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Responsabilidade civil por abandono afetivo entre pais e filhos

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04/08/2015 às 15:40
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3.Dano material e moral

 

Pelo abandono afetivo, cabível o dano material – caso comprovado – e o dano moral.

 Nesses casos, o dano moral é in re ipsa, pois deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de tal modo que, provada a ofensa, consequentemente está demonstrado o dano moral à guisa de uma presunção natural. Ressalte-se que o dano moral não está ligado à dor e sofrimento. Dor e sofrimento são efeitos (e não a causa) do dano moral. E esses efeitos podem ou não existir.

 

Dano moral é violação do direito à dignidade [...] Com essa ideia abre-se espaço para o reconhecimento do dano moral em relação a várias situações nas quais a vítima não é passível de detrimento anímico, como se dá com os doentes mentais, as pessoas em estado vegetativo ou comatoso, crianças de tenra idade e outras situações tormentosas (CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. Atlas. 8ª ed. p. 80).

 

Registre-se que o dano moral visa a compensação, mas também uma punição. Nesse particular, adota-se a teoria do desestímulo:  fixação de valor que serve como desestímulo a novas agressões, coerente com o espírito dos referidos punitive ou exemplary damages da jurisprudência norte-americana e inglesa. Em outras palavras, o dano moral deve compensar e punir. Essa função punitiva e pedagógica é reconhecida pela jurisprudência:

 

Na valoração da verba indenizatória a título de danos morais, deve-se levar em conta a dupla finalidade da reparação, buscando propiciar à vítima uma satisfação, sem que isto represente um enriquecimento sem causa, não se afastando, contudo, do caráter repressivo e pedagógico a ela inerente. (TJMG. Ap. Cível n° 1.0024.06.984641-8/001, 17ª CC do TJMG, Rel. Des. Luciano Pinto, d.j. 14/06/2007).

 

No caso a punição servirá para desestimular futuras pessoas a agirem de forma semelhante, melhor refletindo acerca do nobre e importante gesto de cuidar.


 

4.Conclusão

 

Toda filiação, mesmo a biológica, deve ser acima de tudo socioafetiva. Todo filho, mesmo o biológico, deve ser adotado pelo seu pai. Afinal, ser pai é exercer a função de pai, é amar incondicionalmente, algo que só a pureza do amor é capaz de explicar. Em outras palavras, ser pai é amar por inteiro.

 

Lembro-me das palavras de Chico Xavier:

 

A gente pode morar numa casa mais ou menos, numa rua mais ou menos, numa cidade mais ou menos e até ter um governo mais ou menos. O que a gente não pode mesmo, nunca, de jeito nenhum, é amar mais ou menos, é sonhar mais ou menos, é ser amigo mais ou menos, senão a gente corre o risco de se tornar uma pessoa mais ou menos.

 

Ser mãe, parafraseando o Min. Ayres Britto (na ADI 3510), é estar próximo, proximidade que seria até bem mais do que um estar ali do lado, fisicamente, para se tornar um estar aqui por dentro, amorosamente. Ser mãe é esse dom de fazer o seu ventre do tamanho do mundo, mas acima de tudo, ser mãe é colocar esse mundo na palma da sua mão.

 

O exercício da função de pai ou mãe confere ao filho um retrato sentimental que ficará gravado em sua memória, beneficiado que foi com o esplendor da acolhida. Todavia, com o abandono afetivo, também ficará gravada sentimentalmente a escuridão do abandono.

Abandonar o pai na velhice, carência ou enfermidade, é ato ilícito e absolutamente reprovável juridicamente. Da mesma forma, abandonar o filho é atitude desumana, indigna e ilícita, demonstrativa da fraqueza de espírito do ser humano, que muito tem que evoluir para alcançar um nível de vivência digna.                         

 

 

 

 

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Sobre o autor
Cleber Couto

Promotor de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais. Coordenador Regional das Promotorias de Justiça da Educação, Infância e Juventude. Coordenador Regional do Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado. Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família. Bacharel em Direito pela Unifenas. Pós-Graduado em Direito Civil pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Doutorando em Direito Civil pela Universidad de Buenos Aires, Argentina.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COUTO, Cleber. Responsabilidade civil por abandono afetivo entre pais e filhos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4416, 4 ago. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/41210. Acesso em: 19 abr. 2024.

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