Desmistificando o Brasil do amor e de Deus: a saga de um país desumano

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No país de Deus, atrocidades são cometidas como defesas às instituições familiares, aos bons costumes, à ordem política. Porém, a Arquitetura da Exclusão se fez sem quaisquer objeções.

Resumo: O Brasil sempre fora o melhor, a terra prometida aos brasileiros e estrangeiros. Sendo terra de oportunidades, imigrantes vieram ao nosso país. Os negros, depois de abolidos, não tiveram chances de se elevarem socioeconomicamente através de políticas públicas, como saneamento, educação, saúde, moradia. Obras públicas eram visionárias para os gestores públicos. A mídia, antes da internet, transmitia os feitos dos gestores públicos, no período militar (1968 a 1985) corporações midiáticas se ergueram ao colaborar com o Golpe Militar. Programas televisivos, pela ausência do Estado, prestavam solidariedade aos excluídos, com doações, premiações, mas em busca de audiência.

Palavras-chave: mídia; liberdade de pensamento; liberdade de expressão; democracia, ditadura, políticas públicas

Abstract: The executive and legislative branches, despite the advances in the judiciary, still reticent about the international treaties and conventions on human rights. The Brazilian reality speaks for itself: human rights violations of the proletariats, the prisoners, the elderly; administrative malfeasance and passive corruption to corrode the rebar of the pillars of Brazilian democracy.

Keywords: human rights; freedom of thought; freedom of expression; democracy.

Introdução

Sempre se impingiu a máxima de que o Brasil é um país solidário, humanizado, de pessoas receptivas aos cidadãos de outros países. Assim como eu, muitos outros brasileiros já escutaram que cidadãos do hemisfério norte são seres humanos apáticos nas relações interpessoais. Além disso, são seres humanos preconceituosos, segregacionistas. No Brasil, o jornalismo sempre exaltou a conduta solidária e comunitária dos brasileiros. O Estado [os gestores públicos], por sua vez, sempre demonstrou e exaltou seus feitos a sociedade brasileira, indiferentemente, de ser o indivíduo negro ou branco, pobre ou rico. Programas televisivos ocuparam brechas deixadas pelo Estado. O “assistencialismo”, então, serviu para enriquecer as grandes corporações midiáticas em nosso país. Se a mídia se aproveitou da negligência, ou ausência, do Estado, em outros momentos históricos não perdeu a oportunidade de se associar com políticos [militar ou civil] para conseguir privilégios e manutenção de suas concessões.

I – Brasil, o país das maravilhas

“Os norte-americanos são preconceituosos e discriminam os negros”.

“Os europeus escravizaram e mataram centenas de milhares de negros”.

“Nos EUA há bairros para negros e brancos, enquanto no Brasil não tem”.

“Os portugueses são preconceituosos e procuram não se misturar com negros”.

“O Brasil é um país carismáticos com todos os estrangeiros”.

“O Brasil é uma terra religiosa, sem guerras entre as religiões, conforme se vê no oriente médio”.

"Nos EUA, o capitalismo está destruindo a flora, a fauna. No Brasil temos a maior área florestal do mundo e a maior reserva de água doce".

“O hemisfério norte e explora a mão de obra dos povos do hemisfério sul”.

“Os comunistas matam, se apropriam dos bens, o povo não tem liberdade para escolher profissão que quer ter, a cor do carro, ter mais de três televisões, pois o Estado limita tudo”.

Com certeza, gerações, e a minha própria geração, escutaram isso. Formou-se no inconsciente coletivo brasileiro, a concepção teórica de um país de oportunidades, de igualdade, de respeito à vida humana, de obras públicas para a qualidade de vida dos párias – e até diferente em sua economia (solidária, sustentável) em relação a outros países. A mídia brasileira televisiva, antes do advento da Internet, dava aos brasileiros o sonho de um país equilibrado, próspero e humanizado. As telenovelas, por exemplo, não demonstravam a realidade do Brasil, isto é, a miséria de milhões de brasileiros excluídos por concepções teóricas sociopolíticas. Ou seja, moradores de lixões, sobre palafitas, cercados por criminosos [policiais milicianos e narcotraficantes], o que sempre existiu em nosso país [década de 1960, por exemplo.]. Em relação ao cinema, neste aspecto, os cineastas mostraram e denunciaram o lado sombrio do Brasil. Filmes, como Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia, não desnudaram a realidade para vestir com o Véu de Ísis.

