A correta utilização do dano moral poderá ser a mola propulsora para desemperrarmos o sistema judiciário:análise de lead case

16/07/2015 às 13:32
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Temos defendido a tese de que, com urgência, o Poder Judiciário deve atentar para o fato de que grandes conglomerados econômicos tem lucrado, e muito, com a ineficácia da Justiça. A aplicação correta do conceito de responsabilização civil àquele que comete um ilícito grave é, com certeza, uma das mais relevantes e eficientes formas de impedir que isso ocorra, a exemplo do que já acontece nos EUA.

O Problema:Um dos principais problemas que acomete ao Sistema Nacional de Distribuição de Justiça [nos valemos deste termo por ser um conceito mais amplo que falarmos em Sistema Judiciário, pois quando usamos o termo “distribuição de justiça” também cogitamos mediações, conciliações extrajudiciais e arbitragens, além de procedimentos de execução extrajudicial] é o volume absurdamente alto de demandas que vão ao judiciário e não são resolvidas pelo simples fato de que, anualmente, são distribuídas mais ação do que o número de ações que são resolvidas.

Aqui já fazemos um pequeno, mas importante parêntese. Nossa Justiça [e descabe para este estudo do porque assim o faz, mas o que importa é que isso, de fato, ocorre] lamentavelmente maquia os números. Verificando o texto legal do Tribunal de Justiça de  SãoPaulo [http://www.tjsp.jus.br/Download/PrimeiraInstancia/PDF/AnexoVIIManualGestaoDocPoderJudCNJ.pdf] verificamos que para fins estatísticos as ações extintas sem a análise de mérito, quando tem certificado o seu trânsito em julgado, são classificadas e indexadas como ações finalizadas. Sabemos que ações extintas sem o julgamento do mérito [e diversos são os motivos que podem levar à extinção de um processo nos termos do artigo 267 do Código de Processo Civil, dentre eles a inépcia do advogado ao formular o pedido, ausência do recolhimento de custas pelo cliente, ou até mesmo – e bastante freqüente – um rigor excessivo do Magistrado na análise das condições processuais da ação]normalmente são repropostas sendo sanados os vícios que ensejaram a sua extinção, gerando um trabalho duplicado para a Justiça e para as partes em relação àquele processo [tomando o termo processo como relação de Jurídica Imaterial de Direitos e Obrigações entre as partes].

Voltando ao ponto anterior, grande parte deste problema reside no fato que o nosso Poder Judiciário tem “em estoque” aguardando julgamento algo em torno de [em números de 2.011] 90.000.000 [noventa milhões de processos] segundo estatística publicada pelo Superior Tribunal de Justiça inhttp://stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=107545, Naquele ano [2.011] todos os órgãos do Judiciário Nacional receberam um total de 26.200.000 (vinte e seis milhões e duzentos mil) novos processos, o que nos dá uma média diária de 71.732 [setenta e um mil e setecentos e trinta e dois] processos novos a cada dia.

No website do Superior Tribunal de Justiça, ao interpretar os números, aquela Corte, com razão, classifica a sociedade brasileira como extremamente litigante, no que está correta, como veremos abaixo:

“O Brasil atingiu em 2011 a marca de 90 milhões de processos judiciais em tramitação. Desse total, 26,2 milhões foram casos novos levados aos tribunais por uma sociedade que se tem mostrado altamente litigante. Para fazer frente a tamanha demanda, o Poder Judiciário contabilizou despesa de R$ 50,4 bilhões – quase 90% desse montante gastos com recursos humanos.”

Adiante neste texto, nos ateremos a excessivo grau de litigiosidade do brasileiro. Na realidade, a nosso ver, a interpretação do STJ é falha. A população em si não é tão litigante quanto se imagina, simplesmente porque pouco confia no Judiciário, o grande problema, e isso também caracteriza uma postura litigante, advém de grandes conglomerados econômicos e o próprio Estado que utilizam o processo judicial como meio de retardar, dolosamente, o cumprimento de suas obrigações. Contudo, este tema será abordado mais adiante neste Estudo.

