Tive acesso a um folder da montadora Renault e com ele pude constar que a questão da isenção do ICMS e do IPVA para deficiente físico chegou à mídia.
Intitulado “Guia para obter isenções e benefícios portadores de necessidades especiais”, o folder tem o atraente chamado na capa: IPVA NUNCA MAIS.
Em seguida, na parte interna, são apresentados os modelos disponíveis para os “deficientes” com atraentes fotografias: Sandero (espaçoso moderno e surpreendente); Logan (totalmente novo); Stepway (um SUV como você nunca viu) e por último um Fluence (o Sedan acima de sua expectativa).
Seguem-se as etapas necessárias para a obtenção dos benefícios e os procedimentos necessários:
- Laudo médico para o condutor ou não condutor;
- CNH – Carteira Nacional de Habilitação
- Documentação para isenção de IPI
- Isenção de ICMS
- Isenção de IPVA para condutores
Por fim uma completa descrição dos grupos de patologias e sintomas que permitem direito à isenção:
- Amputação ou ausência de membro
- Artrodese
- Artrite reumatoide
- Artrose
- AVC (Acidente Vascular Cerebral)
- Câncer
- Doenças degenerativas
- Doenças neurológicas
- Dort (LER) e bursites graves
- Encurtamento de membros e má formação
- Esclerose múltipla
- Escoliose acentuada
- Hérnia de disco
- Hemiplegia
- Linfomas
- Manguito rotador
- Mastectomia
- Monoparesia
- Monoplegia
- Nanismo
- Neuropatias diabéticas
- Paralisia
- Paraplegia
- Parkinson
- Poliomielite
- Problemas na coluna
- Próteses internas e externas
- Quadrantectomia (parte da mama)
- Síndrome do túnel do carpo
- Talidomida
- Tendinite crônica
- Tetraparesia.
Fica evidente pela amplitude e subjetividade da lista que é muito fácil enquadrar uma pessoa em algum destes itens. Deficientes físicos, no sentido estrito do termo, como falta de um membro ou paralisia total, são pouquíssimos casos. A grande maioria são casos de deficiência leve, em que uma pessoa não notaria pelo olhar que aquela pessoa é “deficiente”.
Como já afirmei em outros artigos, mais de 90% dos laudos atualmente são para veículos com direção hidráulica e câmbio automático. Como se sabe, a maioria dos veículos de valor acima de R$ 60.000,00 já está saindo de fábrica com câmbio automático e direção hidráulica e, portanto, não se faz mais nenhuma adaptação, perdendo totalmente sentido a justificativa que embasou a isenção de ICMS.
Por se tratarem de veículos com valor de mercado de R$ 70.000,00, não se trata de um bem essencial, mas acessível somente a famílias de classe média e alta, com poder aquisitivo satisfatório, ou seja, foram criados benefícios fiscais para pessoas que têm poder aquisitivo suficiente para o pagamento de tributos e, portanto, para as quais, considerando as especificidades (deficiências leves), não se justifica de maneira nenhuma que sejam concedidos benefícios fiscais como a isenção do ICMS e do IPVA. E isenção de tributo, necessariamente, deve ter como pressuposto o aspecto “social” e “essencial”.
A indústria de veículos, reboques e carrocerias, teve queda de 18,1%, de janeiro a julho de 2015, em comparação com o semestre anterior, o pior resultado desde 2006. A queda ocorre apesar da chegada de novos produtos ao mercado automotivo nacional ter ajudado a elevar a produção no mês de julho. Nas vendas totais no ano, a retração chega a 21%, segundo a Anfavea. Os estoques de carros chegam a 45 dias de vendas.
Mas, duas montadoras com marcas Premium tiveram desempenho oposto, a Toyota e a Honda. A Toyota opera em capacidade máxima em sua fábrica em Indaiatuba (SP). Produziu em 2014, 77 mil sedãs Corolla. Agora em 2015, teve crescimento de 12,4% na produção (F S P, 14.04.2015, p B-8).
Como explicar esta disparidade? O mercado de veículos em retração e um mercado Premium em expansão? A explicação é que a Toyota está sabendo aproveitar muito bem o favor fiscal concedido pela legislação e o Corolla é o carro preferido por todos que gozam de isenção, porque seu preço é de 69.900,00 e é um carro de luxo. Aliás, a montadora está fazendo mágicas para manter este carro no limite de preços para não perder este mercado.
Portanto, para carros em que parte significativa da venda ocorre com isenção de ICMS e IPVA, não há crise.
Com o folder, fica evidente que a Renault percebeu que este é um grande filão a ser explorado e uma alternativa à queda nas vendas de veículos, como a Toyota, já mostrou com seus números.
Mas o folder demonstra que, como este autor afirmou em outros artigos, a facilidade para obtenção deste benefício de isenção ampliou-se, tornou-se significativa e passou a ser assunto de mídia. Neste andar da carruagem, logo logo, veremos comerciais em televisão propagando as vantagens para os “deficientes” e os privilégios criados serão ampliados em detrimento da arrecadação tributária, que, como todos sabem, está em queda.