Evolução da delação premiada como meio de persecução penal

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29/06/2015 às 17:02
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A Lei 12.850/2013 trouxe uma inovação no procedimento de aplicação e benefícios da delação premiada, contudo, temos que o instituto em questão já possuía aplicação há muito tempo atrás, uma vez que o Estado sempre fomentou a traição em busca da paz social

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA. 3. ORIGEM HISTÓRICA DA DELAÇÃO PREMIADA. 3.1. Origem Histórica em Linhas Gerais. 3.2. Origem Histórica no Direito Brasileiro. 4. DELAÇÃO PREMIADA NO DIREITO COMPARADO. 4.1. No Direito Italiano. 4.2. No Direito Norte Americano. 4.3. No Direito Inglês. 4.4. No Direito Espanhol. 4.5. No Direito Alemão. 4.6.  No Direito Colombiano. 5. EVOLUÇÃO E PREVISÃO DA DELAÇÃO PREMIADA. 5.1. Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8.072/90). 5.2. Lei dos crimes contra a Ordem tributária, econômica e relações de consumo (Lei 8.137/90). 5.3. Lei do Crime Organizado (Lei 9.034/95). 5.4. Lei de Lavagem de bens e capitais (Lei 9.613/98). 5.5. Lei de Proteção a Vítimas e Testemunhas (Lei n. 9.807/99). 5.6. Lei de Drogas (Lei 11.343/06). 5.7. Nova Lei do Crime Organizado 12.850/13. 6. CONCLUSÃO. 7. REFERÊNCIAS.

RESUMO: A Lei 12.850/2013 trouxe uma grande inovação no procedimento de aplicação e benefícios da delação premiada, contudo, temos que o instituto em questão já possuía aplicação nos tempos mais remotos da civilização, uma vez que o Estado sempre fomentou a traição em troca do bem comum. Ainda há de se notar que a delação não esta presente somente no ordenamento jurídico brasileiro, tendo previsão do instituto no direito italiano com a pentiti, no direito americano com a plea bargaining, no direito inglês com a crown witness e no direito alemão com a kronzeugenregelung. No tocante a evolução do instituto, com o passar dos tempos à previsão legal passou a ser mais generosa com o delator, agraciando este com cada vez mais com benefícios de redução de pena e até mesmo a extinção da punibilidade pelo perdão judicial ou o não oferecimento da denúncia nos termos previstos da novatio legis.

PALAVRAS CHAVE: delação premiada, benefícios penais, direito comparado penal e evolução legislativa.

  1. INTRODUÇÃO

Como é de costume na trajetória da humanidade, toda inovação traz uma série de curiosidades e desconfortos. Esta premissa não foi diferente com a Lei 12.850/13, que trouxe em seu corpo legal, uma previsão de forma e conteúdo para o instituto da delação premiada, ou colaboração premiada como prefere o legislador. Delação esta já presente em diversos ordenamentos jurídicos pelo mundo a fora, e, também trazido de forma incompleta por algumas legislações pretéritas a novatio legis.

A presente pesquisa metodológica documental justifica-se pelas constantes discussões sociais, doutrinarias e jurisprudenciais sobre o instituto da delação premiada, uma vez que tal instituto é um tanto quando novo no ordenamento jurídico pátrio, sendo assim necessário conhecer seu histórico tanto no ordenamento pátrio, quanto junto ao direito comparado, para então nortear os operadores do direito sobre a sua aplicação.

Deste modo, será feira inicialmente uma conceituação do instituto, expondo também sua natureza jurídica, passando então para a sua origem histórica, sob uma ótica geral e uma ótica local, percorrendo logo após o direito comparado onde o instituto em analise já faz parte do ordenamento a décadas. Chegando por fim a trajetória de evolução legal junto ao ordenamento pátrio, analisando os diplomas legais, pós Constituição de 1988, que trazem a delação em seu corpo textual.

