5. TEORIA DA CAPTURA E A BUSCA POR UM MODELO REGULATÓRIO INDEPENDENTE
No contexto atual, quanto ao papel das agências reguladoras, ainda há diversas problemáticas a serem solucionadas, dentre elas destacam-se: a pouco expressiva participação popular, a debilidade das instituições; o baixo nível de organização da sociedade civil; o baixo nível de expectativa quanto à atuação do governo, entre outras[24].
Outro grave problema que assola a eficiência das agências reguladoras é a influência de fatores pessoais e políticos na administração de tais entidades. Não se pode exercer funções de regulação de maneira adequada se não há independência e imparcialidade na condução das atividades regulatórias.
Nesse sentido, a doutrina vem desenvolvendo a chamada teoria da captura, a qual tem o objetivo de evitar uma “vinculação promíscua entre a agência, de um lado, e o governo instituidor ou os entes regulados, de outro, com flagrante comprometimento da independência pública”[25].
A Constituição da República, nesse compasso, em seu art. 176, §4°, prevê o combate a tal prática nociva, determinando que “a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros”.
O problema da captura das agências reguladoras pode surgir de dois modos: pelo setor privado, na medida em que empresas que exercem os serviços regulados, valendo-se de seu poder econômico, interferem na atividade regulatória, influenciando o comportamento da entidade reguladora (captura econômica), ou; pelo próprio setor público, quando há uma vinculação da atividade da agência reguladora com interesses políticos de agentes públicos, em especial, de detentores de mandato no âmbito do Poder Executivo (captura política)[26].
Dessa forma, é preciso identificar os pontos sensíveis da questão, para que, com base neles, sejam formuladas alternativas que afastem a captura dos órgãos reguladores. Uma solução possível para atenuar o problema, apontada por Salgado, seria a de
institucionalizar as agências, criando quadros de profissionais especializados, com os incentivos de carreira e pecuniários necessários para minorar os riscos de captura, é fundamental para assegurar as bases de uma intervenção de longo prazo confiável do ponto de vista do investidor privado e legítima, da perspectiva do interesse público[27].
Nesse sentido, em muitos casos, cabe ao Poder Judiciário evitar que haja a captura da agência reguladora por interesses alheios. À guisa de exemplo, no julgamento da Apelação Cível n° 342.739, o TRF da 5ª Região, com base nos princípios da administração pública, decidiu no sentido de impedir a nomeação, para vagas do Conselho Consultivo da ANATEL, destinadas à representação de entidades voltadas para os usuários, de pessoas que haviam ocupado cargos em empresas concessionárias, uma vez que estava evidente a suspeita de que tais nomeações poderiam prejudicar as atividades regulatórias da referida autarquia.
Portanto, percebe-se que, atualmente, embora as agências reguladoras exerçam papel fundamental para promoção de um desejável funcionamento dos serviços públicos, bem como para o equilíbrio entre as empresas que exercem determinadas atividades econômicas, é preciso que se tome medidas para que o exercício de tais órgãos reguladores estejam voltados, exclusivamente, ao interesse público.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As agências reguladoras constituem-se como um dos principais objetos de estudo do Direito Econômico. Desde meados do século XX, seu papel vem ganhando cada vez mais importância, notadamente em virtude do desenvolvimento e consolidação de movimentos econômicos neoliberais.
No Brasil, foi, principalmente, a partir da década de 1990 que surgiram as primeiras agências reguladoras propriamente ditas, com a desestatização de determinadas serviços públicos, por meio de descentralizações por delegação. Entretanto, mesmo sendo prestados por entes privados, tais serviços não perderam seu caráter de público, e, por isso, o Estado, embora não os forneça diretamente, assumiu um papel regulador, por meio das agências.
Dessa forma, as agências reguladoras, criadas com natureza pública, na forma de autarquias, exercem, no Brasil, importante papel de fiscalizar, conduzir e regular as prestações de serviços públicos e o exercício de atividades econômicas por particulares.
Contudo, as atividades regulatórias estão, constantemente, sob o risco de serem capturadas, isto é, desviarem-se do seu foco principal – que é baseado na busca do interesse público. Nesse sentido, a teoria da captura busca indicar soluções que visem a manter as agências reguladoras longe de influências externas que podem advir tanto de particulares (captura econômica), quanto do próprio setor público (captura política).
Percebe-se também que, em muitos casos, cabe ao Judiciário, proferindo decisões lastreadas nos princípios da administração pública, reagir ao fenômeno da captura das agências reguladoras, contribuindo para a imparcialidade e a moralidade nas atividades regulatórias.
