Impacto da intervenção psicossocial aos usuários de drogas no contexto do Judiciário

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26/06/2015 às 02:03
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3. ANÁLISE DOS DADOS E RESULTADOS

 Diante dos vários instrumentos e momentos da pesquisa, os dados foram analisados na seguinte ordem: Análise descritiva da triagem; Análise da observação naturalística da intervenção em grupo e; Análise descritiva e inferencial do follow-up, com base na análise de conteúdo da entrevista, do tipo categorial temática.

O perfil sócio demográfico demostra que a faixa etária varia de 18 a 60 anos. Com uma exceção, todos são moradores de Brazlândia, são homens, jovens e solteiros, nascidos no Distrito Federal. A escolaridade se divide entre o ensino médio e o fundamental. Seis estão empregados formalmente. Três estão desempregados e alegam dificuldades para encontrar trabalho, não relacionado ao uso das drogas, mas à falta de oportunidades. Entre esses, um atribui sua dificuldade ao estigma de ser ex-presidiário, considerando-se discriminado. Três se declaram autônomos, entre eles um, também ex-presidiário, trabalha como vendedor de salgados. Com uma exceção, todos declaram uma religião. Quatro residem com a família nuclear, seis com a família de origem e três residem sozinhos. Todos declaram manter laços familiares que incluem ajuda financeira. Destaca-se que nove possuem residência própria e cinco residem de aluguel.

                      Tabela 1 – tipos de droga e frequência de uso - triagem

Tipos de drogas usadas

N

Frequência do uso

Álcool

13

Semanal/mensal

Maconha

12

Diário/semanal

Tabaco

10

Diário

Cocaína

 5

Mensal

Crack, merla

 3

Semanal/mensal

Anfetaminas, êxtase

 2

já usou na vida

Hipnóticos, sedativos

 2

já usou na vida

Inalantes

 1

já usou na vida

Alucinógenos

 1

já usou na vida

Opióides

 1

já usou na vida

Por meio da aplicação do ASSIST, considerando as informações declaradas pelos usuários, foi possível observar o tipo de drogas utilizado e a frequência desse uso (tabela 1).

Durante a realização do grupo, a equipe do SERUQ selecionou cinco temas multiteóricos para reflexão e informação: lei, saúde, projetos de vida, educação e papel sócio/cultural. O comitê de drogas da cidade foi convidado a participar, visando à integração estratégica da rede local no cuidado do seu usuário. Primeiramente, o comitê foi capacitado pela equipe sobre aspectos legais e psicodinâmicos do uso das drogas. Todos os encontros tiveram a participação da equipe do SERUQ e dos 13 participantes.

 O primeiro encontro, realizado pela equipe do SERUQ, apresentou os aspectos legais da transação penal, o papel do Judiciário e o caráter socioeducativo da intervenção. Através de uma dinâmica, os usuários estabeleceram quais os fatores associados ao uso representavam as suas relações sociais e potencializavam, agravando ou diminuído o uso. Assim permitiram-se expor, individualmente, suas percepções e selecionar as comuns, determinado critérios de risco e proteção.

Foram considerados fatores de proteção: a família, o trabalho, a religião e o esporte. Como risco: as amizades e os problemas (estresse) foram sinalizados. No discurso dos usuários, a necessidade de relaxar, “acalmar e não discutir com a companheira”, assim como a necessidade do uso de drogas para dormir, foi ressaltado. Um dos usuários trouxe o frio como fator de vulnerabilidade.

O segundo encontro teve como tema a saúde. Contou com a participação do médico do Centro de Saúde 1, de Brazlândia, que utilizando imagens demonstrou os efeitos do uso das drogas no organismo,  assim como sua relação com outras doenças como diabete, cirrose, hepatite, HIV. O impacto das informações foi percebido de imediato, pois houve muitos questionamentos e solicitações.

O terceiro encontro foi conduzido pelo psicólogo do CREAS-Centro de Referência Especializado em Assistência Social acompanhado da assistente social do CRAS-Centro de Referência em Assistência Social. Através de uma dinâmica interativa, focada nos valores pessoais dos usuários, o psicólogo buscou proporcionar reflexões sobre projetos de vida, amizades, o outro, relacionamentos, perdão, solidão, percepção da vida.  Finalizando com uma técnica de relaxamento e projeção. A assistente social, representando o CRAS, disponibilizou para aqueles que tinham interesse, atendimentos sobre vagas de empregos. Todos os que estavam desempregados agendaram, com exceção do usuário morador de Ceilândia.

