Impacto da intervenção psicossocial aos usuários de drogas no contexto do Judiciário

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26/06/2015 às 02:03
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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

No contexto estudado, verifica-se que o fenômeno do uso de drogas vai ao encontro das normas sociais e se caracteriza como um comportamento desviante. Diante da Lei, o usuário ou dependente é um sujeito transgressor e também um problema de saúde pública. É uma questão social, onde o sujeito entra no cenário jurídico para ser penalizado por sua inadequação social, as expectativas não são claras. A assistência jurídica disponibilizada é um procedimento psicossocial, coercitivo, realizado através de um programa de assistência psicossocial, onde a equipe do SERUQ se destaca pela inovação.

 Descrever suas ações e avaliar seu impacto é complexo, pois o efeito social do uso de drogas se constitui a partir de uma série de variáveis interligadas tão abrangentes, que falar em proteção, prevenção e reinserção no contexto jurídico requer uma reinvenção de modelo psicossocial, sendo necessário adotar uma postura que mescle: disseminação de informação; reflexão; problematização do uso; desenvolvimento de projetos de vida e, ainda, possibilite o cumprimento da pena, ou seja, o SERUQ se estabelece como executor da pena e fomentador de redes sociais, sem apoio do executivo e sem competência formal estabelecida. Ressalta-se que durante a intervenção os jurisdicionados são tratados pela equipe do SERUQ como beneficiários e, não réus/jurisdicionados, um paradoxo que, no contexto, é o primeiro passo para a conformidade, que deve ser motivada como processo de adequação social elevando o sujeito a cidadão.

Foi possível verificar que a estruturação dessa intervenção diferenciada requer a participação de vários profissionais e a utilização de técnicas, cujo aporte teórico precisa ser abandonado, para dar lugar à experiência prática dos profissionais. A Lei determina a participação em programa socioeducativo (art. 28-III, Lei 11.342/06), o CNJ (provimento 4/2010) estabelece a não intervenção terapêutica, mas a intervenção. O SERUQ assume, então, uma competência de assessoria que torna sua ação investigativa, avaliativa, reflexiva, psicossocial e executora, além de que o usuário/dependente é motivado e informado sobre questões sociais, legais e de saúde que envolve o uso.

  Modificar o comportamento de usar drogas é um ideal a ser alcançado, considerando a certeza de uma situação de risco e vulnerabilidade, portanto, motivar a mudança é o desafio. Todo esse procedimento se encontra sob a tutela do Judiciário. É um novo modelo, piloto, onde se almeja “obrigar” o sujeito à tomada de consciência e reflexão sobre droga em sua vida e, possíveis danos. O modelo de intervenção é único, a metodologia estabelecida surge de um longo processo de estudo e capacitação dos profissionais da equipe do SERUQ, para a criação de uma intervenção que satisfaça um modelo de psicologia judicial, assistência social e processo socioeducativo.

O levantamento do perfil demográfico permite realizar conclusões mais consistentes sobre esses sujeitos, porque indicam o modo de vida e a presença de possíveis fatores comuns que facilitam a intervenção.  Destaca-se que a maioria dos participantes jovens, são homens e são dependentes da família.  A falta de autonomia é latente no grupo, mesmo entre os que moram sozinhos e trabalham, a dependência financeira está presente. Os conflitos familiares e o estresse são relatados pelo grupo assim como a dificuldade de emprego e oportunidades, vários estudos trazem esses fatores como agravantes da vulnerabilidade e risco social. (CECCONELLO; 2003; GIGLIOTTI e GUIMARÃES, 2007; BRASIL, 2012).

É possível estabelecer uma relação causal entre as teorias psicossociais apresentadas e o comportamento dos jurisdicionados, pois esses homens frustrados não encontram na estrutura social a possibilidade de integração. O comportamento anômico se caracteriza na tensão entre a estrutura cultural e a social quando as oportunidades não estão lá. O acesso ao sucesso não está disponível, o usuário se frustra diante da não existência do seu lugar, acreditando que estava garantido.  Ferro (2004) descreve esse descompasso que leva o sujeito a negar os valores sociais, adotando um comportamento desviante, adapta-se através da evasão, se exclui da sociedade (FERRO, 2004; BARATTA, 2002).

A prática psicossocial disponibilizada pela SERUQ se apresenta como um espaço psicossocial em construção capaz de avaliar o risco e absorver a demanda. Os critérios utilizados e quais os indicadores de risco avaliados não ficam claros. Durante a intervenção, os temas são trazidos pela percepção da equipe diante da experiência pessoal de cada membro e, dos fatores de risco e vulnerabilidade prescritos pelos estudos e levantamentos feitos SISNAD (2006), ao estabelecer medidas para a prevenção do uso (BRASIL, 2012).