O jornalismo, no Brasil, jamais foi transparente para a sociedade brasileira. Antes da Constituição Federal de 1988, o jornalismo no Brasil era controlado, de forma medular, pelo Estado brasileiro, o qual ditava regras para os jornalistas – muito antes do Golpe Militar de 1964. Noticiários sobre desigualdade social eram divulgados, porém sempre de uma forma camuflada aos telespectadores. E de forma maquiavélica se mostrava a miséria dos excluídos socialmente, todavia sempre tendo alguma oportunidade na melhoria da qualidade de vida, mesmo que passageira – quanto a isto, a nossa mídia é pródiga. Ao sair dos holofotes da mídia, o cidadão beneficiado pelo Estado, ou por algum programa televisivo, depois tinha que voltar a própria realidade: analfabeto; pária; esquecido pelas políticas de desenvolvimento; morador de localidade sem água e esgoto encanados; uma polícia repressiva e sem qualquer consideração e respeito com os excluídos socialmente; políticos que prometiam ascensão socioeconômica por troca de votos – depois das promessas eleitorais, não realizavam 1/3 (um terço) das promessas de campanhas; pior, lesavam os cofres públicos, deixando a população ainda mais miserável.

II – Desigualdades sociais. Questão de genética?

As desigualdades sociais no Brasil não é um resultado, peremptório, da colonização, mais da perpetuação da exploração da mão de obra pela elite [oligárquica e aristocrática] brasileira. Dizer que a corrupção no Brasil é fruto da colonização, é dizer que a genética dita comportamentos humanos, sendo assim, todos os brasileiros, por ser povo miscigenado, são corruptos por natureza – a má genética, dos povos, sejam dos índios nativos e dos colonizadores, prevaleceu no Brasil. Tal afirmativa consubstancia a Teoria da Eugenia. Sendo assim, não resta nenhum empecilho de se aplicar essa teoria em nosso país - e na humanidade. Nasce daí, a premissa de que os Estados devem agir para o controle populacional de forma a selecionar, geneticamente, os cidadãos “perfeitos”. Na esteira dessa concepção, aliada ao darwinismo social, os párias [negros, nordestinos e índios], por sua própria natureza [genética], não devem receber qualquer auxílio do Estado e da própria sociedade. Deve, então, ser deixados à própria sorte, que fatalmente é a subnutrição, o desabrigo e as doenças – finalmente a morte. Assim, aqueles que se encontra numa posição social privilegiado – água e esgoto canalizados, proteção policial, acesso a serviços públicos de qualidade, ou na precariedade destes, poder aquisitivo para usufruir de serviços ofertados pela iniciativa privada.

A desigualdade brasileira se deve, então, a mentalidade perversa da exploração da mão de obra pela elite empresarial aos párias. E quem são os párias? Todo indivíduo que não tem nome e sobrenome nobre, que nasceu fora das regiões sudeste e sul, os que possuem excesso de melanina – sem ser de forma artificial, os que possuem cabeça grande e rosto chato, como os nordestinos. Eis o chancelar do que seja “desigual”, “ruim”, por uma mentalidade apática.

III – A historicidade real do Brasil

É aqui que encontraremos a verdadeira face do Brasil, não em sua totalidade, pois existem cidadãos humanitários. Quando falo “não em sua totalidade”, não quero dizer com isto que mais da metade, ou a metade, dos brasileiros são humanitários. Antes da Internet, as pesquisas sobre comportamento humano só eram possíveis pela investigação feita em universidades, por entrevistas feitas nas ruas (censo). Com o surgimento da Internet no Brasil é possível verificar a mentalidade brasileira sobre determinados assuntos sejam políticos ou sociais.