  1. CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA

A delação premiada se consiste em um instrumento de prova pelo qual o investigado, denunciado ou ainda réu condenado, contribuem com a investigação, ao prestar suas declarações, identificando os demais coautores participantes e revelando a estrutura hierárquica da organização criminosa prevenindo futuras inflações penais, recuperando de forma total ao ainda parcial os frutos de delitos praticados em função da organização ou ainda a localização de eventual vítima, tudo isso a fim obter benefícios processuais[1]

Nesta mesma vertente de raciocínio temos a definição de Márcio Barra Lima sobre a conceituação da delação premiada, ou como este prefere chamar, colaboração premiada[2]:

Definida como toda e qualquer espécie de colaboração com o Estado, no exercício da atividade de persecução penal, prestada por autor, coautor ou partícipe de um ou mais ilícitos penais, relativamente ao(s) próprio(s) crime(s) de que tenha tomado parte ou pertinente a outro(s) realizado(s) por terceiros, não necessariamente cometidos em concurso de pessoas, objetivando, em troca, benefícios penais estabelecidos em lei.

No tocante a natureza jurídica do instituto da delação premiada é um tanto quando variado, sendo entendido por alguns como um acordo entre o infrator e o Ministério Público[3], tendo até mesmo natureza de perdão judicial[4].

Contudo o entendimento que prevalece é que o instituto da delação premiada teria a natureza jurídica de prova. Prova está anômala, por não se amoldar as provas existentes no nosso ordenamento jurídico[5], bem como pelo fato desta ter seu valor mitigado, em relação ao artigo 4º, § 16 da Lei 12.850/13: “Nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador”.

  1. ORIGEM HISTÓRICA DA DELAÇÃO PREMIADA

  1. Origem Histórica em Linhas Gerais

A traição, no sentido de delação, sempre existiu em nossa humanidade, desde a idade clássica, bem como nas histórias do cristianismo, tendo como seu grande traidor Judas Iscariotes, homem este segundo os evangélicos canônicos (evangelho de Mateus e Lucas) deu Jesus Cristo, o então salvador, nas mãos dos Romanos, por trinta moedas de prata, ou seja, a delação em troca de benefícios sempre foi inerente do homem.

Passando ao período da Idade Média, conhecida pelos iluministas como século das trevas, mais precisamente durante o período da Santa Inquisição, temos os primeiros indícios da delação premiada, no tocante o valor da confissão, a qual era vangloriada se fosse obtida mediante tortura, tendo esta mesma seu valor minorado se obtida pelo co-réu de maneira espontânea. Desta forma temos que durante o século das trevas, para a delação tem algum valor, a mesma deveria ser obtida mediante tortura, pois se não fosse deste modo, o entendimento era de que o co-réu estava mentindo[6].

Percorrendo alguns séculos de história é possível dizer que o recurso da cooperação pós-delitiva de coautor de delito como elemento de prova na persecução penal teve parte de sua idealização nos ordenamentos jurídicos de modelo anglo-saxão, nos quais a origem é facilmente explicável pelo fato de a participação do infrator com a administração da justiça penal ser tida como um dos pilares, para efetiva prestação jurisdicional do direito de punir, a exemplo de países como a Grã-Bretanha e os Estados Unidos. Nesses sistemas jurídicos temos que as práticas negociáveis vêm favorecidas de um bojo de fatores que permitem assegurar que a delação premiada é um instituto típico de um sistema de common law.[7]

  1. Origem Histórica no Direito Brasileiro

A origem da delação premiada no Brasil se deu com às Ordenações Filipinas, em seu Livro V o qual tratava da parte criminal, tendo este vigorado de janeiro de 1603 até o ano de 1830, quando fora editado o Código Criminal do Império do Brazil, lei de 16 de dezembro de 1830.