A intervenção se mostrou eficaz para o cumprimento da determinação legal dentro do prazo. Ao se analisar através do follow up as mudanças ocorridas aos usuários, são significativas e representam a eficiência do programa diante da complexidade do tema e sua adequação. Apenas 30% do grupo estava disponível ao estudo do impacto, no entanto, essa parcela é representativa do grupo. Houve mudanças no uso, na frequência, na autonomia e na percepção diante da vida. Os projetos trazidos se mostram consistentes. Verificam-se mudanças, principalmente, na relação com as drogas associada à relação com o trabalho. A intervenção em grupo, na avaliação dos usuários, foi importante para motivação e percepção da vida. Ressaltaram o último encontro com o grupo do HIP-HOP – proativo, onde a troca de experiências teve muita importância, assim, como aspectos de saúde que eram desconhecidos. Ressalta-se que o sujeito que aparentemente não teve mudanças, revela uma alteração significativa no seu uso de drogas quanto à frequência (3ª momento – instrumento) e comparece ao follow up.

O delineamento longitudinal, do primeiro estudo realizado para avaliação do programa, tenta atráves de três momentos de coleta verificar o impacto do programa socioeducativo único, desenvolvido pelo SERUQ. A perda de 70% dos usuários no terceiro momento (follow-up), apesar de representativa, limita sua projeção.

Esse grupo revela que ao entrar no mercado formal de trabalho modificou o uso, aceita as normas sociais e encontra sua oportunidade, o que o conduz para um novo modelo de adaptação, da evasão para a conformidade. Aceita os fins culturais e os meios institucionais e, se inclui (FERRO, 2004; BARATTA, 2002, RIBEIRO). As causas podem ser externas ou internas, mas influenciam na conduta do sujeito que sai da marginalidade, dando um novo significado as suas escolhas e demandas. Alcançando um estado de equilíbrio e bem estar (JESUS, 2010, MACHADO, 2006), que possivelmente encontrava no uso de drogas.

Diante das possiblidades, considera-se que os objetivos foram alcançados, o estudo é pequeno, no entanto, é possível verificar o impacto da intervenção e descrevê-la. As categorias identificadas confirmam os indicadores trazidos pelo SISNAD, 2006 e, expressam uma avaliação significativamente positiva do trabalho, refletindo efetividade no processo de mudança. A perda de participantes não significa, necessariamente, falta de impacto da intervenção.

Os indicadores sócios demográficos permitiram revelar características específicas desse grupo, assim como, o tipo de consumo, conhecer as variáveis facilita a intervenção e prevenção, assim o resultado deste estudo poderá ser utilizado como parâmetro para o planejamento outras intervenções.

Pelos resultados encontrados ao final da discussão e análise, considera-se o estudo como exploratório, se apresenta como uma tentativa de contribuir para a com­preensão desse contexto, que embora estimulante deixa antevir muitas questões a serem abordadas no futuro.

Recomenda-se que novas pesquisas sejam elaboradas, considerando uma amostra maior. E, novos grupos sejam avaliados para validação do instrumento, permitindo a construção de novos paradigmas e a identificação de indicadores de avaliação, garantido, assim, a implantação, efetivação e melhoria dos programas, ações e atividades de redução de danos (prevenção, tratamento, recuperação e reinserção social). Recomenda-se a redução para três meses para realização do follow-up, diante da perda de participantes nesta fase.


Referências

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Notas

(1] SERUQ- Serviço de assessoramento a magistrados sobre usuários de drogas – a competência de atuação trabalho esta definida no art. 244, resolução 13/12 do TJDFT abrange atendimento as 28 Regiões Administrativas do Distrito Federal, assistidas por 21 Juizados Especiais Criminais ou de Competência Geral e quatro Varas de Entorpecentes e Contravenções Penais, instalados em um total de doze Fóruns.

[2] O conceito de anomia de MERTON configura um desenvolvimento da concepção de DURKHEIM, em sua obra o suicídio: “... de relativa ausência de normas em uma sociedade ou grupo”. Em Robert Merton, não obstante as diferentes formulações empregadas prevalecem à ideia de “ruptura da estrutura cultural”. As teorias da anomia de Durkheim e de Robert Merton, não são equivalentes, para ele anomia não é apenas “desmoronamento” ou “crise”, a estrutura sociocultural exerce uma pressão sobre os membros da sociedade que pode levar à anomia e ao comportamento desviante, entre os quais o considerado criminoso. Na percepção de DURKHEIM, o “que é normal é simplesmente que haja uma criminalidade, contanto que esta atinja e não ultrapasse, para cada tipo social, certo nível que talvez não seja impossível fixar de acordo com as regras precedentes (FERRO, 2004)

[3] Questionário ASSIST- teste de triagem para envolvimento com álcool, tabaco e outras substancias, desenvolvido pela WHO (Henrique, De Micheli, Boerngen, Lacerda, Formigoni, 2004), cujo objetivo é verificar a frequência do uso de substâncias químicas lícitas e ilícitas em inglês significa dar assistência.

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Sobre a autora
Cristiana Jobim Souza

Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Brasília- CEUB. Graduando em Psicologia - Centro Universitário de Brasília - UNICEUB. Pós-Graduação Lato Sensu em Ciências Jurídicas, especialização em Direito Civil e Proc

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Esse artigo originou-se da monografia apresentada no curso de Psicologia, tendo como Orientadora Amália Raquel Perez: Doutora em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações pela Universidade de Brasília. Professora da graduação e do mestrado em psicologia, na linha de psicologia e saúde, especificamente saúde no trabalho do Centro Universitário de Brasília - UniCEUB.

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