Geração Y: processos seletivos saturados

03/07/2015 às 12:44
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O presente trabalho visa expor os principais problemas atuais dos processos seletivos no Brasil, diante da vasta gama de tecnologia disponível, e da necessidade crescente de especializações, experiências e baixos custos para as empresas.

1. Insatisfação

“Uma pesquisa realizada pelo Deloitte’s Shift Index nos EUA, revelou que 80% das pessoas estão insatisfeitas com seu trabalho”. ¹ Os motivos, são os mais variados: Estresse, desvalorização, salários baixos. Há quem consiga manter-se numa atividade com a qual não se sinta totalmente motivado, há quem mude de rumo. A pergunta que fica é: Será que o problema está somente no passar do tempo naquele serviço, ou estaria no início das contratações, ainda no processo seletivo? Tomando todos os cuidados para não parecer intrometida numa área na qual não tenho formação- a de RH, deixando bem claro o imenso respeito aos profissionais do ramo, bem como que, nem todos os exemplos citados se deram diante de tais profissionais, mas com superiores de outras áreas, e que a crítica se dirige não à formação, ou à profissão de quem trabalha com RH, mas à necessidade de renovação de determinados métodos que não agradam à maioria dos candidatos, por parte das corporações-, coloco-me opinando enquanto cidadã e pessoa que já enfrentou processos seletivos na vida. Creio que boa parte do problema esteja na avaliação dos candidatos por parte das empresas e, destes com relação às vagas.

Não são apenas pesquisas, ou programas de TV falando sobre altos executivos que, de repente, sentindo-se desgastados, largaram os empregos “dos sonhos”, para efetivamente viverem seus verdadeiros sonhos: da paz do interior rural aos desejos de seguir profissões inusitadas-, os indicativos de que há algo de errado no modelo de avaliação de candidatos. Sempre que converso com amigos da “geração y”, observo as mesmas reclamações: processos seletivos demorados, perguntas descabidas durante as entrevistas, avaliadores mal educados ou sem tato para lidar com público, feedbacks inexistentes ou pouco considerativos, exigências exageradas quanto às competências, dentre outros. O maior “medidor” de profissões que lidam com o público, está junto ao público, por isso é importante levar a opinião das pessoas em consideração, ainda mais quando há tantas pesquisas sobre o tema!

Certa vez, com currículo aprovado, fui convidada a participar de processo seletivo para estágio em uma multinacional do setor alimentício. As entrevistas foram cansativas: Houve prova de conhecimentos gerais e jurídicos. Seguida por desgastante dinâmica em grupo, com conversas com todos os candidatos reunidos, fazendo apresentações, explicando por que queriam a vaga, hobbies, e todo o clichê das dinâmicas, além de alguns jogos e um case. Finalizada essa etapa, fui chamada semanas depois, para a entrevista com o avaliador do RH: Ele perguntou sobre o currículo, confirmando as informações; sobre a faculdade, as matérias, estágios anteriores, e interesse para o futuro da carreira. Testou meu inglês, espanhol, e pediu redação de tema livre.

A próxima fase, constituía-se de entrevista com coordenadores do departamento jurídico da empresa, que fizeram as mesmas perguntas repetitivas. Passado isso, a última entrevista se deu com a diretora do departamento jurídico: repetiu as mesmas perguntas robóticas. Recebi um feedback negativo no dia seguinte, via e-mail, do recrutador do RH, e um telefonema da diretora dizendo claramente ao telefone que me achou ótima, mas o “feeling” dela se sentiu mais à vontade com o garoto concorrente porque ele estava estudando na mesma universidade na qual ela se formou- declaração pitoresca e desnecessária. Pouco tempo depois, soube através de um conhecido que lá trabalhava, que o rapaz ocasionou alguns problemas na empresa, pois era um tanto quanto antissocial e acabara sendo demitido.

1.1. Exigências Elitistas

Muitas empresas colocam a culpa nos candidatos: Pouca experiência, baixa qualificação, falta de especialização, ou problemas de relacionamento dentro da empresa, após já estarem empregados. Não consigo imaginar como esse problema possa ser apenas dos candidatos. A pouca experiência pode ir à conta do governo, devido à crise, ao desemprego, mas principalmente das próprias empresas, que se recusam a dar a oportunidade a alguém de justamente adquirir as famigeradas experiências, exatamente para pouparem gastos com treinamento adequado. A baixa qualificação nem sempre significa qualificação inexistente.

O problema está na busca desenfreada por algo conhecido entre os jovens como “nomes importantes” no currículo, que seria estudar nas melhores universidades, coisa que nem todos possuem condições ou oportunidades. Muitos escritórios grandes chegam a afirmar, claramente, que só contratam estagiários estudantes de “tais” universidades. Quase uma discriminação prévia nos processos seletivos, como se formação educacional fosse um ramo da moda, no qual o estilo e a beleza da roupa não importam, o que interessa é a etiqueta da marca! Pessoas não são objetos! Há pouco tempo recomendamos aqui uma notícia do Superior Tribunal do Trabalho, condenando determinado banco por processo seletivo previamente discriminatório. Isso é coisa séria! Os casos não possuem comparação, mas vale citar, porque o assunto discriminação prévia vem sendo objeto de jurisprudência. Não custa nos mantermos informados!