Voltando ao tema do congestionamento do Poder Judiciários, em todas as suas esferas e em todas as suas instâncias, está no fato de que ano a ano o volume de novas ações em relação às que são encerradas aumenta a uma taxa de 3,4% [fonte:http://g1.globo.com/política/noticia/2014/09/estoque-de-processos-na-justiça-cresce-em-media-34-ao-a.... Assim, dos 26,2 milhões de ações que foram ajuizadas no ano 2.011 este número crescerá em quase 900.000 ações no ano seguinte e assim crescendo de forma exponencial. Assim, no ano de 2.021 a taxa de ações não finalizadas em relação a de ações novas será de 1.300.000 por ano e em crescimento. Isso sem contarmos que aumentando o volume de ações não solucionadas em relação às demandas novas, a tendência da, supracitada, taxa de 3,4% será a de elevar-se.

O emperramento da máquina judiciária, além de frustrar o cidadão lesado em seus direitos, afeta a vida econômico-negocial do país como um todo e, além de tudo, afasta o investidor sério e responsável, isto é, aquele que pretende investir em projetos de longo prazo e atraí capital especulativo [atualmente nem capital especulativo mais está vindo para cá]. Em palavras simples a demora para a conclusão de uma demanda judicial no Brasil faz com que o investidor externo fique receoso em aqui investir [ver mais in: http://www.conjur.com.br/2011-fev-27/tributos-instaveis-lentidao-justiça-afastam-investimentos-pais].

Em termos gerais, o país vive um grande áporo: ou derrotamos as saúvas, ou as saúvas nos derrotam. Algo tem que, com urgência, ser feito para que nosso PIB não entre em derrocada [não podemos nos esquecer que a, hoje cambaleante, Argentina já esteve entre os 10 países mais ricos do planeta – in:http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1562 –] e esse “algo” necessariamente passará pelo Poder Judiciário. Não necessariamente por uma reforma do poder judicante [embora não seja sacrilégio discuti-la], mas, sim, através de uma mudança de postura por parte de seus integrantes no julgamento dos processos sob suas responsabilidades.

O problema do Judiciário não é a receita que tem, tampouco o número de Juízes por cidadão: Antes de adentrarmos propriamente no tema “Dano Moral” o qual é objeto deste estudo, devemos anotar que muito embora possamos ter a impressão de que a culpa da morosidade da Justiça seria do baixo valor investido na mesma por habitante, ou ainda, de uma eventual pequena quantidade de Magistrados para servir a população se fizermos uma breve comparação com países Europeus, com Estados Unidos da América verificamos que os investimentos em Justiça no Brasil são altos, o número de Magistrado também é satisfatório.

No ano de 2.010, o Poder Judiciário pátrio, em todas as suas instâncias, gastou o equivalente a R$ 41bilhões de reais, ou o equivalente a 1,12% do PIB nacional daquele ano [fonte – Revista Democracia Digital e Governo Eletrônico – ISSN 2175-9391 –, número 8, página 73-92, 2013.]. É claro que a conversão dos valores para dólares americanos dependerá um pouco das condições econômicas atuais [e as nossas, no momento, encontram-se bastante fragilizadas], mas naquele ano o custo per capta do Judiciário foi de R$ 212,37; ou o equivalente a 127,46 dólares americanos por habitante, ao passo que a média dos países integrantes da União Europeia foi de 54,95 dólares americanos.

Poucos países europeus [e que são riquíssimos, diga-se de passagem] investem mais que o Brasil em seu sistema judicial. Mônaco, Luxemburgo e Suíça, por exemplo, investem uma média de quase 180 dólares americanos por habitante.

Contudo, a análise fria desses números pode ser traiçoeira. Esses países, mormente a Suíça, estão entre aqueles com custo de vida mais altos do planeta. No “índice Big Mac” que utiliza o preço do fast food para aquilatar o poder de compra das moedas dos países em relação à media de ganho da população, o lanche com maior preço do mundo fica com os suíços (US$ 7,54) enquanto a Ucrânia tem o mais barato (US$ 1,20). [Fonte: http://veja.abril.com.br/noticia/economia/brasil-temoquarto-big-mac-mais-caro-do-mundo-confiraor...]

Sendo extremamente elevado o custo de vida nesses países, é natural também que as despesas com administração dos tribunais e afins acabe, também, ficando proporcionalmente mais alta.