Por exemplo, o acidente ocorrido com Luciano e Angélica. No portal de notícias G1 – verifiquei, pois as manifestações ocorridas, em junho de 2013, desencadearam revoltas contra a Rede Globo de televisão –, comentários de solidariedade aos dois apresentadores da Rede Globo, e comentários ordinários. E por que da dissenção? Em vários comentários, repúdio à Rede Globo, aos dois apresentadores que representavam a elite brasileira. Em outros comentários, a inquietante pergunta sobre o piloto, a desigualdade [privilégios] aos dois apresentadores, enquanto outros brasileiros [não artistas] não possuíam as mesmas condições de tratamento e repercussão midiática.

Analisando os fatos atuais no Brasil podemos ponderar as revoltas dos internautas: serviços públicos inadequados, desigualdades sociais extremas, denúncias de participação dos meios televisivos no Golpe Militar e os privilégios conseguidos por esta participação. Não menos importante, a mídia televisiva tem se apoderado do sofrimento dos excluídos [párias] para conseguir ótimos índices de audiência. Ou seja, a condição aparente de solidariedade apenas esconderia o fulcro central desses programas: lucro. E lucro através do sofrimento.

Num dos programas de auditório mais antigo da televisão brasileira, os internautas repudiam os “aviõezinhos” de dinheiro, por se tratar de “deboche”, se aproveitar da condição socioeconômica desumana do auditório. Há internautas que repudiam, veementemente, programas televisivos, os quais erotização e inferiorizam, ainda mais, num país machista, a mulher brasileira [só nádegas e nada mais]. Os programas de auditórios têm sido alvos de críticas na internet, por não representarem a realidade do povo brasileiro, por se aproveitarem da miséria humana, por deturpar, ainda mais, as relações humanas, como fomentos à discórdia, discriminações, desvalorização da mulher brasileira. E por que esses internautas pensam assim em relação a esses programas televisivos?

Segundo o Dicionário Houaiss, versão digital, a palavra internauta designa “usuário interativo da rede internacional Internet”. Antes da internet, como os brasileiros conseguiam acesso à informação, ao saber em geral? A primeira era pela frequência em instituições de ensino, público ou privada, a segunda por leitura em bibliotecas, a terceira por radiodifusão [rádio e, depois, TV] – bem antes disso, folhetins e jornais impressos, a quarta por comprar livros em sebos. E quem poderia ler os jornais impressos no Brasil, os livros nos sebos e bibliotecas públicas? Pouquíssimos indivíduos. O analfabetismo sempre foi, e ainda é – malgrado o pífio sucesso do Estado, de elevar o padrão escolar dos brasileiros, os quais se tornaram analfabetos funcionais, e pelas aprovações automáticas – uma violação à dignidade humana destes desamparados [excluídos]. Desamparados por políticas públicas segregacionistas, as quais queriam manter os párias longe das elites e sem possibilidade de ascenderem socioeconomicamente; a mão de obra barata, análoga à escrava, por políticas forjadas no darwinismo social, proporcionou ao Brasil uma subida crescente em sua economia, ao seu desenvolvimento arquitetônico, maquinário etc.

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Logo, quem tinha acesso aos acontecimentos sociopolíticos em nosso país eram os letrados, ou seja, parcela mínima da sociedade brasileira, no caso, as elites [oligarquia e aristocracia]. E quando a maioria do povo não sabe ler, não poderia questionar, com conhecimento de causa, as arbitrariedades dos meios de comunicações, das autoridades públicas, das violações de seus direitos humanos. A pelintrice, então, era contumaz, algumas vezes notória, outras não. E quando notória, em um país de analfabetos [iletrado e politicamente], o que o povo [párias] poderiam fazer para exigir seus direitos humanos? Bulhufas. Sem conhecimento sobre as leis que regem o país, não há como invocar os próprios direitos. Conquanto, não saber ler já é peguilho.

