Desconsideração inversa da personalidade jurídica

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09/08/2015 às 21:01

Resumo:


  • A desconsideração inversa da personalidade jurídica ocorre quando a sociedade é responsabilizada por dívidas ou atos dos sócios, quebrando a autonomia patrimonial para atingir o ente coletivo em benefício de credores ou terceiros prejudicados.

  • Aplicável no Direito de Família, a desconsideração inversa pode ser utilizada em casos como a ocultação de patrimônio em processos de separação, onde um cônjuge transfere bens para uma empresa controlada a fim de evitar a partilha justa.

  • Para a aplicação da desconsideração inversa é necessário comprovar o abuso, fraude ou simulação por parte dos sócios, utilizando-se da pessoa jurídica para fins ilícitos ou para burlar obrigações pessoais, como no caso de dívidas ou deveres de alimentação.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Efeitos da desconsideração inversa.

Em razão da utilização ilícita da pessoa jurídica será aplicada a desconsideração inversa da personalidade jurídica, que acarretará efeitos: a quebra do princípio da autonomia patrimonial, o alcance dos bens patrimoniais da sociedade e a partilha dos bens do casal.

Ao separar a pessoa jurídica da pessoa física de seu sócio, estabelecendo desta forma, patrimônios e responsabilidades diversas, estabeleceu-se por sua vez, uma ampla forma de utilização indevida da pessoa jurídica, sendo instrumento de fraude para prejudicar terceiros.

Nesse sentido, Rubens Requião (1969, p.14) em trabalho pioneiro no Brasil assegura: “Ora, diante do abuso de direito e da fraude no uso da personalidade jurídica, o juiz brasileiro tem o direito de indagar, em seu livre convencimento, se há de consagrar a fraude ou o abuso de direito, ou se deva desprezar a personalidade jurídica, para, penetrando em seu âmago, alcançar as pessoas e bens que dentro dela se escondem para fins ilícitos ou abusivos”.

Portanto, o princípio da separação do sócio e da sociedade é relativizado quando o sócio utiliza este princípio como anteparo para prática de fraude, abuso e simulação.

Assegura Luiz Guilherme Marinoni e Lima Júnior (2001, p.155) em artigo publicado na Revista dos Tribunais que: ”(...) o afastamento da forma externa da pessoa moral permite que se busque no patrimônio pessoal dos sócios a satisfação dos créditos frustrados. Dessa forma, todos aqueles que, valendo-se do manto societário, agiram de modo fraudulento ou abusivo (...) responderão pelos créditos insatisfeitos dos credores sociais”.

A quebra da autonomia patrimonial é, sem sombra de dúvidas, um avanço e uma proteção maior ao instituto da pessoa jurídica e esta proteção está na aplicação da desconsideração inversa. O jurista Rolf Serick citado por Rubens Requião (1969, p.17), afirma “(...) quem nega a personalidade é quem dela abusa, pois quem luta contra semelhante desvirtuamento é quem a afirma”. Desse modo, como visto na doutrina e jurisprudência, a proteção da personalidade jurídica está positivada de tal forma a evitar malícia ou desvirtuamento em sua utilização.

Outro efeito da aplicação da desconsideração inversa é o alcance dos bens que se encontrem na esfera da pessoa jurídica por intermédio de manobras fraudulentas dos sócios.

Como pôde ser visto nos itens acima, a desconsideração inversa é utilizada não só no Direito Comercial como também no campo do Direito de Família, estando autorizada quando há a transferência do patrimônio particular do devedor, para assim burlar a obrigação ou dever de alimentar, para o patrimônio da empresa, onde o devedor é sócio.

Diante disso, a desconsideração inversa da personalidade jurídica poderá ser aplicada, pois os atos dos sócios serão atribuídos à pessoa jurídica.

Outro exemplo da aplicação da desconsideração inversa e o efetivo alcance dos bens transferidos à sociedade ocorrerá quando se busca a majoração da pensão alimentícia baseada no aumento da fortuna do alimentante e na necessidade do alimentado. Nesse caso, o devedor de alimentos dissimula a sua condição de sócio majoritário da pessoa jurídica e transfere grande parte do capital social para interposta pessoa, para numa revisão de alimentos afirmar que não é sócio majoritário, mas apenas um mero prestador de serviços à sociedade, buscando ao final, o não aumento da pensão alimentícia.

Dessa forma, dar-se-á o alcance dos bens do devedor quando o sócio da sociedade ou pessoa jurídica, mantém sob esta o controle total sobre os seus órgãos administrativos, concretizando assim, com maior eficácia, a fraude do desvio de bens.

