Contratação de cursos de capacitação, atualização e/ou aperfeiçoamento pela Administração Pública.

Reflexões sobre o requisito singularidade, previsto no inciso II do artigo 25 da Lei 8.666/1993

07/07/2015 às 10:07
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Singular é a necessidade pública identificada, descrita, qualificada e quantificada que pode vir a ser satisfeita numa contratação sem prévia licitação. Não é o oferecimento de um curso no mercado que cria a pública necessidade de contratá-lo.

1. Este trabalho tem por propósito o compartilhamento de reflexões acerca dos conceitos atribuíveis aos vocábulos “notoriedade” e “singularidade”, integrantes da legislação que rege o processo de contratação por inexigibilidade de licitação.

2. Os cursos de capacitação, atualização e/ou aperfeiçoamento podem ser adquiridos mediante inexigibilidade de licitação, caso a instrução dos feitos demonstre a natureza singular do serviço técnico demandado pela Administração, a notoriedade do prestador (profissional ou empresa), selecionado para satisfação daquela demanda e a inviabilidade de competição entre potenciais fornecedores. Nessa ordem de ideias, a singularidade prevista no inciso II do artigo 25 da Lei 8.666/1993[1], deve guardar relações simultâneas com o conjunto de atribuições cominadas a um servidor, ao conteúdo do curso e, cumpre-nos destacar, ao proveito útil que a contratação pretendida possa trazer ao interesse público.

2.1. A instrução dos processos de contratação deve evidenciar, portanto, ainda na fase de planejamento, em termos objetivos: I) a relação de pertinência entre os três fatores citados na última parte da passagem anterior; e II) que o curso que se pretende contratar será útil ao interesse público.

2.1.1. No que tange à compatibilidade entre o conjunto de atribuições cominadas ao servidor (que será destinatário dos conhecimentos adquiridos com dinheiro público) e o conteúdo do serviço singular (que irá prover de conhecimentos aquele servidor), tem-se que:

2.1.1.1. Não basta a pertinência temática entre o curso pretendido e o conjunto de atribuições do servidor interessado naquele curso. É preciso esteja sobejamente demonstrado nos autos que os conhecimentos adquiridos com recursos públicos terão uso predominante no serviço público e não exclusiva e/ou preponderante nos negócios pessoais (privados) do servidor. Um servidor da Assessoria Jurídica, por exemplo, pode receber, da Administração, um curso correlato ao sistema tributário brasileiro. Não faz sentido, por outro lado, que, em contextos ordinários, a Administração seja compelida a pagar para o sobredito servidor um curso sobre o direito administrativo paquistanês ou da ilha de Nauru.

2.1.1.2. Não é razoável a possibilidade de que a Administração seja obrigada a pagar por cursos cujos temas predominantes sejam diversos dos temas correspondentes à necessidade pública singular que tenha demandado a contratação. A necessidade de conhecimentos de um servidor da Assessoria Jurídica acerca do tema "desapropriações" há de ser satisfeita (preferencialmente) com um curso específico, não com um curso no qual o tema "desapropriações" seja tratado incidentalmente, em apenas uma das frações (1%, 5%, 10% ou 30%, por exemplo) da carga horária total.

2.1.2. No que tange ao conteúdo do curso podemos propor, para reflexão, duas perspectivas.

2.1.2.1. Numa primeira, o conteúdo do curso é comum, tipo "produto de prateleira" que pode ser adquirido de qualquer fornecedor. O contexto pressupõe contratação mediante prévia licitação[2]. No entanto, se este conteúdo comum somente pode ser apreendido, pelo servidor destinatário, mediante intervenção de um prestador específico e graças a qualidades especiais que apenas este específico prestador detenha, tal curso pode ser contratado mediante inexigibilidade de licitação, desde que as referidas qualidades excepcionais do prestador sejam evidenciadas, na fase de planejamento do processo de contratação, de forma a inequivocamente distingui-lo dentre os demais.

2.1.2.1.1. Nesta perspectiva é imprescindível que o processo de contratação (por inexigibilidade) do fornecedor selecionado (aquele que provê os serviços classificados como singulares) seja instruído com elementos suficientes à indicação de que o preço que a Administração será forçada a pagar (ao fornecedor selecionado) é, ao menos compatível com o praticado pelos demais fornecedores do mercado.