O quarto encontro foi com o tema educação, contou com a presença da pedagoga do INCRA8 de Brazlândia. Utilizando uma dinâmica que ressaltava o passado, o presente e o futuro, destacava a importância da educação e profissionalização. Disponibilizou alguns cursos técnicos oferecidos pela comunidade, assim como a possibilidade de integração a projetos de educação acelerada (EJA) para os que desejassem concluir os estudos.  Um dos usuários, que trabalha como mestre de obra, discordou, afirmando ser desnecessária essa continuidade diante de sua realidade e de outros do grupo. A pedagoga trouxe a importância do uso de novas tecnologias na construção civil, onde diante do fenômeno da globalização, só é viável com uma educação ampla. Ao final, este usuário, mestre de obras, foi o único a se interessar pelo curso de inglês ofertado.

O último encontro contou com a participação de uma assistente social da administração da cidade e do grupo HIP-HOP – proativo (dois membros), cujo representante faz parte do conselho tutelar de Brazlândia, radialista e chefe comunitário.  O representante do grupo relatou sua historia pessoal, discorrendo sobre exclusão, preconceito, família, diferenças sociais e projetos de vida, destacando que

“(...) foi desqualificado e chamado de bandido pelo pessoal de Brazlândia. Ninguém acreditava nele, era um cara da rua, no entanto, foi lhe dado um lugar, hoje ele é o cara”.  

 Finalizaram com a apresentação de um vídeo/clipe sobre o tráfico de pessoas, cantado no estilo hip-hop, produzido pelo por eles. Disponibilizaram o espaço para acolher os usuários. O encontro foi permeado pela discussão e troca de experiências. A identificação com as histórias de vida promoveu um espaço de inclusão. Houve emoção e dois usuários se dispuseram participar de outros grupos do SERUQ narrando suas histórias.

Para encerrar o Juiz compareceu e firmou a importância do comparecimento e cumprimento da transação penal e o arquivamento dos autos, acrescentando que espera encontrá-los novamente, em outra situação na vida.

3.1.Follow-Up-Perfil

Após cinco meses da realização do grupo deu-se inicio ao follow-up. Os dois usuários que eram ex-presidiários estavam novamente recolhidos, um por porte ilegal de arma e o outro por violência doméstica.  Apenas quatro usuários participaram. Dos sete que não compareceram, um não quis participar e seis não foram localizados. Portanto, o follow-up se realizou com 30% dos participantes.

Comparando o perfil desses quatro usuários antes e depois da intervenção, verifica-se que o status foi alterado em algumas variáveis.  Um deles, hoje, vive maritalmente, está empregado formalmente e mora com a família nuclear. Antes três estavam desempregados, hoje apenas um está desempregado. Um havia se declarado autônomo, situação que persiste. Outro está empregado formalmente em dois empregos. Três continuam residindo com a família de origem. E, quanto à escolaridade, religião e moradia o status continua o mesmo com a ressalva de que um evangélico e um católico declaram participantes da Igreja, o que antes não ocorria.

Por meio da reaplicação do ASSIST, considerando as informações declaradas pelos usuários, é possível descrever e comparar o tipo de droga e a frequência de uso, antes e após a intervenção dos quatro usuários participantes.

                Tabela 2 – tipos de droga e frequência de uso – Follow- up

Tipos de drogas usadas

N

Frequência do uso

Triagem

N

Frequência do uso

Follow-up

Tabaco

4

Diariamente

3

Diariamente

Álcool

4

Semanal/Mensal

4

Semanal/Mensal

Maconha

4

Diariamente/Semanal

3

Semanal

Cocaína

2

Semanal

1

1 ou 2 vezes nos

 últimos 3 meses

Crack, merla

1

Semanal/mensal

0

 Não usa/parou

 A tabela 2 demonstra que um deixou de usar tabaco e maconha e, três declararam que o uso da maconha é semanal. Enquanto, um deixou de usar cocaína e um reduziu o uso semanal para uma ou duas vezes nos últimos três meses. O uso do álcool se mantém similar e o usuário de crack declara ter parado.

3.2  Avaliação de Reação ao Programa - Follow-up

 Este instrumento busca avaliar a satisfação do usuário acerca da programação da intervenção (expectativa, dias e carga horária), avaliando à audiência e a medida judicial, considerando que a participação no grupo, significa o cumprimento da determinação legal e do acordo firmado. Os itens relacionados aos resultados buscam avaliar a intervenção em grupo, diante da qualidade das informações prestadas, a partir dos temas desenvolvidos e do desempenho da equipe do SERUQ e dos profissionais participantes. Foi calculado o desvio padrão em relação à média buscando indicar a variação.

Tabela 3 – avaliação de reação

Programação

Péssimo

1

Ruim

2

Regular

3

Bom

4

Ótimo

5

Média

Desvio padrão

 O que achou da Audiência.

