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A interligação entre as bacias hidrográficas como pressuposto para a proteção do equilíbrio ambiental e da qualidade de vida

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24/09/2017 às 10:40
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4. CONCLUSÃO

A garantia do direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, nos termos fixados pelos constituintes de 1988, no caput do art. 225, obriga todos, coletividade e Poder Público, para as gerações atuais e futuras, ao dever de adotar as medidas necessárias para sua defesa e preservação. Não constitui mera faculdade, relegada à alçada discricionária do administrador, mas uma obrigação universal, da qual coletividade e Poder Público estão sujeitos; e não apenas para os que dessa garantia possam usufruir hodiernamente, porque está expresso no texto constitucional que a prerrogativa é extensível às gerações vindouras.

Reconhecido pela doutrina como integrante do rol da 3ª geração, ou dimensão, de direitos fundamentais, a garantia do ambiente equilibrado ecologicamente, por sua natureza social, é geratriz de obrigações ao Estado, positivas e negativas, que inexoravelmente exigem investimentos, muitas vezes vultosos, e eficiência de gestão. Os recursos hídricos, contudo, pela sua essencialidade à vida, ocupam lugar de destaque no conjunto dos direitos fundamentais sociais.

 A moderna exegese constitucional, aliás, atenta à morosidade legislativa e principalmente à desídia do Poder Público na concretização de direitos fundamentais, reconhece a possibilidade da intervenção do Poder Judiciário sem que com isso seja caracterizada violação ao princípio da separação de poderes, porque a ausência de políticas públicas, ou mesmo de uma legislação que imponha responsabilidade na gestão ambiental para os integrantes da Administração, como uma Lei de Responsabilidade Ambiental, não podem constituir impedimentos para que o meio ambiente seja mantido saudável e equilibrado. Há princípios que embasam esse raciocínio, como (i) o do “desenvolvimento sustentável”, extraído do caput do art. 225 da Carta Magna, ao preconizar que o direito ao meio ambiente equilibrado ecologicamente pertence às gerações atuais e às que vierem a surgir, de sorte que apenas com sustentabilidade no desenvolvimento esse escopo pode ser atingido; (ii) o da “prevenção”, que exige a adoção de medidas e ações preventivas para evitar a ocorrência de um dano previsível; (iii) o da “precaução”, que difere do da prevenção porque, enquanto desta se exige a comprovação científica da existência do risco ambiental, pelo princípio da precaução essa ausência não impede a adoção de medidas para evitar a possibilidade do dano, ainda que de sua ocorrência não haja absoluta certeza; e (iv) do “poluidor-pagador”, no qual se impõe ao causador do dano ambiental sua responsabilização para a efetiva reparação, independente de dolo ou culpa, embora para alguns estudiosos esse princípio também contenha um outro princípio, o do “usuário-pagador”, que gera àquele que utiliza o recurso ambiental a obrigação de suportar os custos observados para a viabilidade do seu aproveitamento e dos decorrentes de sua efetiva utilização.

Ainda assim, os recursos hídricos nacionais não são aproveitados e tampouco geridos adequadamente. O saneamento básico não é universal em suas premissas elementares, como distribuição de água tratada e coleta e tratamento de esgotos. Dados informam que, embora grande parte dos domicílios receba água tratada, pouco mais da metade tem seus esgotos ligados à rede, e desse esgoto coletado apenas pouco mais da metade recebe tratamento adequado antes de ser devolvido aos cursos d’água. Não bastasse essa situação de flagrante vilipêndio ao direito de um ambiente ecologicamente equilibrado e sadio, as alterações climáticas causadas notadamente pelo aquecimento global agravam a escassez de água no semiárido e modificam os regimes e índices pluviométricos, causando longos períodos de estiagem e também de fortes chuvas, causadoras de enchentes e inundações que atingem regiões urbanas e rurais; na região Amazônica há também regularidade nos períodos em que seus cursos d’água ultrapassam em muito os limites adequados e invadem áreas utilizadas economicamente.

A consequência dessa incúria da Administração Pública é a petrificação do direito constitucional do art. 225, mantido como norma meramente programática quando, na verdade, seu conteúdo é de plena eficácia e reclama imediata aplicabilidade. Há, infelizmente, uma proteção insuficiente do direito fundamental ao ambiente ecologicamente sadio e equilibrado.

