DA NECESSIDADE DE REVISÃO DO CONCEITO DE CONSUMIDOR EM VIRTUDE DO ADVENTO DO CÓDIGO CIVIL DE 2002
a) Teorias sobre o conceito de consumidor:
Para que se possa compreender a necessidade de revisão da interpretação que vem sendo dada ao artigo 2º, da Lei 8078/90, importante se torna a análise das teorias que fundamentam o conceito de consumidor, de modo a conferir a proteção especial característica desse diploma legislativo a uma categoria determinada de pessoas.
As normas relativas ao direito do consumidor sempre tiveram como fim precípuo, tanto no direito pátrio, como no alienígena, conferir proteção a uma classe de pessoas que, diante das contingências negociais tornavam-se por demais vulneráveis, não podendo fazer valer seus direitos da melhor forma.
Com efeito, a necessidade de conferir-se uma maior proteção aos consumidores adveio da evolução da economia de forma geral, sendo importante a transcrição do ensinamento de NEWTON DE LUCCA:
"De outro lado, a chamada economia de mercado engendrara uma idéia absolutamente falsa – e, também, muito provavelmente cínica – de que o consumidor, favorecido pelo sistema da livre concorrência entre as empresas e pela multiplicação de bens e dos serviços colocados à sua disposição, iria tornar-se uma espécie de monarca do mercado, embora alguns espíritos mais argutos já denunciassem a falácia de tal dicção, tal como se pode ver em Zola e Charles Gide."
(Direito do Consumidor, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1995, p. 14)
Não se pode esquecer que o avanço tecnológico dos grandes conglomerados financeiros, tornou o consumidor como que um refém de práticas desleais, respaldadas em um sistema jurídico que não conferia ampla proteção a situações como essas, razão pela qual mostrou-se veemente a necessidade de se buscarem meios efetivos de coibir estas práticas.
É importante frisar, contudo, que o direito do consumidor não pode ser encarado com um fato isolado, pois a evolução por que passou o direito contratual nas últimas décadas foi também de fundamental importância para a criação de um novo conceito sobre a existência de determinada categoria de pessoas que se encontravam em situação de hipossuficiência na relação jurídica e que necessitavam da devida proteção.
Como exemplo dessas situações pode-se citar a necessidade de revisão de contratos em determinadas situações, conforme mencionado no tópico anterior, com a necessária relativização da força obrigatória dos contratos, dentre outros.
O direito comparado, como é o caso da Alemanha e Bélgica, por exemplo, têm preferido uma interpretação restritiva do conceito de consumidor, por motivos que, conforme será neste estudo demonstrado, aproximam-se mais dos princípios que inspiram essa ramificação do direito, mormente após a promulgação do novo Código Civil. Neste sentido, transcreve-se o escólio de ANTÔNIO CARLOS EFING:
"A doutrina européia, embora admitindo expressamente que de forma lata as pessoas jurídicas sejam realmente consumidores e como tais atuem como consumidores no mercado de consumo, em sua maioria, prefere entender que a legislação protetiva deva alcançar somente as pessoas naturais (físicas) e morais (entidades assistenciais, de beneficência, etc.)"
(Contratos e Procedimentos Bancários à Luz do Código de Defesa do Consumidor, Editora Revista dos Tribunais, 1ª Edição, São Paulo, 2000, p. 41)
A justificativa para esse entendimento reside no fato de que deve ser considerado como consumidor aquela pessoa física, não profissional, que adquire bens para uso próprio, particular, familiar, concedendo a proteção legal às partes que são fracas na relação negocial.
Pode-se delimitar, portanto, a existência de duas correntes que discutem sobre o campo de abrangência que deve conter o conceito de consumidor, quais sejam a finalista e a maximalista.
A corrente finalista é a precursora do direito consumerista, buscando efetivamente conceder a tutela protetiva especial àquela categoria de pessoas que efetivamente sejam vulneráveis na relação jurídica, sendo interessante a lição de ANTÔNIO CARLOS EFING a respeito do tema:
"Esta corrente (finalistas) restringe a figura do consumidor àquele que adquire (utiliza) um produto para uso próprio e de sua família, consumidor seria o não-profissional, pois o fim do CDC é tutelar de maneira especial um grupo da sociedade que é mais vulnerável."