4

3,0

0,0

O que achou da medida judicial de participar do grupo

1

3

3,7

0,5

O que achou da carga horaria do grupo (5 encontros de 2h)

4

4,0

0,0

Durante a Intervenção

 O que achou das informações apresentadas sobre a Lei 11.343/06

2

2

4,5

0,5

O que achou das informações apresentadas sobre saúde

4

5,0

0,0

O que achou das informações apresentadas sobre educação

1

3

4,7

0,5

Como você avalia a segurança dos profissionais nas orientações sobre os temas

4

5,0

0,0

Como você avalia os profissionais do SERUQ

4

5,0

0,0

Após a Intervenção

Como avalia sua participação no grupo

2

2

3,5

0,5

Como avalia sua aprendizagem no grupo

4

4,0

0,0

Como foi a convivência com os outros beneficiários do grupo

1

3

3,7

0,5

Como avalia a participação no grupo para sua vida

4

4,0

0,0

Como você se sentiu ao participar do programa

2

2

4,5

0,5

4,0

0,2

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 A Tabela 3 retrata a avaliação dos quatro usuários do programa quanto à satisfação com programação. Foi calculado o desvio padrão em relação à média buscando indicar a variação, se obtendo uma média de 3, 3,7 e 4 . Quanto ao processo de intervenção, foi avaliada a qualidade das informações obtidas ao longo do grupo, se obtendo uma média de 4,5 e 5. Após a intervenção a média obtida foi de 3,5, 4, 3,7 e 4,5, o que demonstra uma avaliação positiva, ressaltando, que o número de participantes, representa 30% da amostra, portanto, significativo.

3.3 Entrevistas - Follow-up

O roteiro da entrevista semiestruturada dos quatro participantes, com base na análise de conteúdo, do tipo categorial temática, permitiu identificar três categorias temáticas. Essas categorias são descritas abaixo:

1ª Categoria - Mudanças no uso das drogas (N=4): frequência, tipo de droga, redução do dano.

“(...) continuo usando, mas não da mesma forma, moderadamente, hoje uso só maconha (...) o crack, parei (...) era necessário tocar na ferida, senti vergonha de estar usando”.

 “Não era um usuário constante, não fumo mais cigarro (...)”.

“(...) Continuo usando maconha (...) a cocaína (...) diminui, muito caro”.

“Eu gosto de usar, maconha, não vou parar. Sinto muito prazer, é legal. (...) tomo mais cuidado”.

“A gente não tem noção, não vê a destruição vindo pra a gente. Abri minha mente. Aprendi muito. Não uso mais cocaína (...), só maconha às vezes”.

2ª Categoria - Autonomia (N=4): capacidade da de praticar ou abster-se de praticar certos atos de acordo com sua vontade.

“Estou mais decidido. Pensava muito, não tomava decisões (...) me ajudou acordar. Sem estresse, encaro os problemas da melhor forma possível, saio fora não entro em discussão”.

“Estou trabalhando muito, tenho dois empregos, estou pensando em morar sozinho, o trabalho me ajudou muito, sentei com meus pais a gente conversou muito (...) comecei a me perceber”.

“Estou pensando, foi muito legal, não penso em sair de casa, sei lá, sou o mais novo”.

“Encaro os problemas da melhor forma possível, eu gosto de conselho... Faço melhor minhas escolhas”.

3ª Categoria - Projetos de vida (N=4): planejamento pessoal que define um conjunto de metas a ser alcançado

“Quero ter uma vida estável com minha família, vou cuidar da minha filha e da minha namorada. Terminei os estudos, vou fazer um curso no SENAI ou no ETB, vou ser técnico em eletricista, terminar minha casa, vou comprar um carro em agosto”.

“Minha meta e organizar minha vida, (...) morar só, ter meu canto, (...) gosto do meu trabalho, quero arrumar uma namorada, estou crescendo”.

“(...) Ainda não sei, meu pai fala muito. Sou pintor, minha vida está boa”.

“Quero arrumar um emprego melhor, minha mãe falou que estou mais trabalhador, a gente tem mais respeito”.

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Sobre a autora
Cristiana Jobim Souza

Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Brasília- CEUB. Graduando em Psicologia - Centro Universitário de Brasília - UNICEUB. Pós-Graduação Lato Sensu em Ciências Jurídicas, especialização em Direito Civil e Proc

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Esse artigo originou-se da monografia apresentada no curso de Psicologia, tendo como Orientadora Amália Raquel Perez: Doutora em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações pela Universidade de Brasília. Professora da graduação e do mestrado em psicologia, na linha de psicologia e saúde, especificamente saúde no trabalho do Centro Universitário de Brasília - UniCEUB.

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