Contudo os argumentos supracitados poderiam ser refutados em razão do fato do Brasil ser um país de dimensões continentais. Não é bem assim. Os EUA que tem um território maior que o nosso e são a nação mais rica do planeta [PIB da ordem de US$ 18trilhões ao ano] tem um judiciário com custo mais baixo que o nosso, apenas para a título de ilustração, o salário médio de um Juiz nos EUA, isso no ano de 2.008 era de US$ 102.000; ao passo que no Brasil era de US$ 142.000,00 [Juiz Estadual em Primeira Instância]. [Fonte:http://www.jurisite.com.br/doutrinas/Trabalho/douttrab171.html].

Será de crucial importância, para o assunto que tratamos neste artigo, compararmos o sistema estadunidense com o nosso.

Em suma, como este não é o tema do nosso estudo, estes breves comentários, os quais merecem melhor explanação num momento apropriado, nos mostram, de forma difícil de contestar, que o Brasil gasta mal os recursos destinados ao Poder Judiciário, nosso problema não é, em si, nem a quantidade de magistrados por habitante, tampouco o volume de recursos gastos com a Justiça.

Nosso problema também não diz respeito a qualidade dos Juízes, menos ainda das leis elaboradas: Se o problema não é, então, da estrutura do Poder Judiciário, seria então, da qualidade técnica das decisões proferidas pelo Magistrados? Seria então, nosso problema ligado a má-técnica legislativa?

Muito embora a resposta às duas questões acima formuladas seja muito subjetiva, uma vez que não há como medir-se tecnicamente o que é ou não uma lei boa, ou o que é, ou não uma sentença boa ou ruim, a prática diária nos mostra que grande parte das sentenças que vem dos Foros em São Paulo, e, por vezes, no resto do Brasil, tem em seu bojo, um ótimo conteúdo intelectual. Com as leis não ocorre algo diverso. Muito embora o Brasil admita a excrescência de eleger e reeleger um parlamentar sabidamente analfabeto [e esse não é, definitivamente, o mote deste ensaio] o fato é que mesmo que o nível dos nossos congressistas deixe a desejar, é sabido que na elaboração das leis frequentemente os mesmos são assessorados por juristas de escol.

Tanto assim o é que diversas leis nacionais, como nosso Código FlorestalCódigo de Defesa do ConsumidorEstatuto da Criança e do Adolescente, são consideradas por especialistas como as leis mais modernas do planeta.[fonte:http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2011-05-08/legislacao-ambiental-brasileiraeuma-das-mais-modernas-do-mundo-diz-especialista].

Na realidade, o problema é bem diverso. Reside no fato que vem se tornando vantajoso economicamente a grandes conglomerados econômicos retardar dolosamente o processo com o intuito de, com isso, obter vantagem financeira.

Expliquemos melhor: Bancos, ainda que não exista correta previsão legal expressa autorizando, cobram juros compostos de seus clientes, ao passo que numa condenação judicial os juros legais de 1% ao mês são contados de forma simples, e não capitalizada.

(Na verdade, até existem arremedos de normas absolutamente inconstitucionais, diga-se de passagem, visto que qualquer norma regulamentadora do mercado financeiro-bancário deve ser regulamentada por Lei Complementar à Constituição; mais, ainda que tal norma viesse a ser criada poderíamos estar falando de uma norma constitucional que vai de encontro à Constituição, por ferir preceitos fundamentais, como, por exemplo, a Dignidade da Pessoa Humana. Contudo, esse não é, por este momento, o objeto deste artigo.)