Ainda em relação as Ordenações Filipinas, temos o “Código Filipino” o qual trazia o crime de “Lesa Majestade”, dento neste delito a delação estampada no seu item 12 e ainda no título CXVI, o qual tratava sobre o tema com a denominação de “Como se perdoará aos malfeitores que derem outros á prisão”, ou seja, temos nesse momento os primeiros indícios de um instituto da delação premiada no Brasil, delação eu nesta época detinha de uma abrangência tão extensa que poderia acarretar até o perdão judicial a aquele que delatasse seus companheiros.[8]

É de ser notar também que a delação premiada esteve presente em vários momentos históricos políticos, como na Conjuração Mineira no ano de 1789, onde um dos conjurados chamado Joaquim Silvério dos Reis, obteve o perdão de suas dívidas junto a Fazenda Pública em troca da delação de seus comparsas, ocasionando desta forma a morte de Joaquim José da Silva Xavier, o herói nacional conhecido como Tiradentes.

Da mesma forma temos em 1789, a utilização do direito premial na Conjuração Baiana, a qual teve como mártir o soldado Luiz das Virgens, tendo este seu corpo cortado em várias partes, graças a um capitão de milícias o qual delatou o movimento a coroa.

De modo mais recente na história do Brasil, mais precisamente após o Golpe Militar de 31 de março de 1964, verifica-se a presença do uso reiterado da  delação a fim de descobrir supostos criminosos os quais não eram adeptos ao regime militar que vigorava na época,

Destarte, há de se notar que a delação premiada sempre foi inerente aos principais acontecimentos históricos-políticos-sociais, tendo esta passado por muito tempo omitida do atual ordenamento jurídico brasileiro, contudo, diante da necessidade dos tempos atuais este instituto vem paulatinamente sendo incorporado ao ordenamento, tendo desde já a sua constitucionalidade reconhecida pelos órgãos jurisdicionais superiores.[9]

  1. DELAÇÃO PREMIADA NO DIREITO COMPARADO

  1. No Direito Italiano

A semente da delação premiada na Itália se deu início a fim de combater atos de terrorismo na década de 70, porém a mesma recebeu maior destaque após a operazione mani pulite, operação esta que tentou acabar com a “máfia italiana”. Os delatores na época ficaram conhecidos como pentiti, e desde então o instituto da delação premiada passou a ser regrado pelo Código Penal Italiano, bem como por algumas outras legislações esparsas[10].

Segundo Fauzi Hassan Choukr, a delação premiada na Itália surgiu em meio de um contexto de promessas de uma “nova ordem processual”, contexto este em que resultou em um endurecimento da legislação de combate à criminalidade, resultando em tensão e desequilíbrio do binômio eficiência e garantismo[11].

O legislador italiano ainda foi sábio a fim de proteger e dar credibilidade as informações obtidas através da delação através da Lei nº 203 que passou a aumentar a pena daquele arrependido (delator) que mentisse no sentido de obter benefício[12]

  1.  No Direito Norte Americano

Em relação aos Estados Unidos da América é oportuno lembrar que sua Constituição foi promulgada em 1787, contendo 27 emendas, onde se atribui a cada Estado-membro a autonomia para legislar sobre matéria processual penal, desde que respeitado o Federal rules of evidence, enquanto limitação imposta pela Magna Carta deste país. Contudo mesmo os Estados Unidos tendo um sistema aberto com várias matérias de processo penal algumas familiaridades são facilmente observadas, principalmente em relação ao instituto da delação premiada, nominado no direito norte-americano como plea bargaining.[13]

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Neste modo, nota-se que o direito norte-americano é respaldado na ampla discricionariedade da acusação, no sentido da utilização do plea bargaining  a qual é tida como uma espécie de negociação entre a acusação e a defesa, ou acusação e o acusado, onde o acusado se declara culpado em troca de uma redução de pena, não exigindo necessariamente a imputação de um terceiro  para a aplicação do instituto, criando desta forma o espaço para a busca da verdade transacionada entre a acusação e a defesa em fase pré processual.[14]

