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Os agentes passivos do homicídio funcional: Lei nº 13.142/2015.

A controvérsia da terminologia autoridade e o filho adotivo como agente passivo do homicídio funcional

06/08/2015 às 16:21
Leia nesta página:

O que caracteriza o homicício funcional como crime praticado contra integrante do sistema de segurança pública?

Ementa: 1.Introdução. 1.1. Os agentes passivos do homicídio funcional. 1.2. A controvérsia da terminologia autoridade. 1.3. Os guardas municipais. 1.4. Os agentes da segurança viária. 2- Agentes passivos aposentados e o homicídio funcional. 3- Agentes passivos por afinidades do homicídio funcional. 4- Agentes passivos por parentesco sócio-afetivo do homicídio funcional. 5- Filho adotivo como agentes passivos do homicídio funcional. 6- Agentes passivos do homicídio funcional aberrante.


1.Introdução

A Lei nº 13.142/2015 alterou o Código Penal com escopo de criar uma nova qualificadora ao crime de homicídio.

Considera-se homicídio funcional quando o agente passivo for autoridade ou agente descrito nos artigos 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição.

Seguindo a mesma sistemática do feminicídio, o homicídio funcional também é uma qualificadora cuja pena será reclusão de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

1.1.Os agentes passivos do homicídio funcional

São agentes passivos do homicídio funcional:

1.1.1Autoridade quando for vítima no exercício da função ou em decorrência dela, ou seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição.

A terminologia “autoridade” descrita na primeira parte do artigo 121, § 2º, inciso VII, do Código Penal, será objeto de muita controvérsia, contudo, entendo que devemos utilizar a interpretação analógica.

Na interpretação analógica ou “intra legem” o significado que se busca é extraído do próprio dispositivo, ou seja, já existe uma norma para ser aplicada ao caso concreto, no entanto, são utilizadas pelo legislador expressões genéricas, abstratas e abertas, portanto, a terminologia “autoridade” deve ser submetida a uma interpretação analógica para revelar, dentro do próprio texto, o seu verdadeiro alcance e definir com clareza a sua aplicação.

A doutrina e a jurisprudência brasileira são uníssonas no entendimento de que é possível no direito penal o uso da interpretação analógica. É o que ocorre no artigo 121, § 2º, inc. I, do Código Penal, em que o homicídio é qualificado pela paga ou promessa de recompensa e, logo após, o legislador usa uma fórmula genérica a qual deve ser suprida pela interpretação analógica, qual seja, “ou por outro motivo torpe”.

A interpretação analógica não se confunde com analogia, conforme o STJ, “não se pode confundir analogia com interpretação analógica ou extensiva. A analogia é técnica de integração, vale dizer, recurso de que se vale o operador do direito diante de uma lacuna no ordenamento jurídico. Já a interpretação, seja ela extensiva ou analógica, objetiva desvendar o sentido e o alcance da norma, para então definir-lhe, com certeza, a sua extensão. A norma existe, sendo o método interpretativo necessário, apenas, para precisar-lhe os contornos”. (STJ - Nº 121.428 - RJ (1997/0014040-7)).

A palavra autoridade (derivada do latim auctoritas) é normalmente usada para descrever o poder dado ao Estado. A priori, surge como oportuna e inadiável definirmos o real sentido da terminologia autoridade para os exatos fins da aplicação da qualificadora do artigo 121, § 2º, inciso, VII, do Código Penal.

O sociólogo e jurista alemão Max Weber (1864-1920), um dos mais importantes intelectuais do final do século XIX e início do XX, considerado um dos fundadores da Sociologia, escreveu o livro "Economia e Sociedade", onde relata que há três tipos autoridade, a saber: a autoridade tradicional, a autoridade carismática e a autoridade racional-legal.

Há, ainda, autoridades eclesiásticas, autoridades políticas e uma infinidade de autoridades na administração pública.