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Em termos reais isso significa que, por exemplo, no processo número 0134758-58.2010.8.26.0100, que tramita no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, o Banco “S.” fora condenado a devolver para um cliente [que teve R$ 250.000,00 descontados indevidamente de sua conta bancária] a quantia equivalente ao dobro daquele valor, mais honorários advocatícios de 20% e juros de 1% ao mês contados da citação. Na prática, como a citação aconteceu há cinco anos se considerássemos, para não perdermos tempo com cálculos desnecessários, a inflação do período como de 0% estaríamos falando que o débito desta Instituição Financeira naquele processo seria de [R$ 250mil x 2 [condenação a devolução em dobro] x 1,60 [sessenta meses de juros simples] x 1,2 [20% de verba sucumbencial] = R$ 960mil]; contudo, imaginemos, por outro lado, que o Banco S resolvesse depositar em juízo [contestando as penalidades impostas pela legislação consumerista] a quantia incontroversa de R$ 250.000,00. Ao longo dos 60 meses de processo a referida Casa Bancária não teria ao seu dispor aquele numerário para emprestar a tomadores de crédito. Tomemos por base um juro no cheque especial [e sabemos que é bem maior que o que mencionaremos] de 3% ao mês cobráveis de forma capitalizada. Aplicando-se ao caso a função exponencial n [similar ao que ocorre com a Tabela Price] ao longo de 60 meses a lucratividade obtida com o dinheiro tomado compulsoriamente do cliente seria de nada menos que: R$ 1.472.900,00 [um milhão e quatrocentos e setenta e dois mil e novecentos reais]. Noutras palavras, isso significa que, mesmo perdendo o citado conglomerado econômico ganhou.

Podemos citar, ainda, mais dois emblemáticos casos: 1) No processo [que tramitou perante o Juizado Especial Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo, sob o número 000.04.708.912-1] que RMP move em face de E. I., no qual uma senhora idosa fora submetida a assédio moral por empresa de prestadora de serviços de telefonia, a qual ameaçou a autora daquela demanda com possibilidade de negativação, caso não pagasse dívida nunca contraída com aquela em empresa. O magistrado que julgou aquela demanda, numa das mais sábias decisões que já vimos num processo judicial anotou que infelizmente o rito da Lei 9.099 de 1.995 não lhe permitia condenar a empresa em limite superior a 40 salários-mínimos, contudo considerando a gravidade do ato lesivo fixou a indenização no limite do Juizado Especial Cível e fixou verbas de sucumbência em 20% sobre o valor da condenação. Citamos abaixo entrecho da sentença:

“É possível constatar a enorme dificuldade para a autora ser ouvida pela empresa requerida e para conseguir discutir o débito de R$ 122,68 que a empresa requerida de forma insistente, cansativa e contrária a todas as reclamações continuou a cobrar da autora.[...] Bom, considerando-se a contradição com os expressos termos da contestação e com as dezenas de correspondências enviadas pela ré a autora, posso concluir que a empresa autora não é séria. [...]Considerando-se a gravidade dos fatos objeto dessa ação, a negligência da empresa requerida e o descaso para com o consumidor, entendo que o pedido de indenização por danos morais seja integralmente legítimo. O valor pretendido pela autora é a meu ver até mesmo pequeno e não recompõe a situação ao estado anterior. Servirá apenas como consolo para a autora. [...] Por estas razões, JULGO PROCEDENTE esta ação e condeno a ré a pagar para a autora a indenização por danos morais e R$ 10.400,00. Condeno a ré como litigante de má-fé na forma do artigo 17, II do CPC e condeno a ré em custas processuais e honorários advocatícios que fixo em 20% (vinte por cento) sobre o valor da causa, na forma do artigo 55 da Lei 9.099/95.”

A Colenda Turma Recursal, quando do julgamento do caso, não apenas manteve na íntegra a decisão de primeiro grau, como também fixou honorários sucumbenciais por má-fé na fase recursal, somando a integralidade da sucumbência em 30% sobre o valor total da condenação de 40 salários-mínimos. Isso em moeda de hoje corresponderia a algo em torno, considerando o salário-base em R$ 788,00, ao equivalente a 56 salários, ou a quantia de R$ 44.128,00. [Como nossa economia anda, infelizmente, cambaleante, com uma probabilidade muito realista de uma volta da espiral inflacionária, achamos prudente – e também o seria que todos os autores de artigos de textos jurídicos/científicos também o fizessem – convertemos este valor para dólar americano, cuja cotação nesta data é de R$ 3,28. Noutras palavras, a indenização a que fora US$ 13.453,65 (treze mil e quatrocentos e cincoenta e três dólares americanos e sessenta e cinco centavos)].

