Lei 123/2006 e a classificação das propostas na licitação pública por itens e exclusiva a ME e EPP

30/07/2015 às 14:14
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Este artigo busca dirimir dúvidas no que tange a licitação por itens sendo parte destes destinados exclusivamente ao micro e pequeno empreendedor e parte as empresas comuns.O Estatuto Nacional das Micro e Pequenas Empresas ou Lei do Simples Nacional (Lei Complementar 123/2006) e a Classificação das propostas na Licitação Pública por Itens e Exclusiva após as alterações da Lei Complementar nº 147/2014.

A Lei Complementar nº 123/2.006 conhecida como Estatuto Nacional das Micro e Pequenas Empresas ou Lei do Simples sofreu alterações significativas no que se refere ao campo administrativo das licitações públicas tendo em vista a edição da Lei Complementar nº 147/2.014, cujo foco principal é o de fomentar o crescimento e desenvolvimento econômico e social no âmbito municipal e regional:

Art. 47.  Nas contratações públicas da administração direta e indireta, autárquica e fundacional, federal, estadual e municipal, deverá ser concedido tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte objetivando a promoção do desenvolvimento econômico e social no âmbito municipal e regional, a ampliação da eficiência das políticas públicas e o incentivo à inovação tecnológica. Parágrafo único.  No que diz respeito às compras públicas, enquanto não sobrevier legislação estadual, municipal ou regulamento específico de cada órgão mais favorável à microempresa e empresa de pequeno porte, aplica-se a legislação federal.

Ideologicamente a lei visa o incentivo da produção interna e a geração de empregos para este segmento de mercado que, cada vez mais, desponta como força econômica no país. Em termos teóricos a desigualdade material entre o micro e pequeno empreendedor e as médias e grandes empresas que, tradicionalmente e quase sempre, abocanham os certames lançados pela Administração Pública, tem o condão de justificar as modificações elevadas a nível nacional, mesmo porque, ao contrário do que se pode argumentar o novo modelo tende a ampliar a competitividade nas licitações de itens de menor vulto, geralmente desprezadas pelo empresariado mais abastado do país. Outrossim, o crescimento dos micro e pequenos negócios no Brasil é também expressão do interesse público nacional.

A própria Constituição Federal nos artigos 170, inciso IX e 179 estabelece o fundamento jurídico do tratamento diferenciado conferido às ME e EPPs:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

(...)

IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 6, de 1995)

(...)

Art. 179. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.

Como se vê dentre as obrigações a serem objeto de simplificação, eliminação ou redução em prol do reequilíbrio material da sociedade, por meio da lei, encontra-se as de natureza administrativa.

A regularidade fiscal postergada (já acolhida pelo Egrégio Tribunal de Contas do Estado de São Paulo processo 00000842/989/15-4 Interessada: Prefeitura Municipal de Cosmópolis (...). Assunto: Edital do Pregão Presencial nº 2/2015, cujo objeto é a aquisição parcelada mensal de cestas básicas para servidores municipais (...) CONSELHEIRO MÁRCIO MARTINS DE CAMARGO Tribunal Pleno – Sessão: 4/3/2015); o tratamento diferenciado nas contratações públicas (agora autoaplicável); a exclusividade, sem limitações anuais, nos itens objeto de aquisição até R$ 80.000,00; a possibilidade de se exigir subcontratação (vedada subcontratação total); a cota reservada para aquisição em certames de bens de natureza divisível; a aplicabilidade teórica de margem de preferência (artigo 48, §3º. – pode a Administração, em tese, facultativamente, pagar preço superior ao melhor preço válido no limite de até 10% para efetivar o regime privilegiado); a preferência nas dispensas fundamentadas no artigo 24, incisos I e II da Lei nº 8.666.1.993, tudo isso, representam medidas legislativas adotadas e consubstanciadas em texto legal, e que dão concretude, efetividade e real aplicabilidade ao mandamento constitucional.

Mas essas alterações, como tudo que é novo, também tem provocado situações relevantes em especial dentro do processo licitatório, como a do caso no qual a aquisição é dirigida com exclusividade ao micro e pequeno empreendedor, mas, em que, empresa não abrangida pelo regime efetivamente acaba apresentando proposta.

Isso ocorre nos casos de licitação por itens fundamentada no entendimento sedimentado da Súmula nº 247 do Egrégio Tribunal de Contas da União e no que preceitua os artigos 3º, § 1º, inciso I; 15, inciso IV, e 23, §§ 1º e 2º, todos da Lei nº 8.666/1.993:

É obrigatória a admissão da adjudicação por item e não por preço global, nos editais das licitações para a contratação de obras, serviços, compras e alienações, cujo objeto seja divisível, desde que não haja prejuízo para o conjunto ou complexo ou perda de economia de escala, tendo em vista o objetivo de propiciar a ampla participação de licitantes que, embora não dispondo de capacidade para a execução, fornecimento ou aquisição da totalidade do objeto, possam fazê-lo com relação a itens ou unidades autônomas, devendo as exigências de habilitação adequar-se a essa divisibilidade.