Assim o que busca o plea bargaining, é estabelecer um consenso, por meio de um acordo celebrado entre acusação e acusado em relação a verdade dos fatos e da culpabilidade do acusado.[15]

  1. No Direito Inglês

No ano de 1775 passou a ser admitida na Inglaterra a figura do colaborador processual, na aplicação do direito consuetudinário do caso The King versus Rudd, onde que os julgadores permitiram que a acusada valesse de seu depoimento com a finalidade de delatar seus comparsas em troca de isenção de pena, sendo este depoimento reconhecido como testemunho da coroa (crown witness).[16]

Ao passar das décadas os ingleses foram aperfeiçoando sua legislação chegando a lei de combate ao crime organizado, intitulada de Serious Organised Crime and Police Act 2005, legislação esta quem que prevê em seu capítulo 2.71, o instituto denominado immunity from prosecution, o qual abre a possibilidade para o Promotor, a fim de efeitos de investigação ou repressão a qualquer infração penal, premiar qualquer pessoa com a imunidade de acusação, em troca de informações úteis à apuração de delitos.[17]

  1.  No Direito Espanhol

Segundo os ensinamentos de José Alexandre Marson Guidi[18], a delação premiada no direito espanhol é denominada como “Arrependimento Processual” e a aplicação de tal instituto poderá acarretar na diminuição de pena do infrator, podendo ainda a aplicação deste benefício ser concedida antes ou após da sentença. Porém algumas condições deverão ser respeitadas pelo infrator, como: a) o infrator deve abandonar as atividades criminosas; b) o infrator deve confessar dos crimes em que tenha concorrido; e c) auxilie a não consumação de novos delitos ou na identificação e captura dos demais infratores da organização criminosa, ou, ainda, auxilie na obtenção de elementos de provas que cessem a atuação da organização criminosa em que o infrator agraciado com o benefício tenha participado. 

  1. No Direito Alemão

O direito alemão traz em seu Código de Processo Penal (StPO), mais precisamente no artigo 129, inciso V, alínea “a” a kronzeugenregelung (regulamentação dos testemunhos), o instituto em questão dispõe que o magistrado poderá atenuar discricionariamente a pena, ou até mesmo deixar de aplicá-la, caso o agente delinqüente co-réu de maneira voluntária se esforce a fim de cessar a continuação da organização criminosa, ou a realização de delito fim desta, ou ainda denuncie (delate) a uma autoridade que possa impedir o crime de cujo planejamento tenha conhecimento[19].

  1.  No Direito Colombiano

O direito colombiano também aderiu em seu direito processual de emergência o instituto da delação premiada, como medidas processuais voltadas a combater o tráfico de drogas, garantido deste modo aos acusados que de forma espontânea delatarem seus coparticipes, ou fornecerem provas eficazes para persecução penal, benefícios como: liberdade provisória, diminuição de pena, substituição de pena privativa de liberdade, bem como a inclusão no programa de proteção as vítimas e testemunhas. Vale ainda ponderar que ao contrário do que ocorre no direito brasileiro, a confissão não é requisito para que o delator seja agraciado com os benefícios do instituto[20].

  1. EVOLUÇÃO E PREVISÃO DA DELAÇÃO PREMIADA

Com o advento da Constituição de 1988 o direito penal de emergência passou a ser visto com outros olhos, uma vez que o texto maior trazia uma série de garantias e proteção ao infrator penal, tendo esta proteção fundamento ao analisar os abusos cometidos aos direitos do homem no período militar. Deste modo passaremos a analisar a evolução e previsão legal da delação premiada somente das leis pós 1988, ou seja, mesmo que tais leis tragam características de um processo penal emergencial, estas trazer em seu bojo as garantias constitucionais em que o operador do direito sempre deve respeitar.

  1. Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8.072/90)

O marco inicial da repressão aos crimes considerados hediondos se deu em base do Art. 5º, inciso XLIII da Constituição Federal de 1988, a qual traz em sua redação[21]:

 A lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem.