2.1.2.1.2. Se o preço do fornecedor selecionado for superior ao preço médio do mercado, a instrução do feito deverá contemplar elementos adicionais, destinados a justificar a intenção (da unidade de atuação proponente) de obrigar a Administração a fazer pagamento (do preço pretendido pelo prestador selecionado) em montante superior à média de preços dos demais prestadores que operam no mercado. Requer-se aqui o exame da relação custo/benefício.

2.1.2.1.3. A título de exemplo, vamos supor que um curso completo do software Excel com o conteúdo "X" custe, em média, 500 unidades monetárias. A Administração pode até pagar 2.000 unidades monetárias por um curso de software Excel (com o conteúdo X") que seja ministrado pessoalmente pelo dono da empresa que produz o software (Bill Gates)[3]. Em tese, um preço superior àquele que represente média de mercado pode ser pago ainda pelo curso ministrado por um instrutor especializado no atendimento a portadores de necessidades especiais. Numa e noutra hipóteses, a unidade de atuação responsável pela instrução do processo terá que demonstrar (ainda no projeto básico) a imprescindibilidade e as vantagens que tal peculiar (e extravagante) contratação trará ao processo de aprendizagem afeto ao servidor destinatário dos conhecimentos e ao serviço público (ao interesse público primário).

2.1.2.2. Na segunda perspectiva, o conteúdo do curso é efetivamente incomum, é singular, é único. Aqui é provável que não existam muitos fornecedores (daquele conteúdo singular) no mercado. Diante de apenas um único fornecedor, diante da inviabilidade de competição, temos hipótese legal de inexigibilidade de licitação. O processo de contratação deve ser instruído (no mínimo) com elementos suficientes à prova da singularidade do conteúdo (do conhecimento) que se pretende adquirir e à indicação de que o preço pretendido para o fornecimento daquele conteúdo é compatível ao preço que o fornecedor selecionado pratica usualmente, em operações no mercado aberto, em condições de livre concorrência (operações encetadas com outros órgãos, entidades públicas/privadas e pessoas naturais).

2.1.2.2.1. A título de exemplo, podemos nos referir a um contexto no qual a Administração pretenda oferecer a seus servidores acesso à conhecimentos que apenas uma determinada pessoa detenha, tais como os relacionados aos desafios de permanecer vivo em alto mar, de perseverança durante sucessivas fases de um projeto, de capacidade excepcional de refletir sobre questões e tomar decisões. Em casos como tais, a determinada pessoa, velejador famoso, militar condecorado, ou estrategista reconhecido pelo sucesso das operações conduzidas, poderia ser contratada por deter os conhecimentos singulares especificamente requeridos pelo projeto básico da contratação que, a seu turno, deve ter por pressuposto lógico uma necessidade da Administração devida e cuidadosamente fundamentada.

2.2.  Um serviço singular deve ter por pressuposto lógico (repisamos) uma necessidade pública singular. Se essa necessidade pública singular tem origem na necessidade de capacitação/atualização/aperfeiçoamento de conhecimentos necessários ao exercício das atribuições cominadas a um servidor público, podemos pensar que tais atribuições estão sendo exercidas com graus de eficiência inferiores àqueles potencialmente alcançáveis em momentos posteriores à capacitação/atualização/aperfeiçoamento que seja objeto da contratação pretendida. A utilidade pública deve ser demonstrada, nessa perspectiva, na indicação, de forma não genérica, do proveito a ser obtido pela Administração (e, não apenas, pelo servidor) com a capacitação/atualização/aperfeiçoamento que será custeado com dinheiro público.

3. Já dissemos que a instrução dos processos de contratação de cursos de capacitação/atualização/aperfeiçoamento deve demonstrar, em termos objetivos: I) a relação de pertinência entre o conjunto de atribuições cominadas a um servidor, ao conteúdo do curso e ao proveito útil, pretendido com a contratação, para o serviço público. Mas não só isso. Licitar é regra[4].  Não licitar é exceção. Como estamos nos referindo à uma hipótese de inexigibilidade de licitação, o servidor interessado no recebimento do curso e a unidade de atuação responsável pela instrução do processo administrativo devem demonstrar que a competição entre potenciais fornecedores é inviável.  Como demonstrar a inviabilidade de competição?