No que se refere ao certame por itens, não cabendo inabilitação quando há item aberto à disputa das empresas em geral, o Tribunal de Contas da União, antes da vigência da Lei Complementar nº 147/2.014, já havia se posicionado no sentido de que o limite de R$ 80.000,00 aplica-se a cada item da licitação e não ao seu valor global, vez que os diversos itens constituem em realidade a busca por aquisições distintas dotada de autonomia jurídica própria (Acórdão TCU 3.771/2011 – Primeira Câmara).

Já quanto à exclusividade é o próprio Poder Judiciário que tem referendado as licitações destinadas às microempresas e empresas de pequeno porte:

"ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO TIPO MENOR PREÇO POR ITEM. EXISTÊNCIA DE VÁRIAS FAIXA DE CONCORRÊNCIA INDEPENDENTES E AUTÔNOMAS ENTRE SI. PARTICIPAÇÃO EXCLUSIVA DE MICROEMPRESAS, EMPRESAS DE PEQUENO PORTE E SOCIEDADES COOPERATIVAS. VALOR DE CADA ITEM NÃO EXCEDE O TETO PREVISTO NA LEI COMPLEMENTAR Nº 123/06. PROVIMENTO DO RECURSO. 1. Agravo de instrumento desafiado contra decisão que determinou a participação da parte agravada na licitação atinente ao Processo Administrativo nº 63064.000019/2009-89 - Edital de Licitação nº 04/2009, modalidade Pregão Eletrônico - salvo se por outro motivo deva ser excluída ou desqualificada. 2. Licitação do tipo "MENOR PREÇO POR ITEM" na qual - embora seu valor global (R$ 1.002.487,54) exceda o limite previsto na Lei Complementar nº 123/06 (R$ 80.000,00) para ser assegurada a participação exclusiva das microempresas, empresas de pequeno porte e sociedades cooperativas - observa-se que foram estabelecidas várias faixas de concorrência autônomas entre si, sendo, assim, cada item cotado substancialmente independente dos demais. 3. Existência de várias licitações distintas e independentes entre si, cujo valor não excede o teto previsto na Lei Complementar nº 123/06, o que é corroborado, para exemplificar, pelo disposto no item 20.1, segundo o qual "cada contrato firmado com a fornecedora terá vigência pelo prazo de 15 (quinze) dias, a partir da retirada da Nota de Empenho, nos termos do art. 57, da Lei nº 8.666/93". 4. Inobstante na hipótese em apreço exista uma limitação à livre concorrência, prestigia-se o preceito constitucional insculpido no art. 170, IX, que assegura "tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País", as quais, sem essa garantia, não teriam oportunidade de contratar com a Administração Pública. 5. Agravo de instrumento provido". (AG nº 104017 - Rel. Des. Federal Francisco Wildo - Public. DJE 13/05/2010)

No mesmo sentido a decisão do Agravo de Instrumento: AGTR - 114630/PB - 0004984-65.2011.4.05.0000 - RELATOR : DESEMBARGADOR FEDERAL ROGÉRIO FIALHO MOREIRA - ORIGEM : 3ª Vara Federal da Paraíba (Competente p/ Execuções Penais) - AGRTE : UNIÃO - AGRDO : CIRUFARMA COMERCIAL LTDA

A Advocacia Geral da União também emitiu a orientação normativa nº 47:

ORIENTAÇÃO NORMATIVA Nº 47, DE 25 DE ABRIL DE 2014 (*)


"EM LICITAÇÃO DIVIDIDA EM ITENS OU LOTES/GRUPOS, DEVERÁ SER ADOTADA A PARTICIPAÇÃO EXCLUSIVA DE MICROEMPRESA, EMPRESA DE PEQUENO PORTE OU SOCIEDADE COOPERATIVA (ART. 34 DA LEI Nº 11.488, DE 2007) EM RELAÇÃO AOS ITENS OU LOTES/GRUPOS CUJO VALOR SEJA IGUAL OU INFERIOR A R$ 80.000,00 (OITENTA MIL REAIS), DESDE QUE NÃO HAJA A SUBSUNÇÃO A QUAISQUER DAS SITUAÇÕES PREVISTAS PELO ART. 9º DO DECRETO Nº 6.204, DE 2007."


REFERÊNCIA: Art. 146, inc. III, alínea "d", CF; arts. 47 e 48 da Lei Complementar n° 123, de 2006; arts. 6° ao 9°, Decreto n° 6.204, de 2007; NOTA DECOR/CGU/AGU n° 356, de 2008 - PCN; Parecer PGFN/CJU/CLC/n° 2.750, de 2008; Súmula n° 247 do Tribunal de Contas da União.