Usando a interpretação analógica e atendendo ao princípio da legalidade, entendemos que a ratio legis não foi alcançar todas as espécies de autoridades do Brasil, e sim aquelas que exercem funções semelhantes às definidas no próprio inciso, quais sejam, as autoridades do sistema de segurança pública assim definidas como os membros do Poder Judiciário e do Ministério Público.

Perceba que o legislador, logo após o uso da terminologia “autoridade”, usa a frase “OU” agente descrito nos artigos 142 (Forças Armadas) e 144 (Policiais) da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, ou seja, todos são “autoridades”, “agentes” e “integrantes” do sistema de segurança pública.

Portanto, podem ser agentes passivos do homicídio funcional, os Ministros do STF, membros dos Tribunais Superiores, Desembargadores dos Tribunais de Justiça, Magistrados federais e estaduais, membros do Ministério Público da União e Membros do Ministérios Públicos dos Estados quando forem vítimas no exercício da função ou em decorrência dela, e seus respectivos cônjuges, companheiros ou parentes consanguíneos até terceiro grau, em razão da motivação funcional do crime.

b)  Agentes da Marinha, Exército e Aeronáutica, quando forem vítimas, no exercício da função ou em decorrência dela, ou seus respectivos cônjuges, companheiros ou parentes consanguíneos até terceiro grau, em razão da motivação funcional do crime.

c) Integrantes da polícia federal, quando forem vítimas, no exercício da função ou em decorrência dela, ou seus respectivos cônjuges, companheiros ou parentes consanguíneos até terceiro grau, em razão da motivação funcional do crime.

d) Integrantes da polícia rodoviária federal, quando forem vítimas, no exercício da função ou em decorrência dela, ou seus respectivos cônjuges, companheiros ou parentes consanguíneos até terceiro grau, em razão da motivação funcional do crime.

e) Integrantes da polícia ferroviária federal, quando forem vítimas, no exercício da função ou em decorrência dela, ou seus respectivos cônjuges, companheiros ou parentes consanguíneos até terceiro grau, em razão da motivação funcional do crime.

f) Integrantes da polícia civil, quando forem vítimas, no exercício da função ou em decorrência dela, ou seus respectivos cônjuges, companheiros ou parentes consanguíneos até terceiro grau, em razão da motivação funcional do crime.

g) Integrantes da polícia militar e corpos de bombeiros militares, quando forem vítimas, no exercício da função ou em decorrência dela, ou seus respectivos  cônjuges, companheiros ou parentes consanguíneos até terceiro grau, em razão da motivação funcional do crime. 

h) Integrantes do sistema prisional, quando forem vítimas, no exercício da função ou em decorrência dela, ou seus respectivos cônjuges, companheiros ou parentes consanguíneos até terceiro grau, em razão da motivação funcional do crime.

i) Integrantes da Força Nacional de Segurança Pública, quando forem vítimas, no exercício da função ou em decorrência dela, ou seus respectivos cônjuges, companheiros ou parentes consanguíneos até terceiro grau, em razão da motivação funcional do crime.

j) Os guardas municipais, quando forem vítimas, no exercício da função ou em decorrência dela, ou seus respectivos cônjuges, companheiros ou parentes consanguíneos até terceiro grau, em razão da motivação funcional do crime.

Ao fazer referência ao artigo 144 da Constituição Federal, sem qualquer restrição, o legislador também colocou os guardas municipais (vide § 8º do artigo 144) como agentes passivos, temos a inteira aplicação do brocardo jurídico “ubi lex non distinguir nec nos distinguere debemus”, ou seja, “onde a lei não distingue, não pode o intérprete distinguir”.

l) Os agentes da segurança viária, quando forem vítimas, no exercício da função ou em decorrência dela, ou seus respectivos cônjuges, companheiros ou parentes consanguíneos até terceiro grau, em razão da motivação funcional do crime.

Como o mesmo raciocínio do item anterior, não é possível excluir do rol de sujeitos passivos do homicídio funcional os agentes da segurança viária previstos no § 10 do artigo 144 da Constituição Federal.