3.1. A solução mais adequada compreende o detalhamento dos elementos que componham a singular necessidade pública e, ad cautelam, das circunstâncias adjacentes àquele conjunto de elementos que, de per si, sejam singulares a ponto de poderem ser consideradas partes integrantes da necessidade pública singular cujo satisfação somente possa ser levada a efeito mediante contratação (por inexigibilidade) de serviços singulares. A título de ilustração do raciocínio, reportamo-nos às circunstâncias de tempo, lugar e modo de execução. 

3.1.1. Circunstâncias de tempo. Se a Administração tem ciência de que um determinado servidor tem necessidade de aquisição/atualização/aperfeiçoamento de conhecimentos necessários ao exercício das respectivas atribuições, tem ciência também de que as atribuições do referido servidor podem estar sendo exercidas ou podem vir a ser exercidas (em curto intervalo de tempo) em condições insatisfatórias e/ou com a obtenção de resultados insatisfatórios.

3.1.1.1. Com a ciência do fato (servidor precisa de capacitação/atualização/aperfeiçoamento), a Administração deve providenciar a respeito. Que intervalo de tempo seria razoável para superação da inconsistência? Um ano, no máximo, mormente para atendimento àquelas necessidades públicas cuja frequência não caracterize serviço contínuo.  Fornecedores diferentes de um mesmo curso podem ser (salvo melhor juízo) excluídos de uma lista de planejamento caso não possam oferecer o curso desejado dentro do horizonte de um ano, contado da data de instauração do processo administrativo voltado à aquisição dos serviços singulares. Isto, obviamente, nas hipóteses em que a tramitação do processo administrativo não seja culposa ou dolosamente retardada para fins de exclusão deste ou daquele fornecedor.

3.1.1.2. A circunstância de tempo deve ser referenciada também à disponibilidade que possa ser oferecida pela unidade de atuação na qual lotado o servidor para ver-se sem os serviços pessoais prestados por este. Um servidor lotado numa seção de pagamento, por exemplo, tende a ser imprescindível naqueles dias próximos ao "fechamento da folha".  Um servidor lotado na seção de atendimento ao público tende a ser imprescindível ao longo do expediente de funcionamento do órgão, e assim por diante. Fornecedores diferentes de um ‘mesmo curso”, digo, com conteúdo programático similar, podem ser (salvo melhor juízo) excluídos de uma lista de planejamento caso não possam oferecer o curso desejado nas datas e horários que sejam selecionadas (pela Administração) de forma a melhor conciliar o interesse público (prevalente) e a disponibilidade pessoal (secundária) do servidor que irá receber a capacitação/atualização/aperfeiçoamento.

3.1.2. Circunstâncias de lugar. Em se tratando de cursos presenciais, há de ser conferida prioridade à contratação daqueles que sejam oferecidos no local (cidade) onde instalado o órgão/entidade no qual lotado o servidor que vai receber o singular serviço de capacitação/atualização/aperfeiçoamento. Fornecedores diferentes de um mesmo curso podem ser (salvo melhor juízo) excluídos de uma lista de planejamento caso não possam oferecer o curso pretendido, na cidade que seja sede do órgão/entidade no qual lotado o servidor que será treinado/aperfeiçoado.

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3.1.3.  Modo de execução. Esta é a circunstância adjacente singular mais importante. Tem relação direta com a necessidade pública singular e com o objeto selecionado para satisfação daquela necessidade pública singular. Refere-se à forma específica como o conteúdo requisitado para a capacitação/atualização/aperfeiçoamento singular é ministrado, por determinado técnico especializado, àqueles servidores lhe sejam aprendizes. Num processo no qual se pretenda contratar determinado técnico especializado, mediante inexigibilidade de licitação, em decorrência especificamente da técnica dominada pelo prestador, parece-nos evidente que tal contexto deva ser sobejamente demonstrado.