1.2. Processos Seletivos

Relendo o parágrafo sobre as entrevistas na multinacional, notamos que todos os funcionários encarregados fizeram as mesmas perguntas sobre conteúdo do currículo, matérias favoritas, objetivo profissional e razões para estar ali. A mensagem que isso passa, é de insegurança quanto à avaliação feita pelo entrevistador anterior, e falta de comunicação entre eles. Qual a necessidade de confirmar as mesmas respostas dadas a pessoas diferentes? A empresa não confia na avaliação de seus funcionários? As entrevistas com o chefe do RH e a diretora responsável pelo departamento jurídico já não eram suficientes?

1.3. Dinâmicas em Grupo

Muitos candidatos não gostam das temidas dinâmicas, por timidez e medo. Consideramos primordial a avaliação de como o networking poderia se dar, de como as pessoas se tratam, não num nível psicológico, mas por necessidade do negócio: educação e saber se colocar é necessário no ambiente corporativo. Não se trata de avaliar personalidade, pois qualquer tipo de personalidade pode desenvolver qualquer habilidade, se trabalhar nisso. É capacidade. No entanto, determinados jogos, brincadeiras que não esclarecem objetivos e cases, muitas vezes se assemelham a jogos lúdicos infantis e, parecem não avaliar suficientemente as habilidades, tamanha a quantidade de casos que ouvimos de funcionários que não se adaptaram ao trabalho, ao ambiente, ou empresas que se arrependeram das contratações.

1.4. Jogos

Outra pesquisa, demonstra que a maioria dos candidatos considera os jogos essenciais², pois ajudam a avaliar capacidades. Nesse aspecto, não há como discordar, desde que os objetivos sejam esclarecidos, pois ninguém se sente confortável realizando algo sem sentido. Até mesmo no ato laboral, existem pesquisas indicando que, quando há constantes rememorações dos objetivos buscados pela equipe, o rendimento é maior.

Os cases, achamos dispensáveis. Muitas vezes as empresas colocam assuntos envolvendo suas especialidades, em termos muito próprios, não levando em consideração a formação dos candidatos e anos dos cursos. Ora, para querer avaliar assuntos da alçada da empresa, é preciso que o candidato esteja familiarizado com os mesmos. Mais adequado seria realizar esse tipo de testes após a contratação, com treinamento efetivo.

1.5. O feedback

Não custa ter consideração e retornar, ainda que o retorno seja negativo. Uma das pesquisas ² também fala de feedbacks personalizados. Isso, por certo, fica a critério da empresa, afinal, nem sempre haverá tempo para redigir textos específicos sobre a avaliação de milhares de candidatos. No entanto, seria interessante a instituição de tal prática; melhoraria inclusive a imagem pública da empresa, enquanto organismo sério e preocupado com as pessoas- uma verdadeira humanização de suas atividades. Feedbacks apontando as razões das escolhas, elencando pontos fortes e fracos, permitem manutenção de acertos e correção do necessário. Se todos fizessem isso, quanto tempo seria poupado nas agendas!

1.6 Demora e uso de tecnologia

Afora isso, o que interessa a todos é a melhoria do óbvio: Menos demora, menos etapas, e mais utilização de avaliações online, por favor! Há muita tecnologia disponível! Geralmente, são diversas visitas à empresa para a mesmice: provas, dinâmicas... Cremos que a ida à empresa se justifica num primeiro momento, opcionalmente, para os candidatos interessados em conhecer as instalações. Obrigatoriamente, visitas nas entrevistas. Avaliações que dispensam conversas pessoalmente, tornam o gasto de tempo e dinheiro desnecessário.

1.7. Honestidade

Outra coisa importante: Há empresas que convidam o candidato para entrevistas, porém, na hora avisam que se trata de dinâmica de grupo ou provas. Isso pode passar uma imagem de falta de profissionalismo e consideração! Seria interessante avisarem exatamente o que o candidato irá fazer, pois há toda uma preparação prévia. Existe uma preocupação com as roupas: dinâmicas de grupo, pedem roupas mais confortáveis, sabemos que haverá jogos. Provas exigem preparação intelectual. Entrevista exige preparação da apresentação. (Ou os palestrantes e funcionários em reuniões da empresa chegam com a cara e a coragem, sem estudar o assunto, sem boas propostas, improvisando tudo? A regra da preparação vale para ambos os lados)!