IV – Liberdades condicionante, de expressão, de manifestação, de pensamento, de imprensa e de informação

Falar, escrever e gesticular, símbolos a exteriorizar a alma humana. O que nos parece trivial, já foram cerceados, pela religião, pelo querer do rei ou faraó, por normas jurídicas. Se nos primeiros símbolos humanos, em outrora, a liberdade se fazia nas pinturas das cavernas, nas danças e todas as formas pensadas pelos seres humanos, com a formação grupal, principalmente a formação da civilização, não mais fora possível ter plena liberdade. Condutas humanas foram criadas para a possibilidade de convívio humano, não mais o convívio de indivíduos de uma mesma família, tribo, todavia diversidades etnias, familiares. A própria bíblia hebreia continha normas de conduta entre eles e entre outras etnias. O Código de Hamurabi determinou condutas comportamentais, formas de aplicação de castigos aos infratores das leis. Os condicionantes às liberdades tinham, na Antiguidade, atendiam a interesses de poucos do que da totalidade da população. Os direitos naturais, como a liberdade de expressão, foram controlados, cerceados por motivos que justificavam o bem da sociedade, sendo que tal direito era para os que se encontravam no topo, ou próximo, das classes privilegiadas.

Controlar multidões é possível, quando há cerceamento e manipulações de informações. Sem miscelâneas de informações, não há como o indivíduo discernir por si mesmo. O condicionante informativo se faz por inúmeras repetições, que se tornam verdadeiras ao longo do tempo. Romper com as amarras condicionantes necessita de pessoas que divergem de todas as crenças, dogmas, doutrinas jurídicas, ou seja, que esteja convicto de que o momento atual é o que importa, e não as tradições, mesmo aquelas dentro dos âmbitos familiares. Também há a manipulação de opinião quando se usam técnicas oratórias, por isso, quanto mais informação [acesso] tiver o cidadão, maior capacidade de discernimento, por si mesmo, terá diante de qualquer técnica oratória.

Após a Segunda Guerra Mundial, mais exato, quando o bloco da ex-União Soviética perdeu a sua hegemonia mundial, e a queda do Muro de Berlim, os direitos humanos, finalmente, ganharam fôlego para consolidar a democracia em vários países. Os Direitos Humanos, então, passaram a ser invocados por povos que até então eram suplantados em direitos básicos, como a liberdade de expressão. O Brasil, depois do Golpe Militar [1964 a 1985], assinou vários tratados internacionais de direitos humanos. Mesmo assim, ainda continua – até a presente data que fora divulgado este artigo –, precário na aplicabilidade total quanto à liberdade de expressão. No pós-Golpe, várias vezes, as políticas de governo tentaram amordaçar a liberdade de expressão. O próprio Judiciário também tentou, com suas jurisprudências desconexas ao contexto da Carta Política de 1988, limitar a liberdade de expressão.

Tentar calar, previamente, por mecanismos jurídicos, os cidadãos, seja jornalista, ou não, é a máxima condição de um país cuja democracia ainda não está consolidada. E o interesse em calar, previamente, pertence a governantes déspotas. Diante das mais ignóbeis formas de se calar a opinião pública, vários agentes públicos se socorrem nos danos morais contidos no Código Penal, de 1940, como calúnia, difamação e injúria. E a América Latina é perdulária em processos contra a liberdade de expressão. Não sendo incoerente aos direitos humanos, o Sistema Interamericano de Direitos Humanos publicou, em 2000, a DECLARAÇÃO DE PRINCÍPIOS SOBRE LIBERDADE DE EXPRESSÃO. Transcreverei aqui pontos importantes sobre a liberdade de expressão:

“A liberdade de expressão, em todas as suas formas e manifestações, é um direito fundamental e inalienável, inerente a todas as pessoas. É, ademais, um requisito indispensável para a própria existência de uma sociedade democrática”.

“Toda pessoa tem o direito de buscar, receber e divulgar informação e opiniões livremente, nos termos estipulados no Artigo 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Todas as pessoas devem contar com igualdade de oportunidades para receber, buscar e divulgar informação por qualquer meio de comunicação, sem discriminação por nenhum motivo, inclusive os de raça, cor, religião, sexo, idioma, opiniões política ou de qualquer outra ííndole, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social”.

“A censura prévia, a interferência ou pressão direta ou indireta sobre qualquer expressão, opinião ou informação através de qualquer meio de comunicação oral, escrita, artística, visual ou eletrônica, deve ser proibida por lei. As restrições à livre circulação de idéias e opiniões, assim como a imposição arbitrária de informação e a criação de obstáculos ao livre fluxo de informação, violam o direito à liberdade de expressão”.

