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A concreção da pessoa jurídica na visão de Pontes de Miranda

22/07/2015 às 11:11
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Trata-se de abordagem de importante referencial à compreensão da existência autônoma, real e independente da pessoa jurídica.

RESUMO:  Trata-se de abordagem de importante referencial à compreensão da existência autônoma, real e independente da pessoa jurídica. O texto apresenta, de forma prático-objetiva, os principais matizes que Pontes de Miranda utiliza para delinear a concreção e fortalecer a existência deste ente coletivo de peculiaridade inquestionável.

Palavras-chave: Pessoa, ato e fato jurídico.


INTRODUÇÃO

Os primeiros passos pela interminável trilha da escola jurídica se mostram suficientes para soerguermos Pontes de Miranda como o literário de importância e influência supremas no cenário do direito contemporâneo nacional e até mundial.

Seu espírito múltiplo, alicerce do operador jurídico entalhado sob o bojo de uma concepção progressiva e científica, nos contamina pela descoberta do Direito antitotalitarista, de inspiração filosófica, preocupado com a ética, e revelador da democracia como nascedouro da verdadeira liberdade.

Pontes de Miranda foi tudo. Foi poeta, humanista, filósofo, jurista, cientista... Por isto que, para os operadores do Direito, Pontes de Miranda é imortal. Conscientes da imortalidade do Embaixador da Cultura [01] buscamos solidificar, no alpendre de suas lições, nosso entendimento sobre um tema de estudos intermináveis, dúvidas crescentes e teorias polêmicas: a pessoa jurídica. [02]

Para tanto, não queremos ingressar na desventura de rever posições ultra-seculares, mas apenas apresentar a pessoa jurídica como um ente ambilátero, cuja constituição é conceitualmente reconhecida pelo mundo do Direito, mas que não deixa de ser verídico no mundo dos fatos.

Nossa análise é dinâmica, tem o alicerce da praticidade jurídica e, a partir da relação sujeito de direito-pessoa, procura revelar que esta criação do Direito é tão real quanto o próprio Homem e, a exemplo dele, tem fato gerador determinante da incidência da regra jurídica como fenômeno da mutação sujeito-pessoa.


SUJEITO DE DIREITO E PESSOA: DA CONDIÇÃO DE TITULAR DE DIREITO A EXISTÊNCIA COMO FATO E ATO JURÍDICO.

Inicialmente, não podemos ocultar que Pontes de Miranda ajusta a necessidade de estudar-se primeiro o sujeito de direito, para então invadir-se a seara da pessoa. [03] Este pronunciamento se mostra ademais de coerente, necessário, quando observamos que o sujeito de direito é o ente apto ao exercício da titularidade de direitos e obrigações, independente de ser ou não pessoa.

Em vigília à dinâmica das relações jurídicas, podemos dizer que o Direito permitiu que a efetividade de um interesse recaísse, também, sobre um ente incorpóreo, necessário à instrumentalidade das relações sócio-econômicas-jurídicas de maior complexidade.

Deste modo, e com generalidade, identificamos o sujeito de direito como "o centro de imputação de direitos e obrigações referido em normas jurídicas com a finalidade de orientar a superação de conflitos de interesses que envolvem direta ou indiretamente" [04] o Homem. É, em síntese, o sujeito de direito que encarna, na trajetória do mundo do direito, o sujeito da pretensão, o sujeito da ação e o sujeito da exceção: ser sujeito implica em titularidade e não exercício. [05]

Na ótica de Pontes de Miranda, o sujeito de direito é a efígie "que figura ativamente na relação jurídica fundamental ou nas relações jurídicas que são efeitos ulteriores". [06]

Para o inolvidável literário, ser sujeito de direito é estar em relação de direito, como decorrência do ser titular de direitos. "Não importa se esse direito está subjetivado, se é munido de pretensão ou ação, ou de exceção. Mas importa que haja direito". [07]

Assim sendo, existindo direito, a pessoa surge para titularizá-lo, tornando-se sujeito de direito. E dissemos que surge, porque na órbita do mundo dos fatos não há de cogitarmos a existência da pessoa, que é obra do Direito, e pode representar tanto um fato como um ato jurídico.

A pessoa tida como um fato jurídico é a pessoa humana, cujo ingresso no mundo jurídico provém de fatos eminentemente naturais, não co-relacionados com atos humanos. O ser humano intra-uterino, enquanto projeto elementar do Homem, não se escuda sob o perfil jurídico do ser pessoa, porque o fato jurídico determinante da sua consideração, pelo Direito, é o nascimento com vida. Para o mundo jurídico o ser pessoa humana implica, antes de tudo, o ser Homem vivo, independente do lapso temporal que medeia o nascer com vida e o perecimento.

Por outro lado, a pessoa representativa de um ato jurídico é a pessoa jurídica, uma vez que sua existência não está condicionada a nenhum fenômeno natural, e aparece na esfera do Direito como decorrência da exteriorização consciente de vontade do Homem, "dirigida a obter um resultado juridicamente protegido ou não proibido e possível". [08] Ao constituírem a pessoa jurídica "os homens praticam atos prévios, que são o dado fático, com que operam". [09] É sobre a consecução do ato volitivo que incide a regra jurídica que faz nascer um ente derivado da manifestação coletiva de vontades.

Observada uma e outra, parece-nos oportuno assinalar que, se o reconhecimento da pessoa humana está condicionado ao nascimento com vida, como fato gerador de sua juridicidade, a existência uterina ressalva-lhe certos direitos que o titulariza na qualidade de sujeito. Sob outro prisma, resulta cristalino que a conjugação de vontades provoca, por si só, o surgimento da pessoa coletiva, dita jurídica, cuja titularidade sobre direitos está assegurada no universo fático, independente do alcance da capacidade de exercício.