3.1.3.1. Impende destacar que, no caso em exame, o núcleo do conceito "serviços técnicos especializados” está nas habilidades pessoais do instrutor (capacidade de relacionamento interpessoal, domínio sobre o tema da instrução) e nas demais ferramentas acessórias utilizadas no processo de transmissão de conhecimentos. Se o instrutor é daqueles que transmite aos seus alunos os conhecimentos singulares (correspondentes à necessidade pública singular identificada pela Administração) de forma única, clara, direta, permissiva de alto grau de absorção, pode vir a ser contratado, conforme provas de tais qualidades nos autos, sem licitação, por inexigibilidade. Se o instrutor não tem qualquer capacidade extraordinária de transmissão de conhecimentos e/ou se a capacidade extraordinária de transmissão de conhecimentos for comum a um conjunto de fornecedores e/ou se for desconhecida, deve ser contratado mediante prévia licitação.

3.1.3.2. O modo de execução diferenciado, fundamento da pretensão de se contratar determinado notório prestador especializado mediante inexigibilidade de licitação, pode ser demonstrado (salvo melhor juízo) por provas indiciárias, tais com: I) avaliações (do curso/instrutor) feitas por expressivo universo de ex-alunos (não por apenas um, dois três ou quatro ex-alunos); II) séries formadas por contratos anteriores firmados pelo prestador selecionado com diferentes órgãos/entidades (públicos e privados), em curtos intervalos de tempo; III) declarações, prestadas pelos servidores interessados em receber conhecimentos providos por um específico prestador, com as indicações expressas (e fundamentadas) de que somente serão capazes de apreender o conteúdo do curso (que será pago com recursos públicos) com a intervenção daquele específico notório prestador referenciado, etc.

3.1.3.3. Cumpre destacar, por fim, a necessidade de que a pretensão de contratar o fornecimento de conteúdo (de conhecimento) por um prestador específico esteja devidamente alicerçada, não apenas em impressões subjetivas, mas também em avaliação técnica, produzida pela unidade de atuação encarregada da gestão pedagógica (no órgão/entidade que será responsável pela contratação) acerca da alegada imprescindibilidade do prestador que tenha sido selecionado pelo servidor interessado (no curso) e/ou pela unidade de atuação instrutora do pedido de contratação.

3.1.3.4. Quanto ao particular, tem-se que o TCU, manifestando-se quanto à natureza do serviço (se singular ou ordinário) firmou entendimento de que não mais se justifica simplesmente alegar conhecimento técnico do assunto por uma determinada empresa ou instituição para fundamentar sua contratação por inexigibilidade de licitação (ver Decisões 357/1995, 13/1997 e 150/2000, todas, do Plenário). Consignou, ainda, em Súmula:

TCU, Súmula 39 - A dispensa de licitação para a contratação de serviços com profissionais ou firmas de notória especialização, de acordo com alínea "d" do art. 126, § 2º, do Decreto-lei 200, de 25/02/67, só tem lugar quando se trate de serviço inédito ou incomum, capaz de exigir, na seleção do executor de confiança, um grau de subjetividade, insuscetível de ser medido pelos critérios objetivos de qualificação inerentes ao processo de licitação.

4. No que pertine ao requisito “notoriedade do prestador”, esclarecemos que se considera de notória especialização o profissional ou empresa cujo conceito no campo de sua especialidade (decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica ou de outros requisitos relacionados com suas atividades) permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato.

4.1. A notoriedade do prestador pode ser demonstrada mediante, no mínimo, juntada aos autos de cópias do currículo detalhado (com indicação de formação, obras publicadas, experiência profissional etc.) e, se possível, de exemplares de publicações especializadas que tragam notícias acerca da qualidade do trabalho produzido por aquele notório prestador.

5.  Próximos do encerramento destas nossas reflexões, cabe-nos ainda consignar que o uso do Portal de Acesso à Informação, mantido junto à rede mundial de computadores pela Controladoria-Geral da União, pode demonstrar que alguns órgãos/entidades da Administração Pública Federal, dentre tantos, vários com mais de dez anos de existência, nunca promoveram licitações para a contratação de cursos de capacitação/atualização/aperfeiçoamento. A contratação mediante uso de critérios diversos daquele previsto em lei foi tornada regra e o emblemático fenômeno antirrepublicano pode ser identificado em todos os demais entes da federação.

