Os atos praticados pelo administrador da sociedade consideram-se atos da própria sociedade, por isso, como regra, não implicam em responsabilidade pessoal do administrador. Esta norma está disposta no artigo 47 do novo Código Civil, aplicável às pessoas jurídicas em geral e, até aqui, não há nenhuma novidade sobre o assunto.
O problema surge nos casos em que o administrador viola leis ou estatutos sociais, excedendo seus poderes. Indaga-se, então, se a sociedade deveria responder pelos contratos firmados pelo administrador que exorbita sua atuação, ou apenas ele próprio.
Até a vigência do novo Código Civil a solução era a seguinte: se o contrato parecesse regular deveria ser tratado como tal. Desta forma, a sociedade respondia por todos os seus atos, honrando os contratos assumidos com terceiros e, depois, reclamava eventuais prejuízos do administrador. Assim, ainda que desvantajoso para a sociedade, privilegiava-se a boa-fé de quem com ela contratava.
Essa regra, conhecida como teoria da aparência, continua válida para todas as sociedades anônimas e para as sociedades limitadas em que o contrato social estabelece a aplicação subsidiária da Lei de Sociedades Anônimas.
A diferença é trazida pelo parágrafo único do artigo 1.015 do novo Código Civil, que disciplina todas as sociedades simples e as sociedades limitadas, essas últimas quando não há aplicação subsidiária das regras da sociedade anônima.
Dispõe a nova norma que o excesso do administrador não vincula a sociedade nos casos em que o excesso de poderes é conhecido por quem contrata com a sociedade, ou em que a limitação de poderes do administrador está inscrita ou averbada no registro da empresa, ou, ainda, quando a operação é evidentemente estranha aos negócios da sociedade.
Na primeira hipótese, restando comprovado que o contratante sabia que o administrador excedia seus poderes mas, ainda assim, concluiu o contrato, caracteriza-se a má-fé do contratante e, como tal, não merece que a sociedade se obrigue, já que não há necessidade de proteção ao terceiro de boa-fé.
A segunda hipótese refere-se às restrições impostas pela sociedade ao poder do administrador, como, por exemplo, a prestação de aval e fiança em nome da sociedade. Casos estes que, até então, o Superior Tribunal de Justiça considerava válidos, para não prejudicar os terceiros contratantes de boa-fé (RESP 180.201/SP). E, agora, para responsabilizar a sociedade será exigida uma diligência razoável do terceiro, a fim de apurar os limites dos poderes do administrador.
Na terceira e última hipótese, o problema é mais complicado, porque quem contrata com a sociedade deve verificar se o contrato social contempla a hipótese do negócio em questão, para não correr o risco da sociedade alegar que não responde pelo ato, por falta de previsão no seu objeto social.
Obviamente, trata-se de uma regra de caráter excepcionalíssimo, primeiro porque o legislador tratou de acentuar que a operação deve ser "evidentemente estranha aos negócios da sociedade", segundo porque o caput do mesmo artigo 1.015 estabelece que, no silêncio do contrato, o administrador pode praticar quaisquer atos de gestão – exceto a oneração ou venda de bens imóveis que, ausentes do objeto social, dependem da decisão da maioria dos sócios.
Mas, ainda assim, esta regra pode abrir uma brecha para que a sociedade se desvincule dos atos praticados por seu administrador, principalmente porque as dívidas contraídas pela sociedade podem ou não ser atos pertinentes à gestão da empresa.
Assim, a inovação legislativa pode vir a constituir um entrave à dinâmica das relações contratuais modernas, além de confrontar com a tradição em nosso direito e com às regras pertinentes às sociedades por ações.
O sistema inglês, berço desse pensamento, que ficou conhecido como teoria dos atos ultra vires (atos não vinculados à sociedade), fixou-se no princípio de que o objeto social determina a capacidade da sociedade, sendo, como conseqüência, nulos os atos do administrador praticados à margem daquele objeto, não admitindo-se, sequer, sua ratificação pela sociedade.
Nos Estados Unidos, amenizando-se o radicalismo inglês, a teoria dos atos ultra vires cedeu espaço à teoria dos poderes implícitos, permitindo a validação de atos acessórios ao objeto social principal, de forma a se permitir a inclusão de quase tudo que tenha relação, ainda que remota, com o objeto social.
Importante, contudo, é observar que há um conflito de interesses entre a sociedade e seus contratantes, sendo que a proteção destes últimos é a mais benéfica ao tráfico e à segurança das relações jurídicas. Contudo, a nova lei faz uma opção por resguardar os interesses da sociedade e, certamente, é prematuro apostar na tendência que nossos tribunais seguirão ao interpretar a nova norma. Sendo assim, ao contratar com sociedades simples ou sociedades limitadas (essas últimas com aplicação supletiva do regime jurídico das primeiras), mais do que nunca, será necessário analisar os documentos societários, a fim de se assegurar que o administrador tem, de fato, os poderes exigidos para contratar.