunais de Justiça Militar (T.J.M.). Nos Estados, em que não existe o Tribunal de Justiça Militar essa competência é exercida pelos Tribunais de Justiça, ou por uma Câmara Especializada do próprio Tribunal em matéria militar como ocorre, por exemplo, com o Estado do Rio de Janeiro.
É importante se observar que o Superior Tribunal Militar (STM) não julgará os recursos provenientes da Justiça Militar Estadual e da Justiça Militar do Distrito Federal, como ocorre nos casos das decisões que são proferidas pelos Conselhos de Justiça Especial e Permanente da União.
No caso dos Conselhos de Justificação que tenham se originado na Administração Militar, o Superior Tribunal Militar, STM, somente poderá processar e julgar aqueles que forem referentes aos oficiais integrantes das Forças Armadas. Os oficiais das Forças Militares Estaduais são processados e julgados nos casos estabelecidos em lei que se iniciaram na Administração Pública Militar Estadual perante os Tribunais de Justiça ou Tribunais de Justiça Militar, sendo que das decisões proferidas por estes pretórios caberá, em tese, recurso especial ou recurso extraordinário, desde que preenchidos os requisitos legais previstos em lei.
No âmbito dos Estados de Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul, o Tribunal de Justiça Militar é composto de sete juízes, sendo três juízes civi, e quatro juízes militares, na patente de Coronel PM ou Coronel BM que se encontram na ativa.
O Tribunal de Justiça Militar tem como competência processar e julgar os recursos provenientes das Auditorias Judiciárias Militares, e ainda decidem, em atendimento à Constituição Federal de 1988 e à Constituição Estadual, a perda do posto e da patente e também a declaração de indignidade para o oficialato dos integrantes das Forças Militares Estaduais.
Com o advento da Emenda Constitucional nº 45/2004, os Tribunais de Justiça Militar passaram a ter competência para processar e julgar os recursos interpostos contra as decisões monocráticas proferidas pelos Juízes de Direito em sede de ações judiciais de natureza cível envolvendo os atos administrativos editados pelas autoridades administrativas militares.
Por fim, deve-se ressaltar, que Paulo Tadeu Rodrigues Rosa tem defendido, juntamente com outros autores, que as praças que integram as Forças Auxiliares somente poderão perder as suas graduações por meio de decisão proferida por órgão competente, que, na forma da Constituição Federal, é o Tribunal de Justiça Militar (TJM) ou os Tribunais de Justiça.
Atualmente, o Supremo Tribunal Federal, por meio da súmula 673, já decidiu que, no caso de ilícito administrativo, as praças poderão perder a sua graduação por meio de decisão proferida pelo Comandante Geral da PM ou pelo Comandante Geral do CMB.
No aspecto criminal, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça vêm entendendo que a Justiça Militar somente poderá decidir sobre a perda da graduação das praças no caso de ilícitos penais militares, e, nos demais casos, como no caso de crime de tortura e crime de abuso de autoridade, caberá à Justiça Comum decidir sobre a perda do cargo, conforme o estabelecido pelo Código Penal, entendimento este que deve ser recebido com reservas pela doutrina especializada, tendo em vista que o legislador constituinte originário em nenhum momento estabeleceu que a perda da graduação seria decidida pelos Tribunais Militares ou pelos Tribunais de Justiça apenas no caso de crimes militares, excetuando-se o crime comum ou mesmo o ilícito administrativo.
Em razão deste entendimento, enquanto o Supremo Tribunal Federal, no controle concentrado ou mesmo no controle difuso, não editar uma súmula vinculante a respeito da matéria, a questão não estará pacificada e caberá aos interessados ingressarem com os recursos que entenderem cabíveis na espécie, na busca de preservarem os seus direitos e, ao mesmo tempo, os seus postos, patentes e graduações.
Por fim, alguns doutrinadores têm defendido que os Conselhos de Justiça não deveriam ser compostos apenas pelos oficiais, mas também pelas praças. Esse entendimento tem como fundamento o princípio segundo o qual o militar deve ser julgado pelos seus pares. Respeitada a hierarquia militar, todos os militares, estaduais ou federais, são integrantes de uma mesma Corporação, não existindo motivos para que as praças não tenham representatividade junto ao escabinado.