Por disposição constitucional, as águas, subterrâneas ou superficiais, pertencem aos Estados ou à União, e o Código Civil as qualifica como bens públicos de uso comum. Essa situação, aliada à condição de direito fundamental do ambiente ecologicamente equilibrado e saudável, transforma a tutela dos recursos hídricos em inegável proteção de direitos fundamentais, constituindo, assim, dever da coletividade e do Poder Público.

Dito de outro modo, os recursos hídricos devem ser utilizados e aproveitados na condição de direitos fundamentais, profícuos ao equilíbrio ambiental e à qualidade de vida.

Daí porque medidas como a transposição do Rio São Francisco não atendem a essa fundamentalidade: não basta simplesmente extrair determinada quantidade de água de um curso e desviá-la para outro. As estiagens de 2013 e 2014 na região Sudeste comprovam que, sem planejamento macro, medidas localizadas, além de dispendiosas, representam paliativos que não solucionam efetivamente qualquer problema, tampouco corroboram para a proteção ambiental.

Tampouco a transferência de 1% do volume do Rio Amazonas para atender as necessidades das regiões Nordeste e Sudeste cumpriria a proteção pretendida ao meio ambiente, porque também se limitaria a retirar certa quantidade de água de uma bacia e despejá-la em outras.

Neste diapasão, considerando a integralidade das bacias hidrográficas nacionais em suas peculiares características, se apercebe ocasional excesso na vazão de alguns cursos d’água, que hodiernamente é perdido no mar. Esses excessos, que por vezes resultam em enchentes e inundações, dão azo aos mais diversos danos e transtornos, prejudicando a economia e ceifando vidas humanas, embora pudessem ser reduzidos ou mesmo evitados.

Destarte, a proteção do direito das gerações atuais e das futuras a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, que resulte na sadia qualidade de vida, reclama a adoção de medidas que possam, ao mesmo tempo, significar o menor impacto ambiental cumulado ao maior proveito social. Disso resulta que a captação do excesso nas vazões dos cursos d’água resultaria no menor impacto, porque não haveria modificação do volume habitual, daquele que é proveitoso para as populações que dele se beneficiam comumente, porque tão somente o excedente, ou seja, a quantidade de água sazonal que não ocasiona benefícios e vantagens à vida e à qualidade de vida seria extraída; por outro lado, esse excesso, devidamente armazenado, corresponderia à reserva necessária na mantença de uma vazão mínima em toda a malha hídrica nacional, em inequívoco proveito social.

A interligação das bacias hidrográficas representa, assim, o reconhecimento da afirmação do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e de zelo com as presentes e futuras gerações. Contribuiria para evitar enchentes e inundações e para minimizar os efeitos nocivos de fortes chuvas, resultando em um ativo hídrico capaz de atender eventuais necessidades sazonais de outras regiões e regularmente o semiárido. Imensuráveis suas virtudes, não se há de falar em inviabilidade econômica para sua implantação. 


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Sobre o autor
Vladimir Polízio Júnior

Professor, advogado e jornalista. Membro da Comissão do Meio Ambiente da OAB/SP, 33ª Subseção de Jundiaí. É especialista em direito civil e direito processual civil, em direito constitucional e em direito penal e direito processual penal. Mestre em direito processual constitucional. Doutor em direito pela Universidad Nacional de Lomas de Zamora, Argentina. Pós-doutor em em Cidadania e Direitos Humanos pelo Ius Gentium Conimbrigae da Universidade de Coimbra, Portugal. Autor de artigos e livros, como Novo Código Florestal, pela editora Rideel, Lei de Acesso à Informação: manual teórico e prático, pela editora Juruá, e Coleção Prática Jurídica, por e-book, com 4 volumes: Meio Ambiente e os Tribunais, Crimes contra a Vida e os Tribunais, Crimes contra o Patrimônio e os Tribunais, e Liberdade de Expressão e os Tribunais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

POLÍZIO JÚNIOR, Vladimir. A interligação entre as bacias hidrográficas como pressuposto para a proteção do equilíbrio ambiental e da qualidade de vida. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5198, 24 set. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/40728. Acesso em: 5 nov. 2024.

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