2- Agentes passivos aposentados e o homicídio funcional

Com a aposentadoria o ocupante do cargo deixa de ser autoridade e os agentes descritos nos artigos 142 e 144 da Constituição Federal não serão mais integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, portanto, mesmo que o crime tenha sido motivado pela antiga função que o agente passivo exercia, o homicídio não será funcional.

O crime não será qualificado na forma do inciso VII do § 2º do artigo 121 do Código Penal, pois entendemos que o homicídio funcional exige dois requisitos:

1.3.Requisito objetivo:

O agente passivo tem que ser autoridade ou agente descrito nos artigos 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública que estão desenvolvendo a sua função no segmento da segurança pública.

1.4.Requisito subjetivo:

A motivação tem que ser o exercício da função ou em decorrência dela.


3- Agentes passivos por afinidades do homicídio funcional

A lei foi bem clara ao estabelecer como agente passivo o “parente consanguíneo até terceiro grau”, assim, não podendo fazer uma analogia in malam partem, a  qualificadora do artigo 121, § 2º, VII, do Código Penal não será aplicada quando a vítima for parente por afinidade (Sogro, sogra, genro e nora - 1º grau; padrasto, madrasta e enteados - 1º grau; cunhados - 2º grau).


4- Agentes passivos por parentesco sócio-afetivo do homicídio funcional

O parentesco sócio-afetivo surge da aparência social deste parentesco, da convivência familiar duradoura. É, por exemplo, o pai que tem por filha determinada pessoa e, em algum momento de sua vida, toma conhecimento de que não é pai biológico dela. Esta pessoa sempre recebeu os afetos e atenções de filha. Social e espiritualmente, este pai a concebeu como filha. É também o caso dos chamados “pais de criação”, que assumem a paternidade de criança que sabem não serem pais, mas a tratam como se filha fosse.

Como a mesma fundamentação anterior, entendemos que o parentesco sócio-afetivo não incide a qualificadora do artigo 121, § 2º, VII, do Código Penal.


5- Filho adotivo como agentes passivos do homicídio funcional

A Constituição Federal equipara os filhos adotivos aos filhos consanguíneos, vide o § 6º do artigo 227, in verbis:

“Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.

Portanto, se o mandamento constitucional preconiza que os filhos adotivos são equiparados aos consanguíneos, a ilação lógica é a de que quem mata, por motivo funcionais, filho adotivo de uma das pessoas elencadas no 121, § 2º, VII, do Código Penal, comete homicídio funcional.

Não estamos fazendo uso da analogia in malam partem, pois não existe lacuna a ser preenchida e a norma constitucional não permite fazer nenhuma discriminação.    


6- Agentes passivos do homicídio funcional aberrante

O homicídio funcional aberrante ocorre, quando, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, ao invés de atingir a mulher que pretendia ofender, atinge pessoa diversa, respondendo, portanto, como se tivesse praticado o crime contra aquela.

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No homicídio funcional aberrante, não são consideradas as qualidades da vítima, mas da autoridade ou agente descrito nos artigos 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição, que o agente pretendia atingir.

O homicídio funcional aberrante, divide-se em:

1.Homicídio funcional aberrante por aberratio ictus com resultado único.

Casos exemplificados:

1-“Tício”, por motivos funcionais, atira em “Tícia” e acerta “Petrus”, que morre em consequência do tiro. Solução?

Solução jurídica: “Tício” responde por homicídio doloso qualificado funcional (como se o agente tivesse matado a vítima virtual).

2- “Tício”, por motivos funcionais e com animus necandi, atira em “Tícia” e acerta “Petrus”, que sofre lesões corporais em consequência do tiro. Solução?

Solução jurídica: “Tício” responde por tentativa de homicídio doloso qualificado funcional (como se a vítima virtual tivesse sofrido a lesão).

2.Homicídio funcional aberrante com duplicidade de resultado.