Deve-se ressaltar, que as praças somente poderiam integrar os Conselhos de Justiça Permanentes, uma vez que, para compor os Conselhos de Justiça Especiais, é necessário que o juiz militar tenha patente ou posto superior a do acusado, ou, sendo igual, que seja mais antigo na forma dos critérios militares.
A tese ora exposta traz uma certa polêmica, podendo ser entendida como sendo a busca da quebra da disciplina que deve existir nas Corporações Militares. Mas, não se pode esquecer que o direito surge dos fatos, que todos são iguais perante a Lei e que o aprimoramento das instituições deve ser o objetivo daqueles que vivem sob o império do Estado de Direito.
O Estado de Minas Gerais chegou a estabelecer na Lei Complementar 59/2001 a presença das praças no Conselho Permanente de Justiça, o que não chegou a ocorrer na prática. Recentemente, com o advento da Lei Complementar 85/2005, esta disposição foi retirada da Lei de Organização e Divisão Judiciária do Estado de Minas Gerais.
Portanto, com base nas considerações apresentadas, pode-se afirmar que a Justiça Militar é um órgão jurisdicional com previsão no texto constitucional de 1988 e nas Constituições dos Estados integrantes da Federação e do Distrito Federal, possuindo os juízes civis da Justiça Militar, Estadual ou do Distrito Federal, as mesmas garantias que são asseguradas aos juízes integrantes da Justiça Comum ou da Justiça Federal, Comum ou Especializada, que são: a vitaliciedade, a inamovibilidade e a irredutibilidade de vencimentos, para que possam, com fundamento na Lei e em sua livre convicção motivada, proferir os seus julgamentos, na busca da Justiça, que deve ser o objetivo do Direito.
Afinal, como diziam os Romanos: “Faça-se Justiça ainda que pereça o Mundo”.
Notas
[1] A expressão Justiça Militar Federal é uma expressão que costuma ser utilizada pelo autor desta obra, desde o ano de 1996, em razão da existência da Justiça Militar Estadual. A Constituição Federal de 1988, assim como outros autores brasileiros, costuma utilizar a expressão Justiça Militar da União, em razão da Lei de Organização Judiciária Militar da Justiça Militar da União, Lei Federal 8.457, de 04 de setembro de 1992, que utiliza a expressão Justiça Militar da União e não Justiça Militar Federal.
[2] Era costume do autor desta obra utilizar a expressão auditor militar que tem sido reproduzida por alguns sem entender o seu alcance e o seu significado. Na realidade, o auditor militar é o Juiz Civil provido ao cargo por meio de um concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil, que segundo a lei no âmbito da União é denominado de Juiz-Auditor, expressão esta que também alcançava os Juízes dos Estados-membros e do Distrito Federal. Por força da Emenda Constitucional 45/2004, os Juízes-Auditores dos Estados e do Distrito Federal passaram a ser denominados de Juízes de Direito do Juízo Militar.
[3]ROTH, Ronaldo João. Justiça Militar e as Peculiaridades do Juiz Militar na Atuação Jurisdicional. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2003.
[4] A sistemática que foi adotada na 2ª Auditoria Judiciária Militar do Estado de Minas Gerais apesar de ser a mais lógica e estar em conformidade com a lei, uma vez que permite a observância do estabelecido no vigente Código de Processo Penal Militar quando a prolação do voto pelos juízes militares a princípio não foi observada por todos os julgadores. No âmbito da União, prevalece a sistemática anterior, ou seja, com o oficial de maior posto ou patente ao centro do Conselho de Justiça, uma vez que no âmbito da União a presidência do Conselho Permanente de Justiça e do Conselho Especial de Justiça não é exercida pelo Juiz Togado, mas pelo militar de maior posto.
[5]Em razão da qualidade da definição que foi elaborada por Paulo Tadeu Rodrigues Rosa ao escrever o texto sobre a Organização da Justiça Militar, o qual foi originalmente publicado no site Jus Navigandi no mês de outubro de 1999, e que se encontra disponível na Internet em http://www.jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1569, esta tem sido utilizada por outros estudiosos deste ramo especializado do direito ao tratarem da matéria, que é essencial no entendimento do alcance e dimensão da Justiça Militar.