(ob. cit., p. 46)
Continua o autor referenciado, mencionando as vantagens atribuídas a essa teoria, dizendo que "Consideram que, restringindo o campo de aplicação do CDC àqueles que necessitam de proteção, ficará assegurado um nível mais alto de proteção para estes, pois a jurisprudência será construída sobre casos em que o consumidor era realmente a parte mais fraca da relação de consumo, e não sobre casos em que profissionais-consumidores reclamam mais benesses do que o direito comercial já lhes concede." (ob. cit., p. 46)
Portanto, conforme preconiza a teoria finalista, não se pode conceber um conceito lato de consumidor, especialmente para que não haja um desvirtuamento do instituto, conferindo a pessoas que não necessariamente se encontrem em posição de estrita vulnerabilidade, uma proteção especial.
Busca-se, dessarte, um afunilamento de características, de sorte a direcionar o Código de Defesa do Consumidor somente para uma determinada categoria de pessoas, sob o forte argumento de conferir uma proteção jurisdicional não só mais eficaz, mas também mais justa.
A teoria maximalista, por sua vez, confere maior extensão ao conceito de consumidor, posto entender ser o CDC uma legislação que trata das relações de consumo em si, e não somente dos direitos do consumidor.
Consoante este entendimento será consumidor toda a pessoa, física ou jurídica (art. 2º, CDC), que vier a adquirir produtos ou serviços, bastando somente que os retire da cadeia produtiva.
À primeira vista, pode-se afirmar que o legislador pátrio, ao utilizar-se da expressão destinatário final, referindo-se ainda às pessoas físicas e jurídicas, pretendeu conferir maior elastério de interpretação, de modo que um maior número de pessoas, seja qual for a sua personalidade jurídica, possa buscar a tutela de seus direitos nesse diploma legal.
Deve-se ressaltar que inclusive aqueles países que adotaram um conceito estrito de consumidor, com é o caso da França (entendendo que somente as pessoas físicas, não-profissionais poderiam ser consideradas como tais), encontraram dificuldades diante de situações onde pessoas jurídicas, pequenas empresas ou microempresários, desprovidos de conhecimentos técnicos específicos a respeito de determinado produto ou serviço, viam-se em situações onde era flagrante a necessidade de se conferir uma maior proteção.
Solução que parece a mais correta, e que mostra-se como rumo a ser seguido pelo direito brasileiro, foi a adotada pela Alemanha, que trata de relações negociais em geral, em um diploma legal geral, de modo a propiciar uma maior segurança para os negócios jurídicos em si, estreitando as hipóteses em que será conferida a especial proteção ao consumidor.
Todavia, para o que se aborda nesta etapa cumpre dizer que, salvo melhor juízo, existia, até o advento do Código Civil de 2002, uma tendência de alargamento do conceito de consumidor, até mesmo porque faltava na legislação pátria um diploma legal que conferisse uma proteção maior às pessoas que eventualmente estão em posição de fraqueza em determinada relação jurídica.
Diz-se isso porque a tendência do direito brasileiro, em vários pontos, sempre foi tímida quanto a questões referentes a proteção do indivíduo quando lesionado em seu direito, a teor do que ocorre na responsabilidade civil, onde a culpa era considerada como o principal elemento para a verificação da obrigação de indenizar, conforme estabelecia o artigo 159 do Código Civil de 1916.
b) Necessidade de aceitação da teoria finalista em virtude das alterações do Código Civil;
Não se pode deixar de reconhecer que no estágio em que se encontra o direito civil brasileiro impõe-se a necessidade de revisão do conceito de consumidor, com a adoção da teoria finalista em seus termos originais, posto existirem atualmente meios próprios e eficazes para a defesa do interesse do jurisdicionado de um modo geral, não sendo necessário recorrer-se a diplomas específicos, como vem ocorrendo com o CDC, utilizando-se de formas ampliativas de conceituação de consumidor.
O argumento de que a teoria finalista seria a melhor opção para se conferir proteção ao consumidor efetivamente considerado como a pessoa física que adquire produto ou serviço para uso próprio, familiar ou doméstico encontra fortes bases de sustentação.
À luz do que foi exposto, não se pode deixar de concluir que a ampliação do conceito de consumidor (teoria maximalista), como tem ocorrido em diversos precedentes jurisprudenciais, bem como preconizado por vários doutrinadores, buscava fundamento na ausência, no direito brasileiro, de diploma legal geral que conferisse a tutela pretendida pelas partes quando da solução do caso concreto, em especial no que diz respeito à responsabilidade civil, que sempre pautou-se na necessidade de demonstração de culpa para a existência do direito à indenização, e na alteração dos vínculos contratuais por situações que o tornem desproporcionais.
De outra sorte, a teoria maximalista encontrou campo fértil de atuação no artigo 2º do próprio Código de Defesa do Consumidor, que inclui também as pessoas jurídicas como consumidoras, bem como pela ampla extensão conceitual que se pode conferir ao termo destinatário final.