“As leis de privacidade não devem inibir nem restringir a investigação e a difusão de informação de interesse público. A proteção à reputação deve estar garantida somente através de sanções civis, nos casos em que a pessoa ofendida seja um funcionário público ou uma pessoa pública ou particular que se tenha envolvido voluntariamente em assuntos de interesse público. Ademais, nesses casos, deve-se provar que, na divulgação de notícias, o comunicador teve intenção de infligir dano ou que estava plenamente consciente de estar divulgando notícias falsas, ou se comportou com manifesta negligência na busca da verdade ou falsidade das mesmas”.

“Os funcionários públicos estão sujeitos a maior escrutínio da sociedade. As leis que punem a expressão ofensiva contra funcionários públicos, geralmente conhecidas como “leis de desacato”, atentam contra a liberdade de expressão e o direito à informação”.

Como se depreende, a liberdade de expressão, art. 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, não pode sofrer quaisquer empecilhos, previamente. A única exceção é quanto à “propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitação à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência” e a “censura prévia, com o objetivo exclusivo de regular o acesso a eles, para proteção moral da infância e da adolescência”.

Quanto à liberdade crença, protegida pela Carta Magna de 1988 – art. 5º, VI –, lamentavelmente, agressões acontece diuturnamente. O ódio religioso tem sido um dos entraves do convívio pacifico em nosso país. Grupos religiosos bradam suas crenças, suas liturgias, como sendo onipresentes e onipotentes. Se antes da Carta de 1988 os evangélicos eram perseguidos e chamados de malucos, agora perseguem umbandistas e demais religiosos. Não são todos os evangélicos, mas há pastores que pregam a intolerância religiosa. Um fato que me chocou, a morte de John Lennon e a “suposta” vingança de Deus, nas palavras de Marcos Feliciano. [1]

O fundamentalismo religioso em nosso país tem acometido crimes contra os direitos humanos em nosso país. O que podemos esperar de nossos jovens quanto aos seus comportamentos futuros?

V– Conclusão

A construção do Brasil foi arquitetada por políticas segregacionistas, cerceadoras a ascensão socioeconômica aos párias. O Brasil institucionalizou a eugenia [2], tentou lançar para longe os párias[3], de forma que mantivesse os párias nos devidos lugares, a servir a oligarquia e aristocracia. O analfabetismo em nosso país não fora uma consequência funesta, e sim de políticas condicionantes ao analfabetismo. Povo [párias] que não sabe ler não tem como saber sobre seus direitos. Não é à toa que "cair no conto do vigário" tem sido aplicado desde o descobrimento do Brasil. Sem saber ler e escrever, o cidadão fica na mão dos “letrados”, dos “diplomados” que prometem soluções aos sofrimentos. Não se enganem, até os letrados e diplomados acabam caindo no conto. Por quê? Porque o sistema político brasileiro mantém todos os brasileiros em currais. Os currais são divididos pela cor da pelé, pelo nível de status social, mesmo que seja negro, pelo tipo de filiação partidária, pelos conluios entre lobistas e agentes públicos. Enfim, o que não faltam são catálogos para cada tipo de pessoa. Dessa catalogação, sofrimento ou bonança.

A Emenda Constituição nº 19 (EC 19) abrasou a antiga postura de funcionários públicos que se aproveitavam dos cargos para nada fazerem em prol dos detentores de direitos soberanos, o povo. O PA (Passeio Administrativo) era contumaz. Nas repartições públicas apenas as cadeiras e papeladas, já o funcionário público ficava aproveitando suas férias fora de hora. Se os brasileiros reclamam dos serviços públicos, pior antes da EC. A diferença, antes da Carta de 1988, sobre a qualidade dos serviços públicos, se comparados à atualidade, se deve ao deslocamento de interesse da aristocracia brasileira. Uma vez que os párias começaram a usufruírem os serviços públicos largamente, a elite começou a deixar de consumidor esses serviços. Também houve uma perfeita sintonização de interesses entre agentes públicos e empreendedores. Na troca de favores, grandes empresas surgiram no Brasil, principalmente durante o Golpe Militar [1964 a 1985], e as diferença sociais aumentaram ainda mais. O motivo do aumento da abissal diferença socioeconômicas em nosso país se deve a barganha entre tais personagens. Aos que não tinham condições de ingressar na política do toma lá da cá restava a agoniante tarefa de sobreviver. Lobistas e agentes políticos sempre andaram de braços dados. Não é à toa que a malha ferroviária no Brasil não se tornou o principal meio de deslocamento dos cidadãos. Em vez disso, as políticas públicas favoreceram o transporte individual.