Diante disso, Fábio Ulhoa Coelho (2014. p.45) arremata:

“(...) O devedor transfere seus bens para a pessoa jurídica sobre a qual detém absoluto controle. Desse modo, continua a usufruí-los, apesar de não serem de sua propriedade, mas da pessoa jurídica controlada. Os seus credores, em princípio, não podem responsabilizá-lo executando tais bens. É certo que, em se tratando de pessoa jurídica de uma sociedade, ao sócio é atribuída a participação societária, isto é, quotas ou ações representativas de parcelas do capital social. Essas são em regra penhoráveis para a garantia do cumprimento das obrigações do seu titular(...)”.

Como exposto na doutrina e jurisprudência, a desconsideração inversa da personalidade jurídica possui como um de seus efeitos o efetivo alcance dos bens patrimoniais da sociedade, quando esta for utilizada como “esconderijo” de bens que eram antes de propriedade do sócio e sua família e também nos casos, onde o sócio em questão detém o absoluto controle da sociedade. Isto ocorre, contudo, em decorrência de manobras fraudulentas, visando assim, acobertar o seu patrimônio pessoal, transferindo-o para uma pessoa jurídica, maculando o princípio da autonomia patrimonial.

A desconsideração inversa da personalidade jurídica pode ser observada e aplicada largamente no campo do Direito de Família, como exposto acima, para descobrir a finalidade ilícita que a sociedade encobre, adentrando através do disfarce societário onde o sócio se esconde, para assim, frustrar o resultado abusivo e fraudulento o qual se pretendeu alcançar com a sociedade.

Para isso, Fábio Ulhôa Coelho (1999, p.45) explica: “A desconsideração invertida ampara, de forma especial, os direitos de família. Na desconstituição do vínculo de casamento ou união estável, a partilha dos bens comuns pode resultar fraudada. Se um dos cônjuges ou companheiros, ao adquirir bens de maior valor, registra-os em nome da pessoa jurídica sob o seu controle, eles não integram, sob o ponto de vista formal, a massa familiar. Ao se desconsiderar a autonomia patrimonial, será possível responsabilizar a pessoa jurídica pelo devido ao ex-cônjuge ou ex-companheiro do sócio, associado ou instituidor.

Nesse condão, para se ver livre e dispensado de prestar contas da circulação dos bens comuns, o cônjuge transfere todo e qualquer patrimônio para o rol de bens da pessoa jurídica que é administrada por ele, facilitando o trânsito do parceiro empresário. Seguindo a mesma linha, o cônjuge preocupado com a partilha judicial, retira-se da sociedade às vésperas do intento separatório, transferindo a sua participação para outro sócio. Após a separação judicial, ele retorna à empresa e à livre administração dos bens que eram comuns ao casal.

Diante dessas práticas ilícitas, o magistrado pode desconsiderar, no âmbito da sentença judicial, lançada no processo de separação ou de dissolução de união estável, as alterações contratuais que transferiram ou reduziram a participação social do cônjuge empresário, voltando assim, ao estado anterior da flagrante apropriação da meação do cônjuge despojado. Estando, pois, autorizada a partilha conjugal diante da aplicação da desconsideração inversa.

Desse modo, a desconsideração inversa poderá ser aplicada sempre que o cônjuge, ao se utilizar da pessoa jurídica, busque através de fins escusos, burlar à meação. Com isso, a retirada do véu societário e o seu consequente alcance dos bens garantirá a intangibilidade da verdadeira meação.

O presente efeito da desconsideração inversa estudado neste item, poderá ser aplicado na separação judicial, e na dissolução de união estável. No entanto, torna-se indispensável examinar esse efeito, em medida cautelar, na divisão de quotas sociais e até no âmbito dos alimentos.

A aplicação da desconsideração inversa como medida cautelar, dá-se como proteção aos bens que tem origem no casamento ou na união estável quando estes são transferidos para uma sociedade por intermédio de fraude, abuso de direito ou pela simulação. Para isso, o arrolamento judicial de bens dá ao cônjuge uma noção exata dos bens reputados comuns ao casamento, os quais ficarão sob a guarda de um fiel depositário.

Desse modo, a medida cautelar, apresentada através do arrolamento de bens, visa impedir a transferência e venda de bens pertencentes ao casal para terceiros.

Com efeito, além da desconsideração inversa na medida cautelar, a divisão de quotas sociais também merece enfoque no presente estudo, quando o magistrado em sentença judicial ordena a compensação em favor do cônjuge prejudicado, até obter a soma de bens desviados com a utilização da pessoa jurídica.