Ocorre que o novo Código Civil teve o inegável mérito de disciplinar melhor uma série de situações que reclamavam solução mais consentânea com os ideais modernos do direito, em especial no anseio de justiça na entrega da tutela jurisdicional.
Os exemplos dessa assertiva encontram-se devidamente fundamentados nas novidades do novo Código Civil em matéria de direito contratual e responsabilidade civil, como forma de se ampliar a atividade jurisdicional, de forma mais justa e equânime.
Em vista desses fatores, que certamente produzirão reflexo direto nos futuros precedentes jurisprudenciais, não mais existe motivo para que se conceda um conceito ampliativo de consumidor, conforme defendido pelos adeptos da teoria maximalista, inclusive quanto a pessoa jurídica, posto que as inovações recentes são a prova clara de que o diploma legal geral, qual seja o Código Civil de 2002, tem âmbito de abrangência suficiente para açambarcar um número indiscutivelmente maior de relações jurídicas, o que significa dizer, tutelar melhor os direitos individuais e coletivos.
Outro fato que justifica a necessidade de mudança quando ao conceito de consumidor é de que não se pode negar que o reconhecimento de que determinada pessoa tem o direito de ver regulamentados seus direitos pelo CDC, traz relevantes conseqüências no âmbito processual, pois ser-lhe-ão conferidas uma série de prerrogativas, como por exemplo a faculdade de demandar em seu próprio domicílio, possibilidade de inversão do ônus da prova, revisão de contratos por fatos supervenientes, ainda que previsíveis¸ bem como a adoção da teoria da responsabilidade objetiva como regra geral, dentre outros. Novamente utiliza-se da lição de ANTÔNIO CARLOS EFING:
"O direito do consumidor seus a tendência atual na adoção de microssistemas reguladores de determinadas situações jurídicas, imunes às desconexas influências de outros ramos do direito que se situam à margem das relações regradas pelos microssistemas. O direito do consumidor não se afasta dessa inclinação, pois a situação que rege é a relação de consumo, composta de particularidades desta decorrentes. Portanto, as normas do Código Civil, Código Comercial, Código de Processo Civil, etc. somente incidirão no contexto do direito do consumidor para suprirem lacunas do CDC."
(ob. cit., p. 29)
Somente a título exemplificativo, vale especial destaque para a situação da inversão do ônus da prova no direito do consumidor, tal qual previsto no artigo 6º, inciso VIII, a seguir transcrito:
"Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:
(...);
VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias da experiência;"
O dispositivo citado fornece elementos claros a respeito das situações em que deverá ser determinada a inversão do onus probandi, quando for a alegação verossímil ou se o consumidor for hipossuficiente na relação jurídica, o que deverá ser analisado pelo julgador do caso, podendo-se se realçar o caráter de excepcionalidade que deve ser conferido ao mandamento nele contido.
Nada obstante a clareza do texto da lei, verifica-se que, mormente nos juizados que se regulam pela Lei 9099/95, a decisão de inversão do ônus da prova geralmente é anunciada à parte demandada quando da prolação da sentença, o que traz inegáveis prejuízos no que diz respeito ao exercício do direito de defesa.
Essa singela abordagem é necessária e pertinente para demonstrar que o reconhecimento pelo Poder Judiciário da qualidade de consumidor a determinada pessoa, seja física ou jurídica, acarreta uma série de conseqüências na esfera processual dos litigantes, o que, conforme os princípios que norteiam o instituto, somente deveria atingir aqueles que efetivamente desempenhassem esse papel de vulnerabilidade na relação negocial.
Ora, a partir do momento em que o Código Civil, em vários de seus dispositivos, concede uma ampla e eficaz proteção ao jurisdicionado, sendo irrelevante a natureza da relação jurídica envolvida, através das inovações referidas (arts. 421 a 424, 927, 933, 953, por exemplo), não se pode deixar de reconhecer que o alargamento do conceito de consumidor não mais é justificável em nosso direito. Neste sentido, cumpre transcrever o ensinamento de CLÁDIA LIMA MARQUES, a respeito do tema:
"Efetivamente, se a todos considerarmos "consumidores", a nenhum trataremos diferentemente, e o direito especial de proteção imposto pelo CDC passaria a ser um direito comum, que já não mais serve para reequilibrar o desequilibrado e proteger o não-igual. E mais, passa a ser um direito comum, nem civil, mas sim comercial, nacional e internacional, o que não nos parece correto."