5.1. Se os requisitos estabelecidos no inciso II do artigo 25 da Lei 8.666/1993 (serviços técnicos especializados, notoriedade do prestador e singularidade do objeto/serviço) pudessem ser satisfeitos apenas com a juntada aos autos (de processos administrativos), das cópias do conteúdo programático de um curso e do currículo do respectivo instrutor, todo e qualquer curso oferecido no mercado poderia ser contratado por inexigibilidade de licitação. Para a contratação de cursos, a licitação seria exceção, não regra.  Estaríamos diante de uma inversão dos nobres valores capitaneados pelos princípios da supremacia do interesse público, da impessoalidade, da igualdade, da livre concorrência, da moralidade e da eficiência.

5.2. Corresponde, assim, a uma inequívoca irregularidade com fortes indícios de ilegalidade, a contratação, por órgãos/entidades da Administração Pública, de cursos de capacitação/atualização/aperfeiçoamento, por inexigibilidade, em contextos nos quais não estejam presentes os requisitos objetivos estabelecidos no inciso II do artigo 25 da Lei 8.666/1993 (combinado com o artigo 13, VI, da mesma norma).

5.3. Neste ponto, temos que oferecer oportuno destaque ao óbvio: em abstrato e isoladamente, a singularidade (de uma necessidade pública e do correspondente objeto da futura contratação) e a notoriedade (de um prestador) preexistem[5] ao ato de declaração de inexigibilidade. Tais atributos não são criados pelo ato administrativo que decretar a inexigibilidade (ou pelo parecer jurídico que o preceda), mas tão somente, reconhecidos por ele.

5.5. Em acréscimo, disponibilizamos ao leitor, nos Anexos I e II, (exemplos hipotéticos e modelos de documentos), síntese dos raciocínios delineados neste trabalho, como guias para melhor instrução dos autos nos quais a Administração Pública pretenda a contratação de cursos de capacitação, atualização e aperfeiçoamento de pessoal.

5.6. Por derradeiro, esclarecemos que, em nenhum momento do processo de construção destas nossas reflexões, agora compartilhadas, tivemos a pretensão de esgotar o tema ou de estabelecer algum tipo de "verdade incontestável". Nosso propósito, desde o início, foi tão somente entregar parcela de contribuição a uma obra coletiva que tende a ser permanentemente incompleta, carente de intervenções complementares e suplementares de tantos quantos tenham no Direito Administrativo uma agradável fonte de inquietude intelectual.

 

ANEXO I - SÍNTESE DO RACIOCÍNIO (ACERCA DO TEMA SINGULARIDADE) E EXEMPLOS ASSOCIADOS À ROTINA DA ADMINISTRAÇÃO (ROL NÃO TAXATIVO):

 PRIMEIRO CONTEXTO HIPOTÉTICO - Servidor requer o curso X, formado por conteúdo comum (de “prateleira”, ordinário, não excepcional) e não demanda um instrutor específico.

Exemplo: servidores que demandem contratação de um curso de direito administrativo, sem fazer referências a um determinado instrutor.

Regra geral, a contratação deve ser feita mediante licitação.

 SEGUNDO CONTEXTO HIPOTÉTICO - Servidor requer o curso X, formado por conteúdo comum e demanda um instrutor específico.

Exemplo: servidor portador de necessidades especiais (PNE) que requeira curso do software Word. A depender do grau da necessidade especial intrínseca ao servidor há de ser permitida a contratação (por inexigibilidade), de instrutor especializado no processo de transmissão de conhecimentos a pessoas que ostentem as mesmas condições do referido servidor.

A contratação pode ser feita mediante inexigibilidade de licitação:

A. Desde que a instrução do feito (a cargo não só da unidade de atuação instrutora como também do servidor interessado), evidencie: I) a notoriedade do prestador singular selecionado; e II) a inviabilidade de competição entre fornecedores; e III) a compatibilidade entre o preço que a Administração esteja sendo compelida a pagar ao fornecedor selecionado e o preço cobrado pelos demais agentes do mercado, para o fornecimento do conteúdo (de conhecimento) comum a ser adquirido pela Administração; e

A.1. Nas hipóteses em que a demanda pela contratação de cursos com conteúdo comum esteja indissoluvelmente associada a um determinado prestador (ou seja, nas hipóteses em que a suposta inviabilidade de competição esteja fundada na prévia seleção de um específico fornecedor), a instrução do feito deve conter, ainda: I) a descrição dos elementos que demandam atuação de instrutor possuidor de características singulares (elementos relacionados ao conjunto de atribuições cominadas ao servidor e/ou intrínsecas ao próprio servidor); II) a descrição das características singulares do instrutor selecionado; III) a descrição dos benefícios que a atuação daquele instrutor singular selecionado podem trazer ao interesse público primário (interesse da Administração); e IV) a demonstração de compatibilidade do preço a ser pago pela Administração com o preço cobrado pelo instrutor singular específico no mercado em geral.

