O Judiciário brasileiro enfrenta diariamente o conflito de interesses público e privado no que diz respeito aos direitos autorais. De um lado, o interesse do autor em extrair elementos do acervo cultural da sociedade para a produção de sua obra intelectual e obter assegurados os seus direitos morais e patrimoniais; de outro, o interesse da sociedade em usufruir das obras artísticas, científicas e literárias, exercendo o seu direito à cultura estampado na Constituição Federal.
Nesse sentido, o Artigo XXVII da Declaração Universal dos Direitos do Homem identifica as duas premissas, referindo que “1. Toda pessoa tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do processo científico e de seus benefícios” e “2. Toda pessoa tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção científica, literária ou artística da qual seja autor” [1].
Desta forma, a tarefa de harmonizar o direito de autor (interesse privado) e o direito à cultura (interesse público) cabe ao Direito Autoral, que tem o escopo de proteger ambos os titulares. Para realizar tal conciliação, esse ramo do Direito se fundamenta no incentivo à produção intelectual, sendo a proteção do autor uma forma de promover uma sociedade culturalmente rica, pois, na medida em que o autor é recompensado de forma justa pelo seu trabalho, terá melhores condições para produzir suas obras, agregando fontes culturais à disposição da comunidade.
O acesso a essas fontes de cultura garante a formação de novos autores e evolução da própria sociedade, com a absorção do conhecimento pela propagação das obras. Ademais, o elemento definidor de uma obra protegida pelos direitos autorais é a originalidade; contudo, a originalidade de uma criação não advém do nada e sim é construída a partir de influências do ambiente externo, dando ao autor inspiração para a contextualização do real ou do imaginário. Logo, o acesso às obras intelectuais é instrumento vital para o desenvolvimento de sociedade rica em conhecimento [2].
Voltando-se para o coletivo, a Lei de Direito Autoral, em seu Capítulo IV, criou uma série de limitações à proteção de obras artísticas, científicas e literárias, possibilitando a exploração dessas criações por terceiros sem a autorização dos seus criadores, desde que não haja intuito de lucro e nem ofensa à personalidade do autor.
Como exemplos, a reprodução de obra literária em qualquer sistema que permita o entendimento por um portador de deficiência, a cópia de pequenos trechos de obras feita pelo copista para seu uso próprio, a citação de trechos de obras para estudo, crítica ou polêmica, garantindo a liberdade de manifestação do pensamento dos indivíduos, a representação teatral e a execução musical no recesso familiar e em estabelecimento de ensino, a reprodução de uma ilustração em outra obra original, a fim de melhor abordar o conteúdo que está sendo estudado, entre outras possibilidades de uso das obras.
Na medida em que o mecanismo do conhecimento é cíclico, sabe-se que o ensinamento passa de um indivíduo para outro. Então, nada impede que uma pessoa assuma as posições de leitora e autora concomitantemente, no sentido de que um mesmo tema pode gerar diversas opiniões e sempre haverá uma opinião para ser contestada e ouvida.
Assim, os direitos autorais não surgem como uma barreira ao acesso à obra artística, literária ou científica, muito pelo contrário, surgem como incentivo para que essas obras sejam produzidas, atendendo os interesses de toda a sociedade, nas diversas áreas do conhecimento.
Referências:
[1] ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos do Homem, Paris, 10 dez. 1948. Disponível em: <http://www.ohchr.org/EN/UDHR/Documents/UDHR_Translations/por.pdf >.
[2] SALOMÃO, Luis Felipe. Direito Privado: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 332.