(ob. cit., p. 278)
A autora em comento defende a tese de que não seria correto o entendimento maximalista a respeito da definição de consumidor, tampouco a finalista como originariamente concebida.
Segundo o pensamento da doutrinadora, deveria haver a adoção da teoria finalista sim, mas com alguns temperamentos, considerando-se como consumidor, via de regra, a pessoa física que adquire produtos para uso próprio, familiar ou doméstico, e somente admitindo-se as pessoas jurídicas em casos excepcionais, onde restasse demonstrada a situação de fragilidade na relação jurídica que justificasse a invocação da tutela protetiva prevista no Código do Consumidor. Neste sentido, transcreve-se seus ensinamentos:
"Particularmente considero que é necessário analisar do CDC como sistema, como um todo o construído, codificado, organizado justamente tendo como base a identificação do sujeito beneficiado. (...). O CDC brasileiro concentra-se diversamente no sujeito de direitos, visa proteger este sujeito, sistematiza suas normas a partir desta idéia básica de proteção de apenas um sujeito "diferente" da sociedade de consumo: o consumidor. (...)
Eis porque identificar este sujeito protegido, sujeito de direitos especiais, agente escolhido para receber um microsistema tutelar legal é pedra de toque do CDC."
(Contratos no Código de Defesa do Consumidor, Editora Revista dos Tribunais, 4ª Edição, São Paulo, 2002, p. 307)
De fato, o Código Civil de 2002 trouxe significativas inovações no sentido de tratar de forma igualitária os iguais, bem como diferenciar aquelas pessoas que se encontram em situação diversa.
Como já sustentado neste trabalho, não resta dúvida que a interpretação maximalista a respeito do conceito de consumidor era fruto da inexistência de um diploma legal que pudesse satisfazer a ânsia social por um processo mais justo, que efetivamente tutelasse os direitos das partes que se encontravam vulneráveis na relação contratual.
Assim, o Código de Defesa do Consumidor, com a amplitude que se pode extrair do texto do artigo 2º, foi a tábua de salvação, tanto para doutrina quanto para jurisprudência, no sentido de se conferir uma interpretação lata ao conceito nele previsto, englobando pessoas que não podem ser consideradas como consumidoras.
Outrossim, a partir do momento em que se reconhecem os avanços trazidos pela nova sistemática, no sentido de se conferir uma tutela mais efetiva aos jurisdicionados, com mudanças significativas no que diz respeito ao direito contratual, bem como à responsabilidade civil, parece que o direito brasileiro experimenta a mesma mudança verificada no direito alemão, onde existe uma legislação geral para as relações negociais, e outra, mais especial e de campo de atuação restrito, para as pessoas que efetivamente necessitam da proteção.
É lícito afirmar ainda mais: conforme o pragmatismo que é traço característico do povo alemão, não seria demais, muito menos injusto, conceber que somente as pessoas físicas poderiam ser consideradas como consumidores, relegando as pessoas jurídicas ao tratamento dispensado pelo Código Civil, que, diga-se de passagem, atende bem às expectativas de uma tutela efetivamente justa.
Deve-se mencionar o relevo das considerações de CLÁUDIA LIMA MARQUES, ao entender que, a princípio, somente as pessoas físicas poderiam ser consideradas como consumidores, aceitando o pensamento original sobre o conceito de consumidor, a despeito de aceitar, em determinadas situações, que a pessoa jurídica possa ser englobada pela legislação consumerista.
Todavia, neste passo cumpre, data venia, discordar do posicionamento em referência, mais por aspectos práticos do que jurídicos. Com efeito, a entender-se que as pessoas jurídicas podem ser consideradas como consumidores, ainda que excepcionalmente, volverá o mesmo problema de interpretação extensiva que vem ocorrendo na jurisprudência pátria, no sentido de enquadrar-se um número cada mais crescente de relações como se de consumo fossem.
A justificativa é óbvia, pois, como dito, o reconhecimento de que alguém seja consumidor (pessoa física ou jurídica) traz inegáveis benefícios, especialmente no campo do direito processual, razão pela qual deixa de ser interessante conferir espaço para interpretações ampliativas, o que certamente redundaria no desvirtuamento do instituto, tal qual vem ocorrendo hodiernamente.
Deve-se frisar que o Código Civil tem o grande mérito de conferir um tratamento mais justo ao jurisdicionado, com a ampliação dos casos de responsabilidade objetiva e a possibilidade de revisão de contratos que tenham se tornado excessivamente onerosos. Assim, a extensão do conceito de consumidor acabaria por esvaziar todo o campo de aplicação que pode ser abrangido de forma igualmente eficaz pela novel Codificação.