A.2. A inviabilidade de competição entre fornecedores estará configurada (por presunção relativa) se na instrução estiverem reunidos os requisitos descritos nos itens I a III dos subitens A.1 e A.2.

 TERCEIRO CONTEXTO HIPOTÉTICO - Servidor requer o curso X, formado por conteúdo singular e não demanda um instrutor específico.

Regra geral, a contratação deve ocorrer mediante licitação.

A instrução do feito a cargo, não só da unidade de atuação instrutora como também do servidor interessado), deve evidenciar os elementos que tornam o conteúdo singular.

Caso, ao longo da fase de planejamento, reste evidenciado que apenas um determinado fornecedor pode prover os serviços que atendam à necessidade pública singular, referido fornecedor pode ser contratado mediante inexigibilidade, desde que a instrução do feito evidencie, além da singularidade do conteúdo, também os elementos descritos para o segundo contexto hipotético.

 QUARTO CONTEXTO HIPOTÉTICO - Servidor requer o curso X, formado por conteúdo singular e demanda um instrutor específico.

Exemplo I): servidor que esteja atuando num dos projetos desenvolvidos, de forma pioneira, pelo público órgão/entidade interessado na contratação, na área de tecnologia da informação e que seja também portador de necessidades especiais.

Exemplo II) a Administração pretende oferecer aos servidores conhecimentos que só podem ser transmitidos por determinada pessoa, que vivenciou fatos e eventos que a tornaram especialmente qualificada.

Caso se pretenda a contratação mediante inexigibilidade, a instrução do feito deve evidenciar, além da singularidade do conteúdo, também os elementos descritos para o segundo contexto hipotético.

 QUINTO CONTEXTO HIPOTÉTICO - Servidor recém nomeado para exercício de funções em unidade de atuação que demanda conhecimentos especializados formados por conteúdo comum, exigíveis desde a nomeação.

Regra geral: contratação mediante licitação.

A excepcionalidade do contexto e o valor da contratação podem recomendar contratação de curso de capacitação/atualização/aperfeiçoamento mediante dispensa de licitação (Lei 8.666/1993, artigo 24), para pronto atendimento à urgência/emergência e, desde que observado, naquele exercício financeiro, o somatório de eventos contratados, afim de não se ultrapassar o “teto” estabelecido no artigo 24, II, da Lei 8.666/1993.   A instrução do feito deve demonstrar os elementos que serviram à configuração da excepcionalidade da situação e a compatibilidade do preço a ser pago pela Administração com o preço daqueles serviços no mercado.

SEXTO CONTEXTO HIPOTÉTICO - Servidor recém nomeado para exercício de funções em unidade de atuação que demanda conhecimentos especializados formados por conteúdo singular, exigíveis desde a nomeação.

Caso se pretenda a contratação mediante inexigibilidade, a instrução do feito deve evidenciar, além da singularidade do conteúdo, os elementos descritos para o segundo contexto hipotético.

ANEXO II - MODELOS DE DOCUMENTOS NECESSÁRIOS À INSTRUÇÃO DOS PROCESSOS ADMINISTRATIVOS QUE PRETENDAM CONTRATAÇÃO MEDIANTE INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO.

TERMO DE CIÊNCIA (a cargo do servidor)

Eu, XXXX, matrícula XXXX, declaro que:

I) o conteúdo do curso de capacitação, treinamento e/ou aperfeiçoamento selecionado por mim é (comum OU especial);

II) ser imprescindível ao meu processo de aprendizagem, que os conhecimentos afetos ao curso XXXXX me sejam transmitidos pelo instrutor XXXX, pelas razões descritas no item IV; e

III) tenho ciência de que o conteúdo especial do curso que escolhi e/ou a imprescindibilidade do instrutor que selecionei serão utilizados como critérios para reconhecimento da qualidade "singular" aos serviços que serão prestados pelo instrutor referenciado, a ser contratado, em decorrência, mediante inexigibilidade de licitação (Lei 8.666/1993, artigo 25, inciso II c/c artigo 13).