 Assim, em base da possibilidade constitucional o legislador infraconstitucional, provocado pelo estado emergencial, criou a denominada Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8.072/90), que trata de forma especial os delitos rotulados em seu artigo primeiro e prevê em seu artigo 8º, parágrafo único, a concessão do benefício de redução da pena de um a dois terços ao integrante de organização criminosa que denuncie esta, possibilitando deste modo seu desmantelamento.

Temos ainda que a Lei 8.072/90 fez inserir a Delação Premiada no Código Penal, especificamente no crime de extorsão mediante sequestro (artigo 159, §4º), possibilitando a redução de um a dois terços da pena do coautor que denunciar a autoridade, facilitando a liberação do sequestrado/vítima.[22]

  1. Lei dos crimes contra a Ordem tributária, econômica e relações de consumo (Lei 8.137/90)

Decorrentes das alterações legislativas provocadas pela Lei 9.080/95 a Lei dos crimes contra a Ordem tributária, econômica e relações de consumo (Lei 8.137/90), passou a trazer no Parágrafo Único do artigo 16 a seguinte redação[23]: “Nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou co-autoria, o co-autor ou partícipe que através de confissão espontânea revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa terá a sua pena reduzida de um a dois terços”. Assim sendo, abre-se uma porta para que o Estado consiga desmantelar as organizações criminosas as quais tem em seu rol de atividades delitivas crimes de natureza econômica, ou seja, houve a regulamentação de um instituto capaz de deter os criminosos de “colarinho branco[24]”.

  1. Lei do Crime Organizado (Lei 9.034/95)

A Lei do Crime Organizado também trouxe em seu corpo legal o instituto da delação premiada, uma vez que, conforme o artigo 6º da Lei 9.034/95, a pena será reduzida de um a dois terços, nos crimes praticados em organização criminosa, em que o agente de maneira espontânea leve ao esclarecimento as infrações penais de sua autoria.

No tocante ao termo “colaboração espontânea”, o professor Luiz Flávio Gomes advoga que possui um sentido amplo, podendo ser qualquer infrator que tenha participado da organização criminosa e esteja disposto a contribuir para a eficácia da persecução penal[25].

  1. Lei de Lavagem de bens e capitais (Lei 9.613/98)

O termo “lavagem de dinheiro” segundo Guilherme de Souza Nucci tem sua origem no sistema jurídico dos Estados Unidos na década de 1920, em um momento histórico que a máfia abriu diversas lavandeiras para servir de fachada aos negócios ilícitos money laudering, ou seja, a máfia norte americana utilizavas destas empresas de fachada “lavar” os provimentos decorrentes de negócios ilícitos[26].

Em adequação a Convenção de Viena de 1988[27], que obrigava seus signatários a tipificar a “lavagem de dinheiro” proveniente do tráfico de entorpecentes, e ainda, determinava a criação de normas facilitadoras de cooperação judicial, possibilitando a extradição e a restrição dos bens oriundos do tráfico é que veio a Lei 9.613/93, com o objetivo de fiscalizar a movimentação de ativos financeiros, ou seja, a lei tinha e tem a função de combater a lavagem e ocultação de bens. Nesse sentido o parágrafo 5º do artigo 1º, traz em sua redação o instituto da delação premiada, com o seguinte texto:[28]

Artigo 1º, § 5º: A pena poderá ser reduzida de um a dois terços e ser cumprida em regime aberto ou semiaberto, facultando-se ao juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la, a qualquer tempo, por pena restritiva de direitos, se o autor, coautor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais, à identificação dos autores, coautores e partícipes, ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012).

Há de se notar, que a delação nesta Lei não prevê somente o beneficio da redução de pena, mas prevê também a possibilidade de substituição de regime de cumprimento, motivando muito mais ao delator a contribuir com a persecução penal, visando desmantelar o sistema de “lavagem de dinheiro”.