Sobre aquela condenação fizemos um comentário em nosso livro, Direito e Democracia – Ordem Constitucional x Neoliberalismo, no qual, apesar de exultarmos a qualidade técnica, além da aguçada percepção de como o abuso do poder econômico, quando praticado por uma grande corporação, pode ser pernicioso à Ordem Jurídica, demonstramos que enquanto sentenças como aquelas forem trevos-de-quatro-folhas em nosso Sistema Judicial, o Direito continuará a ser, como de fato o tem sido, desrespeitado. Citamos entrecho do artigo escrito:

“[...]Analisemos que os fatos que ensejaram a ação aconteceram há 36 meses[...]. O Juiz de primeiro grau determinou o pagamento de juros simples de 1% ao mês desde a citação. Esta empresa de telefonia pode investir este valor a taxas, no mercado financeiro, de até 2% ao mês de forma capitalizada. No processo cível, na pior das hipóteses, a operadora perderá a importância de R$ 12.000,00 (40 mínimos) + R$ 2.400,00 (20% de honorários por litigância de má-fé) + R$ 1.728,00 (12% de juros simples – 1% ao mês por um ano) o que totaliza R$ 16.128,00.

Por outro lado, se a operadora houvesse aplicado esse valor no mercado financeiro, a 2% ao mês de juros compostos, obedecendo a fórmula Vf = Vi x (1+i) n (onde “Vf” é o valor final, “vi” o valor inicial; “1” é constante da fórmula; i a taxa de juros e n é o período no qual ela será cobrada, temos que a empresa auferiria a renda de R$ 24.487,64, ou seja, R$ 8530,54 a mais do que o que seria devido num processo judicial.

Isso, se todos os consumidores lesados aforassem ações, todas as ações fossem ganhas no teto do Jepec, e em todas ações ganhas fosse a empresa condenada como litigante de má-fé, em nenhuma delas o recurso de apelo fosse provido. Imaginemos agora, qual a probabilidade de que isso ocorra.

Vamos, na falta de dados estatísticos, supor que o número de consumidores lesados que ajuízem ações seja de 30 em cada 100, a meu ver este é um número otimista. Vamos supor que das ações propostas, numa projeção mais otimista ainda, 50 em cada 100 ações sejam ganhas, número exagerado [...]. Imaginemos que das ações ganhas, 20 em cada 100, a indenização seja concedida em seu teto máximo. Mais ainda, sobre a litigância de má-fé, considerando que em mais de 2.000 processos que atuei até hoje, não vi mais do que 10 vezes esta condenação ocorrer, podemos inferir que a chance da mesma ser imposta seja, realisticamente, de 2%; ou seja, 2 em cada 100. Sobre a litigância de má-fé ser concedida em seu grau máximo é de 30%. Mais ainda, que de cada 100 recursos interpostos pela empresa 20 sejam providos totalmente (20/100); e outros 30, parcialmente, para diminuir o valor da indenização, 30/100. Traduzindo o parágrafo acima para uma equação de primeiro grau temos a seguinte fórmula:

X [probabilidade de um evento análogo repetir-se] = 30/100 x 50/100 x 20/100 x 2/100 x 30/100 x 20/100 x 30/100 = 0,00108% = aproximadamente = 1/100.000.

Por outras palavras, a cada 100 mil consumidores lesados, essa operadora de telefonia será condenada apenas, da forma como ocorreu no processo, em apenas um dos casos. Isso em termos práticos, nada significa. Empresas como esta lucram, e muito, com a morosidade da Justiça e a Judicialização de seus débitos.”

O segundo caso que, ao nosso ver, merece bastante destaque é uma sentença do da Primeira Vara Cível da Comarca de Porto Velho [processo número 0022862-27.2010.8.22.0001] no qual o B. I. S/A [uma das maiores Instituições Financeiras de Direito Privado em atuação no território nacional] fora condenado em danos morais, por negativação indevida contra um cliente seu, na quantia de R$ 100.000,00 [aproximadamente US$ 30.500,00] por negativar, de forma indevida, um cliente seu. Neste caso, tão importante quanto o valor da condenação é a fundamentação da mesma. Vejamos abaixo:

“[...] O dano moral é evidente e o pedido deve ser julgado procedente. As ações de indenização por negativação indevida têm sido constantes nas Varas Cíveis, ocupando aproximadamente 30% dos processos em trâmite neste Estado. Verifico que a fixação do valor da indenização em R$ 5.000,00 (Cinco mil reais) não tem surtido o efeito pedagógico desejado, pois o volume de processos idênticos por erro dos bancos não diminuiu.