Por fim, é possível afirmar que, com as atuais políticas de contenção de gastos em todas as esferas públicas, novas atividades e serviços tendem a ser delegadas ao setor privado. Por isso, as agências reguladoras parecem, cada vez mais, estarem consolidadas em nosso país, de modo que faz-se necessário a adoção de medidas visem a fortalecê-las, deixando-as livres de influências externas.
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NOTAS
[1] AGUILLAR, Fernando Herren. Direito Econômico: do direito nacional ao direito supranacional. São Paulo: Atlas, 2006, p. 1.
[2] Bercovici, citando Gaspar Ariño Ortiz, explica que o direito econômico pode ser compreendido “por uma perspectiva metodológica ou por uma perspectiva substancialista. Esta perspectiva substancialista atribui um determinado conteúdo material ao direito econômico, geralmente vinculado às normas e instrumentos jurídicos por meio dos quais o Estado dirige a atividade econômica. Já a perspectiva metodológica por ele [Gaspar Ariño Ortiz] defendida diz respeito à necessidade de interpretação e aplicação do direito econômico por critérios jurídicos e econômicos, levando-se em conta, fundamentalmente, a função econômica da norma, por meio da análise econômica do direito”. BERCOVICI, Gilberto. Direito Econômico do Petróleo e dos Recursos Minerais. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 299.
[3] AGUILLAR, op. cit. 113-114.
[4] Idem, p. 168.
[5] BINENBOJM, Gustavo. Agências Reguladoras Independentes e Democracia no Brasil. REDAE – Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, n. 3, ago-set. 2005, Salvador, p. 5.
[6] ROSANVALLÓN, Pierre. La legitimidad democrática. Imparcialidad, reflexividad, proximidad. Buenos Aires: Manatial. 2009, p. 119-122.
[7] BINENBOJM, op. cit., p. 1.
[8] O New Deal foi como ficou conhecido o conjunto de medidas adotadas pelo governo do Franklin Roosevelt, a fim de recuperar a economia americana após a Crise de 1929.
[9] CUÉLLAR, Leila. Poder normativo das agências reguladoras norte-americanas. Revista de Direito Administrativo, n. 229, p. 153-176, jul-set, Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 160.
[10]JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes. SP: Dialética, 2002. p. 64-69.
[11] SHECARIA, C. C. B. M. A competência das agências reguladoras nos USA. In: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella (Coord.). Direito regulatório: temas polêmicos. Belo Horizonte: Fórum, 2003, p. 461.
[12] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas. 2007, p. 133.
[13] Cf. MONCADA, Luís S. Cabral de. Direito econômico. Coimbra: Coimbra Editora: 2007, p. 52-55.
[14] DI PIETRO, op. cit, p. 434.
[15] O art. 174 do Texto Constitucional prevê que “como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado”.
[16] COUTINHO, Diogo Rosenthal. Privatização, Regulação e o Desafio da Universalização. In: FARIA, José Eduardo (Org.). Regulação Direito e Democracia. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2002, p. 74.
[17] Por tudo, v. BINENBOJM, Gustavo, op. cit., p. 6.
[18] A descentralização por delegação para particulares é realizada mediante a celebração de contratos administrativos, notadamente contratos de concessão e de permissão de serviços públicos. Sobre o tema, v. CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. Jupodivm: Salvador, 2015, p. 153.
[19] BORBA, José Edwaldo Tavares. Sociedade de economia mista e privatização. Rio de janeiro: Lumen Juris, 1997, p. 37.
[20] Também muito se questiona o fato de que, enquanto o art. 221, II, da Constituição prevê que devem ser estimuladas a produção regional e independente de rádio e televisão, na prática, quase toda a produção de TV do país está administrada por grupos localizados nos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo.
[21] AGUILLAR, op. cit., p. 204.
[22] Cf. CARVALHO FILHO. José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2012, p. 484-485.
[23] MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Agência reguladora: natureza jurídica, competência normativa, limite de atuação. Revista de Direito Administrativo, n. 215, jan-mar-1999. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p.72.
[24] Cf. PINHO, J. A. G.; SACRAMENTO, A. R. S. Accountability: já podemos traduzi-la para o português? Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v.43, n.6, p. 1343-1368, nov-dez., 2009, p. 352.
[25] Cf. CARVALHO FILHO. José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2012, p. 485.
[26] Cf. MELO, Thiago Dellazari. A "captura" das agências reguladoras: uma análise do risco de ineficiência do Estado Regulador. 2010. 126 f. Dissertação (Mestrado em Direito). Data de defesa. Total de folhas. Tese (Doutorado) ou Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Pernambuco. CCJ. Direito, 2010, p. 39-58.
[27] SALGADO, Lúcia Helena. Agências regulatórias na experiência brasileira: um panorama do atual desenho institucional. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 2003, p. 47-48.