  1. Lei de Proteção a Vítimas e Testemunhas (Lei n. 9.807/99)

O Programa Federal de Assistência a Vítima e a Testemunhas Ameaçadas foi instituído pela Lei 9.807/99, visando à proteção de acusados ou condenados que prestem efetiva colaboração com a persecução criminal de forma voluntária.

No que tange a delação premiada, os benefícios oriundos deste diploma legal foram um tanto quando inovadores, podendo o delator, não reincidente, ter em seu benefício o perdão judicial com a extinção da punibilidade, conforme dispõe o artigo 13, desde que atendidos os requisitos trazidos pelo texto legal, sendo estes: a) identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação criminosa; b) localização da vítima com a sua integridade física preservada; e c) recuperação total ou parcial do produto do crime. Devendo ainda o magistrado analisar as circunstâncias do artigo 59 do Código Penal antes de conceder o benefício[29].

Já em relação ao delator reincidente, este terá direito a benefícios caso contribua com a persecução penal, contudo estes vão ser minorados comparado ao réu não reincidente. Assim terá o réu reincidente terá direito a redução de pena de um a dois terços, caso colabore voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal, na forma do artigo 14 da Lei de Proteção a Vítimas e Testemunhas.

  1. Lei de Drogas (Lei 11.343/06)

A antiga Lei que regulamentava a matéria de tóxicos, Lei nº 10.409, de 11 de janeiro de 2002, era um tanto quanto mais generosa ao delator que contribuísse com a persecução penal, uma vez que tal diploma revogado trazia em seu texto legal a possibilidade de um acordo entre o delator e o Ministério Público. Acordo este que poderia até mesmo resultar no não oferecimento da ação penal, arquivando os autos de inquérito e demais procedimentos administrativos investigatórios, podendo ainda ser pactuada uma redução de pena em caso de condenação, tudo isso em fase de investigação pretérita a denúncia. Contudo, caso o pacto fosse realizado após a denúncia, caberia somente o órgão ministerial propor a redução de pena ou o perdão judicial[30].

Eis os dispositivos, que demandaram um verdadeiro malabarismo interpretativo doutrinário jurisprudencial[31]:

Art. 32. (VETADO)

§ 2o O sobrestamento do processo ou a redução da pena podem ainda decorrer de acordo entre o Ministério Público e o indiciado que, espontaneamente, revelar a existência de organização criminosa, permitindo a prisão de um ou mais dos seus integrantes, ou a apreensão do produto, da substância ou da droga ilícita, ou que, de qualquer modo, justificado no acordo, contribuir para os interesses da Justiça.

§ 3o Se o oferecimento da denúncia tiver sido anterior à revelação, eficaz, dos demais integrantes da quadrilha, grupo, organização ou bando, ou da localização do produto, substância ou droga ilícita, o juiz, por proposta do representante do Ministério Público, ao proferir a sentença, poderá deixar de aplicar a pena, ou reduzi-la, de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), justificando a sua decisão.

Art. 37. Recebidos os autos do inquérito policial em juízo, dar-se-á vista ao Ministério Público para, no prazo de 10 (dez) dias, adotar uma das seguintes providências:

(...)

IV – deixar, justificadamente, de propor ação penal contra os agentes ou partícipes de delitos (GRIFO NOSSO).

Deste modo, resta de maneira clara que tais dispositivos eram reflexos da tentativa de uma prática norte-americana de sistema acusatório, uma vez que em tais dispositivos mitigam o princípio da obrigatoriedade da ação penal, trazido pelo artigo 24 do Código de Processo Penal.

Destarte, a Lei 11.343/06, de 24 de agosto de 2006, fugiu do conflito e aboliu a Lei nº 10.409, de 11 de janeiro de 2002, trazendo em seu corpo legal, no artigo 41, somente o benefício da redução de pena de um terço a dois terços ao indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime e na recuperação total ou parcial do produto do crime[32].