IV) Declaro, ao final, que as razões que tornam o instrutor referenciado imprescindível ao meu processo de aprendizagem, são as seguintes: XXXX.

Local e data.

Assinatura do(a) servidor(a).

Glossário: I). Conteúdo comum é aquele trivial, corriqueiro, batido, ordinário em uma determinada área do conhecimento e, também por isso, disponibilizado ao mercado por número considerável de fornecedores. II). Conteúdo especial é aquele diferente, anormal, excepcional, disponibilizado ao mercado por um número restrito de fornecedores e, mais das vezes, por apenas um fornecedor; e III). Imprescindível é aquilo indispensável, necessário; e IV). Inexigibilidade de licitação é exceção à regra legal que determina que sejam precedidas de licitação, as contratações de obras, serviços, compras, alienações, concessões, permissões e locações da Administração Pública. AVISO: O artigo 89 da Lei n. 8.666/1993 comina pena de três a cinco anos de detenção e multa, para quem dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade.

________________________________________

 AVALIAÇÃO TÉCNICA (a cargo da unidade de atuação instrutora)

 Eu, XXXXX, matrícula (XXXX), ocupante do cargo de XXXXX, lotado(a) na XXXX, atesto que:

I) o serviço de capacitação, treinamento e/ou aperfeiçoamento a ser contratado tem conteúdo (comum OU especial); 

II) que a necessidade singular descrita na declaração prestada pelo servidor XXXX foi aferida e confirmada por esta unidade de atuação; e

III) estes autos estão instruídos, conforme critérios técnicos próprios da área de gestão de pessoas e afetos à minha formação profissional e/ou lotação, com documentos suficientes à demonstração da imprescindibilidade do prestador selecionado para o fornecimento do conteúdo do curso pretendido pelo(a) servidor(a) em atendimento prioritário ao interesse público.

Local e data.

Assinatura do(a) servidor(a)

________________________________________

ATESTADO (a cargo da unidade de atuação instrutora)

Eu, XXXXX, matrícula (XXXX), ocupante do cargo de XXXXX, lotado(a) na XXXX, atesto que, neste caso concreto, a competição entre fornecedores é inviável, tendo em vista que, após cuidadosa pesquisa e análise, constatei que somente o fornecedor XXXXX reúne as qualidades necessárias ao atendimento da necessidade pública singular a ser satisfeita, mediante contratação precedida de reconhecimento de hipótese de inexigibilidade/dispensa de licitação, quais sejam: XXXX, XXXX e XXXX.

Local e data.

Assinatura do(a) servidor(a)


[1] Lei 8.666/1993

(...)

Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:

(...)

II – para a contratação de serviços técnicos enumerados no artigo 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação.

[2] Cumpre lembrar que dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade é crime previsto na Lei 8.666/1993 (artigo 89), com pena de detenção de três a cinco anos e multa.

[3] A instrução de um processo administrativo hipotético no qual estivessem em curso os procedimentos prévios à contratação, por inexigibilidade do notório e singular Bill Gates deveria conter, obrigatoriamente, a descrição da necessidade pública que demanda a contratação de tal personalidade. Poderia ser (por exemplo) o interesse da Administração em expor aos servidores histórias relacionadas ao processo de criação e crescimento da empresa Microsoft e/ou ao processo de desenvolvimento do software Microsoft Word, além, obviamente dos conhecimentos afetos ao uso do referido software.

[4] Lei 8.429/1992

(...)

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no artigo 1º desta lei, e notadamente:

(...)

VIII – frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente.

(...)

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:

I – praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência.

II – retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício.

(...)

[5] Conforme raciocínio desenvolvido a partir de matriz fenomenológica, as coisas são o que são e não deixarão de sê-lo por associadas a valores que lhe sejam atribuídos.

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Sobre o autor
Alexandre Gomes Carlos

Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Especialista em Direito Público. Analista Judiciário do Conselho Nacional de Justiça.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Este texto não pretende ser definitivo. Trata-se de consolidação de pensamentos aberta ao aperfeiçoamento que resulta do debate de ideias.

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