1.8. Organização

Informações errôneas: Certa vez fui convidada a participar do processo seletivo para vaga de trainee de uma multinacional do setor de auditorias. A empresa informou desde o início que a primeira etapa seria de testes e disponibilizou as matérias com antecedência: uma delas era contabilidade! Não informava especificidades, então, estudei teoria e prática com ajuda de um tio. No dia da prova, além do atraso absurdo para o início das provas e a tolerância de horas de atraso de outros candidatos, em desrespeito aos que chegaram no horário, a funcionária encarregada de aplicar a prova perguntou se todos levaram calculadora. Alguns responderam sim, outros não. Ela afirmou que os e-mails informavam que era permitido calculadora comum. Os candidatos imediatamente disseram que não havia essa informação. Procuramos via celular: a maioria dos e-mails não informava nada. Reparamos que somente os estudantes cursando economia e engenharia receberam a informação. Descaso, esquecimento, estratégia prévia para diminuição dos candidatos já nas provas? Ninguém sabe. Fato é que a desorganização impressionou. A falta de comunicação interna na empresa era tanta, que não sabiam quem era o responsável por informar candidatos de processo seletivo, tampouco as informações que esta pessoa deveria transmitir.

A chefe da moça surgiu e ninguém sabia explicar o responsável pelos e-mails. Não postergaram as provas, não disponibilizaram por conta nem permitiram que os que estavam com a calculadora, emprestassem para os que estavam sem, o que achamos um absurdo, visto que o erro foi da empresa. Seria muito mais simples se a etapa fosse online. É exatamente por essas várias fases e falta de organização que os processos seletivos são tão longos e desgastantes.

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2. Conclusão

Assim como vários outros aspectos da vida moderna são dinamizados, melhorados ao longo do tempo, conferindo maior praticidade, é preciso atualizar os processos seletivos. É justo que mecanismos cientificamente comprovados sejam utilizados para avaliar as personalidades, algo importante para empresas que estão prestes a contratar alguém que, espera-se, permaneça ali, trabalhando com eficiência e bem estar. No entanto, tantas pesquisas, reclamações e evidências parecem demonstrar que os meios utilizados até agora, não têm sido tão capazes de realizar avaliações ao ponto de escolherem realmente os candidatos mais compatíveis.

Prova disso é a pesquisa indicando que mais de 80% das pessoas estão infelizes com seus trabalhos. E um bom percentual dentre estes, é composto por pessoas que possuem determinados empregos por não terem conseguido ou tido coragem de seguirem suas verdadeiras vocações. Uma triagem tão competente em avaliar comportamentos, como preconizam muitos defensores, parecia mais capaz de identificar quem gosta do ambiente estressante do mundo corporativo de quem está ali apenas como opção temporária. É lógico que isso não é completamente possível, visto que não é um processo robotizado, seres humanos são mais complexos, por isso criticamos o depósito de tantas certezas em determinados mecanismos de avaliação.

Quanto aos candidatos, é preciso ser capacitado: estudar, procurar adquirir boas experiências, desenvolver habilidades sociais, espírito de equipe, liderança, procurar não se deslumbrar demais, nem criar expectativas muito altas. Que essa autoestima profissional seja uma via de mão dupla, no sentido de não aceitar menos do que julga merecer: não ser conivente com desrespeito, descaso, e cobrar atitudes éticas! Do mesmo modo que é preciso estar preparado (a) para a empresa dos seus sonhos, é importante que a empresa esteja preparada para receber você!

Vejo muitas pessoas que adoram, se adaptam facilmente ao dia a dia executivo preteridas, sob as mais diversas explicações, dadas com embasamento em processos seletivos comuns. Logo depois, a empresa perde o funcionário contratado: seja porque ele desistiu do cargo para fazer outra coisa, seja porque houve problemas de relacionamento, ou porque a empresa não soube valorizá-lo adequadamente para fazê-lo gostar do meio, estressou-o demasiado, dentre outros fatores. A maioria das corporações, alega avaliações personalizadas. No entanto, na prática, para os candidatos, o que dizem ser personalizado, parece ser um novo padrão de esquisitices imitado entre as organizações: perguntas fora de contexto, dinâmicas que parecem inovar quando são releituras umas das outras, e entrevistas impessoais. Isso sem falar das provas. A burocracia parece ter invadido o ramo privado das contratações, e para muda-lo, a geração Y possui excelentes contribuições. Basta que suas sugestões sejam ouvidas!

Por Suzimar Mariano Tavares.


¹ http://www.administradores.com.br/artigos/carreira/80-das-pessoas-estao-insatisfeitas-com-seu-trabal...

² http://exame.abril.com.br/carreira/noticias/comoeo-processo-seletivo-ideal-para-estagioetrainee#...

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Sobre a autora
Suzimar Mariano Tavares

Marketing & Comunicação Jurídica. Assistenta/ Correspondente jurídica. Bacharel em Direito pela Universidade São Judas Tadeu- USJT. Técnica em Marketing, pelo ICC- International Cultural Center.Colaboradora CRM Customer Relationship Management Worker. Colaboradora no relacionamento com o cliente, investidores, colaboradores.Endomarketing; EMarketing.Comunicação Corporativa: Captação de clientes; Planejamento de Marketing,Comunicação interna/público externo; Propaganda;Mídias e redes sociais(EMarketing/ Marketing online); Produção de eventos: Captação de recursos; Estrutura e Organização de eventos e palestras; Estratégias de vendas; Elaboração de planos de negócios; Planos de atendimento; Gerência.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Texto originalmente publicado na página da autora no site JusBrasil: http://sutavaresz.jusbrasil.com.br/artigos/188688064/geracao-y-processos-seletivos-saturados

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