É inadmissível que o Poder Judiciário esteja sendo utilizado como órgão de Consultoria destes Bancos e Empresas de Telefonia, pois torna-se muito mais barato custear condenações judiciais em valor pequeno, sem ter que contratar mais funcionários e montar um setor jurídico para impedir que os problemas aconteçam.[...]”

Esta é uma realidade que está estampada na face da sociedade. Infelizmente [felizmente para os grandes conglomerados econômicos] Advogados, Juízes, Promotores Públicos e demais operadores do Direito muitas vezes, dizem até com certo orgulho, ter ojeriza à Ciência Matemática, o que faz com que ela não seja tão facilmente percebida.

Análise de Lead Case – Ford Modelo Pinto

Nos anos 70, tanto em razão da crise do petróleo, o que obrigava as montadoras dos EUA a por no mercado modelos menores, mais baratos, e econômicos, obrigou a Ford, mas também outras como General Motors, AMC [atualmente extinta] e Chrysler fizeram o mesmo. Essa necessidade nasce tanto da crise do petróleo, no momento em que a OPEP decide aumentar o valor do barril, tornando àquela época inviável a manutenção de carros com enormes motores com 8 cilindros em v e mais de 5.000 cilindradas [centímetros cúbicos – cc3], quanto da entrada no mercado americano de veículos japoneses e europeus, principalmente alemães de baixo custo e suecos.

Se fazia então, urgente para a companhia o lançamento de um veículo que atendesse tais especificações, e que custasse em moeda da época, algo equivalente a US$ 2.000,00 [dois mil dólares americanos]. O modelo Pinto seria a resposta da Ford contra Toyota, Volkswagen, Honda, Volvo e Saab [que já ofereciam em solo americano carros pequenos e de baixo custo].

Contudo, a pressa no lançamento do modelo, bem com a necessidade imperiosa de que ele custasse o mínimo possível acabou por traduzir-se numa das maiores [e mais irresponsáveis] tragédias já ocorridas na indústria automobilística mundial. Citamos entrecho do blog: http://eticafordpinto.blogspot.com.br/ [fizemos uma tradução livre do texto, contudo, para a leitura do mesmo em espanhol basta acessar ao blog supracitado]:

“[...] Em 1970, Lee Iacocca assume a presidência mundial da Ford. Havia crescido a demanda por carros pequenos devido à crise do petróleo. Como resultado, fora eleito o objetivo dos 2.000. Os carros deveriam pesar menos de 2.000 líbras e custar menos que US$ 2.000,00. Isto significava baixar preços onde fosse possível e cortar custos de produção. Iacocca acreditava que isso era necessário para competir com a indústria japonesa. Pressão: A cada não de realizam salões do automóvel com os veículos que serão lançados no mercado. Iacocca queria que o Ford Pinto integrasse o showroom da Ford no ano de 1.971. [...] Isto significou um prazo de apenas 25 meses para se desenvolver o conceito e a produção do novo carro, quando, normalmente, esse processo toma em torno de 45 meses. Aqui começam a nascer os problemas. [...] Iacocca exigia que os trabalhadores entendessem as metas a serem alcançadas pelo veículo e seguissem trabalhando. Os objetivo citados estavam escritos num manual verde. Ali se listavam tudo o que devia ser cumprido por aquele produto. Cabe citar que a segurança não estava na lista, vez que Iacocca afirmava que ‘segurança não vende’ [...] Os carros começaram a ser produzidos, à medida que fizeram provas de impacto, os técnicos que os supervisionavam percebiam sérios problemas com os tanques de gasolina, que, em 40 protótipos testados, rompiam-se com impactos a 40,23 quilómetros por hora. No futuro, contudo, prepostos da Ford teriam negado sob juramento que tais testes teriam se realizado. [...] Ademais, se considerou utilizar um tanque de combustível mais seguro, pertencente ao Modelo Capri, o qual havia passado em todas as provas de colisão; contudo, essa peça não fora utilizada.[...] Apesar dos problemas incontestáveis, a empresa decidira seguir adiante com a produção dos automóveis já que estavam prontos quando se apresentaram os problemas. O que foi levado em consideração tanto para não se alterar o modelo de veículo, como, tampouco, para deixa-lo mais seguro foi uma análise de custo e benefício realizada. [...] Em 1973 circulou entre o alto comando da Ford Motor Company um memorando onde se analisava, sob a ótica estritamente financeira, a adaptação dos veículos vendidos, em vista de serem susceptíveis de incêndios após colisões. Segundo o parecer, o custo de contactar cada cliente e reparar os problemas técnicos com os tanques, seria de US$ 11,00 por veículo, o que geraria para a empresa uma despesa estimada de US$ 137.000.000,00 (cento e trinta e sete milhões de dólares americanos). Todavia, um cálculo apresentado no memorando, dizia que o volume provável de acidentes com os veículos, tomando-se por base o valor médio das indenizações, nos casos de mortes, queimaduras e danos a saúde, traria para a empresa um prejuízo da ordem de US$ 49.500.000,00 (quarenta e nove milhões e quinhentos mil dólares). Assim, de acordo com o escritório de Iacocca não era razoável a Ford gastar US$ 137.000.000,00 para evitar um prejuízo de US$ 49.500.000,00.[...] Constatada a má-fé corporativa, em alguns dos casos como no caso Grimshaw x Ford, nos quais uma família inteira ou morreu ou ficou gravemente mutilada, os danos compensatórios foram fixados em US$ 2.516.000,00 e os danos punitivos foram ajustados em US$ 125.000.000,00 (cento e vinte e cinco milhões de dólares americanos) tornando, dessarte, ineficaz a estratégia financeiro-comercial estabelecida por Lee Iacocca.[...]”.

Desnecessário dizermos que esses eventos culminaram com a demissão de Lee Iacocca. Caso a Ford fosse condenada culpada no processo criminal, ao invés dele ser o admirado executivo que é, provavelmente teria passado o fim de seus dias cumprindo pena (o que também seria motivo para outro ensaio).

Dano moral – Aspecto Sancionatório e a busca por um capitalismo ético: Muito embora se discuta, arduamente na Doutrina, a natureza jurídica exata do dano moral, o que temos é que, independentemente do nome que se lhe dê, na verdade o dano moral é uma punição que o Judiciário confere a quem comete o ato ilícito.

Essa punição tem, em última análise, o condão de demonstrar os comportamentos que, ainda não expressamente regulamentados pela lei, o Estado-Juiz, dentro da função que lhe é atribuída de pacificação das relações sociais.

Aliás, sob o mesmo enfoque publicamos em maio de 2002, artigo na Revista de Direito Civil e Processual Civil, na Editora Síntese no qual já traduzíamos a mesma ideia. Vejamos:

“[...] Contudo o maior vetor da indenização pelo dano moral é o aspecto sancionatório em si. [...] Em primeiro lugar, se analisarmos etimologicamente a palavra indenizar descobriremos que o seu significado literal é apenas um: tornar indene, o que nada mais é do que restituir alguém ao estado anterior ao evento danoso. Quem sofre o dano moral não retorna ao antigo establishment.[...]. Na realidade, não se indeniza apenas para que se compense a dor. [...] Tal indenização é devida, sobretudo para que eventos análogos não voltem a ocorrer.[...]”

Tendo em mente este objetivo que entendemos ser o crucial na reparação dos danos morais, qual seja, o de dissuadir o agressor de novos e iguais atentados, temos que a prática do ato ilícito não pode, sob aspecto algum, ser menos custosa que as medidas necessárias para evitá-lo.

Nos casos citados, tanto no julgamento proferido pelo Magistrado rondoniense, quanto no caso da operadora de telefonia, e, principalmente, no caso do veículo que apresentava risco de vida aos seus ocupantes tornar-se evidente que condenações que sejam menos onerosas do que o “procedimentos necessários para evitar ou minimizar o dano” não induzem as empresas a praticarem um capitalismo ético.