Além disso, nos casos em que houver qualquer modificação contratual que tenha sido empregada para diminuir ou reduzir a participação do cônjuge poderá o julgador desconsiderar inversamente.

Dessa forma, a aplicação da desconsideração inversa ordenará o retorno ao monte conjugal os bens desviados fraudulentamente para a pessoa jurídica, havendo então, a desconsideração da transferência dos bens do casal para a sociedade, sendo ordenado ao final, a integral partilha.

Por fim, ocorrerá a desconsideração inversa no âmbito dos alimentos, quando o alimentante procura dissimular, aproveitando-se do manto da pessoa jurídica para ocultar sua real capacidade econômica e financeira da pessoa física, a qual tem o dever legal de alimentos.

No trato processual dos alimentos a pesquisa destes ingressos tem sido costumeiramente dificultada pelo alimentante quando ele é sócio de alguma empresa e aproveita-se desse fato para agir escondido sob o véu empresarial, mantendo vida e atividade notoriamente faustas, em contraponto ao seu miserável estado de quase indigência, considerando os parcos rendimentos que a sociedade lhe alcança como pro labore, isso quando ele não se retira ficticiamente da sociedade, embora siga nela atuando na suposta condição de preposto.

Atua também de forma fraudulenta, o ex-cônjuge que hesita em prestar alimentos declarando que possui baixos rendimentos, porém a sua conduta pública não condiz com a presente postura processual, quando este ostenta riqueza e luxo. Nesse caso, a aplicação da desconsideração inversa da personalidade jurídica e do princípio da aparência será para o devido caso, a justa solução para o litígio alimentar.

Em muitos casos, pais ou cônjuges insensíveis, relapsos ou irresponsáveis se utilizam da pessoa jurídica que integram como sócios para montar diversos estratagemas, tudo com a inequívoca e deliberada intenção de impedir que o autor da ação de alimentos possa demonstrar, através de dados concretos e escoimados de dúvidas, os reais rendimentos por eles percebidos ou os seus respectivos bens particulares.

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Dessa forma, a utilização da desconsideração inversa vem tornar ineficaz a constituição do ato, apenas episodicamente, para julgar a conduta abusiva ou fraudulenta do sócio, estando para os demais atos jurídicos válidos e eficazes.

Porém, ao se aplicar à mencionada desconsideração deve-se ter a plena convicção e comprovação do nexo entre o prejuízo e o ato praticado, para assim, não reconhecer os efeitos de tais abusos contra os rendimentos do credor alimentar.


Considerações finais

Pelo exposto o instituto da pessoa jurídica, mais precisamente o princípio da separação patrimonial, trás um caminho amplo e incontrolado de seu uso, favorecendo assim, a utilização abusiva e fraudulenta, inclusive no campo das relações conjugais.

Diante disso, convém ressaltar que a jurisprudência pátria, em harmônico entendimento com a doutrina, acolheu a Desconsideração da Personalidade Jurídica em sua forma inversa.

Sendo inegável o uso já corrente da desconsideração inversa, especialmente em casos de direito de família.

Inegável que a jurisprudência e a doutrina, de há muito tempo, admitam a penhora das cotas das sociedades limitadas e das ações das companhias. A jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça, de forma pacífica, permitia a penhora das cotas sociais em execução de credor particular contra sócio de limitada, mesmo de natureza personalista, determinando apenas a observância de certas cautelas para garantir aos sócios ou às sociedades a possibilidade de manutenção do personalismo societário. Entretanto, o interesse do credor é o recebimento de seu crédito e não a participação em ou mesmo a venda de quotas ou ações de uma sociedade a respeito da qual não tem qualquer informação.

Além disso, do ponto de vista processual, existem vantagens da desconsideração inversa em relação à penhora de quotas. A desconsideração é mais eficiente para o credor, evitando tanto a demora na avaliação das quotas ou ações como a propositura freqüente de embargos à arrematação que tornam o processo de execução extremamente lento. Os efeitos da aplicação da teoria da desconsideração são benéficos não apenas para o credor. Podem sê-lo também para o devedor. A desconsideração ao evitar a alienação compulsória das participações impede a interferência judicial na sociedade, evitando em certos casos a apuração de haveres relativamente às quotas penhoradas e a consequente sangria patrimonial da sociedade ou impedindo que os demais sócios se vejam obrigados a adquirir as quotas para impedir a entrada de terceiros adquirentes. Por fim, se penhoradas as participações societárias, poderiam jamais encontrar interessados em arrematá-las, eis que o controle societário pode ser exercido com exclusividade pelo devedor, fato este que impediria sua comercialização.

O credor tem o direito de receber seu crédito pela forma mais eficiente possível.

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