Observando o crescimento nas metrópoles brasileiras, os novos guetos são formados por condomínios luxuosos cujas infraestruturas protegem os condôminos da violência urbana. E isso se deve aos grandes projetos de urbanizações direcionados a poucos brasileiros. Aos que estão fora do jogo, do toma lá da cá, entre gestores políticos e a elite darwinista, morros, valas, sarjetas, espaços debaixo de viadutos e calçadas servem como moradia – até o momento que as prefeituras coloquem tijolos nos vãos dos viadutos para expulsar o inquilino indesejado, ou quando coloca bancos nas praças com divisórias [braços] para os mendigos não deitarem nas praças, ou quando coloca rampas antimendigo; ou quando os próprios particulares, como as instituições bancárias, que colocam grades com ponta afiadas em locais para evitar que mendigos durmam nas beiradas das portas de entrada – na Arquitetura da Exclusão. Terrenos impróprios para construções de moradias foram “negligenciados” pelos administradores públicos. Essa “negligência” tinha cunho político: um voto e uma ajuda, de qualquer forma, mesmo que custasse a morte do eleitor enganado, como fora o caso ocorrido no Morro do Bumba, em Niterói.

Dizer que o Brasil é extenso, e não permite diminuir as desigualdades sociais é balela. Assim como professar a mentira de que a culpa é do povo, o qual não sabe votar direito. Como votar “certo” em candidatos que estão na política quase uma década? Ou o clã familiar que toma conta de uma região? Ou quando não há oxigenação no Congresso Nacional? Muito difícil mudar para melhor. O analfabetismo educacional e políticos são dois entraves em nosso país, e é muitíssimo interessante aos empresários e agentes políticos que só pensam em seus bolsos.

Somente com a plena liberdade de expressão, por mídias não controladas por grupos exclusos aos direitos humanos, será possível mudar o Brasil. A educação é importantíssima ao desenvolvimento democrático no Brasil, quer dizer, tornar o Brasil realmente democrático. A liberdade de expressão deve ser por quaisquer meios. A educação deve ser universalista, sem dogmas, tabus, superstições, sem prevalência de corrente religiosa, partidária.

As intolerâncias ocorridas na primeira década do século XXI nos mostra a realidade nazista brasileira:

· Adesivo em carro com a imagem de Dilma Rousseff de pernas abertas;

· Maria Júlia Coutinho (a Maju), a jornalista da TV Globo, que sofrera com o preconceito racial;

· Funkeira Ludmilla é chamada de Macaca, feia e negra em rede social;

· Linchamentos em nome da “justiça”;

· A menina que foi apedrejada por ser umbandista.

Não seria possível aqui colocar todos os tipos de discriminações, perseguições e preconceitos que tomam conta do Brasil. As redes sociais estão servindo de catarse para as balbúrdias ignóbeis. As perseguições aos negros, aos homossexuais, aos pobres, aos gordos, aos nordestinos, aos analfabetos, aos portadores de necessidades especiais, sob as justificativas de “preservação da família”, “anticomunismo”, “preservação da cultura erudita”, da “ordem social”, soam em consonância com os ideais dos darwinistas sociais, dos eugenistas. Se Hitler ainda fosse vivo, e estivesse aqui no Brasil, não encontraria empecilhos para consolidar sua Arquitetura da Destruição, aos impuros.