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Não queremos, com isto, provocar confusão ou debate acerca da capacidade de exercício de ambas, mas tão somente revelar que tanto a jurídica como a humana pré-existem no mundo dos fatos sob o perfil de sujeito de direitos.


O SER PESSOA JURÍDICA: PRONUNCIAMENTO CONCLUSIVO.

Ao verificarmos que a pessoa é criação do Direito, resulta evidente que a discussão sobre serem reais ou não as pessoas jurídicas, mostra-se temática ultrapassada, uma vez que o conceito de realidade se desenvolve no mundo dos fatos.

No mundo jurídico não se questiona sobre a irrealidade do ente, mas sobre a juridicidade do sujeito-pessoa.

Tanto é assim que Pontes de Miranda salienta que as teorias da pessoa jurídica "são perspectivas do mundo fático, que apanham parte do mundo jurídico, mas somente porque o conceito de pessoa jurídica é conceito do mundo jurídico". [10] Para o Direito a pessoa jurídica é tão real quanto à física e como ela pode ser sujeito de direitos e obrigações.

Derivada da manifestação de vontade de uma ou mais pessoas, a pessoa jurídica tem existência autônoma que lhe permite ser titular de direitos e obrigações de forma independente, não confundindo seus atos com os praticados pelas pessoas que a compõem ou dirigem. Mesmo que desenvolva relação jurídica com qualquer dos seus integrantes, sua condição de pessoa é preservada, e o membro que trata com ela não celebra consigo mesmo. Da mesma forma, as relações celebradas com terceiro são independentes, e aquele que pactua com a pessoa jurídica o faz com ela própria, e não com os sócios.

A exemplo da prática autônoma de atos jurídicos, pela pessoa humana capaz ao exercício de direitos, a pessoa jurídica também goza desta aptidão, desde que a vontade dos sócios se formalize em documento escrito que deverá ser registrado em órgão específico. Este ato publicizatório determina o nascimento legal da pessoa jurídica, necessário à outorga do atributo da capacidade de exercício: a personalidade jurídica. A partir de então, e como pessoa que é, a pessoa jurídica tem capacidade de direito que lhe autoriza a celebração negocial, à prática de atos jurídicos stricto sensu, de atos-fatos jurídicos e de atos ilícitos.

Enquanto a pessoa humana capaz expressa sua vontade de forma natural, a pessoa jurídica o faz através de órgãos que, ao contrário de representá-la, a fazem presente na relação jurídica. É assim que a pessoa jurídica não é representada ou assistida, como acontece com a pessoa humana incapaz absoluta ou parcialmente. Sua existência legal presume a existência de órgãos de presentação que resguardam poder de discernimento sobre o certo e errado. São os órgãos que exprimem a vontade, que dirigem, e que resolvem conflitos de qualquer espécie.

O ser pessoa jurídica é ser de existência jurídica. Vociferar no sentido do ficcionismo de sua existência é subtrair do cenário jurídico os elementos indispensáveis à confirmação do sujeito-pessoa não humano. Isto, s.m.j., é um retrocesso perigoso, desnecessário, e inculto.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1986

MONTEIRO, Washignton de Barros. Curso de Direito Civil. Parte Geral. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 1964.

PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito privado. Parte Geral. Tomo I: Introdução. Pessoas físicas e jurídicas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977.

ULHOA COELHO, Fábio. Curso de direito civil. V. 1. São Paulo: Saraiva, 2003.


NOTAS

01.Merece nosso reparo inicial para anotar que, dentre tantos cargos e funções que desempenhou no contexto jurídico-político brasileiro, Pontes de Miranda absorveu até os últimos dias o perfil e alma do Embaixador da Cultura, título que mais feliz e realizado lhe fez.

02.Referindo-se à pessoa jurídica, MONTEIRO é incisivo no sentido de que "já se disse algures tratar-se de tema tormentoso, fascinante e sempre novo, devido a suas múltiplas, variadas e modernas aplicações. Cada dia que passa, novos e imprevistos horizontes se descortinam nesse proteiforme instituto jurídico" (MONTEIRO, Washignton de Barros. Curso de Direito Civil. Parte Geral. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 1964, pág. 100).

03.PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado. Parte Geral. Tomo I: Introdução. Pessoas Físicas e Jurídicas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977, pág. 153.

04.ULHOA COELHO, Fábio. Curso de direito civil. V. 1. São Paulo: Saraiva, 2003, p.138.

05.O ser sujeito não é parâmetro de conflito interpretativo com o exercício do direito, exercício da pretensão, exercício da ação ou exercício da exceção, cuja lei ou ato jurídico podem remeter à outro ente.

06.PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito privado. Parte Geral. Tomo I: Introdução. Pessoas físicas e jurídicas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977, pág. 160.

07.Ibid., pág. 153.

08.MELLO, Marcos Bernardes de. Teoría do fato jurídico. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1986, pág. 147.

09.PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito privado. Parte Geral. Tomo I: Introdução. Pessoas físicas e jurídicas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977, pág. 281.

10.Ibid., pág. 280.Leia mais: http://jus.com.br/artigos/7246/a-concrecao-da-pessoa-juridica-no-discurso-de-pontes-de-miranda#ixzz3fuzugNhi

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Sobre o autor
Gustavo de Castro Neves

Advogado, Pós-Graduando em Direito e Processo do Trabalho.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NEVES, Gustavo Castro. A concreção da pessoa jurídica na visão de Pontes de Miranda. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4403, 22 jul. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/40955. Acesso em: 24 dez. 2024.

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