LUÍS INÁCIO LUCENA ADAMS

(*) Editada pela Portaria AGU nº 124, de 25 de abril de 2014, publicada no DOU I 2.5.2014 p. 2-3.

Como se percebe a licitação por itens é pratica usual na Administração Pública e respaldada pelo principio constitucional da eficiência (artigo 37, caput da Constituição Federal).

Nestes termos, dada a constitucionalidade do tratamento diferenciado ao micro e pequeno empreendedor, não deverá ter acolhida proposta realizada por empresa que não se enquadra em regime diferenciado, em razão da contrariedade da regra erigida em lei.

Resultando desta decisão a desclassificação e em se verificando a ausência de outros lanços por parte de ME ou EPP cabe a Administração renovar a licitação fracassada.

Alguns defendem a alternativa de fixação de prazo para novas propostas (Lei nº 8.666/1.993 - Art. 48 (...) § 3º Quando todos os licitantes forem inabilitados ou todas as propostas forem desclassificadas, a administração poderá fixar aos licitantes o prazo de oito dias úteis para a apresentação de nova documentação ou de outras propostas escoimadas das causas referidas neste artigo, facultada, no caso de convite, a redução deste prazo para três dias úteis. (Incluído pela Lei nº 9.648, de 1998)) o que, para outros, esbarra em questionável constitucionalidade desse dispositivo, vez que se estaria promovendo competição de pessoas predeterminadas, potencialmente ofensiva ao direito de terceiros. Assim, desclassificadas todas as propostas, não haveria fundamento para instalar-se certame restrito.

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Outros defendem, favoravelmente, tendo o E. Tribunal de Contas da União assentado que:

De qualquer maneira, não se verifica nos fatos relacionados ao certame licitatório que precedeu a contratação, no qual se obteve apenas uma proposta, com preços superiores aos orçados pela entidade, o enquadramento nas hipóteses previstas dos incisos V e VII do art. 24 da Lei no 8.666/1993, situações identificadas como licitação deserta e licitação fracassada, respectivamente, que teriam motivado a anulação da concorrência e a realização de contratação direta, segundo a entidade. Conforme apontado pela unidade técnica, o atendimento a convocação por parte de ao menos um licitante descaracteriza a licitação deserta e, de outra parte, a não fixação de prazo para que fosse apresentada nova proposta apos a desclassificação da única proposta oferecida esta em desacordo com o procedimento a ser adotado em caso de licitação fracassada. Acórdão 1888/2006 Primeira Câmara (Voto do Ministro Relator)

Na hipótese de renovação cumprirá a Administração observar, na fase interna, os termos da Lei Complementar nº 123/2.006 que também dispõe que:

Art. 49. Não se aplica o disposto nos arts. 47 e 48 desta Lei Complementar quando:

(...)

II - não houver um mínimo de 3 (três) fornecedores competitivos enquadrados como microempresas ou empresas de pequeno porte sediados local ou regionalmente e capazes de cumprir as exigências estabelecidas no instrumento convocatório;

III - o tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte não for vantajoso para a administração pública ou representar prejuízo ao conjunto ou complexo do objeto a ser contratado;

IV - a licitação for dispensável ou inexigível, nos termos dos arts. 24 e 25 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, excetuando-se as dispensas tratadas pelos incisos I e II do art. 24 da mesma Lei, nas quais a compra deverá ser feita preferencialmente de microempresas e empresas de pequeno porte, aplicando-se o disposto no inciso I do art. 48. (Redação dada pela Lei Complementar nº 147, de 2014)

Conclusão

As alterações promovidas pela Lei Complementar nº 147/2.014 estão justificadas na diferença de tratamento que pede a Constituição Federal seja concretizada.

As licitações exclusivas são uma forma de efetivação do mandamento constitucional.

Ocorrendo, no entanto, licitação por itens, havendo item aberto a cotação das empresas em geral, como não cabe inabilitação na fase de qualificação, deverá a Administração atentar quando da abertura das proposta a exclusividade ou não do item, pois tratando-se de competição restrita ao micro e pequeno empreendedor não deverá ser aceita proposta daquele que não se enquadra no favor legal que visa a resguardar a igualdade de condições na competição.

Do resultado alcançado tomará o administrador a decisão pela renovação ou não do certame, observado tanto os termos da Lei Geral de Licitações quanto do Estatuto Nacional das Micro e Pequenas Empresas.

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Sobre o autor
Paulo Cezar Pelissari

Procurador Público, Professor de Direito e Advogado.

Informações sobre o texto

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Alteração da Lei complementar nº 147/2014.

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