A Carta Política de 1988 proporcionou liberdades, mas liberdades a um povo o qual viveu por séculos sob regimes, políticas, concepções científicas, de segregações, perseguições, racismos. O inconsciente coletivo brasileiro ainda traz as mazelas da ignorância, do sadismo de outrora. E a catarse se faz nas redes sociais pelo anonimato ou por perfis falsos. O que ficava nos lares passou a ser expurgado nas redes sociais. Antes da Carta humanística de 1988, os párias suportavam calados as monstruosidades dos “eleitos”, dos “puros” de alma. O sadismo que se vê é o sadismo que sempre existiu na sociedade brasileira. Mudar esse comportamento psicológico demanda leis severas aliadas à educação, civilizadora, desde os primeiros anos de vida dos brasileiros.

A educação brasileira sempre fora direcionada ao racismo, ao preconceito aos que eram considerados “desiguais”. A corrupção que assola o país também é consequência de comportamentos perpetuados por gerações. E tudo se deve aos ensinamentos de pai para filho. Nossa cultura é o resultado de mentalidades apáticas cujas estruturas psicológicas são neuróticas. Dizer que nada disso existia no passado é falácia. O fato é que, antes da CF/1988, a intolerância religiosa, as discriminações e perseguições aos gays, aos portadores de necessidades especiais, aos negros e a violência à mulher eram tolerados tanto pelas leis quanto pela sociedade, ou seja, o psiquismo cultural permitia atos bárbaros.

A mídia retrógrada também tem sua parcela de culpa em tudo o que está acontecendo em nosso país:

  • Nas manifestações de junho de 2013, as mídias chancelaram os manifestantes de "vândalos", sem antes se certificarem dos motivos dos manifestantes - os manifestantes do período militar eram "vândalos"?
  • Justificativas aos linchamentos aos "marginaizinhos" adolescentes;
  • Glorificar policiais que matavam assaltantes, sem este reagirem, ou portarem arma de fogo;
  • Imputação de "criminoso" sem antes se certificarem se o cidadão fora culpado pela Justiça ou se estava respondendo processo;
  • Maldizer comportamento de pessoas depressivas etc.

Como mudar? Leis severas aos desumanos – contra os direitos humanos –, políticas eficientes na área educacional viando os direitos humanos. Demandará tempo, mas quanto mais tempo demorar, mais veremos atos maquiavélicos. O Brasil está produzindo e permitindo que psicopatas, pois o ambiente é propício, atuem sob justificativas de Ordem e Progresso. E a humanidade conhece muito bem o que essas justificativas desencadearam.

O jornalismo, numa democracia, tem preponderante responsabilidade nos conteúdos editoriais. Se a liberdade de expressão é a pedra angular da democracia, os jornalistas são os pedreiros que mantêm as estruturas democráticas firmes, pela liberdade de expressão. A democracia pressupõe os direitos humanos, e os jornalistas são responsáveis pela preservação das instituições democráticas, pelo fomento à civilidade.


Notas:

[1] – Marcos Feliciano: "Deus matou John Lennon". Disponível em:< >.

[2] – CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL (DE 16 DE JULHO DE 1934): Art. 138 - Incumbe à União, aos Estados e aos Municípios, nos termos das leis respectivas: b) estimular a educação eugênica. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituição/Constituicao34. Htm >.

[3] – IPEA. História - O destino dos negros após a Abolição. 2011. Ano 8. Edição 70 - 29/12/2011. Disponível em:< http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&id=2673%3Acatid%3D28&Itemid=23 >.

Referências:

Câmara dos Deputados. Estudo analisa produção legislativa em democracias consolidadas. Disponível em:<http://www2.câmara.leg.br/camaranoticias/radio/materias/COM-A-PALAVRA.../477312-ESTUDO-ANALISA-PRODU... >.

CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS – PACTO DE SAN JOSÉ DA COSTA RICA. Disponível em:.

LOPES, José Reinaldo de Lima. O direito na história: lições introdutórias / José Reinaldo de Lima Lopes. - 3. Ed. - 3. Reimpr. - São Paulo: Atlas, 2011.

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Sobre o autor
Sérgio Henrique da Silva Pereira

Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet – A Revista do Administrador Público], JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação, Revista do Portal Jurídico Investidura. Participação na Rádio Justiça. Podcast SHSPJORNAL

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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