Casos exemplificados:

1-Imagine-se que “Tício” deseja matar, por motivos funcionais ,“Tícia”, que está perto de “Petrus”. “Tício” atira e mata os dois. Qual a solução?

Solução jurídica: “Tício” responde por um crime de homicídio doloso consumado qualificado funcional, aumentada a pena de um sexto (1/6) até metade, em face do concurso formal (art. 73, 2ª parte, do Código Penal).

2-“Tício”, por motivos funcionais e com animus necandi, atira em Tícia e lesiona gravemente “Tícia” e “Petrus”. Solução?

Solução jurídica: “Tício” responde por uma tentativa de homicídio (doloso) qualificado funcional, com o acréscimo na pena de um sexto (1/6) até metade (art. 73, 2ª parte).

3-“Tício”, por motivos funcionais e com animus necandi, atira em Tícia. Mata “Tícia” e lesiona “Petrus”. Solução?

Solução jurídica: “Tício” responde por um crime de homicídio doloso consumado qualificado funcional, com pena acrescida de um sexto (1/6) até metade, diante do concurso formal (art. 73, 2ª parte).

4-”Tício”, por motivos funcionais e com animus necandi, atira em Tícia. Fere “Tícia” e mata “Petrus”. Solução?

Solução jurídica: “Tício” responde por um crime de homicídio doloso consumado qualificado funcional, com o acréscimo na pena de um sexto (1/6) até metade (art. 73, 2ª parte), pois não são consideradas as qualidades da vítima, mas, sim, as de “Tícia”, a quem o agente pretendia atingir.

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Sobre o autor
Francisco Dirceu Barros

Procurador Geral de Justiça do Estado de Pernambuco, Promotor de Justiça Criminal e Eleitoral durante 18 anos, Mestre em Direito, Especialista em Direito Penal e Processo Penal, ex-Professor universitário, Professor da EJE (Escola Judiciária Eleitoral) no curso de pós-graduação em Direito Eleitoral, Professor de dois cursos de pós-graduação em Direito Penal e Processo Penal, com vasta experiência em cursos preparatórios aos concursos do Ministério Público e Magistratura, lecionando as disciplinas de Direito Eleitoral, Direito Penal, Processo Penal, Legislação Especial e Direito Constitucional. Ex-comentarista da Rádio Justiça – STF, Colunista da Revista Prática Consulex, seção “Casos Práticos”. Colunista do Bloq AD (Atualidades do Direito). Membro do CNPG (Conselho Nacional dos Procuradores Gerais do Ministério Público). Colaborador da Revista Jurídica Jus Navigandi. Colaborador da Revista Jurídica Jus Brasil. Colaborador da Revista Síntese de Penal e Processo Penal. Autor de diversos artigos em revistas especializadas. Escritor com 70 (setenta) livros lançados, entre eles: Direito Eleitoral, 14ª edição, Editora Método. Direito Penal - Parte Geral, prefácio: Fernando da Costa Tourinho Filho. Direito Penal – Parte Especial, prefácios de José Henrique Pierangeli, Rogério Greco e Júlio Fabbrini Mirabete. Direito Penal Interpretado pelo STF/STJ, 2ª Edição, Editora JH Mizuno. Recursos Eleitorais, 2ª Edição, Editora JH Mizuno. Direito Eleitoral Criminal, 1ª Edição, Tomos I e II. Editora Juruá, Manual do Júri-Teoria e Prática, 4ª Edição, Editora JH Mizuno. Manual de Prática Eleitoral, Editora JH Mizuno, Tratado Doutrinário de Direito Penal, Editora JH Mizuno. Participou da coordenação do livro “Acordo de Não Persecução Penal”, editora Juspodivm.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARROS, Francisco Dirceu. Os agentes passivos do homicídio funcional: Lei nº 13.142/2015.: A controvérsia da terminologia autoridade e o filho adotivo como agente passivo do homicídio funcional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4418, 6 ago. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/41302. Acesso em: 22 nov. 2024.

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