Quem sofre com isso, além de da sociedade, consumidores, hipossuficientes, mas, também o próprio mercado, pois, como diria o Filósofo italiano Balsassare Castiglione, “perdoando-se demais quem erra, estamos punindo quem não erra”. É exatamente este o conceito que, com urgência, tem que ser absorvido pela Doutrina e – muito principalmente – pela Jurisprudência que é quem, em última análise, dita o Direito. Para um banco e/ou companhia telefônica, prestar um bom serviço, que evite, por exemplo, enviar-se ao SERASA alguém que já pagou uma dívida, ou, ainda, que faça com que uma montadora se preocupe em construir carros seguros, custa caro, e hoje, no Brasil, custa mais que ser negligente ou imperito.

Como diríamos no começo deste artigo, o Magistrado rondoniense apurou que 30% das ações que cuidavam versavam exatamente sobre o mesmo tema. Basicamente a conduta desidiosa das empresas que preferem defender-se na Justiça a modificar seu modus operandi.

Extrapolemos esse número para todo o país e provavelmente [falta um estudo científico mais detalhado nesse sentido] e talvez cheguemos à conclusão, se somarmos os inúmeros casos em que o Estado retarda de forma preterdolosa o cumprimento de suas obrigações, que talvez o número de 30% seja pouco. Noutras palavras, muito provavelmente no país dos mais de 100.000.000 [cem milhões] de processos que tramitam na Justiça, 30milhões poderiam ser evitados caso o Judiciário passasse a utilizar a ferramenta legal da indenização pelo dano moral como meio de coibir-se, de um modo quase draconiano, pessoas físicas e jurídicas [de Direito Público e/ou Privado] que se utilizam de seu enorme potencial/poderio econômico como meio de retardar o cumprimento de suas obrigações e obter lucro financeiro comEssa morosidade.

A partir do momento em que atentarmos para esta óbvia realidade, e as indenizações [nos casos deste ensaio] recrudescerem, veremos automaticamente uma diminuição do número de ações judiciais, a qual, em última análise, terá o condão de liberar espaço nas mesas dos Magistrados de todo o Brasil e, com isso, tornar a Justiça mais rápida e ágil, atos esses que, em acontecendo, aumentam o grau de confiança do investidor estrangeiro no país.

Bibliografia Utilizada:

1) Revista Democracia Digital e Governo Eletrônico (ISSN – 2175-9391), número 8, p. 73-92, 2013.

2) http://veja.abril.com.br/noticia/economia/brasil-temoquarto-big-mac-mais-caro-do-mundo-confiraoranking/

3) MONTEIRO PINHO, Roberto, “Judiciário Brasileiro é o mais caro do mundo”, publicado em: http://www.jurisite.com.br/doutrinas/Trabalho/douttrab171.html

4) http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2011-05-08/legislacao-ambiental-brasileiraeuma-das-mais-modernas-do-mundo-diz-especialista

5) PAPINI, paulo antonio, Direito & Democracia – Ordem Constitucional x Neoliberalismo, páginas 109-111 (“Dano Moral: apontamentos sobre a importância da elevação das indenizações”), Ed. All Print, 2.007, 1ª Edição;

6) PAPINI, paulo antonio, artigo publicado in Revista de Direito Civil e Processual Civil, Editora Síntese, pags.: 99-107 (Dano Moral: Da Efetiva Reparação em Face do Ordenamento Jurídico Pátrio)

7) http://eticafordpinto.blogspot.com.br/

8) http://bestcars.uol.com.br/ph/158b.htm

9) 

10) http://users.wfu.edu/palmitar/Law&Valuation/Papers/1999/Leggett-pinto.html

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Sobre o autor
Paulo Antonio Papini

Mestre e Doutorando, em Direito Processual Civil, pela Universidade Autónoma de Lisboa. Pós-graduado, em Direito Processual Civil, pela Escola Paulista de Direito. Advogado, formado pela Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie, com mais de 20 anos de atividade jurídica. Autor de livros/apostilas jurídicas, especialista em Direito Bancário [especificamente defesa de mutuários do SFH e Mutuários de Alienação Fiduciária de Bens Imóveis], já atuou, ao todo em mais de 2.000 processos. Autor de mais de 250 artigos para diversas revistas jurídicas.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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