  1. Nova Lei do Crime Organizado 12.850/13

Antes da 12.850/13 não havia um regramento especifico no tocante a forma de aplicação do instituto da delação premiada, tínhamos este somente como a figura de um benefício ao coator que contribuísse com a persecução penal, contudo após vinda da novatio legis, temos um regramento mais especifico e um roteiro mais detalhado que regre de maneira efetiva o instituto, uma vez que o  diploma legal em analise cuida da forma e do conteúdo da delação, prevendo regras límpidas para sua aplicação, permitindo uma maior eficácia na apuração e ao combate ao crime organizado, sem que os direitos e garantias do delator fosse violados.[33]

Somado as inovações trazidas pela lei em exame, temos que é incabível a conceituação do instituto tomando como base exclusivamente a delação dos comparsas formado pelo colaborados, visto que a colaboração a fim de benefícios pode ser obtida de outras formas, as quais se encontram elencadas no artigo 4º, sendo estas[34]:

Artigo 4º (...)

I - a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas;

II - a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa;

III - a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa;

IV - a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa;

V - a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.

No tocante aos benéficos processuais do delator/colaborado, estes vem narrados no caput do antigo 4º da novatio legis, tendo o delator a possibilidade se ser agraciado com a redução de pena em até dois terços, substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos ou ainda, caso realmente a colaboração seja impar para persecução penal, o delator poderá ser beneficiado com o perdão judicial, sempre levando em conta as circunstâncias do artigo 59 do Código Penal antes da concessão de qualquer benefício.

A nova lei de combate ao crime organizado traz ainda a possibilidade da mitigação do princípio da obrigatoriedade da ação penal, uma vez que o Ministério Público poderá deixar de oferecer denúncia ao colaborador que não for o chefe da organização criminosa e que tenha sido o primeiro a ofertar efetiva colaboração nos termos da lei, ou seja, novatio legis fomenta a colaboração do coator com a persecução penal, uma vez que o não oferecimento da denúncia é certamente o maior benefício que o agente delituoso pode ter, contudo este benefício tem uma certa “ordem de chegada”, caracterizando assim estimulo do Estado para a aplicação do instituto.

  1. CONCLUSÃO

A sociedade só dende a evoluir, tanto positivamente, quando negativamente no tocante a criminalidade, sendo necessário ao Estado meios de persecução penal mais eficazes, a fim de garantir a paz social.

Deste modo, foi necessário que o homem moderno, buscasse meios alternativos, para uma maior efetividade da persecução penal, sendo um destes meios o instituto da delação premiada.

Instituto o qual vem sendo adotado a diversas décadas pelo direito comparado com diferentes nomeações, como é o caso da pentiti no direito italiano, da plea bargaining no direito americano, da crown witness no direito inglês e ainda da kronzeugenregelung no direito alemão, todos estes com a mesma função, beneficiar com redução de pena ou até mesmo o perdão judicial o coautor que contribuir com a persecução penal.

Esta preocupação do Estado com a persecução penal efetiva, não foi diferente em nosso ordenamento pátrio, ao analisamos a evolução do instituto da delação premiada, vinda em primeiro momento na lei de crimes hediondos, com somente a redução de pena, chegando até o perdão judicial e até mesmo um acordo pré processual ao delator que contribuir efetivamente com a persecução penal, tudo isso a fim de garantir o bem comum.

Destarte, temos que a criminalidade evolui constantemente, e o direito deve evoluir da mesma maneira, pois somente com institutos legalmente previstos e constitucionalmente respaldados teremos um efetivo combate à criminalidade moderna.

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Sobre o autor
Jader Gustavo

Bacharelando em Direito pela UNIVALE - Ivaiporã/PR<br>Estagiário no Ministério Público do Paraná<br>Aprovado no XIX Exame da Ordem dos Advogados do Brasil

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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