Dada a importância da obra, não se pode deixar de mencionar novamente o pensamento de CLÁUDIA LIMA MARQUES:
"O tema ganhará importância com a entrada em vigor do novo Código Civil Brasileiro. Este sim é um código para "iguais" e, mais, traz normas unificadas sobre contratação civil e comercial, regula o direito da empresa e todos os antes chamados "atos negociais" interempresários ou intercivis, somente não regula o direito do consumidor. Suas normas são para os "iguais", mas seus princípios são os mesmos do CDC: boa-fé objetiva nos contratos, combate ao abuso de direito, à lesão enorme, à onerosidade excessiva, e possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica. Aqui também o Direito Civil quer ter função social e efeito ético na sociedade e no mercado (de produção e comecialização), mas se a todos aplicarmos o CDC qual será o campo de aplicação contratual do novo Código Civil?"
(ob. cit., p. 314)
Continua a autora em referência alertando que "Se continuarmos a seguir a corrente maximalista, a grande maioria das relações interfornecedores (onde estes adquirem insumos, produtos ou serviços para usarem em sua profissão) continuarão a ser reguladas pelo CDC. Em outras palavras, repensar a definição de consumidor, distinguindo suas características principais e usando todos os métodos de interpretação à disposição do aplicador da lei, pode ser – talvez – a única maneira de reservar algum campo de aplicação para este Código Civil, que unificou as obrigações civis e comerciais e que, apesar de seguir os mesmos princípios do CDC, os traz em versões amenizadas, típicas para bem regular situações entre iguais e mais equilibradas que as de consumo."
(ob. cit., p. 314)
Pode-se concluir, assim, que o conceito de consumidor previsto no artigo 2º do CDC, não é o que melhor se coaduna com o instituto, mormente em vista das inovações trazidas pelo novo Código Civil, onde existe um tratamento mais efetivo para a proteção que se pretende conferir ao jurisdicionado, um reconhecimento explícito de situações de desigualdade entre as partes e que justamente por isso devem ser encaradas de forma diferenciada pelo julgador.
Em havendo disposições expressas no Código Civil sobre a proteção contratual, e a responsabilidade civil, tal como mencionados neste estudo, a própria atividade jurisprudencial mostrará que acertado seria o acolhimento da teoria finalista, tal como originariamente concebida, no que tange ao consumidor, para reconhecer que somente a pessoa física, não-profissional, que adquire produtos para uso pessoal, doméstico e familiar pode ser abrangida pelas benesses conferidas na Lei 8.078/90.
CONCLUSÃO
Diante do que foi exposto, é possível extrair a conclusão de que a extensão que tem sido dada ao conceito de consumidor, até mesmo por causa da impropriedade legislativa contida no artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor, não mais se coaduna com o panorama visualizado no direito brasileiro.
Com efeito, não se pode descurar que o Código Civil de 2002 trouxe significativas mudanças no intuito de fornecer uma tutela mais justa e eficaz aos direitos materiais dos indivíduos, o que se mostra particularmente verdadeiro, ante a análise dos dispositivos concernentes à possibilidade de revisão de contratos e do instituto da responsabilidade civil.
Ora, as legislações específicas existem justamente para atenderem a certas particularidades que envolvem determinadas relações jurídicas, como ocorre no caso do consumidor.
De outro tanto, como demonstrado, o escopo precípuo da legislação consumerista, seja no direito brasileiro, seja no alienígena, sempre foi conferir proteção à parte que era hipossuficiente na relação jurídica, em manifesta vulnerabilidade.
Assim, justificava-se a interpretação extensiva do artigo 2º do CDC justamente porque faltava em nosso sistema um diploma legal geral que conferisse a necessária tutela a relações negociais de extrema importância, em que uma das partes era inferiorizada, como é o caso típico do contrato de adesão, por exemplo.
Logo, a partir do momento em que o atual Código Civil trata com clareza extrema temas como a responsabilidade civil pelo simples risco imanente do exercício de determinada atividade econômica, ou ainda da onerosidade excessiva, não se pode negar que a adoção da teoria maximalista do conceito de consumidor não mais se compatibiliza com o panorama empreendido.
Portanto, pode-se dizer que frente aos elementos fornecidos pela novel Codificação, o conceito de consumidor deverá ser restringido aos casos de pessoas físicas, não-profissionais, que adquirem produtos ou serviços para uso próprio, familiar ou doméstico tão somente, tal como previsto na teoria finalista, porquanto nossa legislação geral fornece a proteção necessária àqueles que não podem ser enquadrados na legislação consumerista e gozar do benefícios nela previstos.